ESCOLA DE COMANDO E ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO Maj Inf LERICHE ALBUQUERQUE BARROS O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO E OS DIREITOS HUMANOS NA MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (INTENCIONALMENTE BRANCO) PARA A ESTABILIZAÇÃO DOEM HAITI (MINUSTAH) Rio de Janeiro 2015 2 Maj Inf LERICHE ALBUQUERQUE BARROS O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO E OS DIREITOS HUMANOS NA MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO HAITI (MINUSTAH) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, obtenção como do requisito título de Ciências Militares. Orientador: TC ANDRÉ VICENTE SCAFUTTO DE MENEZES Rio de Janeiro 2015 parcial para a Especialista em 3 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação B277d Barros, Leriche Albuquerque. O Direito internacional humanitário e os direitos humanos na missão das nações unidas para a estabilização do Haiti (Minustah) / Leriche Albuquerque Barros. – 2014. 62 f. : il. Color ; 30 cm. Trabalho de Conclusão de Curso – Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2015. Orientação: TC André Vicente Scafutto de Menezes. Bibliografia: f. 61-62 1. Militar. 2. Direitos Internacionais. 3. Direitos humanos. 4. Estabilização do Haiti (MINUSTAH) I. Título. CDD 343. 4 Maj Inf LERICHE ALBUQUERQUE BARROS O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO E OS DIREITOS HUMANOS NA MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO HAITI (MINUSTAH) Trabalho de Conclusão do Curso apresentado á Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ciências Militares. Área de concentração: ECEME. Aprovada em: ___/___/______. BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________ TC ANDRÉ VICENTE SCAFUTTO DE MENEZES (Orientador) Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) _________________________________________ TC LUCIANO CORREIA SIMÕES Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) _________________________________________ TC MARCO ANTONIO MUNIZ LEITE Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) 5 A Deus. Aos meus pais, Rina Márcia e Antonio Alcyone e aos meus irmãos Lister e Jacqueline. 6 AGRADECIMENTOS À ECEME, pela possibilidade de ampliação dos meus conhecimentos. Ao TC SCAFUTTO pela orientação sempre pertinente e oportuna. Aos colegas da turma, pelas reflexões, críticas e sugestões recebidas. À tão querida AURIDIANA FIGUEIREDO pela contribuição prestimosa para o aprimoramento do trabalho. 7 “Sonho com o dia em que todos se levantarão e compreenderão que foram feitos para viverem como irmãos.” Nelson Mandela 8 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS APA Análises Pós-Ação CARICOM Comunidade do Caribe CCOPAB Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil CIMIC Cooperação Civil-Militar COTER Comando de Operações Terrestres CPTM Core Pre-Deployment Training Materials DH Direito Internacional dos Direitos Humanos DIH Direito Internacional Humanitário EPCOEM Estágio de Preparação de Comandantes e Estado-Maior EPCOSUPEL Estágio para Comandantes de Subunidade e Pelotão HRS Seção de Direitos Humanos da MINUSTAH MD Ministério da Defesa MINUSTAH Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti OEA Organização dos Estados Americanos OBA Operação de Busca e Apreensão OCD Operação de Controle de Distúrbios OMP Operações de Manutenção de Paz ONU Organização das Nações Unidas PBCVU Posto de Bloqueio e Controle de Vias Urbanas PSE Posto de Segurança Estático PE Polícia do Exército PNH Polícia Nacional do Haiti PP Programa-Padrão de Instrução ROE Regras de Engajamento TI Tecnologia da Informação UNMIH Missão das Nações Unidas no Haiti 9 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Organograma da MINUSTAH Figura 2 – Distribuição dos contingentes no Haiti em 2010 Figura 3 – Divisão das áreas de responsabilidade em Porto Príncipe em 2010 Figura 4 – Capa do programa padrão PP Figura 5 – Índice do Programa Padrão Figura 6 – Índice do Programa Padrão Figura 7 – Índice do Programa Padrão Figura 8 – Core Pre-Deployment Training Materials – CPTM Figura 9 – Carga Horária de Instrução para a matéria Regras de Engajamento 10 RESUMO Nos dias atuais, os Direitos Humanos (DH) e o Direito Internacional Humanitário (DIH) são temas amplamente difundidos e estudados, sobretudo, no ambiente internacional. Com o advento da tecnologia da informação e dos meios de comunicação atuando em tempo real em todo planeta Terra, as ações das forças de segurança, nacional e internacional, tem sido alvo de constantes críticas e investigações, seja no tocante às ações internas, mas, sobretudo, em suas ações internacionais, particularmente, as tropas enviadas pela Organização das Nações Unidas (ONU). Assim sendo, o Brasil, como aspirante a membro permanente do Conselho de Segurança e participante de diversas missões militares, seja como observadores militares, seja como tropa de manutenção da paz, deve estar preparado para lidar e atuar em consonância com os tratados e convenções que norteiam o emprego de forças militares no que tange a esses dois importantes temas. Diante deste contexto, o presente trabalho visa estudar a preparação dos militares brasileiros e, principalmente, as tropas brasileiras que são enviadas ao exterior como participante de missão de manutenção da paz, sob a égide das Nações Unidas, no Haiti – Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH). Palavras-chave: Direito Internacional Humanitário, Direitos Humanos, MINUSTAH. 11 RESEÑA Hoy en día, los Derechos Humanos (DH) y el Derecho Internacional Humanitario (DIH) son generalizados y estudiado principalmente en cuestiones ambientales internacionales. Con el advenimiento de la tecnología de la información y la comunicación de los medios en la actuación real de en todo planeta Terra de tiempo, las acciones de la seguridad, las fuerzas nacional e internacional, ha sido el blanco de las críticas y las investigaciones constantes, ya sea en términos de acciones internas, sino especialmente en sus acciones internacionales, en particular las tropas enviadas por las Naciones Unidas (ONU). Por lo tanto, Brasil, como aspirante a miembro del Consejo de Seguridad y participando en diversas misiones militares, ya sea en calidad de observadores militares, ya sea como mantenimiento de la paz de la tropa, debe estar preparado para hacer frente y actuar de conformidad con los Tratados y convenciones que rigen el empleo militar con respecto a estas dos fuerzas importantes cuestiones. Dado este contexto, el presente trabajo tiene como objetivo examinar el desarrollo de los militares brasileños, y en especial a las tropas brasileñas que se envían al extranjero como participante en la misión de paz bajo los auspicios de las Naciones Unidas en Haití - Misión de la ONU Estabilización de Haití (MINUSTAH). Palabras clave: Derecho Internacional Humanitario, los Derechos Humanos, la MINUSTAH 12 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.............................................................................................. 13 2. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...................................................................... 16 3. A MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO HAITI (MINUSTAH) ............................................................................................... 19 4. O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO (DIH) ................................ 26 4.1 Vertentes do DIH .................................................................................. 28 4.2 Escopos Normativos do DIH ............................................................... 29 4.3 Os princípios do DIH ............................................................................ 30 4.4 A implementação do DIH ..................................................................... 32 4.5 O Emprego do DICA nas Forças Armadas brasileiras .................... 4.6 Conclusão Parcial ............................................................................... 35 34 5. O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (DIDH)........ 36 5.1 A hierarquia no ordenamento jurídico brasileiro ........................... 37 5.2 A diferença entre o DIDH e o DIH .................................................... 38 5.3 Os Direitos Humanos na ONU ......................................................... 39 5.4 Os Direitos Humanos na MINUSTAH .............................................. 41 5.5 Conclusão Parcial .............................................................................. 43 6. A PREPARAÇÃO DO MILITAR BRASILEIRO PARA PARTICIPAR DA MINUSTAH ................................................................................................ 45 7. PROPOSTA DE AMPLIAÇÃO DA ABORDAGEM DOS ASSUNTOS DH E DIH NO PROGRAMA PADRÃO DE PREPARAÇÃO DO SOLDADO BRASILEIRO PARA PARTICIPAR DA MINUSTAH................................. 54 8. CONCLUSÃO ............................................................................................ 59 REFERÊNCIAS ......................................................................................... 61 13 1. INTRODUÇÃO Com o advento da Tecnologia da Informação (TI) e da Globalização, os conflitos ocorridos no globo terrestre são acompanhados pelo mundo, em tempo real. Desde o fim da Guerra Fria, a geopolítica mundial vem passando por profundas transformações que acarretam uma modificação do quadro de conflitos internos e entre nações. Assim, o ambiente mais complexo dentro do contexto global contribui para o crescimento de crises armadas de caráter dinâmico e de amplo espectro, também chamada de “guerras assimétricas”. Dentro deste contexto, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem vivenciado um crescimento da necessidade de sua interferência para intermediar a solução desses conflitos e buscar a paz mundial. A crescente criação de missões de imposição e de manutenção da paz tornou-se uma realidade mundial, sobretudo, a partir da década de 1960. Sendo assim, os conflitos crescentes entre os povos obrigaram a ampliação da presença dos ramos do Direito Internacional que tem como finalidade amenizar as consequências dessas desavenças para os seres humanos que participam direta ou indiretamente dos embates: o Direito Internacional Humanitário e os Direitos Humanos. A Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), iniciada em 2004, é um marco na participação brasileira, como contribuinte para o emprego de tropa, nesse tipo de atividade. Além disso, o Brasil participa por meio de missões de observadores militares e integrantes de Estados-Maiores de diversas missões internacionais sob a égide da ONU. Pode-se citar no Chipre, no Sudão do Sul, no Saara Ocidental, entre outros. Com o passar dos anos, a nação brasileira vivenciou um crescimento de sua importância em nível internacional, seja com a permanência da designação de um Oficial General brasileiro como Comandante das Tropas da ONU na MINUSTAH (Force Commander) desde sua criação até hoje, assim como a manutenção da maioria do contingente militar de origem brasileira. Tal fato destaca o Brasil no cenário internacional, especialmente, no campo militar. A pacificação do Haiti, ao longo desses mais de 10 anos, é atribuída, sobretudo, ao contingente brasileiro. A atuação destacada do soldado brasileiro é 14 amplamente divulgada internacionalmente, seja pela mídia escrita, seja pela mídia falada. Assim, a alta capacitação dos militares brasileiros e os resultados por eles obtidos favorecem a reputação do Brasil no cenário internacional. Contudo, à medida que se alcança esse estado de pacificação naquele país da América Central, cresce de importância a forma com que as tropas lidam com a população e, sobretudo, com as forças adversas, especialmente, no que tange ao Direito Internacional Humanitário (DIH) e aos Direitos Humanos (DH). Assim sendo, uma ação infeliz que fira o que prescreve os tratados e convenções, bem como as diretrizes da ONU na seara desses dois temas pode desencadear um efeito totalmente negativo em âmbito internacional prejudicando, sobremaneira, a imagem do Brasil nas Nações Unidas e na comunidade internacional. Como exemplo, pode ser citado o caso do soldado brasileiro integrante do 12º contingente brasileiro que atirou contra civil haitiano por este ter se negado a comprar bebida alcoólica para ele, em um domingo, estando o militar em arejamento na base. Felizmente, os tiros não acertaram o civil. O militar foi preso em flagrante delito e repatriado para o Brasil no dia seguinte. O soldado está sendo julgado na Auditoria da Justiça Militar de Brasília/DF. Tal fato gerou repercussões negativas do Brasil junto à MINUSTAH e, de forma geral, diante da opinião pública mundial. Vários incidentes ocorreram ao longo desse período de permanência da MINUSTAH no Haiti que sinalizam a importância de se intensificar a preparação dos nossos militares nessas duas áreas, entre eles, podem ser citados: Repatriação de uma subunidade de um dos contingentes asiáticos por motivo de abuso sexual com nativos haitianos; abertura de vários inquéritos para apurar procedimentos e condutas de militares de diversos contingentes, inclusive o brasileiro, no trato com civis haitianos, com membros das forças adversas e por condutas nas atividades diárias de patrulhamento e realização de operações militares; repatriação de militares de outros contingentes por conduta inadequada na condução de suas funções, entre outros. 15 Diante desse contexto, a preparação do soldado brasileiro, nessas áreas, sobretudo no cenário atual, pode ser aprimorada para que não haja exageros ou possibilidade que não seja tomada uma conduta que vá de encontro aos ditames do DIH e dos DH na atuação das tropas no dia a dia nas ruas de Porto Príncipe e na área de operações do Batalhão Brasileiro naquele país? O presente trabalho visa estudar a preparação do militar brasileiro no que tange ao Direito Internacional Humanitário (DIH) e ao Direito Internacional dos Direitos Humanos (DH) para compor os contingentes brasileiros que participam da MINUSTAH, bem como a possibilidade do aprimoramento da preparação destes nesses dois grandes temas. Serão apresentados, então, a seguir, um breve resumo sobre a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), serão destacados os principais aspectos relacionados ao DICA e aos DH, bem como será descrita como é a preparação atual do soldado brasileiro para integrar o Batalhão Brasileiro. Por fim, será apresentada uma proposta para aprimoramento do plano de disciplinas com vistas a aprimorar a preparação do militar brasileiro que vai integrar a MINUSTAH. 16 2. CONSIDERAÇÕES INICIAIS A pacificação do Haiti, ao longo desses mais de 10 anos, é atribuída, sobretudo, ao contingente brasileiro. A atuação destacada do soldado brasileiro é amplamente divulgada internacionalmente, seja pela mídia escrita, seja pela mídia falada. Assim, a alta capacitação dos militares brasileiros favorece a reputação do Brasil no cenário internacional. Contudo, à medida que se alcança um estado de pacificação naquele país da América Central, cresce de importância a forma com que as tropas lidam com a população e, sobretudo, com as forças adversas, especialmente, no que diz respeito ao Direito Internacional Humanitário (DIH) e aos Direitos Humanos (DH). Assim sendo, uma ação infeliz que fira o que prescreve os tratados e convenções, bem como as diretrizes da ONU na seara desses dois temas pode desencadear um efeito totalmente negativo em âmbito internacional prejudicando, sobremaneira, a imagem do Brasil nas Nações Unidas e na comunidade internacional. Diante desse contexto, a preparação do soldado brasileiro, nessas áreas, sobretudo no cenário atual, é suficiente para que não haja exageros ou possibilidade que não seja tomada uma conduta que vá de encontro aos ditames do DIH e dos DH na atuação das tropas no dia a dia nas ruas de Porto Príncipe e na área de operações do batalhão brasileiro naquele país? A fim de viabilizar a consecução do objetivo geral de estudo foram formulados os objetivos específicos, abaixo relacionados, que permitirão o encadeamento lógico do raciocínio descritivo apresentado neste estudo: Estudar o Direito Internacional Humanitário (DIH); estudar os Direitos Humanos (DH); Apresentar um resumo sobre a MINUSTAH; apresentar como é realizada a preparação do soldado brasileiro no que tange ao DIH e aos DH; e apresentar uma sugestão de planejamento de um plano de disciplinas para serem implementadas na preparação do militar brasileiro para participar de Missões de Paz da ONU no Haiti, no que tange aos Direitos Humanos e ao Direito Internacional Humanitário. 17 Em face da problemática apresentada e dos objetivos propostos, algumas questões de estudo podem ser formuladas: O que é a MINUSTAH ? O que é DIH? O que são os DH? Como é a preparação do soldado brasileiro no campo dos DH e DIH? Como se pode aprimorar essa preparação ? O presente trabalho busca obter respostas a esses questionamentos a fim de elucidar a problemática da presente pesquisa e, por fim, propor um aprimoramento da preparação do militar brasileiro. Portanto, o presente trabalho tem como objetivo estudar a aplicação do DIH e os DH, assim como a preparação do soldado brasileiro que irá compor o contingente brasileiro na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti – MINUSTAH, com a finalidade de contribuir propondo um aprimoramento teórico desta preparação. O estudo dos Direitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário é primordial para o profissional da guerra, sobretudo, nos dias atuais. A crescente importância e divulgação dessas áreas do Direito Internacional no espectro das ações de segurança dos organismos internacionais evidencia a relevância desses temas na atualidade. A experiência em missões de imposição e manutenção da paz, sob a égide da ONU, proporciona um embasamento pessoal em uma amplitude que garante, aos que têm essa oportunidade, um conhecimento ímpar e uma prática única e indescritível, particularmente nesses campos do conhecimento. O Brasil busca alcançar uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. Assim sendo, está cada vez mais se inserindo na participação de missões internacionais sob a égide da ONU, seja compondo os Estados-Maiores, seja fazendo parte das equipes de Observadores Militares, seja, finalmente, um país contribuinte de tropas para cumprirem missões de manutenção da paz. Pode-se destacar a participação do Brasil na missão da ONU no Líbano e no Haiti. Dessa forma, a preparação dos efetivos que comporão estas missões, especialmente no Haiti, contribuirá para a capacitação e, sobretudo, a aquisição de experiência em outras missões reais internacionalmente, especialmente no campo dos Direitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário. Tal fato possibilitará, ainda, que o Brasil envie, futuramente, militares experimentados e com um maior amadurecimento profissional para participar e se destacar nesse tipo de atividade. 18 Portanto, o presente estudo favorecerá o aprimoramento da preparação dos recursos humanos para a participação de missões sob a égide da ONU contribuindo, efetivamente, para que a participação brasileira nas missões militares internacionais possa alavancar, ainda mais, a posição do Brasil no campo diplomático-militar mundial. 19 3. A MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO HAITI (MINUSTAH)1 Conforme previsto na Resolução 1529 (2004) do Conselho de Segurança e dadas as conclusões da avaliação multidisciplinar em campo, ocorrida em março 2004, o Secretário-Geral recomendou a criação de uma operação de estabilização multidimensional no Haiti. Passou-se a ser chamada Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH). Endossando as recomendações do Secretário-Geral, o Conselho de Segurança adotou a resolução 1542 de 30 de abril de 2004 que estabeleceu a MINUSTAH por um período inicial de seis meses e pediu que a entrega da Força Multinacional Interina ocorresse em 1º de junho de 2004. Ao mesmo tempo, assiste-se a instalação do Contingente Brasileiro em Porto Príncipe e a realocação de tropas chilenas da Força Multinacional Interina para a MINUSTAH como força de paz das Nações Unidas. Outros contingentes da Força Multinacional, Canadá, França e Estados Unidos da América, continuaram suas atividades, conforme previsto na Resolução 1542 (2004) e a assumir a responsabilidade operacional de direito no país. De acordo com o plano operacional militar adotado, as tropas da MINUSTAH seriam implantadas em fases, em pelo menos sete áreas em todo o país. Uma equipe de oito policiais civis começou a trabalhar até 1º de junho e a estabelecer a sede da polícia civil, bem como realizar uma revisão da estrutura, treinamento de necessidades, a logística e a administração da Polícia Nacional Haitiana (PNH), com o qual foram estabelecidos laços estreitos. No Outono de 2004, o envio de tropas em todo o país continuou a ser uma das principais prioridades para a MINUSTAH para estabilizar o estado precário de segurança e ajudar a criar as condições necessárias para a implementação de outras áreas de mandato. No dia 08 de novembro de 2004, a força da Missão contava com 4.493 pessoas. Após a chegada das tropas adicionais da MINUSTAH, esta foi distribuída em todo o país. Na mesma data, o número do efetivo de polícia civil incluiu 978 pessoas, sendo 560 policiais e seis unidades desenvolvidas. 1 Ver no site www.minustah.org e www.un.org/en/peacekeeping/missions/minustah/ 20 No início de 2005, a maioria dos políticos parecia favorecer o estabelecimento de um diálogo nacional e a realização de eleições, como proposto pelo calendário Conselho Eleitoral Provisório. O governo de transição continuou a defender a aliança intitulado "transição política consensual", que foi assinado em 04 de abril de 2004. O componente policial da MINUSTAH continuou a prestar apoio operacional à PNH. Ao mesmo tempo, a Missão tem concentrado cada vez mais seus esforços na formação e capacitação da polícia nacional e começou a implementar um programa de colocação de pessoal, o que facilitará a prestação de consultoria, suporte e treinamento em todos os níveis da polícia. Os conselheiros da polícia da Missão continuaram a supervisionar e facilitar a formação e promoção de novo efetivo de PNH. Contava-se com 368 novos recrutas, incluindo 15 mulheres. Além disso, a Missão estava contribuindo para o trabalho de 37 chefes de polícia e 49 inspetores. No verão de 2005, o governo de transição continuou a ser exposto a sérias dificuldades em áreas fundamentais como a segurança, direitos humanos e condições de vida, bem como críticas de vários setores da sociedade. As tensões políticas e os problemas de segurança culminaram quando o jornalista e poeta de renome, Jacques Roche, foi encontrado morto em 14 de julho, quatro dias após o seu rapto. Durante o mesmo período, o processo eleitoral como um todo aumentou relativamente. O sucesso de todo esse processo era cheio de obstáculos e o diálogo técnico e político entre as autoridades haitianas era embrionário. As diferenças e discussões entre as várias classes eram grandes e as divergências eram constantes. Além disso, a problemática da segurança, com o crescimento da onda de sequestros e assassinatos, contribuiu para a desordem e instabilidade política e social, desde 2004. Uma das prioridades da Missão era a reforma do sistema judiciário, que tinha diferentes facetas. A profissionalização da Polícia Nacional do Haiti só seria sustentável se fosse acompanhada por uma melhoria geral dos sistemas judicial e prisional. As poucas decisões dos tribunais raramente eram executadas. A corrupção parecia minar a confiança no sistema de justiça em todos os níveis. Além disso, a dependência excessiva do Poder Judiciário em relação ao Executivo tornava-se um entrave. 21 No início de 2006, o evento mais significativo foi a realização de eleições nacionais livres e justas, o que resultou na criação de um Parlamento amplamente representativo e um governo multipartidário, após consultas gerais. 45 partidos políticos e 33 candidatos presidenciais foram listados e mais de 60% dos eleitores inscritos participaram nas eleições presidenciais. Em 07 de fevereiro de 2006, René Préval tornou-se presidente da República do Haiti. Em 14 de maio, durante seu discurso de posse, ele pediu que lhe fosse dado lugar ao diálogo para trazer estabilidade ao país. Em 30 de maio, o presidente nomeou Jacques Edouard Alexis como Primeiro-Ministro. Em dezembro de 2006, as eleições municipais e locais foram realizadas em todo o país. Cerca de 29 mil candidatos concorreram para cerca de 10.000 cargos municipais e locais. Durante as eleições, a MINUSTAH foi a responsável por aspectos logísticos e de segurança. O devastador terremoto de 12 de janeiro de 2010, que resultou em mais de 220 mil mortes (segundo dados do governo haitiano), incluindo 96 soldados da ONU, foi um duro golpe para a economia, já abalada, do país e sua infraestrutura. O Conselho de Segurança, pela Resolução 1.908, de 19 de janeiro de 2010, endossou a recomendação do Secretário-Geral para aumentar os níveis de forças globais da MINUSTAH para apoiar os esforços imediatos de recuperação, reconstrução e estabilidade no país. Nesse contexto, o Brasil criou o 2º Batalhão Brasileiro em missão naquele país. Após a realização de eleições presidenciais em 2011, a MINUSTAH tem trabalhado para cumprir o seu mandato original para restaurar um ambiente seguro e estável, para promover o processo político, fortalecer as instituições do Governo e do Estado de Direito, assim como as estruturas do Haiti, promovendo e protegendo os direitos humanos. A MINUSTAH apresenta uma organização bem complexa conforme descreve a figura abaixo: 22 FIGURA 1 – Organograma da MINUSTAH Fonte: Palestra realizada ao Cmt BRABAT em 2010. Observa-se que além do ¨braço armado¨, conduzido pelos contingentes subordinados ao ¨Force Commander¨ e seu Estado-Maior, existe o ¨braço humanitário¨, composto por diversos setores, tais como: Redução a Violência, Proteção a crianças, Ações Humanitárias, Unidade de Gênero, Unidade HIV/AIDS, Agências da ONU, Assuntos Civis, Comissariado de Polícia, Direitos Humanos, Justiça, entre outros. Conforme foi descrito, a MINUSTAH possui uma organização bem dinâmica e diversificada em que, os diversos ¨braços¨ trabalham em conjunto em busca de sua missão de manter o ambiente seguro e estável e contribuir para a reconstrução do país cooperando com as instituições do Haiti para o restabelecimento de um estado democrático. 23 Em 2010, logo após o terremoto, o ¨braço armado¨ estava distribuído conforme a figura abaixo: FIGURA 2 – Divisão dos contingentes no Haiti Fonte: Palestra realizada ao Cmt BRABAT em 2010. Já a capital Porto Príncipe (PaP) era dividida em áreas de responsabilidade pelo contingentes do Brasil, Jordânia, Sirilanka e Nepal, conforme a figura abaixo: 24 FIGURA 3 – Divisão das áreas de responsabilidade em Porto Príncipe em 2010 Fonte: Palestra realizada ao Cmt BRABAT em 2010. No que tange à missão do contingente brasileiro na MINUSTAH, de forma geral, deve-se salientar que o Brasil faz parte dos contingentes que compõem o ¨braço armado¨ da missão da ONU tendo como objetivo precípuo: ¨MANTER O AMBIENTE SEGURO E ESTÁVEL NO HAITI¨. Assim sendo, o BRABAT teve que tomar as providências para que, dentro de sua área de responsabilidade, a vida cotidiana do povo haitiano atingisse um clima de segurança e normalidade constante. Paralelo a isso, o BRABAT tem participado de missões de ajuda humanitária junto às agências da ONU ou setores da MINUSTAH, como o de Assuntos Civis e de ajuda humanitária, cooperando na distribuição de alimentos, de água, apoio às vitimas de enchentes e furacões, e, particularmente, após o terremoto, em apoio aos civis ocupantes dos diversos campos de deslocados, conhecidos como ¨IDP¨. Além disso, por meio da Companhia de Engenharia, o contingente brasileiro realiza 25 trabalhos de recuperação de estradas e pontes, bem como ações de minimização dos efeitos de enchentes e furacões. Para atingir esses objetivos o contingente brasileiro realiza as seguintes ações: patrulhamento diário em sistema constante 24h por dia em toda a sua área de responsabilidade, planejamento e condução de Operações visando realizar ações de combate contra as diversas ¨gangues¨ e grupos armados, planejamento e execução de atividades de Cooperação Civil-Militar (CIMIC) com agências da ONU e a seção de Assuntos Civís da MINUSTAH, reconstrução de trechos de estradas, desobstrução de bueiros e vias, instalação de iluminação pública, recepção de autoridades e comitivas do mundo todo, particularmente, da ONU e de órgãos de imprensa, entre outras. No cotidiano da missão, o militar brasileiro tem uma interação permanente com a população haitiana. As ações do BRABAT são eminentemente práticas, visando buscar uma aproximação maior com o povo na busca de melhor cumprir sua missão. Seja no patrulhamento diuturno, seja nas atividades CIMIC, o soldado brasileiro participa do dia a dia da população. Essa interação, em conjunto com a índole do militar brasileiro, faz com que o Brasil obtenha sucesso e conquiste o respeito e a admiração dos militares de outras nações e da comunidade internacional. Com a participação do Brasil na MINUSTAH, houve a necessidade de preparação do militar brasileiro para missões dessa natureza, sobretudo, em um contexto de mistura de povos, costumes e diversidades em um país assolado pela miséria e a fome. Dessa forma, cresceu de importância a preocupação da melhor preparação possível de nossos combatentes, principalmente, no trato com as pessoas. Resta salientar que, em tese, o militar é preparado para a guerra. Todavia, as missões de paz mesclam um contexto de conflito armado, pois, existem forças oponentes que atuam contra as tropas, e, em contrapartida, existe uma população local que anseia por ajuda de toda ordem. Diante desse contexto, a ONU e, particularmente, o Brasil, a partir do Exército Brasileiro verificaram a necessidade de se qualificar os capacetes azuis a serem empregados em missões de manutenção da paz com conhecimentos acerca dos Direitos Humanos e do Direito Internacional dos Conflitos Armados, focos do presente trabalho. 26 4. O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO (DIH) O Direito Internacional Humanitário (DIH), também conhecido como Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA), tem o objetivo de regulamentar as condições de execução de uma guerra. De acordo com Najla (2008): Suas normas, de origem convencional e consuetudinária, visam restringir meios e métodos de combate e proteger quem não participa mais, das hostilidades. O regime jurídico destinado aos conflitos armados internacionais é complexo e bem elaborado, enquanto aquele que contempla os conflitos armados, de natureza não internacional, é ainda bastante rudimentar. Independente das razões que deflagram os conflitos armados, o DIH ambiciona limitar a violência aos níveis estritamente necessários para que se atinja o objetivo da batalha, que não deve ser outro além do enfraquecimento do potencial militar inimigo. (2008, p. 10) O DIH possui duas vertentes de regulamentação: a primeira visando disciplinar a condução da guerra e das hostilidades consequentes dela, direcionada para os combatentes, e a segunda com o objetivo de prever o tratamento com pessoas em poder do oponente, sendo estes tanto civis quanto militares. Esse ramo do Direito Internacional Público possui três expressões que o designam, a saber: “Direito da Guerra ou Leis da Guerra”, “Direito Internacional dos Conflitos Armados” e “Direito Internacional Humanitário”. Vários aspectos contribuíram para o abandono da terminologia de “Direito da Guerra”. Inicialmente, com a assinatura da Carta de São Francisco, tratado internacional que criou a Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, a situação de uma guerra passou a ser proibida. Era uma escolha de conduta internacional dos entes políticos mundiais. Conforme prevê o Art 2º, inciso 4º da Carta das Nações Unidas, “todos os membros deverão evitar, em suas relações internacionais, a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou outra ação incompatível com os propósitos das Nações Unidas”.2 Outro aspecto que contribuiu para a exclusão desta terminologia é o fato de que para a caracterização da guerra torna-se necessária a intenção de fazer a guerra (animus belligerandi), normalmente definida por meio de uma declaração de guerra. Tal formalidade exclui, consequentemente, outros tipos de conflitos armados. 2 Carta das Nações Unidas. Site do Senado (www.senado.gov.br), anexa ao Decreto-Lei Nr 7.935, de 04/09/1945. 27 Assim, para ampliar esse conceito, a Carta das Nações Unidas utilizou a expressão “uso da força” tornando-se um espectro mais amplo e abrangente ao termo guerra. A Convenção de Genebra de 1949, em seu Artigo 2º descreve: Além das disposições que devem vigorar mesmo em tempo de paz, a presente Convenção irá aplicar-se em caso de guerra declarada ou de qualquer outro conflito armado que possa surgir entre duas ou mais Altas Partes Contratantes, ainda que o estado de guerra não seja reconhecido por uma delas. (1992, p. 19) Assim, amplia a participação do DIH não só à guerra oficialmente declarada quanto em qualquer outro tipo de conflito armado. Portanto, abarca toda a gama de situações beligerantes que possam existir em âmbito internacional. Dessa forma, originou-se a expressão Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA). Por fim, o termo Direito Internacional Humanitário (DIH) começou a ser empregado na década de 1950, no contexto do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). Tendo como base as Convenções de Genebra, essa instituição tem a missão precípua humanitária de buscar que se cumpram as normas de proteção que regem os conflitos armados. Por fim, pode-se inferir que as três expressões são equivalentes e são utilizadas, dependendo do costume e do público-alvo. Observa-se que em ambiente acadêmico ou alguns estados preferem utilizar Direito Internacional Humanitário (DIH) ou Direito Humanitário. Em contrapartida, de modo geral, as Forças Armadas usam, com mais frequência, a designação de Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA). Dentro desse escopo, é imprescindível que os militares de maneira geral e, especialmente, os que trabalharam em um cenário mundial como representantes das Nações Unidas, tenham o conhecimento sobre esse assunto. Vale destacar, ainda, que no contexto atual dos conflitos em amplo espectro e com a tecnologia avançada de transmissão de dados em tempo real, cresce, sobremaneira, a necessidade de se atuar conforme os ditames do DICA. 28 4.1 Vertentes do Direito Internacional Humanitário A aplicação do DIH nos conflitos armados possuem algumas vertentes. A primeira baseia-se no Princípio da Limitação, buscando regular a condução das hostilidades. Dessa forma, tenta restringir as formas de combate, seus meios e métodos, proibindo, inclusive, o uso de determinados tipos de armas. Como viés de prevenção, tem seu público, os combatentes, definindo, em última análise, o que eles podem ou não fazer. Convencionou-se descrever esse ramo de “ius in bello” de “Direito de Haia”. Tal fato decorreu em virtude de que a codificação desta matéria ocorreu na cidade holandesa de Haia. Foram realizadas duas Conferências Internacionais de Paz, em 1899 e 1907. Outra vertente do DIH é baseada no Princípio da Humanidade. Este almeja a proteção das pessoas que não participam dos conflitos ou estão fora das hostilidades por motivo de saúde, naufrágio ou por estar na situação de prisioneiros. Conhecido como “Direito de Genebra”, remonta à primeira Convenção de Genebra, em 1864, e se fortifica com as Convenções de 1949. Existe ainda a vertente que invoca a definição do “Direito de Nova Iorque”, como forma de descrever a participação das Nações Unidas com o DIH. Tal contexto começou a ter prevalência com a Convenção de Teerã sobre os Direitos Humanos, em 1968. Nessa oportunidade, foi definida uma resolução que determina a aplicação dos Direitos Humanos em tempos de guerra. Inclui-se, portanto, os tratados do Direito Penal Internacional pois, ao definir os crimes de guerra, traduzem-se como meios de implementação do DIH. Diante do exposto, é destacado que os militares ¨capacetes azuis¨ devem ter o conhecimento dessas vertentes, visto que suas atitudes e condutas no dia a dia durante as operações deverão ser baseadas tanto buscando restringir as hostilidades quanto buscando ter como basilar o Princípio da Humanidade. 29 4.2 Escopos Normativos do DIH Sendo um ramo do Direito Internacional Público, o DIH, também será aplicado o que é definido nas fontes da Corte Internacional de Justiça3. Além disso, o DIH possui, como atos convencionais, os tratados internacionais celebrados entre os países. Vale salientar que, o direito convencional somente obrigará aos Estados que ratificarem e aderirem aos textos internacionais. As quatro Convenções de Genebra de 1949 e seus dois Protocolos Adicionais de 1977 se constituem nos tratados primordiais do DIH. Contudo, existe uma gama de atos convencionais internacionais que compõem o escopo de normas que regulamentam o DIH. Entre eles podem ser descritos4: a) Declaração de São Petersburgo (1868); b) IV Convenção de Haia (1907); c) I Convenção de Genebra (1949) – feridos e doentes das Forças Armadas em campanha; d) II Convenção de Genebra (1949) – feridos, doentes e náufragos das Forças Armadas; e) III Convenção de Genebra (1949) – prisioneiros de guerra; f) IV Convenção de Genebra (1949) – população civil; g) Convenção de Haia (1954) – bens culturais em caso de conflito armado; h) Convenção sobre a proibição de armas bacteriológicas (1972); i) Convenção Internacional sobre interdição de utilização de técnicas de modificação do meio ambiente para fins militares ou outros fins hostis (1976); j) Protocolo sobre a interdição ou limitação do emprego de minas, armadilhas e outros artefatos (1980); k) Protocolo sobre a interdição ou limitação do emprego de armas incendiárias (1980); 3 Corte Internacional de Justiça é o órgão judiciário principal das Nações Unidas que tem como missão de, à luz do Direito Internacional, julgar controvérsias jurídicas interestatais. Além disso, também tem função consultiva. (vide art. 65 do Estatuto do CIJ). 4 Uma relação completa dos tratados do DIH pode ser consultada no site da Cruz Vermelha Internacional. (www.icrc.org) 30 l) Convenção Internacional sobre a proibição do desenvolvimento, produção, estocagem e uso de armas químicas e sobre a destruição de armas químicas existentes no mundo (1995); m) Protocolo relativo a armas cegantes a laser (1995); n) Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (1998); o) Protocolo facultativo referente à Convenção sobre os direitos da criança, concernente ao envolvimento de crianças em conflitos armados (2000); p) Protocolo relativo aos restos explosivos de guerra (2003); q) Protocolo adicional III às Convenções de Genebra que adota um sinal distintivo adicional (2005). Está pacificado que as quatro Convenções de Genebra de 1949 e seus dois Protocolos Adicionais de 1977 se constituem os principais instrumentos normativos que regulam o DIH ou DICA, assim como os diversos atos internacionais. Assim sendo, é imprescindível que os militares tenham conhecimento do assunto, em particular, os ¨capacetes azuis¨. Portanto, há a necessidade da busca constante do aprimoramento da preparação desses soldados no que tange a este assunto. 4.3 Os Princípios do Direito Internacional Humanitário (DIH) De acordo com o Artigo 1º, Inciso 2º do Protocolo Adicional (PAI de 1977): ¨Nos casos não previstos no presente Protocolo ou por outros acordos internacionais, as pessoas civis e os combatentes ficarão sob a proteção e autoridade dos princípios do direito internacional, tal como resulta do costume estabelecido, dos princípios humanitários e das exigências da consciência pública. ¨ (1997, p. 8) O objetivo desta cláusula é definir o Princípio da Humanidade ao arcabouço normativo do DIH. Assim sendo, os beligerantes não têm a liberdade ilimitada na escolha das formas de combate, enfim, da escolha dos meios e métodos ou no tratamento de pessoas sob o seu poder em situações de conflitos armados. Pilar básico do DIH, o Princípio da Humanidade está associado ao respeito da dignidade da pessoa humana. Tal princípio inclui, também, a busca de se reduzir a capacidade do emprego da violência e reduzir seus efeitos sobre a segurança e a saúde. O termo humanidade pode ser englobado como o humanitarismo, a 31 moralidade, os direitos humanos, a segurança humana, o direito à vida, ao mínimo sofrimento, entre outros. O princípio da Necessidade Militar pode ser definido como sendo a realização de atos e ações mínimos e indispensáveis ao objetivo de vencer o adversário. Conforme descreve Najla: A valoração da necessidade militar traz importantes consequências práticas, tanto que permite derrogações de algumas normas humanitárias, o que pode fazer a diferença entre o ato beligerante lícito à luz do DIH e um crime de guerra. Como exemplo, podem ser citados os Art 5º e 143º da IV Convenção de Genebra de 1949, o Art 71 do Protocolo I de 1977 e o Estatuto de Roma, ao tipificar os crimes de guerra em tempo de conflito armado internacional, no seu artigo 8º, inciso 2, letra a. (2008, p. 30 e 31) A mesma autora continua (NAJLA, 2008, p. 30 e 31): “Já a proporcionalidade vem a ser a relação de equilíbrio que deve haver entre a necessidade militar e o princípio da Humanidade. Proporcional é o meio adequado, razoável, capaz de atingir o fim visado, produzindo o menor dano possível”. Cabe salientar que a aplicação prática desse princípio é uma missão não muito simples e deve ser analisada casa situação. Todavia, o Art. 57, inciso 3, do Protocolo I sintetiza medidas preventivas visando esse cumprimento: ¨Quando for possível escolher entra vários objetivos militares para obter uma vantagem militar equivalente, a escolha deverá recair sobre o objetivo cujo ataque é susceptível de apresentar o menor perigo para as pessoas civis ou para os bens de caráter civil.¨ (1977, p. 38) Já os princípios da Distinção e Limitação são bem definidos no Manual de Emprego do DICA nas Forças Armadas (MD34-M-03), a saber: ¨a) Distinção – distinguir os combatentes e não combatentes. Os não combatentes são protegidos contra os ataques. Também, distinguir bens de caráter civil e objetivos militares. Os bens de caráter civil não devem ser objetos de ataques ou represálias. b) Limitação – o direito das partes beligerantes na escolha dos meios para causar danos ao inimigo não é limitado, sendo imperiosa a exclusão de meios e métodos que levem ao sofrimentos desnecessário e a danos supérfluos.¨(2011, p. 14) 32 Portanto, é inquestionável que definições como Princípios da Distinção e Limitação, Princípio da Necessidade Militar, e, sobretudo, Princípio da Humanidade, são conhecimentos necessários a todos os militares que empunham armas para cumprirem missões em outros países, sobretudo, sob a égide das Nações Unidas. Tal conhecimento deve estar intrinsicamente arraigado em suas condutas e ser prioridade nos programas de instrução militar dos países contribuintes da ONU, especialmente, o Brasil. 4.4 A Implementação do Direito Internacional Humanitário (DIH) Inicialmente, a primeira forma de implementação do DIH é a sua difusão. Tratase de uma forma de prevenção visto que seu conhecimento proporcionará uma maior probabilidade de seu uso em caso de conflitos. Além disso, o Protocolo Adicional I, em seu Art. 83, descreve esta obrigação estatal que deve ser cumprida desde os tempos de paz: ¨1. As Altas Partes Contratantes se comprometem a difundir o mais amplamente possível, tanto em tempo de paz, como em tempo de conflito armado, as Convenções e o presente Protocolo em seus respectivos países e, especialmente, a incorporar seu estudo nos programas de instrução militar e encorajar seu estudo por parte da população civil, de forma que esses instrumentos possam ser conhecidos pelas forças armadas e pela população civil. 2. As autoridades militares ou civis que, em tempo de conflito armado, assumam responsabilidades quanto à aplicação das Convenções e do presente Protocolo deverão estar plenamente inteirados de seu texto. ¨ (1977) Outro meio de controle e aplicação do DIH são as chamadas potências protetoras. Trata-se de um Estado não envolvido no conflito, escolhido pelas partes beligerantes, para resguardarem seus interesses, junto à parte oponente. O Art. 8º da I Convenção de Genebra descreve: ¨A presente convenção será aplicada com o concurso e sob o controle das Potências Protetoras encarregadas de salvaguardar os interesses das partes em luta. Para esse fim, as potências protetoras poderão, além do seu pessoal diplomático ou consular, designar delegados entre seus próprios nacionais ou entre nacionais de outras potências neutras. Esses delegados deverão ser submetidos à aprovação da potência junto a qual exercerão sua missão. As 33 partes em luta facilitarão, na mais larga medida possível, a tarefa dos representantes ou delegados das potências protetoras.¨(1949, p. 21) O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) é a instituição que deve guardar e promover a aplicação do DIH. É um organismo neutro, independente, imparcial, de natureza privada, com finalidade pública. É, portanto, o principal meio de implementação e fiscalização do DIH em âmbito mundial. Suas atribuições estão descritas na III Convenção de Genebra. O Mecanismo para a repressão penal de forma a sancionar as violações do DIH, considerados crimes de guerra5, é o Tribunal Penal Internacional (TPI). O Artigo 8º do Estatuto de Roma do TPI tipifica inúmeras violações do DIH como crime internacional.6 Conforme define Najla: ¨O Direito Penal Internacional (DPI) é o ramo do Direito Internacional Público concebido para prescrever crimes internacionais e impor ao Estados a obrigação de processar e julgar ao menos alguns destes crimes. Este corpo jurídico também engloba normas de natureza processual penal em nível internacional, regras concernentes à cooperação penal internacional e preceitos administrativos/institucionais dos órgãos da Justiça Penal Internacional. ¨(2008, p. 138) O mecanismo para a repressão penal de forma a sancionar as violações do DIH, considerados crimes de guerra7, é o Tribunal Penal Internacional (TPI). O Artigo 8º do Estatuto de Roma do TPI tipifica inúmeras violações do DIH como crime internacional8. A difusão do DIH é uma obrigação das partes contratantes. Inclusive, deve incorporar seu estudo nos programas de instrução militar, bem como a busca do seu estudo pela população civil, conforme preconiza o Protocolo Adicional I. Desta forma, é uma necessidade que todos os militares brasileiros tenham este conhecimento. Além disso, é uma obrigação daqueles militares que irão desempenhar um papel de ¨peacekeepers¨ representando as Nações Unidas em algum lugar do mundo, especialmente, no Haiti. Assim sendo, seu estudo detalhado 5 Conforme o Artigo 85 (5) do Protocolo Adicional I, disponível em www.cicv.org 6 Estatuto de Roma do Tribunal Pena Internacional promulgado no Brasil pelo Decreto Nr 4.388 de 25 de setembro de 2002. 34 durante o preparo das tropas brasileiras é de suprema importância e inquestionável necessidade. 4.5 O Emprego do DICA nas Forças Armadas Brasileiras O manual que regula o emprego do DICA no âmbito das Forças Armadas brasileiras é o MD34-M-03, publicado em 2011, por meio da Portaria Normativa Nr 1.069/MD de 05 de maio de 2011. É dividido em 08 capítulos e dois anexos: ¨Capítulo I – Introdução; Capítulo II – A origem do Direito Internacional dos Conflitos Armados; Capítulo III – Emprego do DICA nas Operações Militares; Capítulo IV – Gestão dos Conflitos Armados; Capítulo V – Tribunal Penal Internacional; Capítulo VI – Difusão e Aplicação do DICA; Capítulo VII – Responsabilidade do Comando; Capítulo VIII – Disposições Finais; Anexo A: Relação dos Instrumentos Internacionais referentes ao DICA e dos quais o Brasil é Estado-Parte.¨ Anexo B: Principais símbolos do DICA. Conforme descrito em sua introdução, a finalidade desse instrumento normativo é a difusão, estudo e consulta para as Forças Armadas, nas situações previstas de planejamento e emprego conjunto e singular dos Comandos Operacionais ativados nas diversas situações de conflitos armados internacionais e não internacionais. Portanto, é primordial que os militares brasileiros que participarão de missões de paz sob a égide da ONU tenham conhecimento do que está descrito no manual do Ministério da Defesa que regula o DICA no âmbito das Forças Armadas. A necessidade de inclusão deste no plano de disciplinas relacionado ao preparo do soldado brasileiro é uma realidade. Além disso, deve-se buscar trabalhar o estudo sistematizado do que é ali preconizado de forma que as frações de tropa possam conduzir suas ações no dia a dia durante a missão de modo a seguir o que preconiza a legislação atual. 35 4.6 Conclusão Parcial Com o advento da multilateralidade, as relações entre os países ganham uma ampliação cada vez mais profunda. Nesse contexto, cresce de importância o conhecimento das regras internacionais que definem essas relações, em particular, no que diz respeito aos conflitos entre nações. Diante de tudo que foi exposto, é cada vez mais necessário e, pode-se dizer, imprescindível, que os militares brasileiros tenham amplo acesso ao conhecimento do Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA), sobretudo, os que participarão de missão internacional no contexto das Nações Unidas. Dentro desse diapasão, portanto, saber empregar o Direito Internacional dos Conflitos Armados, conhecer os princípios que devem direcionar suas atitudes diante das mais diversas situações que viverão durante a missão, assim como saber os ditames dos escopos normativos dos DIH, são considerados conhecimentos básicos a serem adquiridos pelos profissionais das armas que se voluntariam para trabalhar pela paz ao redor do mundo, particularmente, em um país que vive condições ímpares como é o caso do Haiti. 36 5. O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (DIDH) O Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) é assim definido por ser um ramo do Direito Internacional Público. Costumeiramente, é denominado Direitos Humanos. Da mesma forma, o Direito dos Conflitos Armados é denominado de Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA), sendo também conhecido como Direitos Internacional Humanitário (DIH). Assim, o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) ou Direitos Humanos (DH) estão relacionados diretamente aos direitos ligados à pessoa humana, em seu sentido mais amplo. De acordo com Alcy Ribeiro Gomes, em seu artigo nominado Direitos Humanos e Globais (2014): Assim, os direitos humanos seriam hoje um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, buscam concretizar as exigências da dignidade, da liberdade, da igualdade, da fraternidade e da solidariedade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente, em todos os níveis. Numa versão mais sintética, ainda podemos considerar os direitos humanos como sendo um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, buscam concretizar as exigências da dignidade da pessoa humana, as quais devem ser reconhecidas positivamente em todos 7 os níveis. José Afonso da Silva (1991)8 esclarece, ainda, que, atualmente, não se aceita, com tanta facilidade, o pressuposto de que os direitos humanos sejam confundidos com os direitos naturais, provenientes da natureza das coisas. Da mesma forma que não seja confundido com os direitos inerentes à natureza da pessoa humana; direitos inatos que cabem ao homem e somente ao homem só pelo fato de serem homens, mas, sobretudo, são direitos positivos, históricos e culturais que encontram base e fundamento nas relações sociais e humanas materiais em cada momento da história. 7 Conforme artigo publicado. Ver http://jus.com.br/artigos/9225/direitos-humanos#ixzz3CYxwY6Ne 8 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 7 ed.rev e ampl. de acordo com a nova Constituição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991. p. 157. Leia mais: http://jus.com.br/artigos/9225/direitos-humanos#ixzz3CYz4dLp9 37 Paulo Bonavides (1993)9 compreende que direitos humanos e direitos fundamentais são expressões aceitáveis como sinônimas, indistintamente. Porém, por questões didáticas, recomenda-se, para maior clareza e precisão, uma certa variação em seu uso. A expressão Direitos Humanos, até por questões históricas devem ser adotadas referindo-se aos direitos da pessoa humana antes de sua constitucionalização ou positivação nos ordenamentos nacionais, enquanto que direitos fundamentais designam os direitos humanos quando definidos nos espaços normativos. Dessa forma, é importante que todos tenham esse entendimento relacionado aos Direitos Humanos. Os militares, especialmente, devem compreender as nuances relacionadas a esse assunto, sobretudo, pelo destaque que o mesmo tem atualmente no cenário mundial. Assim sendo, antes de participar de uma missão em um país estrangeiro, é interessante que os militares se debrucem sobre o tema. Durante a missão real nas ruas, esses militares irão se deparar com situações em que o conhecimento do assunto deverá conduzir a uma solução ou atitude que poderá determinar uma conduta correta ou o cometimento de um crime. 5.1 A hierarquia no ordenamento jurídico brasileiro A emenda constitucional Nº 45 de 30 de dezembro de 2004, incluiu o parágrafo 3º no Artigo 5º da Constituição Federal de 1988: 3º - Os tratados e convenções internacionais sobre os direitos humanos que forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às 11 emendas constitucionais . Assim, pode-se concluir que os tratados internacionais sobre os direitos humanos que forem aprovados passam a ter o mesmo status de emenda constitucional. Portanto, serão incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, integrando a constituição. Dessa forma, não poderão mais ser alterados, nem por 9 BONAVIDES, Paulo. Os Direitos Humanos e a Democracia. In Direitos Humanos como Educação para a Justiça. Reinaldo Pereira e Silva org. São Paulo: LTr, 1998. p. 16. Leia mais: http://jus.com.br/artigos/9225/direitos-humanos#ixzz3CZ1XlYk7 38 meio de emenda, pois passarão a compor o conjunto das cláusulas pétreas, conforme descrito no inciso IV, parágrafo 4º, Artigo 6º da Constituição Federal / 1988. Inicialmente, é necessário esclarecer um aspecto importante. Conforme nos apresenta Allan Vinicius: Preliminarmente, se faz necessário esclarecer que os tratados internacionais sujeitos a referendo do Congresso Nacional somente obrigam o País no plano internacional após o ato de ratificação levado a efeito pelo Presidente da República. Dito de outro modo, o Brasil somente se vincula, no âmbito internacional, aos termos de um tratado por meio da ratificação, ato de competência privativa e discricionária do chefe de Estado e que só ocorre após a manifestação favorável do parlamento, no sentido de autorizar o País a assumir o compromisso internacional. Portanto, resguardadas as exceções, a mera assinatura de um tratado pelo chefe do Executivo, em regra, não tem o condão de vincular o País, já que, segundo a Constituição Federal, o procedimento de incorporação de um tratado internacional é ato complexo, sendo necessário o concurso de dois poderes: o Executivo (por meio da assinatura, ratificação, da promulgação e da publicação) e do Legislativo (por meio da discussão, da votação e da 10 aprovação do texto de um tratado) . Dessa forma, conhecer o que o ordenamento jurídico pátrio define sobre o tema Direitos Humanos, sobretudo, no que tange às leis internacionais que regulam o assunto, é preponderante não só aos militares mas também a toda a população nacional. Como exemplo, vale ressaltar o conhecimento de que as leis e tratados internacionais sobre o tema são equivalentes à uma emenda constitucional. 5.2 A diferença entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) e o Direito Internacional Humanitário (DIH) ou Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA) O Manual de Emprego do DICA das Forças Armadas apresenta essa diferença de forma simples e objetiva: O conceito de Direitos Humanos refere-se à tutela dos direitos fundamentais dos indivíduos perante o Estado (relação Estado-Indivíduo), tais como o direito à vida, à liberdade e aos direitos sociais, políticos, culturais e socioeconômicos que, no conjunto, limitam a possibilidade de arbitrariedade ou a exacerbação do conceito de soberania do Estado perante aos seus cidadãos. Já o conceito de DICA (relação entre Estados) aplica-se somente 10 ALLAN VINICIUS DE MOURA. “Artigo Direitos Humanos e Globais”. Revista Visão Jurídica, 2014. 39 por ocasião de um conflito armado. Contudo, o fundamento de ambos é o 11 mesmo: o respeito à integridade física e moral da pessoa . Compreender essa diferença é primordial para os militares brasileiros, pois tal conhecimento é útil para embasar as atitudes que estes poderão ter em determinada situação real no dia a dia na missão. Portanto, é importante que esse ensinamento seja repassado a todos os militares que participarão de missão de paz. 5.3 Os Direitos Humanos (DH) na Organização das Nações Unidas (ONU)12 Os direitos humanos são considerados fundamentais pelas Nações Unidas e, portanto, figura proeminentemente no Preâmbulo da Carta das Nações Unidas: "...reafirmar a fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos de homens e mulheres e das nações grandes e pequenas...".13 O importante trabalho da ONU nesta área é realizado por várias organizações de direitos humanos descritos a seguir, algumas das quais desde a fundação das Nações Unidas. Refletindo a crescente importância desse vasto campo, em 1993, a Assembleia Geral estabeleceu o cargo de Direitos Humanos das Nações Unidas ao Alto Comissariado. O Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACNUDH) também lida com os processos de comunicação e reclamações de vários organismos de direitos humanos. Ao pesquisar sobre questões de direitos humanos, é preciso distinguir entre os organismos estabelecidos pela Carta e pelos Tratados. O primeiro grupo é estabelecido por disposições da Carta das Nações Unidas, tem um amplo mandato dos direitos humanos, e é direcionado para uma audiência ilimitada e toma decisões com base no voto da maioria. O segundo grupo é aquele definido como arranjos de instrumentos específicos (por exemplo, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e 11 Portaria Normativa Nr .1069/MD de 5 de maio de 2011. Manual de Emprego do DICA nas Forças Armadas. Pág 14. 12 Ver no site www.ohchr.org 13 Ver no site www.un.org/es 40 Políticos), que tem um mandato mais restrito (por exemplo, uma série de questões codificadas em instrumentos jurídicos relevantes), e aborda um público mais restrito (por exemplo, apenas os países que ratificaram o instrumento jurídico específico), tomando suas decisões por consenso. O Conselho de Direitos Humanos (CDH) foi criado pela Resolução 60/251 da Assembleia Geral de 15 de março de 2006 O Conselho reúne-se pelo menos três vezes por ano e apresenta os seus relatórios à Assembleia Geral. Os relatórios das sessões são publicados como suplementos para os registros oficiais da Assembleia Geral e fornecem resumos do trabalho concluído e contém os textos das resoluções e decisões adotadas pelo Conselho. O CDH assumiu a responsabilidade pelos procedimentos especiais originalmente estabelecidos pela Comissão de Direitos Humanos: os relatórios especiais, representantes, peritos e grupos de trabalho para investigar, discutir e informar sobre questões específicas de direitos humanos, classificadas por país ou tema. A Comissão de Direitos Humanos foi criada pela Resolução 5 (I) do Conselho Econômico e Social de 16 fevereiro de 1946. Esta Comissão reúne-se anualmente e, quando necessário, em sessões especiais, e apresentam os seus relatórios ao Conselho Econômico e Social. A Comissão de Direitos Humanos concluiu suas 62 e última sessão, em 27 de março de 2006. Seu trabalho está sendo continuado pelo Conselho de Direitos Humanos. A Comissão sobre a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos foi criado pela Comissão de Direitos Humanos, em conformidade com o mandato da resolução 9 (II) do Conselho Econômico e Social de 21 de junho de 1946. Anteriormente, era denominado de Subcomitê de Prevenção, para tratar de assuntos ligados à discriminação e à proteção das minorias. O nome foi alterado pela decisão 1999/256 Conselho Econômico e Social de 27 de julho de 1999. Esta Comissão se reúne em sessões anuais e entrega os relatórios ao Conselho de Direitos Humanos, divulgando resumos do trabalho concluído e contendo os textos das resoluções e decisões adotadas pela subcomissão. 41 Os DH são extremamente importantes no contexto das Nações Unidas. Basta saber que desde a assinatura da Carta das Nações Unidas, em 1945, esse assunto teve relevância. Ter o conhecimento, mesmo que de forma geral, da organização do assunto dentro da ONU é importante para o militar que se propõe a participar de uma missão de paz sob a égide desse organismo internacional. 5.4 Os Direitos Humanos (DH) na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH)14 A Seção de Direitos Humanos da MINUSTAH possui vários escritórios no país. Atuam como fiscalizadores da aplicação do DIDH nas diversas atividades dentro do Haiti. Entre eles podem ser citados: Porto Príncipe, Jacmel, Jeremie, Les Cayes, Hinche, Gonaives, Cap-Haittien e Fort Liberté. O mandato da Seção de Direitos Humanos da MINUSTAH visa apoiar o governo do Haiti, bem como as instituições e grupos de haitianos nos seus esforços para promover e defender os Direitos Humanos (DH), especialmente mulheres e crianças, de modo que os violadores desses direitos sejam responsabilizados e que a vítima obtenha a devida reparação. Visa, ainda, acompanhar, em cooperação com o Alto Comissariado dos Direitos Humanos (ACDH), a situação dos Direitos Humanos no Haiti. Vale ressaltar que a Seção de Direitos Humanos é representante do Alto Comissariado naquele país. Assim, as prioridades dos DH sejam refletidas nas atividades das diversas agências da ONU, assim como da tropa, naquele país. A Seção de Direitos Humanos da MINUSTAH (HRS) possui várias atribuições definidas pelo Alto Comissariado. Entre elas, pode-se destacar: Observar e documentar a situação dos Direitos Humanos no País; realizar investigações sobre violações dos DH e de monitoramento com a inspeção geral da Polícia Nacional do Haiti (PNH); trabalhar em processo pela luta contra a impunidade e pela habilitação da PNH no que tange aos Direitos Humanos; visitar e inspecionar os estabelecimentos prisionais haitianos; reforçar as ações dos parceiros nacionais: membros da PNH, autoridades judiciais locais e membros da sociedade civil no domínio dos DH; reforçar a atuação dos órgãos de proteção e advocacia para a adoção da lei relativa ao assunto; analisar as informações sobre as violações dos 14 Baseado em entrevista feita pelo autor, pessoalmente, realizada em 2010. 42 DH em uma ordem específica para destacar motivos e fazer recomendações; produzir relatórios periódicos (semanal, mensal e anual) e relatórios temáticos; participar ativamente nos grupos de trabalho relativos a: Estado de Direito, mecanismos para a luta contra a violência sexual, de gênero e paridade; contribuir para a proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais; contribuir para a proteção ao direito à água potável. Em 2008, por exemplo, foram criadas campanhas para a conscientização do direito ao acesso à água potável pelo povo haitiano. A busca incessante de sensibilizar o governo de que o direito à água potável é um direito humano primordial, foi uma tônica durante aquele ano. Além disso, buscou-se ratificar o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, bem como a aprovação da Lei da Água e do Saneamento, assim como o aumento da cota do estado relativo ao orçamento para o acesso à água potável em todos os rincões do país. Como parte de suas atribuições, a Seção de Direitos Humanos (HRS) estabelece o acompanhamento com informação ao público e ações de formação destinadas ao reforço das capacidades e de facilitar a reforma institucional, inclusive por meio do desenvolvimento de uma agenda de Direitos Humanos. Paralelo a isso, a produção de relatórios periódicos visam informar as principais instituições públicas, tais como a polícia, o sistema judicial, as autoridades administrativas locais e o parlamento sobre questões relativas à proteção dos DH, à luta contra a impunidade e à reforma institucional. Nas suas atividades de formação e aplicação da lei, por autoridades administrativas e judiciárias, a HRS aborda sempre as violações dos direitos fundamentais, as irregularidades processuais observadas em campo, assim como as detenções, inquéritos judiciais e acusações, com o objetivo de reduzir a incidência de ações arbitrárias, detenções ilegais, prolongamentos de prisões preventivas, investigações pobres, bem como a falta de coordenação entre autoridades civis, policiais, judiciárias e a impunidade. Outra ação da HRS é o apoio ao governo, ao parlamento e à sociedade civil no desenvolvimento de um plano de ação para os DH. Além disso, por meio de relatórios de organismos internacionais tratados sobre os DH, buscar a capacidade de construção de atividades que incluam um esforço especial para as capacidades 43 programáticas do Gabinete Provedor de Justiça (Instituto de la Protecion du Citoyen – OPC). Outra atividade executada pela HRS é ajudar a integrar os DH no programa de formação da Academia de Polícia, assim como para a Escola de Magistrados. Paralelo a isso, a formação dos membros da imprensa com vistas a ajudar as Organizações Não Governamentais (ONG) e as associações na prestação de assistência jurídica aos indigentes e generalização dos DH no trabalho da MINUSTAH e da ONU. O conhecimento sobre a estrutura dos Direitos Humanos dentro da MINUSTAH é primordial para o militar que vai trabalhar no Haiti. Saber como funciona, como estão divididos. quais as suas funções e as atividades que desenvolve favorecerá para nortear as condutas e atitudes a serem tomadas pelos militares brasileiros nas diversas situações que irão viver no dia a dia na missão, especialmente, no que tange ao trato com o ser humano, seja a força adversa, seja a população local. Assim sendo, agir conforme as regras, ter condutas coerentes e proporcionais contribuirão para que o militar brasileiro, trabalhando no Haiti, possa melhor cumprir as missões a ele atribuídas sem causar danos colaterais ou problemas diplomáticos internacionais. Esse soldado poderá ou não representar bem o seu país diante do mundo. Suas ações serão fiscalizadas pela Seção de Direitos Humanos da MINUSTAH e, consequentemente, divulgadas, sejam elas positivas ou, principalmente, se forem negativas. 5.5 Conclusão Parcial O Haiti é um país que carece de uma atenção maior por parte das Nações Unidas, especialmente, no que tange aos Direitos Humanos. A inclusão permanente deste assunto na agenda das forças que compõem a MINUSTAH é uma realidade, pois há a necessidade de apoio às instituições nacionais haitianas, particularmente, o governo e a polícia, a fim de que se possam ser cumpridos os princípios basilares dos direitos à pessoa humana. Dentro dessa conjuntura, é cada vez mais necessário e, pode-se dizer, até ser imprescindível, que os militares brasileiros tenham amplo acesso ao conhecimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Conhecer as suas nuances, as 44 orientações definidas pela ONU sobre o tema, a organização, as peculiaridades e atividades das Seções de Direitos Humanos das Nações Unidas e da MINUSTAH são informações primordiais para o melhor desempenho dos militares brasileiros na medida em que poderão ter parâmetros e dimensões do que podem ou que não podem fazer durante as situações das mais diversas que viverão durante a missão. Além disso, no contexto atual, em que as condutas da tropa são acompanhadas em tempo real, saber o que podem e o que não podem fazer tornase preponderante para que suas atitudes não sejam utilizadas de forma negativa, não sejam consideradas nocivas à finalidade suas presenças no Haiti e, consequentemente, não se tornem um problema de caráter internacional e multilaterial. 45 6. A PREPARAÇÃO DO MILITAR BRASILEIRO PARA PARTICIPAR DA MINUSTAH A preparação do militar do Exército Brasileiro selecionado para missões de paz se inicia no Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB), sediado no Rio de Janeiro-RJ.15 De modo geral, a seleção para participar dessas missões pode ser de forma individual, diretamente selecionado pelo Gabinete do Comandante do Exército, ou constituindo-se frações de tropa, como é o caso do contingente que participa da MINUSTAH, onde a seleção é realizada, em forma de rodízio, pelos Comandos Militares de Área. Após a seleção do pessoal, inicia-se a preparação, chamada de Fase do Preparo do Contingente. Os Oficiais selecionados realizam, no CCOPAB, estágios de preparação, seja para oficiais na função de Estado-Maior, chamado de Estágio de Preparação de Comandantes e Estado-Maior (EPCOEM), seja para o Estágio para Comandantes de Subunidade e Pelotão (EPCOSUPEL). Ambos têm a duração de duas semanas. Nesses estágios, são ministrados assuntos dos mais diversos, com a finalidade de preparar os oficiais para exercerem a sua função dentro das peculiaridades da missão. Entre esses assuntos podem ser citados: Os módulos definidos pela ONU: Sistema ONU, Estrutura de Operações de Paz da ONU, Comunicação e Negociação e Pessoal; Os Módulos de Técnicas Operacionais: Exercícios de Tiro, Regras de Engajamento, Emprego de Intérpretes, Histórico da Missão, Técnicas de Combate em Ambiente Urbano, Emprego de Armamento Não Letal, Cooperação Civil-Militar, Relações com a mídia, entre vários outros. Após essa preparação teórica e prática, inicia-se a fase de preparação da tropa. Em uma Organização Militar pré-definida é sediada essa fase. Algumas frações, nível pelotão, podem realiza-la em suas unidades de origem. Todo o preparo é coordenado pela seção de operações da brigada escolhida para ser a responsável, em coordenação à 3ª seção do contingente selecionado. Os conhecimentos recebidos no estágio conduzido pelo CCOPAB serão difundidos e praticados no âmbito das frações. Os comandantes de pelotão e 15 Ver site www.ccopab.eb.mil.br 46 subunidade serão os formadores e condutores de sua fração durante a preparação, com vistas à fase seguinte, a do emprego, já no Haiti. A fase do preparo tem duração aproximada de seis meses e é finalizada com a realização de Estágio Básico de Operações de Paz (EBOP) e do Estágio Avançado de Operações de Paz (EAOP), após os quais o contingente selecionado está pronto para embarcar para o Haiti. Durante esses dois estágios, as frações são testadas em um sistema de oficinas eminentemente práticas, assim como os membros do Estado-Maior são avaliados com situações práticas que ocorrerão durante a missão. São realizadas Análises Pós-Ação (APA) em que são verificadas as oportunidades de melhoria e os pontos fortes observados nos diversos incidentes criados. A finalidade é aprimorar a preparação do contingente para o cumprimento da missão. A organização e a execução do EBOP são de responsabilidade da brigada condutora do preparo, em consonância com o Comando do Batalhão selecionado. Já a condução do EAOP é realizada pelo CCOPAB. Nessas oportunidades, são avaliadas as condutas adotadas pelos comandantes e pelas diversas frações nas mais diversas situações, visando buscar o máximo de realismo possível diante do que encontrarão durante o emprego no Haiti. A preparação do militar brasileiro, no que tange aos DH e ao DICA são realizadas ao longo do preparo do contingente, especialmente em instruções de regras de engajamento e as poucas instruções teóricas sobre o tema. Há instruções práticas previstas finalizando com a realização das ¨oficinas¨ conduzidas durante o EBOP. Por fim, tais práticas são avaliadas pela equipe do CCOPAB durante a condução do EAOP. As regras de engajamento são orientadas no que tange ao DICA e aos DH. Vale salientar que toda a preparação está intimamente ligada à realidade da missão. A preparação é orientada por um Programa-Padrão de Instrução (PP), organizado pelo CCOPAB, onde são preconizadas duas fases: instrução comum e instrução peculiar. O PP utilizado pelo 17º Contingente, no qual o autor participou como integrante da Seção de Operações, foi a edição revisada em 2011, cujo índice será apresentado a seguir: 47 Figura 4 – Capa do Programa Padrão – PP A presente figura é a capa do PROGRAMA-PADRÃO (PP) DE INSTRUÇÃO confeccionado e revisado pelo 15º contingente, cuja preparação ocorreu em 2011. Tal programa é utilizado pelo CCOPAB atualmente como orientação para a condução da preparação dos contingentes brasileiros durante os seis meses que antecedem ao embarque para o Haiti. Vale salientar que este autor participou do 17º contingente brasileiro no Haiti como adjunto do oficial de operações e pôde, pessoalmente, participar do preparo e do emprego desse contingente. O PP acima foi utilizado para nortear o planejamento da preparação do 17º Contingente. 48 Figura 5 – Índice do Programa Padrão A presente figura é o índice do PROGRAMA-PADRÃO DE INSTRUÇÃO. Descreve os assuntos que serão ministrados durante a preparação e a respectiva carga-horária (II – Proposta para a distribuição do tempo). Pode-se citar: CPTM, Ambientação em Op Paz, Tiro de Instrução Avançado de Fuzil, Regras de Engajamento, Emprego de Aeronaves, Comunicações, Inteligência e ContraInteligência, Observação e Vigilância em área urbana, Utilização do terreno em via urbana, Atributos da Área Afetiva, Ordem Unida e Treinamento Físico Militar (TFM). 49 Figura 6 – Índice do Programa Padrão A presente figura é o índice do PROGRAMA-PADRÃO DE INSTRUÇÃO. Descreve os assuntos que serão ministrados durante a preparação, em sua fase de instruções peculiares. Pode-se citar: Armamento, Munição e Tiro, Segurança de Autoridades, Patrulhas, Escolta de Comboios, Posto de Bloqueio e Controle de Vias Urbanas (PBCVU), Posto de Segurança Estático (PSE), Operação de Busca e Apreensão (OBA), Operação de Cerco, Investimento e Vasculhamento (OCIV), Ponto Forte (PF), Operação de Controle de Distúrbios (OCD), Combate em Área Edificada, Cooperação Cívico-Militar (CIMIC), Idiomas e Tiro de Pistola. 50 Figura 7 – Índice do Programa Padrão A presente figura é o índice descritivo dos assuntos e cargas-horárias do PROGRAMA-PADRÃO DE INSTRUÇÃO. Descreve os assuntos que serão ministrados durante os períodos de instruções comum e peculiar, com as respectivas cargas-horárias diurnas e noturnas. Trata-se de uma proposta a ser implementada pelo coordenador do preparo do contingente em coordenação com o Comando do Batalhão Brasileiro (BRABAT). Observa-se, por fim, que os temas DIREITOS HUMANOS E DICA NÃO CONSTAM DOS ASSUNTOS. A ONU define alguns assuntos que devem ser ministrados durante o preparo dos contingentes. Esse módulo é denominado Fundamentos das Operações de 51 Manutenção de Paz (OMP) da ONU (Core Pre-Deployment Training Materials – CPTM), descrito a seguir: Figura 8 – Core Pre-Deployment Training Materials – CPTM O planejamento da instrução, bem como a condução ao longo do semestre, é coordenado pela célula da seção de operações (G3) do batalhão selecionado. Seguindo diretrizes estabelecidas pelo Comando de Operações Terrestres (COTER) e pela brigada responsável pela preparação e do comando do batalhão selecionado, o chefe da seção de operações confecciona o Plano de Preparo. Esse documento nada mais é que um compêndio das diretrizes e a descrição, de forma detalhada, de como deverá ser conduzida a preparação das frações nas organizações militares que irão realizar essa atividade. Ao longo do preparo, são previstas algumas concentrações das subunidades, em OM sedes de frações que compõem estas subunidades, sejam subunidades de fuzileiros, seja a subunidade de comando e apoio. Durante essas concentrações são desenvolvidas atividades de tiro, de forma centralizada, assim como outras com o objetivo de desenvolver os atributos da área afetiva, particularmente o espírito de corpo e a camaradagem. Pode-se perceber, após a apresentação geral dos assuntos ministrados durante a preparação dos contingentes, que os temas DIREITOS HUMANOS E 52 DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO são previstos apenas no pacote de instruções definido pela ONU (CPTM), em sua Unidade 3, com apenas 5h de carga horária. Os assuntos são: Ordenamento Jurídico Internacional aplicável às OMP (1 hora); Proteção dos Direitos Humanos em uma OMP da ONU (1 hora); Mulheres, paz e segurança: o papel da OMP da UNU (1 hora); Proteção das Crianças: o papel da OMP da ONU (1 hora); Trabalhando com parceiros da Missão (1 hora). Além disso, pode-se dizer que é abordado o assunto relativo aos DH e sobre o DIH na parte relativa a regras de engajamento. Nessa matéria, com instruções teóricas e práticas, o soldado brasileiro aprende a forma correta de reagir nas diversas situações baseado nas “Rules of Engangement” ou Regras de Engajamento (ROE), definidas pela ONU, com carga-horária de 9 horas de instruções diurnas e noturnas. Assim, a orientação desses procedimentos é calcada, também, nos princípios e normas definidas pelos DIH e DH, conforme a figura a seguir: Figura 9 – Carga Horária de Instrução para a matéria Regras de Engajamento 53 Portanto, corroborando com os objetivos do presente trabalho, observase que há a necessidade de que seja dada uma ênfase maior e à disponibilidade de ampliação da carga-horária para ministrar instruções sobre esses temas no plano de preparação dos contingentes brasileiros para a MINUSTAH. Como exemplo, para embasar esse entendimento, basta descrever que o assunto DICA não está no programa de matérias a serem ensinadas. 54 7. PROPOSTA DE AMPLIAÇÃO DA ABORDAGEM DOS ASSUNTOS DH E DIH NO PROGRAMA PADRÃO DE PREPARAÇÃO DO SOLDADO BRASILEIRO PARA A MINUSTAH A importância do assunto, sobretudo, da ampla necessidade de conhecimento do Direito Internacional Humanitário e do Direito Internacional dos Direitos Humanos, é inconteste. No âmbito das Nações Unidas, até pela natureza das missões internacionais por ela designadas, sobreleva essa importância e, pode-se dizer, torna-se imprescindível esse conhecimento. No Haiti, até pelas condições daquele país em diversos aspectos, tais como político, econômico, psicossocial, entre outros, a abordagem desse tema é por demais necessária e seu estudo não deve ser superficial. Como exemplo clássico que se utiliza atualmente, pode ser citada a figura do “cabo estratégico”. A característica extremamente descentralizada das ações no Haiti, sobretudo da tropa, faz com que um militar que está na “ponta da linha”, formando as frações, como os cabos e soldados, pode ter suas ações consideradas estratégicas. Isso ocorre na medida em que uma atitude sua diante a população, por exemplo, pode ter repercussões no nível político-estratégico e caráter diplomático com reflexos, inclusive, para a imagem do país em âmbito mundial. Diante do exposto, o conhecimento detalhado dos ditames desses dois grandes temas que norteiam as missões de paz e trazem repercussões em nível mundial é estritamente necessário ao militar que é voluntário a trabalhar nas Operações de Manutenção da Paz ao redor do mundo e, especialmente, no Haiti. A seguir, será apresentada uma proposta de inclusão no Plano de Disciplinas do Programa Padrão referente ao preparo do soldado brasileiro para participar da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH). 55 PLANO DE DISCIPLINAS – PROGRAMA PADRÃO DE PREPARAÇÃO DO SOLDADO BRASILEIRO PARA PARTICIPAR DA MINUSTAH MATÉRIA: DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO (DIH) ou DIREITO INTERNACIONAL DOS CONFLITOS ARMADOS (DICA) TIPO PARTICIPAN ASSUNTOS TES CARGA OBSERVAÇÕES HORÁRIA 1. A origem do Direito Internacional dos 2h * Conflitos Armados (DICA) 2. O Emprego do DICA em Operações 2h* Militares 3.. A Gestão dos Conflitos Armados 2h* 2h* 4. O Tribunal Penal Internacional Apresentar o Decreto Nr 4.388 de 25 Set 2002 PECULIAR TODOS 2h* 5. Difusão e Aplicação do DICA Abordar os símbolos mais importantes 6. Responsabilidades perante ao DICA 2h* 6h* Sugestão: 1h para cada 7. As Convenções de Genebra e seus Convenção / Protocolos Adicionais 1h para cada Protocolo Adicional * Metodologia: 1h para a parte teórica do assunto e 1h para a aplicação de casos esquemáticos práticos com a participação dos alunos, preferencialmente, com trabalhos em grupo. SUGESTÃO DE OBJETIVOS: - Conhecer a origem do DICA; - Conhecer o emprego do DICA em Operações Militares; - Conhecer os principais aspectos do Estatuto de Roma – Tribunal Penal Internacional; - Conhecer os principais símbolos aplicados ao DICA; e - Conhecer as Convenções de Genebra e seus Protocolos Adicionais. 56 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: - MD34-M-03: Manual de Emprego do Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA) nas Forças Armadas. - Curso de Direito Militar - Direito Internacional Humanitário e Direito Penal Internacional. Najla Nassif Palma. Rio de Janeiro: Fundação Trompowsky, 2008. - Manual sobre el derecho de La Guerra para las Fuerzas Armadas. Frédéric de Mulinen. Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR), 1991. - Direito Internacional relativo à condução das hostilidades. Compilação de Convenções de Haia e de alguns outros instrumentos jurídicos. Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR), 2001. - Sitio: www.icrc.org - Sitio: http://www.un.org Para a confecção deste PLADIS foram buscados os assuntos mais importantes no que tange ao DICA e que devem ser de conhecimento do militar que vai participar de uma missão de paz sob a égide da ONU. Foram sugeridos alguns objetivos que nortearam a condução das instruções. Por fim, como fruto da pesquisa feita para a realização do presente trabalho, foram sugeridas as referências bibliográficas úteis e utilizadas para a confecção deste. Todavia, existem outras fontes que podem ser utilizadas para a preparação das instruções relativas ao assunto. 57 PLANO DE DISCIPLINAS – PROGRAMA PADRÃO DE PREPARAÇÃO DO SOLDADO BRASILEIRO PARA PARTICIPAR DA MINUSTAH MATÉRIA: DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (DH) PARTICIPAN TIPO ASSUNTOS TES 1. O Direito Internacional dos Direitos CARGA HORÁRIA 2h Humanos (DH) na ONU OBSERVAÇÕES Abordar definição e atuação dos DH 2. A Declaração Universal dos Direitos 2h Humanos 2h PECULIAR TODOS 3. A Seção de Direitos Humanos na Abordar atribuições e MINUSTAH principais atividades 3. A legislação que regulamenta os 2h Direitos Humanos na MINUSTAH 4. O Comitê Internacional da Cruz 2h Vermelha (CRCV) 5. As ONG que trabalham na área dos 2h Direitos Humanos na MINUSTAH SUGESTÃO DE OBJETIVOS: - Conhecer a definição de Direitos Humanos; - Conhecer a estrutura da Seção de Direitos Humanos da MINUSTAH e suas principais atribuições e atividades; - Conhecer a legislação que regulamenta a atividade dos Direitos Humanos na MINUSTAH; - Conhecer o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, suas atribuições e atividades, especialmente, na MINUSTAH; - Conhecer as principais Organizações Não-Governamentais que trabalham na área dos DH na MINUSTAH; e - Conhecer a Declaração Universal dos Direitos Humanos. 58 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: - Curso de Direito Militar - Direito Internacional Humanitário e Direito Penal Internacional. Najla Nassif Palma. Rio de Janeiro: Fundação Trompowsky, 2008. - Sitio: http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/minustah/ - Sítio: http://www.dudh.org.br/ - Sítio: http://www.onu.org.br/ - Sítio: https://www.icrc.org/spa/ Para a confecção deste PLADIS foram buscados os assuntos mais importantes no que tange aos DH e que devem ser de conhecimento do militar que vai participar de uma missão de paz sob a égide da ONU. Foram sugeridos alguns objetivos que nortearam a condução das instruções. Por fim, como fruto da pesquisa feita para a realização do presente trabalho, foram sugeridas as referências bibliográficas úteis e utilizadas para a confecção deste. Todavia, existem outras fontes que podem ser utilizadas para a preparação das instruções relativas ao assunto. 59 8. CONCLUSÃO O Direito Internacional Humanitário ou Direito Internacional dos Conflitos Armados, assim como os Direitos Humanos são temas abordados de forma constante no cenário mundial. Tais assuntos se avultam de importância quando permeiam a relação entre os países. Assim sendo, no mundo globalizado e, sobretudo, no cenário internacional atual da multilateralidade o conhecimento desses é praticamente imprescindível, especialmente aos profissionais das armas. Diante dessa conjuntura, a preparação intelectual dos militares brasileiros que irão desempenhar importante papel no cenário mundial, particularmente no ambiente ONU, como soldados da paz, os conhecidos “capacetes azuis”, é de vital importância, principalmente nos campos dos DH e do DIH. Tal assertiva é corroborada com as manchetes dos jornais internacionais que denunciam diariamente abusos e ações de tropas e facções ao redor do mundo que ferem profundamente os princípios basilares dos direitos da pessoa humana. Como exemplo, pode ser citado o massacre em Ruanda, na África, na década de 1990. A importância da preparação do militar brasileiro é uma realidade. A criação do Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB) é uma demonstração disso. A padronização, organização e estudo permanente, buscando uma melhoria na preparação dos nossos soldados fazem com que o Brasil se mantenha a cada ano como permanente modelo a ser seguido para os outros exércitos do mundo. Assim sendo, contribui efetivamente para que seja considerado um ator global e seja capaz de projetar poder nos quatro cantos do mundo. Todavia, a ampliação das repercussões e consequências de uma conduta contrária ao que determina esses dois grandes temas, durante a execução das atividades inerentes à missão, obrigam à uma crescente preocupação no que tange á preparação do soldado brasileiro para esse tipo de atividade. A figura do ¨cabo estratégico¨, por exemplo, em que determina que a atitude de um Cabo e de sua fração, durante um patrulhamento diário corriqueiro, pode ter repercussão que envolva incidente diplomático e macule a imagem do Brasil perante a ONU e ao mundo, sugere a busca permanente do aperfeiçoamento da preparação psicológica e teórico-prática dos contingentes brasileiros que se sucedem na MINUSTAH. 60 Portanto, finalmente, pode-se concluir que o aprimoramento do conteúdo programático previsto para a preparação do soldado brasileiro que participará, representando a nação diante do mundo, em qualquer parte do planeta, e, especialmente, em solo haitiano, deve ser uma preocupação constante, sobretudo, nesses dois grandes temas de importância mundial na atualidade. 61 REFERÊNCIAS BONAVIDES, PAULO. Os Direitos Humanos e a Democracia. In Direitos Humanos como Educação para a Justiça. Reinaldo Pereira e Silva org. São Paulo: LTr, 1998. p. 16. Leia mais: http://jus.com.br/artigos/9225/direitos-humanos#ixzz3CZ1XlYk7 BRASIL. Exército Brasileiro. Diretriz Geral do Comandante do Exército para o período de 2011-2014. Disponível em http://www.exercito.gov.br/c/document_ library/get_file?uuid=10f67ae5-35f3-44ad-884aa-76b0e16f546c&groupId=10138. Acesso em 08 MAR 2013. ______ Exército Brasileiro / ECEME. Formatação de trabalhos acadêmicos, dissertações e teses. Seção de Pós-Graduação. Rio de Janeiro, ECEME, 2008. ______ Ministério da Defesa. Manual de Operações de Evacuação de Não Combatentes, Portaria Normativa Nr 1351/EMD/MD de 11 de outubro de 2007. ______ Governo Federal. Decreto Nr 4.388 de 25 de setembro de 2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949. Normas Fundamentais das Convenções de Genebra e de seus Protocolos Adicionais. Direito Internacional relativo à condução das hostilidades – Compilação das Convenções de Haia e de alguns outros instrumentos jurídicos. Manual sobre el derecho de La Guerra para las Fuerzas Armadas. Frédéric de Mulinen. 62 Gil, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa - 4. ed. - São Paulo: Atlas, 2002 LAKATOS, E. MARCONI, M.A. Fundamentos da metodologia científica. 5. Ed São Paulo: Atlas, 2003. MINAYO, M.C. de S.(org). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 23. Ed. Petrópolis: Vozes, 2004 apud NEVES, E.B. DOMINGUES, C.A. Manual de Metodologia da Pesquisa. EB/CEP, 2007. MOURA, ALAN VINICIUS. Revista Visão Jurídica, São Paulo, edição 99, p. 28-37, set. 2014. NEVES, E.B. DOMINGUES, C.A. Manual de Metodologia da Pesquisa. EB/CEP, 2007. PALMA, NAJLA NASSIF. Curso de Direito Militar - Direito Internacional Humanitário e Direito Penal Internacional. Rio de Janeiro: Fundação Trompowsky, 2008. SILVA, JOSÉ AFONSO DA. Curso de Direito Constitucional Positivo. 7 ed.rev e ampl. de acordo com a nova Constituição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991. p. 157. Leia mais: http://jus.com.br/artigos/9225/direitoshumanos#ixzz3CYz4dLp9 sitio: http://www.ccopab.eb.mil.br. Acesso em: 25 de agosto de 2014. sitio: http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/minustah/. Acesso em: 25 de agosto de 2014. sitio: http://www.dudh.org.br/. Acesso em: 6 de setembro de 2014. sitio: http://www.onu.org.br/. Acesso em: 6 de setembro de 2014. sitio: https://www.icrc.org/spa/. Acesso em: 6 de setembro de 2014.