Revisões
Adesão ao tratamento
antidepressivo
Resumo
Koen Demyttenaere1
University Hospital
Gasthuisberg
Lovaina, Bélgica
Int. J. Psych. Clin.
Pract. 2001;5,Supl 1;
S29-S35
A fraca adesão à medicação antidepressiva é comum
tanto em cuidados de saúde primários como na prática
psiquiátrica, constituindo um forte obstáculo para o
tratamento eficaz da depressão. Admite-se com
frequência que os efeitos adversos e a falta de eficácia
associados à prescrição inadequada dos antidepressivos
clássicos constituem as causas comuns que levam os
doentes a interromperem prematuramente o
tratamento. Contudo, a adequada prescrição de
antidepressivos eficazes e bem tolerados não garante
que os doentes cumpram a prescrição. As crenças e
atitudes fundamentais de um doente em relação ao
tratamento também influencia as hipóteses de êxito
do tratamento, tendo sido demonstrado por alguns
estudos que os doentes albergam muitas crenças
infundadas relativamente a medicações antidepressivas
e seu uso. O médico que prescreve tem o dever não
só de garantir a escolha de um antidepressivo eficaz
que apresente efeitos secundários mínimos,
prescrevendo-o de acordo com as directrizes do
tratamento, mas também de fazer uma perscrutação
activa das crenças e atitudes do doente durante o
tratamento. Demonstrou-se que combatendo os
conceitos errados generalizados sobre medicamentos
antidepressivos e garantindo um acompanhamento
estruturado se pode reforçar o cumprimento da
prescrição e melhorar os resultados do tratamento.
A escolha de antidepressivos mais recentes e selectivos
resulta num aumento do número de doentes que
seguem o tratamento durante , pelo menos, um mês.
A escolha de um fármaco com uma toma diária
(fármacos com uma semi-vida mais longa) que
apresente um risco reduzido de sintomas de
descontinuação no caso de omissão ocasional de
algumas doses, está também fundamentada.
1 Endereço para correspondência: Professor Koen Demyttenaere,
University Hospistal Gasthuisberg (Depar tment of Psychiatr y),
Herestraat 49-3000, Leuven, Belgium Tel ++ 32 16 34 87 01
Fax ++ 32 16 34 87 00 E-mail: [email protected]
Palavras-chave : cuidados primários; cumprir a
prescrição; antidepressivos; depressão major; adesão
Introdução
A fraca adesão à medicação constitui um forte obstáculo
para o tratamento de muitas doenças crónicas, mas é
especialmente problemático no tratamento eficaz da
depressão (Blackwell, 1976; Lin et al, 1995).
Uma percentagem significativa de doentes, tanto em
cuidados de saúde primários como especializados,
interrompem prematuramente a medicação
antidepressiva, tendo sido realizados muitos estudos
numa tentativa de identificar os factores preditivos da
adesão ao tratamento antidepressivo (Lin et al, 1995).
Os factores que foram analisados incluem as
características demográficas, a gravidade da
psicopatologia, a personalidade e as crenças do doente,
a escolha do antidepressivo, a eficácia e os efeitos
secundários do tratamento e a relação médico-doente.
Estes estudos conduziram a um conhecimento muito
mais aprofundado das causas que levam os doentes a
não cumprirem a prescrição no tratamento da
depressão, tendo sido actualmente desenvolvidas muitas
estratégias para as superar.
Qual a significação que atribuímos a cumprimento da
prescrição?
O cumprimento da medicação é geralmente definido
do seguinte modo: até que ponto o doente toma a sua
medicação especificamente de acordo com a prescrição
(Haynes et al., 1979)? O cumprimento da medicação
antidepressiva implica, normalmente, que o doente
tenha tomado o número correcto de comprimidos
prescritos durante o curso correcto do período de
tratamento. A expressão “cumprir a prescrição” pode
ser, contudo, ilusória, uma vez que um doente a quem
tenham sido prescritos 30 comprimidos para serem
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tomados uma vez por dia, durante um período de tratamento de
um mês, pode “cumprir” a prescrição se tiver tomado dois
comprimidos nos restantes dias. O termo “adesão” é mais específico,
uma vez que nos diz que o doente tomou a dose correcta da
medicação no intervalo prescrito para a correcta duração da
terapêutica, o que embora sendo consideravelmente mais difícil
de monitorizar é claramente o supremo objectivo no tratamento
da depressão.
Num recente estudo realizado no Reino Unido onde foram comparados
quatro métodos diferentes de avaliar o cumprimento da terapêutica
antidepressiva em cuidados de saúde primários, concluiu-se que o
sistema MEMS era o que fornecia mais informação (George et al.,
2000). Neste estudo, as pontuações auto-relatadas mostraram ser
uma técnica útil de despite, a contagem dos comprimidos não foi
considerada fiável e as análises de concentração sanguínea provaram
ser o método menos aceitável (George et al., 2000).
Medir a adesão à prescrição médica
Factores que afectam o cumprimento da
medicação
Nunca foi fácil avaliar o cumprimento da prescrição médica em
ensaios clínicos ou na prática clínica. Métodos simples como a
contagem dos comprimidos ou da prescrição raramente são
exactos e os métodos exactos como a monitorização plasmática
ou a contagem electrónica raramente são simples (Demyttenaere,
1997). Tanto os doentes como os médicos tem tendência para
sobrestimar o cumprimento da prescrição (Straka et al., 1997;
Spector et al., 1986; Matsui et al., 1994; Kass et al., 1986) e,
infelizmente, não existe nenhum método 100% fiável para quantificar
o comprimento da prescrição (Demyttenaere, 1997).
16
Foram recentemente desenvolvidos aparelhos mecânicos tais como
o Medication Event Monitoring System (MEMS) baseado num
microprocessador (Kruse e Weber, 1990). Estes aparelhos registam
o tempo preciso de abertura de um blister de comprimidos,
acreditando muitos médicos que estes aparelhos constituem o
“padrão de ouro” para monitorizar se o doente cumpre a prescrição
farmacológica (George et al., 2000). No entanto, estes aparelhos
não são infalíveis, dado que não registam o número de comprimidos
retirados de cada vez e não podem inevitavelmente provar que os
comprimidos foram realmente tomados (Demyttenaere, 1997;
Straka et al., 1997; George et al., 2000).
Outros estudos sobre cumprimento da prescrição médica avaliaram
os níveis plasmáticos do fármaco e dos seus metabolitos e analisaram
a estabilidade dos coeficientes do nível/dose e os níveis sanguíneos
constantes, partindo do princípio que os doentes que cumprem
a prescrição apresentariam coeficientes de nível/dose e níveis totais
plasmáticos constantes ( Frank, et al., 1992;Tollefson,1993; Altamura
e Mauri, 1985). Apesar de Ellen Frank e a sua equipa terem usado,
com êxito, esta técnica para demonstrar que cumprir a medicação
reduz eficazmente o risco de recorrência de depressão (Frank
et. al., 1992), outros autores concluíram que o método é
inadequado para monitorizar o cumprimento da medicação em
clínica geral, uma vez que muitos doentes se mostram relutantes
em fornecer amostras sanguíneas e porque são comuns os erros
decorrentes das amostras ( George et al., 2000).
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Demonstrou-se que muitos factores diferentes influenciam o
cumprimento da medicação. Estudos em que foram usados fármacos
anti-epiléticos e outros fármacos demonstraram que a frequência
da dosagem influencia fortemente a capacidade que os doentes
apresentam de cumprirem e aderirem ao tratamento (Cramer et
al., 1995). Apesar da administração de doses duas vezes por dia
terem resultado em 86% de casos em que a prescrição foi cumprida,
a sua adesão foi relativamente fraca (59%) (Cramer, 1995). A maior
parte dos doentes que seguiam um regime de tratamento de duas
vezes por dia, tomavam os medicamentos ao levantar e ao deitar,
o que raramente correspondia à administração de uma dose de
12 em 12 horas. Neste estudo, os doentes que tomavam doses
três e quatro vezes por dia (conforme a necessidade), referiram
ter cumprido ligeiramente menos e ter aderido significativamente
menos à prescrição (Cramer, 1995).
No estudo que realizaram sobre o uso de dinitrato de
isossorbido três vezes por dia no tratamento da doença
coronária, Straka e colaboradores concluíram que as mulheres
apresentavam maior probabilidade de cumprir a medicação do
que os homens (Straka et al., 1997). Este parece ser um resultado
consistente em muitos estudos, apesar de as causas para as
diferenças encontradas no comportamento de cumprimento
da medicação entre os dois sexos não serem claras.
Estudos realizados com idosos concluíram que as pessoas que
vivem sozinhas ou que tomam dois ou mais medicamentos
evidenciam especial falta de cumprimento da prescrição (Col et
al., 1990). Num estudo realizado nos EUA com idosos hospitalizados
conclui-se que a falta de cumprimento da medicação foi responsável
por 10% do total de internamentos por episódios agudos (Col et
al., 1990). Neste estudo, o uso insuficiente de medicamentos foi
a causa mais comum do não cumprimento da prescrição (81%);
no entanto, a sobredosagem foi responsável por 17% desse não
cumprimento.Apesar de o esquecimento ser a causa que as pessoas
Revisões
idosas atribuíam normalmente ao facto de não terem cumprido a
prescrição (Quadro I), mais de 50% dos doentes neste estudo
referiram que não seguiram as indicações médicas intencionalmente
(Col et al., 1990).
Quadro I. Causas de não cumprimento da prescrição numa população idosa internada
num hospital de cuidados agudos por falta de obediência à prescrição ou devido a efeitos
adversos (Col et al., 1990).
Causas referidas para o não cumprimento da prescrição
Esquecimento
Efeitos secundários
Considerado como não necessário
Confusão
Custo
Não gostar de tomar medicamentos
Sentir-se fútil
Ter recebido instruções inadequadas
n
%
doentes
37
17
12
11
10
9
5
4
39,6
17,7
12,5
11,5
10,4
9,9
5,2
4,2
Não cumprir a prescrição na depressão: a
dimensão do problema
A interrupção precoce da medicação antidepressiva verifica-se
normalmente em clínica geral, independentemente do tratamento
ter sido receitado por um psiquiatra ou por um médico de cuidados
de saúde primários (Katon et al., 1990; Simon et al., 1993). As taxas
de interrupção são maiores durante o primeiro mês de tratamento,
sendo os doentes dos cuidados de saúde primários as pessoas que
apresentam um maior risco de interrupção precoce da medicação
(Figura 1) (Simon et al., 1993). Os estudos efectuados por Simon
e colaboradores concluíram que 35% dos doentes dos cuidados
de saúde primários interromperam o tratamento antidepressivo
no primeiro mês, não tendo a maior parte destes doentes obtido
novas receitas da prescrição inicial (Simon et al., 1993). Existe
uma maior probabilidade de interrupção precoce dos
antidepressivos mais antigos, como por exemplo a doxepina,
apesar do padrão das primeiras desistências precoces seguidas
de um declínio constante do cumprimento da prescrição ser
semelhante em todos os fármacos estudados (Simon et al., 1993).
Tal como tem sido observado em outras áreas terapêuticas,
os doentes do sexo feminino e os de meia-idade apresentam
menor probabilidade de interromperem a medicação durante
o primeiro mês de tratamento (Simon et al., 1993).
Outros grupos referiram taxas igualmente elevadas de interrupção
precoce do tratamento, tendo um estudo sobre cuidados de saúde
primários realizado no Reino Unido demonstrado que 50% dos
doentes não tomaram a medicação antidepressiva para além do
primeiro mês (Johnson, 1974). Outro estudo realizado no EUA,
revelou que 60% dos doentes de cuidados de saúde primários
deixaram de tomar a medicação antidepressiva antes do período
de tratamento de seis meses ter terminado (Katon et al., 1992).
O estudo naturalista efectuado por Maddox e colaboradores
conclui que a maioria dos doentes suspendeu a medicação
antidepressiva durante as primeiras 12 semanas de tratamento:
11% deixaram de tomar a medicação após a primeira semana, 24%,
após 2 semanas, 32%, após 6 semanas e 52% , após 12 semanas
(Maddox et al., 1994) O resultado recentemente revelado segundo
o qual uma percentagem entre 15% e 25% dos doentes que
continuam a tomar antidepressivos fazem interrupções de 2 ou
mais semanas entre prescrições consecutivas de antidepressivos,
constitui um factor de preocupação (Hylan et al.,1998).
17
16,7
4,5
4,5
25,9
Boa (42,5%)
19,7
Parcial (28,7%)
6,1
12,1
1,5
3
Nível de adesão do
doente ao regime
de tratamento:
distribuição da frequência
12,1
Fraca (28,8%)
Não adesão? Intervalo médio: 23,56h
100%
Consumo insuficiente
% doentes
50
31
19
12
2 dias *:
3 dias:
4 dias:
5 dias:
80%
60%
* Doentes que omitem a medicação durante 2 dias
40%
Sobredosagem
20%
0%
30d
60d
Psiquiatria ( n=977 )
90d
120d
180d
Cuidados de Saúde Primários ( n=1455 )
Figura 1. Probabilidade que os doentes que são acompanhados por psiquiatras e médicos
de cuidados de saúde primários apresentam de continuarem a tomar a medicação antidepressiva
após a prescrição inicial (Simon et al., 1993). Adapatado de Gen Hosp Psychiatry 15,
Simon
GE,Von Korff M,Wagner EH, Barlow W, Patterns of antidepressant use in community practice,
399-408, ©1993, com a permissão de Elsevier Science.
69
36
8
2
2 comprimidos/dia:
3 comprimidos/dia.
3 comprimidos/dia:
4 comprimidos/dia:
* Doentes que omitem a medicação durante 2 dias
Figura 2 A adesão dos doentes ao regime de tratamento constituído por amitriptilina e
fluoxetina num estudo de cuidados de saúde primários (Demyttenaere et al., 1998).
Reproduzido de Demyttenaere K, Van Ganse E, Gregoire J et al (1998)
Compliance in depressed patients treated with fluoxetine or amitriplyline.
Int Clin Psychopharmacol 13: 11-17.
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Um estudo belga sobre o cumprimento da medicação onde que
foi usado o MEMS para monotorizar doentes que sofriam de
perturbação depressiva major que estavam a ser tratados com 20
mg/dia de fluoxetina e 150 mg/dia de amitriptilina, demonstrou
que apenas 42% dos doentes revelaram uma boa adesão ao
tratamento (Figura 2); 19% omitiram 4 dias entre os tratamentos
e 36% abriram o blister de comprimidos três vezes num dia
(Demyttenaere et al., 1998).
Causas do não cumprimento da prescrição
na depressão
Os doentes que sofrem de perturbação depressiva major podem
cessar de cumprir a medicação por uma série de razões. A própria
depressão pode predispor os doentes a não cumprirem as instruções
médicas, uma vez que sentimentos de culpa exagerados podem
levar as pessoas a acreditarem que não são merecedoras de
qualquer tratamento (Demyttenaere, 1998). Outros sintomas de
depressão, como por exemplo, a fraca concentração, a fraca
motivação e o isolamento podem conduzir ao esquecimento que
constitui uma causa bem identificada de não cumprimento passivo
da prescrição médica (Fawcett, 1995; Shaw, 1986; Gitlin et al., 1989).
Os factores relativos aos médicos e aos doentes têm um impacto
18
significativo sobre o cumprimento da prescrição no tratamento
da depressão. Os médicos podem não fazer uma abordagem
adequada das questões ligadas ao cumprimento das prescrições
durante a consulta, podem ter uma reacção não apropriada em
relação a um doente que não cumpriu as suas instruções ou podem
não prescrever um tratamento antidepressivo de acordo com as
directrizes recomendadas (Demyttenaere e Haddad, 2000). Os
doentes, por outro lado, podem não mencionar a verdadeira
dimensão da falta de cumprimento com a medicação, encontrandose mal preparados para dizer aos médicos se estão descontentes
com as medicações antidepressivas que lhes foram prescritas
(Demyttenaere e Haddad, 2000).
As atitudes dos doentes relativamente aos antidepressivos têm
uma grande probabilidade de exercer uma forte influência no seu
cumprimento ou adesão à prescrição, uma vez que muitos doentes
acreditam que a depressão de que sofrem extinguir-se-ia sem
nenhuma intervenção específica. A conclusão recentemente
constatada segundo a qual muitos doentes que tomam
antidepressivos acreditam que podem ajustar a administração diária
de comprimidos, aumento-a ou diminuindo-a, dependendo de
como se sentem (Quadro II) deverá ser a grande preocupação do
médico (Demyttenaere et al., 1998).
Tanto a eficácia como quaisquer efeitos secundários dos tratamentos
antidepressivos exercem, claramente, um efeito directo no
cumprimento da medicação (Demyttenaere e Haddad, 2000). As
desistências precoces do tratamento devem-se, normalmente, à
falta de eficácia da medicação ou da emergência de efeitos adversos,
enquanto que as desistências tardias resultam, geralmente, do
facto de os doentes se sentirem melhor ou temerem a dependência
aos fármacos ( Demyttenaere e Haddad, 2000).
Orientámos, recentemente um estudo de cuidados de saúde
primários com de 272 doentes que sofriam de depressão major,
no sentido de melhor compreender a razão de tantos doentes
não prosseguirem o tratamento antidepressivo que lhes foi receitado
(Demyttenaere et al., 2001). Com uma intervenção que consiste
Quadro II. Atitudes e crenças dos doentes que tomam antidepressivos num estudo belga sobre cumprimento da prescrição (Demyttenaere et al., 1998).
Atitude e crença do doente
Discorda (%)
Especialmente
Bastante
Concorda(%)
Bastante
Especialmente
A depressão de que sofro
desapareceria igualmente sem tratamento
2
10
44
41
A depressão de que sofro também
desaparecia apenas com psicoterapia
4
13
55
29
Podemo-nos tornar dependentes
dos antidepressivos
14
36
29
20
Os antidepressivos podem alterar
a nossa personalidade
14
27
32
27
Podemos tomar antidepressivos
apenas até nos sentirmos melhor
16
28
32
24
Podemos tomar mais comprimidos
nos dias em que nos sentimos pior
1
1
29
69
Podemos tomar menos comprimidos
nos dias em que nos sentimos melhor
3
10
26
58
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Observámos uma enorme diferença entre os ensaios clínicos e a
prática clínica em termos de causas que levavam os doentes a
abandonarem o tratamento, tendo-se verificado que 55% o faziam
quando começavam a sentir-se melhor, 23% suspendiam o tratamento
devido aos efeitos adversos, 10% suspendiam o tratamento por
temerem dependência e apenas 10% dos doentes cessavam o
tratamento por falta de eficácia (Quadro III). Os efeitos adversos e
a falta de eficácia embora não sendo as principais razões que levavam
os doentes a deixarem de tomar a medicação, foram responsáveis
por mais abandonos precoces do tratamento, tornando-se o medo
da dependência e outros factores psicológicos mais relevantes numa
fase mais tardia do curso do tratamento (Quadro III).
Quadro III. Causas e curso temporal dos abandonos do tratamento antidepressivo num estudo
sobre cumprimento da prescrição médica em cuidados primários (Demyttenaere et al., 2001).
Causa do abandono
Efeitos adversos
Falta de eficácia
Medo de dependência ao fármaco
Querer ultrapassar a situação sozinho(a)
Sentir-se melhor
Conselho dado pelo clínico geral
Sensação desconfortável
Curso temporal
(semanas)
%
Doentes
6,5
7,0
8,0
10,5
11,0
12,0
13,0
23
10
10
9
55
9
10
Os resultados obtidos no estudo belga sobre cumprimento da
medicação confirmaram que a interrupção precoce da medicação em
consequência dos efeitos adversos constitui um problema em especial
para as pessoas que tomavam amitriptilina (35,5% dos doentes
suspenderam precocemente a medicação devido aos efeitos adversos),
mas não para as pessoas que tomavam fluoxetina (apenas 5,7% dos
doentes suspenderam a medicação devido a efeitos adversos)
(Demytenaere et al., 1998). O sexo masculino, o vivenciar de
acontecimentos adversos graves e a idade mais jovem constituíram
outros factores preditivos (Demyttenaere et al., 1998).
As consequências do não cumprimento da
prescrição médica na depressão
Uma vez que os dados publicados indicam que uma percentagem entre
30% e 60% dos doentes não segue o tratamento antidepressivo de
acordo com a prescrição (Lin et al., 1995; Demyttenaere, 1997; Cramer,
1995), a não adesão ao tratamento tornou-se uma questão fulcral no
tratamento clínico da depressão (Demyttenaere e Hadaad, 2000).
Os riscos associados à fraca adesão a medicamentos antidepressivos
incluem a extinção incompleta dos sintomas e a sua recidiva, os efeitos
adversos e a interrupção do tratamento ou sintomas de interrupção.
O nosso estudo sobre cumprimento da prescrição confirmou que
quanto mais tempo os doentes continuassem o tratamento (amitriptilina
150 mg/dia ou fluoxetina 20 mg/dia) e melhor fosse a adesão ao
tratamento, menores eram os valores da escala de Avaliação da
Depressão de Hamilton (Demytttenaere et al., 2001; Hamilon, 1967).
Nos casos de sobredosagem nos dias seguintes, os doentes enumeraram
efeitos adversos significativamente maiores do que os doentes que
aderiram ao tratamento.
Os sintomas de descontinuação estão associados a fármacos
pertencentes a uma série de classes terapêuticas que incluem os
simpatomiméticos, os diuréticos, os anticonvulsivos, os antihipertensores
(George e Robertson, 1987), os antipsicóticos (Gardos, Cole e Tarsy,
1978) e os antidepressivos (Demyttenaere e Haddad, 2000; Mander
e Loudon, 1988; Coupland et al., 1996; Girvin e Johnston, 1996). Os
sintomas de interrupção podem surgir quando se suspende a medicação
ou quando se procede à sua rápida redução, podendo, por isso, surgir
como resultado directo do não cumprimento do tratamento
(Demyttenaere e Haddad, 2000).
Os sintomas de descontinuação foram primeiramente observados no
uso de imipramina (Mann e MacPherson, 1959;Andersen e Kristiansen,
1959; Kramer et al., 1961) encontrando-se bem identificada e documentada
no uso de todos os antidepressivos tricíclicos (TCAs) (Dilsaver e Greden,
1984). Os sintomas de descontinuação de administração de TCAs incluem
náuseas, vómitos, tonturas, coriza, dores musculares e mal-estar (Kramer
et al., 1961), acreditando-se que sejam directamente proporcionais à
duração da administração do fármaco e à sua suspensão abrupta (Kramer
et al., 1961). Os resultados de recentes revisões sobre inibidores selectivos
de recaptação de serotonina revelaram que os compostos dentro desta
classe que apresentam as semi-vidas mais curtas, tal como a paroxetina,
manifestam a maior probabilidade de provocar sintomas de descontinuação
na suspensão do tratamento, sendo a fluoxetina (devido à sua semi-vida
mais longa) o composto que apresenta a menor probabilidade de o fazer
(Figura 3) (Haddad et al.1998; Price et al., 1996; Rosenbaum et al., 1998).
Número de relatos por milhão de prescrições
num telefonema ao doente uma vez por mês, cerca de 50% dos
doentes atingem uma duração de tratamento de seis meses.Verificouse que os homens apresentavam maior probabilidade de suspenderem
precocemente o tratamento durante o seu curso do que as mulheres,
especialmente quando os seus níveis laborais e funções sociais
melhoraram e quando começaram, em geral, a sentirem-se melhor
(Demyttenaere et al., 2001).
300
250
200
150
100
50
0
Paroxetina
Sertralina
Fluxoxamina
Fluoxetina
Figura 3. Taxas referidas de sintomas de descontinuação para os inibidores de recaptação
de serotonina (Demyttenaere e Haddad,2000 ).
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A relação médico-doente
Apesar de ser pouca a evidência quanto ao facto de a personalidade
influenciar a adesão à medicação, os clínicos consideram, muitas
vezes, os doentes que não cumprem a prescrição como doentes
difíceis, irresponsáveis e excessivamente sensíveis a efeitos secundários
menores (Lin et al., 1995). Cada vez mais, a investigação sugere que
a relação médico-doente é um factor decisivo na influência que tem
no cumprimento da medicação (Meichenbaum e Turk, 1987; Basco,
1993; Inui et al., 1976), tendo os estudos por nós efectuados
demonstrado que os doentes que acreditam que os seus médicos
de cuidados de saúde primários compreendem o que eles sentem
e que disponibilizam algum tempo para discutir os seus problemas
emocionais, revelam uma maior probabilidade de os informarem se
suspenderam a medicação (Demyttenaere et al., 2000).
20
Heszen-Klemens constatou uma preocupante evidência segundo
a qual não só os médicos de cuidados de saúde primários consideram
frustante lidar com doentes que não cumprem as prescrições
médicas, como aplicam vulgarmente tácticas ego-defensivas,
intimidando-os clinicamente, criticando-os ou culpabilizando-os
abertamente (Heszen-Klemens, 1987). Neste estudo, um em cada
dez médicos evitaram completamente a questão da falta de
cumprimento das indicações médicas quer alterando o regime
farmacológico, quer suspendendo completamente o tratamento.
Apenas um terço dos médicos de cuidados de saúde primários
tentaram determinar a causa subjacente ao não cumprimento das
prescrições.
Fazer com que o doente cumpra mais a
prescrição médica
Melhorar o cumprimento da prescrição tem um impacto significativo
no resultado do tratamento antidepressivo e deve, portanto, continuar
a constituir uma prioridade para clínicos. Para um tratamento
farmacológico adequado da perturbação depressiva major é essencial
que o médico prescreva um antidepressivo adequado dentro de um
parâmetro de dosagem aceitável durante um período de tempo
adequado (Demyttenaere, 1998). Sabe-se que a dosagem subterapêutica resulta numa eficácia inferior do antidepressivo que, por
seu lado, apresenta probabilidades de conduzir a abandonos do
tratamento e ao fraco cumprimento da prescrição.
Os perfis dos efeitos secundários dos tratamentos antidepressivos
encontram-se, também, estritamente ligados ao cumprimento da
prescrição (Demyttenaere, 1998). Reconhece-se que os inibidores
selectivos de recaptação de serotonina (SSRIs) apresentam um
perfil de efeitos secundários mais favorável do que os antidepressivos
tricíclicos (TCAs) e, apesar de alguns estudos terem demonstrado
VOLUME III Nº5 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2001
taxas semelhantes de suspensão de administração de SSRIs e TCAs,
os últimos são frequentemente prescritos em dosagens subterapêuticas numa tentativa de evitar os problemas que se prendem
com os efeitos secundários (Demyttenaere, 1998). A interrupção
do tratamento pode ser minimizada usando antidepressivos mais
recentes e selectivos que são melhor tolerados. Além disso, se um
antidepressivo tiver um fraco potencial para provocar sintomas
de descontinuação e uma semi-vida longa, os lapsos ocasionais no
cumprimento da medicação têm menos probabilidade de provocar
efeitos graves (Demyttenaere e Haddad, 2000).
Também estão disponíveis uma série de técnicas comportamentais
e psicológicas para controlar o não cumprimento da prescrição
médica, mas a adequabilidade de cada uma depende da causa
original do problema (Heszen-Klemens, 1987). Quando o não
cumprimento da prescrição reside na fraca compreensão ou
recordação do aconselhamento médico é, muitas vezes, suficiente
fornecer informação médica adicional (Heszen-Klemens, 1987).
Quando o tratamento é considerado pelo doente como sendo
inadequado ou inaceitável em resultado das suas próprias convicções
de foro médico, a informação por si só é normalmente ineficaz
(Heszen-Klemens, 1987). A prioridade da relação médico-doente
nesta situação é atingir objectivos de tratamento que sejam
partilhados por ambas as partes, estabelecer um plano de tratamento
mutuamente aceitável, sendo a perscrutação atenta das crenças
do doente, a persuasão e a negociação o único caminho para
ultrapassar estas questões ( Henszen-Klemens, 1987).
Os resultados obtidos num estudo naturalista em cuidados de
saúde primários demonstrou que os médicos podem reforçar a
adesão à terapêutica antidepressiva fornecendo instruções simples
e específicas (Lin et al., 1995). Os doentes a quem são fornecidas
as seguintes cinco instruções apresentam uma maior probabilidade
de cumprir o tratamento durante o primeiro mês da terapêutica
antidepressiva (Lin et al., 1995):
(1) tomar diariamente a medicação
(2) para que o seu efeito seja visível, os antidepressivos devem ser
tomados durante 2-4 semanas
(3) continuar a tomar o medicamento mesmo que se sinta melhor
(4) não suspender a medicação antidepressiva sem informar o
médico
(5) o médico deve fornecer respostas específicas a questões
relacionadas com os antidepressivos.
Outros estudos verificaram que entrevistas regulares de acompanhamento
ou contactos telefónicos com o doente durante o curso do tratamento
constituem uma racionalização e simplificação de recursos que reforçam
o cumprimento do tratamento (Simon et al., 2000).
Revisões
Conclusões
A fraca aceitação e a não adesão a terapêuticas antidepressivas
continua a constituir um obstáculo para o tratamento eficaz da
perturbação depressiva major, problema para o qual contribuem
factores que envolvem médicos e doentes. Os doentes que
interrompem o tratamento antidepressivo durante o primeiro mês
da terapêutica, fazem-no geralmente devido à falta de eficácia ou
aos efeitos secundários do tratamento; os doentes que interrompem
o tratamento nos meses seguintes, fazem-no porque começam a
sentir-se melhor ou devido a crenças infundadas segundo as quais
os antidepressivos criam dependência ou lhes são prejudicais. Os
médicos podem encorajar o bom cumprimento da prescrição
perscrutando todas as crenças e atitudes dos seus doentes,
prescrevendo antidepressivos eficazes e bem tolerados de acordo
com as directrizes do tratamento e fornecendo informações de
fácil compreensão aos seus doentes. Procedimentos estandardizados
de acompanhamento, tais como consultas regulares ou contactos
telefónicos podem reforçar fortemente o cumprimento do
tratamento antidepressivo e aumentar largamente a possibilidade
de alcançar tratamentos com resultados robustamente bem sucedidos.
consiste em explorar as suas crenças e tentar saber e compreender
qual a origem dessas crenças.
Professor Demyttenaere: Mas muitos médicos recusam-se a aceitar
que os seus doentes não cumprem as prescrições. Adoptam uma
atitude bastante defensiva se sugerirmos que a falta de cumprimento
das indicações médicas é um problema. Muitas vezes, é melhor
colocar-se o problema no contexto de outras doenças, tais como
a hipertensão ou a diabetes, então eles compreenderão que este
não é um problema que existe apenas em medicina psiquiátrica.
Professor Thompson: O cumprimento da prescrição é muito maior
quando os doentes sentem uma atenuação imediata dos sintomas,
como no caso da ansiedade ou da angina. Na depressão, infelizmente,
os doentes nem sempre associam a atenuação dos sintomas à
medicação que estão a tomar porque acreditam que melhorariam
de qualquer modo.
Professor Demyttenaere: Sim, também observamos isso na asma.
Dr. Lecrubier: É necessário um grande esforço para combater estas
falsas crenças – em particular a noção de que os antidepressivos
criam dependência. Os médicos deveriam procurar abordar
activamente esses conceitos errados como um assunto urgente.
Discussão
Professor Thompson: Existe alguma evidência fundamentando que se
o doente tivesse que pagar os medicamentos antidepressivos que
tomam, apresentariam maior probabilidade de os administrarem?
Professor Demyttenaere: É possível, mas desconheço a existência de
alguma.
Professor Tylee: Vários estudos demonstraram a existência de
abandonos massivos após 28 dias de tratamento. Isto deve-se ao
simples facto dos clínicos gerais prescreverem um curso de
tratamento de apenas 28 dias e o doente nunca regressar para
obter uma nova prescrição.
Professor Demyttenaere: Sim, e fazendo apenas um telefonema por
mês ao doente, podemos fazer com que 50% dos doentes prossigam
o tratamento durante 6 meses. Este é um procedimento muito
diferente da prática clínica normal.
Professor Thompson: E fornecer apenas um panfleto informativo
também não resulta. Temos que fazer com que participem na
discussão e então a hipótese de êxito será maior.
Dr. Lecrubier: Este é um problema consistente em todos os países.
É uma questão trans-cultural.
Professor Thompson: Parece-me absolutamente evidente que o único
modo de se conseguir com que os doentes tomem a medicação
Pontos-chave
.
.
.
.
.
O não cumprimento das medicações antidepressivas
é comum, constituindo o maior obstáculo para o
tratamento eficaz da perturbação depressiva major
Não cumprir a prescrição médica, quer através da
interrupção do tratamento ou da variação na frequência
e na intensidade da dosagem está associado à extinção
incompleta dos sintomas ou a recidivas, efeitos adversos
e a síndromes de descontinuação do tratamento
Os médicos devem perscrutar as atitudes dos doentes
relativamente ao tratamento antes de prescreverem
tratamentos antidepresssivos eficazes e bem tolerados
Um SSRI que apresente uma semi-vida longa (i.e.
fluoxetina) é menos prejudicial nos casos de falta de
cumprimento ocasional
Os procedimentos estandardizados de acompanhamento
podem intensificar fortemente o cumprimento da
medicação e deveria ser aplicado rotineiramente na
prática clínica
VOLUME III Nº5 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2001
23
Revisões
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Adesão ao tratamento antidepressivo