Determinantes da Evolução Recente do Consumo Privado
O dinamismo do consumo privado, traduzindo
a evolução favorável das condições dos mercados
de trabalho e de crédito, e das expectativas dos
consumidores, exerceu impacto determinante no
processo de crescimento econômico observado no
país nos últimos anos, ressaltando-se que a taxa anual
de expansão dos gastos familiares, após atingir 4,5%
em 2004, manteve-se em patamar superior a 5% nos
anos subseqüentes. O fortalecimento registrado pelo
mercado interno nos últimos anos, além de sustentar
o ciclo recente de expansão do Produto Interno Bruto
(PIB), se constituiu em elemento decisivo para que o
impacto do acirramento da crise internacional sobre a
economia brasileira ocorresse com menor intensidade
e duração do que na maior parte das economias
maduras e emergentes. Nesse ambiente, este boxe
analisa os determinantes da evolução recente do
consumo das famílias, com ênfase na composição
da massa salarial ampliada e, tendo em vista a
influência das condições do mercado de crédito e
da evolução das expectativas sobre estes gastos, em
sua segmentação.
Os ganhos reais de rendimentos, refletindo,
em especial, o ambiente de estabilidade de preços,
se constituíram no principal propulsor do consumo
nos últimos anos. A massa salarial ampliada 1 –
considerada como a soma dos rendimentos do
trabalho, dos benefícios previdenciários e das
transferências do Governo Federal no âmbito dos
programas sociais2 – registrou aumento médio real
anual de 6,4% no quadriênio encerrado em 2008,
com ênfase nas elevações médias assinaladas, de
1/ O detalhamento do conceito massa salarial ampliada encontra-se no Boxe: Massa Salarial Ampliada, Evolução e Determinantes, página 29.
2/ Considerados os benefícios concedidos no âmbito Lei Orgânica de Assistência Social (Lei 8.742/1993), do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT),
e dos programas Renda Mensal Vitalícia (RMV) e Bolsa Família. A análise detalhada destes benefícios encontra-se no Boxe: Análise da Evolução
dos Gastos Vinculados a Mecanismos de Transferência de Renda e/ou Assistência Social, página 63.
Setembro 2009
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acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
no nível do emprego, 2,6%, e nos rendimentos reais
do trabalho, 3,5%. Vale mencionar, adicionalmente,
os impactos da política de concessão de reajustes
reais para o salário mínimo sobre os benefícios
previdenciários, traduzido em elevação média real
anual de 6,9% nestes gastos, e do aumento das
transferências de recursos governamentais no âmbito
dos programas mencionados.
Gráfico 1 – Massa salarial ampliada real e consumo
das famílias
Série observada (% acumulada no ano)
8
7
6,9
6
5
6,0 6,3
6,1
5,2
6,6
5,4
5,3
4,5
4
2,3
3
2
1
0
2005
2006
2007
Massa salarial ampliada real
2008
Consumo das famílias
Fonte: IBGE, MDS, STN e SPC
2009
(até II Tri)
A taxa de crescimento real da massa salarial
ampliada, observada no Gráfico 1, registrou
arrefecimento a partir do último trimestre de 2008,
movimento associado, em especial, às reduções
assinaladas na geração de empregos e nos reajustes
salariais. Ainda assim, a massa salarial ampliada
registrou crescimento real de 5,1% no primeiro
semestre de 2009, relativamente a igual intervalo de
2008, contribuindo para que o consumo das famílias,
mesmo em desaceleração, seguisse em expansão, no
período.
O arrefecimento registrado no consumo
das famílias no primeiro semestre de 2009 refletiu
a redução expressiva do dinamismo das vendas nos
setores mais dependentes das condições de crédito
e da disposição dos consumidores em comprometer
renda futura, contrastando com o desempenho
relativamente mais favorável das vendas relacionadas
a bens de menor valor agregado e mais dependentes,
portanto, do comportamento da massa salarial. Esta
trajetória é evidenciada a partir do exame da Pesquisa
Mensal do Comércio (PMC) do IBGE, a qual revela
que, enquanto as vendas do comércio geral, após
apresentarem aumentos anuais respectivos de 9,6%
e 9% em 2007 e 2008, elevaram-se 5,1% no primeiro
semestre de 2009, em relação a igual período do
ano anterior, as vendas do comércio ampliado – que
incorporam as relativas a veículos, motocicletas,
partes e peças, e a materiais de construção, usualmente
de maior valor agregado – registraram desaceleração
mais acentuada, expressa em variações respectivas
de 13,6%, 9,9% e 3,9%, nos períodos considerados,
a despeito dos incentivos concedidos às vendas de
automóveis.
A classificação dos segmentos do comércio
ampliado em bens de consumo semiduráveis e não
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Relatório de Inflação
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Gráfico 2 – Comércio ampliado por categorias de
bens de consumo
Série dessazonalizada (% mm3/mm3-1)
6
4
2
0
-2
-4
-6
-8
Jun Ago
2007
Out
Dez Fev Abr
2008
Jun
Ago
Out
Dez Fev Abr
2009
Jun
Bens de consumo semiduráveis e não duráveis (47,7%)
Bens de consumo duráveis (52,3%)
Fonte: IBGE
Gráfico 3 – Concessões de crédito – PF
Variação % acum. em seis meses
14
12
10
8
6
4
2
0
-2
-4
-6
-8
Jun Ago Out Dez Fev Abr
2007
2008
Jun Ago Out Dez Fev Abr
2009
Jun
Fonte: Bacen
Gráfico 4 – Endividamento e comprometimento da
renda
34%
30%
26%
22%
18%
14%
Jun Ago Out Dez Fev Abr Jun Ago Out Dez Fev Abr Jun
2007
2008
2009
Endividamento
Comprometimento da renda
Fonte: IBGE, BACEN, MDS, STN e SPC
duráveis, e em bens de consumo duráveis se constitui
em forma alternativa para identificar o impacto da
evolução da renda disponível, das condições de
crédito e das expectativas dos consumidores sobre a
trajetória do consumo3. Esta agregação, expressa no
Gráfico 2, revela que as vendas de bens de consumo
semiduráveis e não duráveis, que se referem a bens de
menor valor agregado e mais dependentes, portanto,
da trajetória da renda disponível, mantiveram-se
relativamente estáveis nos meses subseqüentes
à intensificação da crise internacional, enquanto
as relacionadas a bens de consumo duráveis
registraram volatilidade acentuada, recuando 6% no
último trimestre de 2008 e recuperando-se nos dois
primeiros trimestres de 2009. A evolução das vendas
nesse segmento é melhor compreendida quando
considerados os comportamentos do crédito e das
expectativas no mesmo período.
A importância das operações de crédito
para a evolução das vendas de bens de consumo
duráveis é intuitiva e pode ser constatada a partir
da estreita relação entre a trajetória destas vendas e
a das concessões para pessoas físicas classificadas
como crédito referencial na modalidade recursos
livres, que concentra cerca de 70% das operações
de crédito contratadas no segmento. Nesse sentido,
as concessões mencionadas, conforme registrado
no Gráfico 3, após aumentarem 5,6% no segundo
semestre de 2008, em relação ao semestre encerrado
em junho daquele ano, recuaram 6,5%, no mesmo
tipo de comparação, no primeiro semestre de 2009,
e, refletindo, em parte, o recuo das taxas de juros e
os efeitos das medidas do Banco Central em resposta
à redução de liquidez observada no início da crise,
voltaram a se expandir nos primeiros meses de
2009.
Em relação às condições de crédito, a taxa
média mensal de juros praticada nas operações de
crédito com recursos livres para pessoas físicas,
após atingir o nível médio de 56,8% no trimestre
finalizado em dezembro de 2008, recuou para 47,2%
naquele encerrado em junho de 2009, ante 49,6%
3/ A classificação dos segmentos da PMC de acordo com a metodologia da Pesquisa Industrial Mensal de Produção Física (PIM-PF) preservou os
respectivos pesos divulgados na primeira pesquisa. Os segmentos a seguir foram incorporados no grupo de bens de consumo semiduráveis e não
duráveis: hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo; combustíveis e lubrificantes; livros, jornais, revistas e papelaria;
artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos e tecidos vestuários e calçados, enquanto o grupo de bens de consumo
duráveis inclui veículos, motocicletas, partes e peças, principalmente; materiais de construção; equipamentos e materiais para escritório, informática
e comunicação e móveis e eletrodomésticos. Ressalte-se que esta classificação incorpora certo grau de arbitrariedade, tendo em vista que quando
os segmentos se destinam a múltiplos destinos, seu enquadramento é definido segundo o critério da predominância.
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Relatório de Inflação
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no período correspondente de 2008. Ressalte-se,
ainda, que o prazo médio consolidado das operações
de crédito com recursos livres não se alterou
significtivamente durante a crise, mantendo-se em
torno de 480 dias no segundo trimestre de 2009. Vale
mencionar, adicionalmente, que tanto a trajetória
do comprometimento da renda das famílias com o
crédito4, estável em torno de 20% nos últimos dois
anos, quanto a relativa ao endividamento das famílias
com crédito 5, que registra aumento compatível
com a expansão recente desse mercado, consistem
em indicativos de que o mesmo possui margem
considerável de crescimento para os próximos anos
(Gráfico 4).
Gráfico 5 – Índice de Confiança do Consumidor
e componentes
Série dessazonalizada (mm3)
125
120
115
110
105
100
95
90
Jun Ago Out Dez Fev Abr Jun Ago Out Dez Fev Abr Jun
2007
2008
2009
ICC
ISA
Fonte: FGV
IEC
Os efeitos da deterioração recente assinalada
nas expectativas dos consumidores sobre as decisões
de gasto presente e de comprometimento de renda
futura impactaram, adicionalmente, a trajetória das
vendas de bens duráveis. O Índice de Confiança do
Consumidor (ICC), da Fundação Getulio Vargas
(FGV), conforme observado no Gráfico 5, registrou
recuo expressivo a partir de junho de 2008, com as
variações negativas mais acentuadas observadas em
novembro e dezembro evidenciando certa defasagem
na percepção dos agentes em relação às dimensões
da crise. As perspectivas, vislumbradas a partir do
final do trimestre encerrado em março, de que a fase
mais aguda da crise estava superada, favoreceram
a reversão da trajetória decrescente do ICC a partir
daquele mês, movimento que, em cenário de melhora
nas condições do mercado de crédito, se traduziu na
retomada das concessões, em especial no segmento
de pessoas físicas e, em conseqüência, na recuperação
das vendas do comércio ampliado. Ressalte-se
que o indicador relativo à situação atual Índice da
Situação Atual (ISA) mostrara ponto de inflexão
em fevereiro último, na série com ajuste sazonal,
sugerindo a percepção, naquele momento, de que o
pior momento da crise fora superado. Observe-se,
ainda, o crescimento substancial do componente
sobre as expectativas futuras Índice de Expectativas
do Consumidor (IEC), apontando perspectivas
favoráveis para o consumo no curto prazo.
4/ Razão entre o pagamento de juros e principal da dívida sobre a média dos últimos 12 meses da massa de rendimentos ampliada relevante para o
mercado de crédito, definida como o resultado da massa ampliada subtraída dos benefícios com programas de transferência direta de renda.
5/ Razão entre o estoque de crédito com recursos livres para pessoas físicas e a massa de rendimentos ampliada relevante.
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1/
Tabela 1 – Índice de Confiança do Consumidor
Variação trimestral
2/
ICC
Brasil
3/
Faixa de renda I (até R$ 2.100)
ICC-ISA ICC-IE
10,2
8,0
11,5
6,4
4,1
7,3
Faixa de renda II (entre R$ 2.100 e R$ 4.800)
9,4
8,3
10,7
Faixa de renda III (entre R$ 4.800 e R$ 9.600)
10,1
9,0
10,9
Faixa de renda IV (acima de R$ 9.600)
13,2
7,8
16,5
Vale mencionar, ainda, que a segmentação
do ICC por intervalo de renda, expressa na Tabela 1,
revela que o indicador relativo às faixas de maior poder
aquisitivo registrou recuperação mais acentuada,
quando considerados os trimestres encerrados
em junho e em março de 2009, resultado que se
constitui em indicativo relevante de recuperação mais
acentuada, nos próximos meses, das vendas de bens
de maior valor agregado.
Fonte: FGV
1/ Dados dessazonalizados.
2/ Variação entre os trimestres encerrados em março e junho de 2009.
3/ Renda familiar mensal.
Em linhas gerais, a perspectiva de
desaceleração acentuada nos gastos de consumo
em resposta ao acirramento da crise financeira
internacional foi atenuada, significativamente, pelo
contínuo crescimento da massa salarial ampliada,
que sustentou, sobretudo, o nível de gastos com
bens de consumo semi e não duráveis. Outros
condicionantes do consumo afetados sensivelmente
pela crise, como o nível das expectativas dos
consumidores e as condições do mercado de crédito,
passaram a registrar recuperação a partir do início
deste ano trajetória consistente com o êxito das
medidas econômicas implementadas com vistas a
estimular setores importantes na cadeia produtiva do
país. Prospectivamente, as perspectivas favoráveis
derivadas da trajetória da massa salarial ampliada e
das melhoras nas expectativas dos consumidores e nas
condições no mercado de crédito se constituem em
indicativos importantes de que o consumo das famílias
seguirá como fator relevante para a consolidação da
recuperação da economia brasileira.
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Determinantes da Evolução Recente do Consumo Privado