A COLABORAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA NOS PROCESSOS DE LUTAS SOCIAIS NO BRASIL Zambon, R.E. Graduado em Serviço Social pela Universidade Estadual de Londrina. [email protected] A Doutrina Social da Igreja 1 Nestes dois mil anos de cristianismo a Igreja Católica manteve-se sempre presente na história da humanidade e procurou orientá-la em questões de fé e de moral. Parte integrante da doutrina católica 2 é sua doutrina social, baseada em sua Tradição e na Bíblia. A Doutrina Social da Igreja 3 é um corpo doutrinário que formou-se a partir da Revolução Industrial (fins do século XVIII) e vem acompanhando a história do homem em sua questão social. Na época da Revolução Industrial a Igreja viu-se obrigada a pronunciarse devido à exploração do capital. A realidade social era confrontada com o Evangelho, e vozes da Igreja começaram a denunciar a exploração que os senhores do capital submetiam os trabalhadores. Não obstante, conforme Silva (1999, p.32-33), também crescia entre os trabalhadores europeus, as idéias socialistas, que se opunham a Igreja. A partir destes pensadores da Igreja o Papa Leão XIII lançou em 1891 a primeira encíclica social: a Rerum Novarum. A DSI tem duas fontes: a lei natural - ordem estabelecida por Deus em todo ser humano para ser fundamento da conduta dos indivíduos e da sociedade - e a Revelação Divina - Tradição escrita, consignada na Bíblia Sagrada (Bettencourt, 2004, p. 1 e 2). Segundo Libânio (1994, p.45), a DSI é filha de três fontes diferentes: O direito natural e a filosofia social de valor universal; os elementos bíblicos e a tradição da Igreja e finalmente, os compromissos históricos concretos que oferecem orientação para a ação. Ainda segundo Bettencourt (2004, p.2) e Libânio (1994, p.45), à DSI compete apenas indicar as diretrizes éticas que devem perpassar qualquer sistema sócio-econômico1 Este capítulo foi elaborado a partir de dois teólogos expoentes da Igreja Católica, D. Estevão (2004) e Libânio (1994), os quais apresentam abordagem teórica diferenciada deste tema. 2 3 Por doutrina católica entende-se a manifestação oficial do Magistério da Igreja. Doravante, ao nos referirmos à Doutrina Social da Igreja, estaremos utilizando a sigla DSI. político; não sendo uma terceira via entre capitalismo liberalista e coletivismo marxista; constituindo-se uma categoria que não pertence ao domínio da ideologia, mas sim, da teologia moral. Portanto, a Igreja se preocupa com a moral e o destino sobrenatural do ser humano e não em estabelecer algum sistema sócio-político-econômico que a sociedade deva seguir. Contudo, a Igreja se manifesta no campo social a fim de promover a justiça social. A partir da DSI, teólogos da América Latina elaboraram uma nova teologia que pudesse aproximar-se mais da realidade Latino-Americana. A Teologia da Libertação 4 trouxe divergências entre teólogos brasileiros e principalmente o Vaticano. Segundo Libânio, a TdL é uma teologia e não uma doutrina. É elaborada por teólogos e não pelo magistério oficial da Igreja e o compromisso da TdL é a libertação dos pobres. A TdL teve forte repressão por parte do Magistério da Igreja. Contudo, para Libânio, a diferença entre TdL e a evolução da DSI estão muito menor, “sobretudo na posição crítica da DSI ao capitalismo e nas aberturas a formas socializantes. E a TdL também assumiu posição mais crítica perante o socialismo, sobretudo depois dos últimos eventos do Leste Europeu” (Libânio, 1994, p. 48). De acordo com Bettencourt (2004) a construção da DSI, baseada na lei natural e na revelação Divina, tem seus fundamentos na Bíblia, nos Padres da Igreja, nos seus Pensadores e nos documentos do Magistério da Igreja (encíclicas, sínodos, concílios, etc.). Os Fundamentos bíblicos 5 são: O Antigo Testamento, que propõe romper os grilhões da iniqüidade, soltar as ataduras do jugo, pôr em liberdade os oprimidos, desperdiçar toda espécie de jugo, repartir o pão com o faminto, abrigar os desabrigados, vestir o nu; enfim, agir com amor concreto ao próximo (Is 58). O Novo Testamento, enfatiza a comunhão de bens, a solidariedade e a fraternidade entre os cristãos (At 2, 44ss). Os Padres da Igreja pregavam que Deus quis que essa terra fosse propriedade comum de todos os homens e foi a avareza que repartiu os direitos de posse. Pensadores católicos até o ano de 1891, defendiam a causa do proletariado descrevendo a ganância da indústria em crescer cada vez mais à custa da exploração ao trabalhador. Por fim, os documentos referentes à questão social, que exprimem o pensamento cristão de acordo com a evolução da história do homem. São eles: Rerum Novarum de 4 5 Doravante, ao nos referirmos à Teologia da Libertação, estaremos utilizando a sigla TdL. Por bíblicos se entende toda reflexão feita a partir da Bíblia Sagrada dos cristãos. Leão XIII; Quadragésimo Anno de Pio XI; Mater et Magistra e Pacem in Terris de João XXIII; Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II; Populorum Progressio de Paulo VI; Octogésima Advenies de Paulo VI; Laborem Exercens, Sollicitudo Rei Socialis e Centesimus Annus de João Paulo II. Em sínteses, expomos a Rerum Novarum, por ter sido a primeira Encíclica Social publicada e a Centesimus Annus, que faz um retrospecto de todas as outras encíclicas. O tema central da Rerum Novarum (1891) é a crítica à exploração feita aos trabalhadores. Desta forma o liberalismo é criticado por enfatizar o individualismo em detrimento dos valores sociais e do bem comum. Nem por isso, a Rerum Novarum (1891), outorgava algum crédito ao coletivismo ou socialismo. Pelo contrário, advertia que tal sistema seria ainda mais perigoso do que os próprios males que ele pretendia eliminar. A Rerum Novarum (1891), em contraposição ao socialismo, defende a propriedade privada como um direito do ser humano – baseando-se na tradição do gênero humano e em razões de ordem filosófica. Segundo Bettencourtt (2004) a Rerum Novarum (1891) surpreendeu muitos dos seus contemporâneos quando: preconizou a intervenção do Estado na relação patrões e operários (nº. 27); defendeu o direito de associação dos trabalhadores (nº. 38-40); reivindicou salários mais justos (nº. 34); criticou o excesso de horário de trabalho (nº. 32); e ainda, repreendeu os abusos praticados às mulheres e crianças operárias (nº33). Na encíclica Centesimus Annus, João Paulo II salienta que “a linha condutora da Encíclica Rerum Novarum e de toda a doutrina social da Igreja é a correta concepção da pessoa humana e do seu valor único” (nº 11). Critica o socialismo, dizendo que “o erro fundamental do socialismo é de caráter antropológico...” (nº 13). Por sua vez, essa errônea concepção do homem tem sua causa primeira no ateísmo. E o ateísmo se prende ao racionalismo ou iluminismo do século XVIII, quando os pensadores conceberam o homem de maneira mecanicista. Da mesma raiz ateísta deriva-se a escolha dos meios de ação própria do socialismo, que é a luta de classes. Esta é condenável por desrespeitar a dignidade da pessoa humana. Sobre o ateísmo, João Paulo II ainda lembra as duas grandes guerras mundiais de 1914-18 e 1939-45. Foram guerras ditadas pelo militarismo e pelo nacionalismo exacerbado, e pelas formas de totalitarismo a esses ligados, e guerras derivadas da luta de classes, guerras civis e ideológicas. João Paulo II destaca que, sem a terrível carga de ódio e rancor, acumulada por causa de tanta injustiça, não seriam possíveis guerras de tamanha ferocidade, em que não se hesitou em violar os direitos humanos mais sagrados, e foi planificado e executado o extermínio de povos e grupos sociais inteiros. “Recorde-se aqui, em particular, o povo hebreu, cujo destino terrível se tornou um símbolo da aberração a que se pode chegar o homem quando se volta contra Deus” (nº17). João Paulo II comenta que apesar dos povos terem se aproximado com a criação da ONU, “as Nações Unidas ainda não conseguiram construir instrumentos eficazes, alternativos à guerra, na solução dos conflitos internacionais, e este parece ser o problema mais urgente que a comunidade internacional tem para resolver” (nº21). No capítulo 39, João Paulo II dá ênfase à queda do socialismo no Centro-Leste europeu; com destaque na Polônia, onde os trabalhadores se uniram em solidariedade e, baseados na DSI, derrubaram o marxismo sem a violência que este apregoa. João Paulo II também reafirma a propriedade privada como direito natural de todo homem, mas que, ela seja em prol de outros homens; salienta a necessidade do bem comum para outro tipo de propriedade particular, a propriedade do conhecimento, da técnica e do saber; convoca as autoridades civis para que assumam com responsabilidade o compromisso de dar assistência efetiva aos excluídos; critica o capitalismo de economia livre e faz referência à questão ecológica. Sobre o Estado e a Cultura, João Paulo II age com respeito aos Governos democráticos que orientam-se pela promoção dos direitos humanos e reprime os Governos totalitários. O Estado totalitário tende a absorver em si próprio a Nação, a sociedade, a família, as comunidades religiosas e as próprias pessoas (nº 45). Na última parte da Encíclica, nº 53, João Paulo II enfatiza que o homem é o caminho da Igreja. A ação social da Igreja no Brasil contemporâneo Após estudos sobre o pensamento da Igreja, ou seja, o caminho teológico que ela conduz sua ação social, procurou-se visualizar essa doutrina em sua prática, isto é, a ação social da Igreja do Brasil na contemporaneidade e um breve resumo histórico desta ação social. Segundo Souza (1997, p.76) e Cava (1975, p.11), um dos primeiros católicos a se manifestar em relação à questão social, foi o Pe Julio Maria, através de um artigo datado de 1899, que pedia a união entre a Igreja e o povo. Este fato relata que Pe Julio Maria teria empregado grandes esforços para aplicar a Rerum Novarum (1891), mas não obteve êxito devido à preferência de Dom Sebastião Leme – responsável pela Igreja do Brasil na época – em empregar esforços para reconquistar a elite brasileira, com fins de que a Igreja fosse reconhecida novamente como religião oficial do Estado. A Igreja havia perdido este reconhecimento após a separação entre Estado e Igreja. Porém, na era Vargas, a Igreja conseguiu impor esse reconhecimento, mesmo não sendo oficial, durante a inauguração do Cristo Redentor o cardeal Leme impunha a autoridade da Igreja dizendo: “ou o Estado... reconhece o Deus do povo ou o povo não reconhecerá o Estado”. Em 1935 é criada a Ação Católica Brasileira e, sua definição segundo a própria Igreja era: “uma organização de leigos participando do apostolado hierárquico da Igreja fora de qualquer filiação política, com a finalidade de estabelecer o reino Universal de Jesus Cristo” (Cava, 1975, p.16). Em 1947, o bispo Dom Hélder Câmara foi nomeado assistente nacional da Ação Católica Brasileira Anos depois, em 1952, foi criada a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), e; em 1954, Dom Armando Lombardi chega ao Brasil como emissário do Santo Padre. Dom Armando possibilitou à CNBB tornar-se a maior expressão oficial da Igreja no Brasil. A CNBB tinha como programas sociais o meio estudantil, operário e camponês. A JUC (juventude universitária católica) e a JOC (juventude operária católica) foram consideradas humanistas e libertadoras, mas devido a muitos desvios doutrinários, a Igreja decidiu acabar com a JUC, a JOC e o MEB (movimento estudantil brasileiro). O Pe. Fernando Bastos Ávila, S.J. reitor da PUC/RJ, elaborou no início dos anos 60 uma doutrina social de centro. Ainda segundo Souza, um frade dominicano francês – Pe. Lebret - trabalhava no intuito de “construir uma economia solidária e de planejar administrações públicas a serviço do bem comum”. Havia, porém muitas divergências dentro da Igreja, como por exemplo, a Tradição Família e Propriedade (TFP) que pregava o conservadorismo, ou seja, a continuidade do sistema vigente (o capitalismo). Diante da crescente desigualdade social, a CNBB começava a interferir através de suas publicações. Dirigentes cristãos estiveram presentes nas atividades de educação popular (iniciativas de Paulo Freire, do Movimento de Cultura Popular de Recife, do Movimento de Educação de Base da CNBB, etc.), de sindicalização popular e em diferentes mobilizações sociais. “O golpe de 64, logo depois, tratou de interromper esse processo incômodo para o sistema” (Souza, 1997, p.77 apud Souza, 1984:64-70). Após o golpe, enquanto muitos cristãos ligados à Igreja Católica eram perseguidos, outros agradeciam às forças militares pela prisão de “subversivos e comunistas”. Entre o período autoritário de 1964-1985, “a Igreja esteve ativamente presente no cenário político, tanto na defesa dos direitos humanos e na denúncia da tortura ou da Lei de Segurança Nacional, quanto como espaço de organização social” (Souza, 1997, p.78). Nesse momento, os espaços de associação ficaram fortemente cercados. Quase não havia lugar, na sociedade civil, para associações livres. E com as medidas ortodoxas, que tinham a pretensão de preparar o ‘milagre econômico brasileiro’, aumentava o desemprego e diminuía o poder aquisitivo dos salários. Na área acadêmica, um espaço aberto à crítica foi constituído pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) com seus imensos congressos anuais. “Na sociedade faziam-se presentes a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e, cada vez mais, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)” (Souza, 1997, p.78). A Igreja era um dos poucos lugares em que as pessoas podiam dialogar sobre o cotidiano cada vez mais difícil da vida; e foi a partir destas reuniões que surgiram as Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) unindo Fé e Vida. As CEB’s foram fortemente influenciadas pela TdL e eram evidentes movimentos de resistências populares, reivindicações e mobilizações. Segundo Bruneau (1986), a Igreja teve papel fundamental na transição do autoritarismo para o regime civil (1974 a 1985). Durante o primeiro ano do governo de Sarney, Igreja e Estado possuíam boas relações, porém, a partir de 1986 começaram os desentendimentos. A Igreja, neste período, era um dos principais atores na mobilização para pressionar o Governo na realização da nova Carta Constituinte. A questão da reforma agrária foi uma das maiores tensões entre Igreja e o governo civil, aparentemente, o governo teve maiores forças que a Igreja. Mesmo assim a Igreja manteve-se ativa no cenário político. Segundo Bruneau (1986, p.39): Vários processos contribuem para a manutenção do papel ativo que a Igreja desempenha na política. Ela encontra ampla justificação nos graves problemas da sociedade brasileira, que sem dúvida continuarão a existir, e na sua opção preferencial pelos pobres. Esta justificação se traduz em ação devido à fragilidade das estruturas de representação das classes subalternas, mesmo no regime civil, e também à ausência de um laicato capacitado. Ainda segundo Bruneau (1986), a Igreja do Brasil sofreu grandes pressões do Vaticano neste período de transição, havendo uma grande tensão em relação à Teologia da Libertação (1984); mas, em 1986 foi legitimada após ser “domesticada” (como exemplo, citamos o fato de o marxismo não ter sido aceito enquanto fundamentação para explicar a realidade). Contudo, a Igreja manteve-se ativa até a concretização da Assembléia Constituinte em 1988. Segundo CNBB (2001), na década de 1990, três iniciativas da ação social da Igreja foram destacadas: as Semanas Sociais Brasileiras (projeto que visa à participação popular para o desvelamento e enfrentamento das questões sociais), o Grito dos Excluídos (movimento de protesto que se realiza sempre no dia 7 de setembro – dia da Independência – com o objetivo de denunciar a subordinação da nação ao capital estrangeiro) e a Campanha Jubileu 2000 - promoveu um plebiscito que contou com a participação de seis milhões de pessoas que quase unânimes “se manifestaram contrárias à política de subserviência ao FMI, por um lado, e favoráveis à realização de uma auditoria pública da dívida externa, por outro” (CNBB, 2001, p.66). Estas iniciativas “fizeram da década de 90 um longo processo de aprendizagem e de educação política. Revelaram também, as implicações e compromissos sociais da fé cristã” (CNBB, 2001, p.67). A Igreja apreendeu uma melhor articulação interna entre suas pastorais sociais e demais dimensões da Igreja. Para fora da Igreja, as parcerias com demais instituições e movimentos aumentaram. Entre as parcerias, encontram-se: o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs e a Coordenadoria Ecumênica de Serviço, respectivamente, CONIC e CESE, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), a Central de Movimentos Populares (CMP), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), Federação dos Economistas e Engenheiros, União Nacional dos Estudantes (UNE), Associação Nacional dos Juízes Federais (AJUFE), Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), partidos políticos de esquerda (PT, PSB, PC do B), organizações não governamentais entres outros movimentos e entidades. A metodologia utilizada foi a da participação popular e o envolvimento das organizações de base. Procurou-se ouvir a priori o que “vinha do chão” e num segundo momento cientistas sociais estudavam os relatos colhidos da base. Em suma, a metodologia teve um caráter amplo, plural, aberto, democrático, ecumênico e participativo das iniciativas desenvolvidas; mobilizando um grande “mutirão nacional” para com as questões sociais. Ainda segundo CNBB (2001), a ação evangelizadora da Igreja no Brasil subdividese em seis dimensões e quatro exigências evangélicas segundo organograma da CNBB. As dimensões são: primeira, comunitária e participativa; segunda, missionária; terceira, bíblico-catequética; quarta, litúrgica; quinta, ecumênica e de diálogo religioso; e sexta, sócio-transformadora. E as exigências: anúncio, testemunho, diálogo e serviço. A dimensão sócio-transformadora é formada por sete setores: Pastoral Social, Educação, Comunicação Social, Ensino Religioso, Pastoral Universitária, Pastoral da Cultura e Pastoral Afro-brasileira. Pertencem também, a ação social católica, a Comissão Brasileira Justiça e Paz; a Campanha da Fraternidade; Centro Nacional de Formação Fé e Política Dom Hélder Câmara; o Projeto Rede Solidária; o Mutirão Nacional para a Superação da Miséria e da Fome, as Semanas Sociais e o atual projeto nacional da CNBB: “Queremos Ver Jesus Caminho, Verdade e Vida”. A compreensão dos assistentes sociais católicos de Londrina sobre a Doutrina Social da Igreja Foram selecionados quatro assistentes sociais católicos do município de Londrina. Devido a questões pessoais de dois profissionais entrevistados, suas questões foram respondidas por e-mail. Já os outros dois profissionais foram entrevistados por meio de gravação, que posteriormente foram transcritas. As análises serão apresentadas com nomes fictícios para preservar o sigilo dos profissionais entrevistados. A primeira questão foi elaborada com o intuito de verificar o que os entrevistados entendiam sobre DSI e como eles formaram este juízo acerca desta doutrina. Partindo desta análise, poderemos verificar se suas concepções sobre DSI são correspondentes à apresentada neste trabalho e quais são as fontes que eles percorreram para terem este entendimento. A segunda questão vem de encontro com a primeira no sentido de julgar o entendimento que eles têm sobre a orientação da DSI quanto às concepções ideológicas como o liberalismo e o marxismo. Na terceira questão analisamos se os entrevistados entendem as propostas da DSI enquanto agente de mudança no mundo ou como reforçadora da ideologia dominante. A quarta questão procura verificar se os profissionais orientam sua práxis profissional a partir da DSI ou de alguma outra referência teórica como a ideologia liberal ou a marxista. Enfim, a quinta questão aborda o tema do dogma da infalibilidade com vistas a verificar se os entrevistados fazem uma leitura da DSI baseada na relação de que a Igreja se utiliza de princípios imutáveis, como os dogmas de fé, e que devem fazer parte da conduta de vida de seus fiéis. Segue abaixo as questões aplicadas às assistentes sociais e as análises obtidas. Quanto às respostas das entrevistadas, remetemos o leitor ao Trabalho de Conclusão de Curso 6 , do qual, origina-se este artigo. 1) O que você entende por Doutrina (Ensino) Social da Igreja? Cite as fontes de onde obteve este entendimento? Analisou-se que nenhuma das assistentes sociais entrevistadas cita a DSI, entendida nesta terminologia, como inaugurada a partir da Rerum Novarum (1891) devido ao agravamento da questão social conforme abordado no capítulo I. No entanto, a assistente social Borboleta encerra sua opinião comparando a Ação Social da Igreja citando o exemplo de Jesus, e a DSI, conforme abordamos anteriormente, tem esta atenção e perspectiva de solidariedade e justiça com liberdade conforme Ávila (1993, p.168). Já para a assistente social Mariposa, verifica-se que desconhece os fundamentos da DSI. Pois, a DSI não restringe algumas interpretações baseando-se na tradição da Igreja, ela (DSI) só se baseia à Luz da Tradição da Igreja. As assistentes sociais Andorinha e Codorna referem-se à DSI apenas baseando-se em Medelin e Puebla e na sua ação social 6 ZAMBON, Rodrigo Eduardo. A Doutrina Social da Igreja e a possível interação com os assistentes sociais católicos de Londrina. 2004. Monografia – TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) – Curso de Serviço Social – UEL (Universidade Estadual de Londrina). na história; não fazendo o percurso histórico de todo o corpo doutrinário da DSI que vai desde a Rerum Novarum (1891) até a Centesimus Annus (1991). Contudo, a assistente social Andorinha se expressa de acordo com a DSI, quando diz que esta doutrina é o instrumento que a Igreja se utiliza para a inclusão dos católicos no enfrentamento da questão social. 2) Para você, um católico pode ter como ideal de vida o socialismo marxista ou o capitalismo? Explique. Nesta questão, as assistentes sociais Borboleta e Andorinha aproximam-se da DSI quando colocam a inviabilidade dos sistemas propostos na questão. Em relação ao sistema capitalista liberal, todas as entrevistadas vão de acordo com a DSI. Porém, quando citam a aproximação do socialismo com a DSI, não deixam muito claro quais seriam as restrições dessa aproximação. Analisamos que, sendo um ponto demasiado explorado pela DSI a incompatibilidade com o socialismo marxista conforme Ávila (1993, p.267), entendemos que as entrevistadas não têm o conhecimento sobre este assunto. Borboleta vê o socialismo marxista inviável apenas porque julga este sistema ser uma utopia. Mariposa coloca o socialismo como promotor da vida, o que é negado pela DSI quando repreende o socialismo por seu caráter de promover a justiça a custo da liberdade conforme Ávila (1993, p.167). Andorinha também entra em contradição com a DSI dizendo que o socialismo se aproxima da DSI por pregar o "tudo em comum"; na verdade, a perspectiva marxista coloca o Estado como detentor do bem comum e não a livre comunhão de bens; e, quando Andorinha diz que não vê preocupação em estar diferenciando o socialismo da DSI entra em contradição com a DSI que deixa claro a inviabilidade de comunhão entre os dois. Finalizando, Codorna não entra em acordo com a DSI por citar que o socialismo dá valor à pessoa; quando, conforme abordamos no I capítulo, o socialismo, de acordo com a Rerum Novarum (1891) valoriza mais o Estado do que a pessoa. 3) Qual a sua opinião sobre a Doutrina (Ensino) Social da Igreja enquanto agente de mudança no mundo? A assistente social Borboleta acredita que a DSI é um agente de mudança no mundo referindo-se à ação social da Igreja na história; e não na DSI enquanto proposta teórica. Também a assistente social Mariposa coloca a DSI na perspectiva de ação social na história; porém, ela cita que a DSI não desempenha este papel devido à conduta dos católicos. Já a assistente social Andorinha trabalha a questão colocando a DSI em perspectiva de uma proposta teórica como um agente de mudança no mundo e facilitadora da inclusão dos católicos no enfrentamento da questão social; com isso, verificamos a concordância com a proposta da DSI de acordo com nosso entendimento e conforme Rerum Novarum (1891). Para finalizar, a assistente social Codorna coloca que qualquer doutrina social (quer católica, quer evangélica) orienta a pessoa para uma reflexão de que o mundo precisa de uma mudança; sendo assim, concordamos com ela enquanto a proposta da DSI ser um agente de mudança no mundo; contudo, desconhecemos as propostas de outras doutrinas sociais. 4) Como você orienta sua práxis profissional? Todas as assistentes sociais colocaram em suas respostas (nesta questão e nas anteriores) valores em concordância com a DSI. Contudo, nenhuma delas se referiu à DSI diretamente, enquanto proposta teórica norteadora de sua práxis profissional; ou seja, como um referencial que sirva como base de consulta e ação para sua práxis profissional e; mais ainda, como uma doutrina de concepção de vida e valores. Antes de apresentarmos a quinta questão e sua respectiva análise, procuraremos sintetizar o que entendemos pelo dogma da infalibilidade por não ter sido trabalhado nos capítulos anteriores. O dogma da infalibilidade deve ser tratado como convicção de fé. Convicção esta que é extraída da interpretação evangélica de que Jesus deu poder (sobrenatural) a Pedro e seus sucessores; nota-se esta convicção quando Jesus diz a Pedro que tudo o que ele ligar na terra Ele (Jesus) ligará no céu (Mateus 16:19); e ainda, “Pedro cuide das minhas ovelhas” (João 21:17). Sendo assim, de acordo com a Doutrina Católica, Jesus está confiando a administração de Sua Igreja a Pedro e seus sucessores. Para os católicos, a Palavra de Cristo é Divina e não pode conter erros, isto significa que se Jesus deixa alguém para guardar a Sua Palavra precisa haver a infalibilidade. Diante dessa perspectiva, os católicos acreditam que em questão de fé e de moral, Jesus não deixaria sua Igreja sem a assistência necessária a fim de não comprometer a salvação de seus fiéis. De acordo com o Catecismo da Igreja Católica (CIC): Para manter a Igreja na pureza da fé transmitida pelos apóstolos, Cristo quis conferir à sua Igreja uma participação na sua própria infalibilidade, ele que é a Verdade. Pelo "sentido sobrenatural da fé", o Povo de Deus "se atém indefectivelmente à fé", sob a guia do Magistério vivo da Igreja (CIC, 1993, p.255). 5) Você acredita (aceita) no dogma da infalibilidade do Papa quando ele define questões de Fé e de Moral? Analisando as respostas das entrevistadas, percebemos que a assistente social Borboleta demonstra adesão ao dogma da infalibilidade, baseando-se mais em ser uma católica praticante que tem o dever de obedecer à Igreja do que por uma clareza do que seja este dogma; ou seja, a assistente social Borboleta demonstra uma acepção ao dogma em um nível de submissão apenas, e não como convicção de fé. Para a assistente social Mariposa, sua resposta demonstra uma crítica à Tradição da Igreja e também à sua ação social, no caso, falta de ação. Mariposa entende que este dogma parte de uma visão idealista que não condiz com a conciliação fé e vida dos fiéis. Diante disto, e conforme a citação acima do Catecismo da Igreja Católica (CIC), a assistente social Mariposa não aceita as convicções de fé e de moral idealizadas pelo Magistério da Igreja como infalíveis e imutáveis. A assistente social Andorinha baseia sua resposta na concepção da doutrina protestante da livre interpretação da Bíblia; ou seja, a fé individual de cada um não necessita da assistência do Magistério da Igreja para sua conduta moral. Andorinha se fundamenta também na questão de que o Papa é orientado por grupos da Igreja que se respaldam em alguma ideologia, podendo assim, cometer erros. Andorinha lembra a questão do Papa pedir perdão pelos erros da Igreja na história da humanidade; confundindo assim, os dogmas com atos pessoais de clérigos ou leigos católicos. Diante destas afirmações, pode-se analisar que a assistente social Andorinha é contrária ao Catecismo da Igreja Católica quanto à missão do Magistério da Igreja de ser o responsável em guardar a doutrina para que os fiéis estejam seguros na fé verdadeira e; ainda, observamos que Andorinha confunde erros particulares da conduta de membros da Igreja na história da humanidade com os dogmas irrevogáveis que foram decretados ao longo da história do cristianismo e permanecem até os dias de hoje para responder às questões concretas de fé e de moral. Para a assistente social Codorna, sua acepção ao dogma é parcial. Codorna acredita que alguns dogmas, como a questão do planejamento familiar, deveriam ser revistas. Sendo assim, pode-se concluir que a assistente social Codorna não avalia o dogma como um dom sobrenatural que não pode conter erros conforme citação acima do Catecismo da Igreja Católica. Desta forma, a assistente social Codorna julga a inviabilidade do dogma, baseada na sua experiência profissional e de vida. Analisamos que, sendo os dogmas infalíveis como verdades de fé e de moral conforme determina a doutrina católica, a assistente social Codorna entra em contradição com o Catecismo da Igreja Católica; contudo, seu embasamento de certa forma procede, se nos reportarmos à história da Igreja, devido às falhas de evangelização e de uma ação pastoral social da Igreja em libertar a população que vive sob estruturas injustas de uma sociedade que as submetem a um estado de miséria social, econômica, política e cultural, inibindo assim, o desenvolvimento integral da pessoa humana. Contudo, a questão da infalibilidade é posta no plano das idéias e não nas falhas humanas da ação. Portanto, a partir da análise das respostas das assistentes sociais, apesar das convergências com os valores da DSI em alguns momentos desta investigação, nossa hipótese de que os assistentes sociais católicos de Londrina não têm uma clareza teórica sobre a DSI se confirma. Tal fato ocasiona uma práxis profissional equivocada devido à mistura entre princípios da DSI e do marxismo 7 . A DSI trabalha numa perspectiva diferente do marxismo na construção de uma nova sociedade. Mesmo uma perspectiva marxista que opte pela não violência, nunca comungará dos princípios cristãos de sociedade; ou então, não será uma perspectiva marxista. Não obstante, surgirão pontos cruciais entre os dois 7 Citamos apenas o marxismo por nos parecer claro a negação por parte das entrevistadas à ideologia liberal. referenciais teóricos, e os assistentes sociais católicos precisarão de um conhecimento profundo sobre a DSI para não entrarem em apostasia – “... ninguém pode ser bom católico e ao mesmo tempo verdadeiro socialista” (BETTENCOURT, 2004, p.162). O que deve ser salientado, é que no plano das idéias, o assistente social católico teria que optar entre seus valores de fé – em comunhão com a doutrina da Igreja que professam esta fé – ou então, pelo ateísmo declarado do marxismo e com isso, negando sua fé católica. Assim como a formação profissional é pautada em referenciais teóricos científicos, também a DSI necessita ser apreendida fora do senso comum ou de bibliografias interpretativas da mesma. A análise demonstrou a falta de um conhecimento concreto do que a DSI realmente expressa em sua interpretação oficial. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com a emergência da sociedade capitalista, a partir da Revolução Industrial, a Igreja buscou envolver-se mais explicitamente nas orientações morais e sociais da sociedade. Não que a Igreja nunca houvesse atuado na vida social da população, pelo contrário, percebemos que a elaboração dos fundamentos da DSI está presente desde o começo do cristianismo, através da Bíblia e documentos elaborados pela Tradição católica. Interpretações distintas foram observadas ao longo da formulação da DSI por parte de cientistas, filósofos e teólogos. Porém, o Magistério da Igreja sempre teve um posicionamento oficial desta doutrina social, afirmando que a luta pela libertação das estruturas injustas (pecado social) deveria ser acompanhada pela libertação do pecado individual de cada um (conversão do coração). No entanto, o compromisso dos cristãos com esta doutrina deixou muito a desejar nestes cem anos de DSI, inclusive no Brasil. Verificamos atos errôneos por parte de clérigos e leigos que não interpretaram corretamente o fundamento da doutrina que é o de construir uma sociedade pautada no bem comum, agindo em prol de seus próprios interesses. Mesmo diante de muitos erros, a ação social católica no Brasil teve um papel importante na conquista dos direitos sociais, acreditamos que até mesmo um papel central. Durante a ditadura militar, possivelmente a sua maior expressão social na história da Igreja no Brasil, quando se tornou praticamente a única voz contra aquele regime ditatorial e desumano em que o país viveu. A ação social católica manteve-se viva após o regime militar e se manifestou com autoridade na construção do regime civil e na consolidação da Carta Constitucional. A partir da Constituição de 1988, a ação social católica se mantém ativa efetivação da mesma e lutando contra lógica neoliberal que domina o cenário brasileiro. A Igreja conta com uma estrutura bem sólida para a prática de sua ação social. A partir da CNBB, suas pastorais, movimentos, organismos sociais e instituições religiosas, a ação social católica tem grande expressão nacional no enfrentamento da questão social. A CNBB está empregando atualmente projetos que visam à conscientização doutrinal, social e política dos católicos; sendo assim, a Igreja vem de encontro com nossa hipótese de que os assistentes sociais católicos de Londrina não têm uma clareza teórica sobre a DSI e, talvez, a maioria dos católicos não tenha esta clareza. Os entrevistados demonstraram a falta de um conhecimento sólido da DSI. Estavam impregnados de uma miscelânea de valores católicos e outros referenciais teóricos adquiridos em sua experiência como leigos católicos e na sua formação profissional. No entanto, com relação à DSI enquanto um corpo teórico, demonstraram não a terem estudado profundamente em nenhum tipo de curso oficial da Igreja. É necessário, com efeito, distinguir sempre a DSI das diversas posições das escolas, que explicaram sistematicamente, desenvolveram e ordenaram o pensamento social contido nos documentos pontifícios (Congregação para a Educação Católica, 1988, p. 9). Quando nos referimos à interpretação oficial da DSI, visamos o entendimento de uma perspectiva transformadora da realidade; assim como o exemplo de Jesus Cristo, que deu a vida por todos; como os primeiros cristãos que, baseados no amor, possuíam tudo em comum; como o exemplo dos mártires da Igreja, que davam suas vidas pelo Evangelho e seus valores; e tantos outros santos e santas da Igreja que colocaram suas vidas pelo bem do próximo, sejam intelectualmente – a exemplo São Tomaz de Aquino - ou em seu testemunho de vida – a exemplo de São Francisco de Assis. Nesta perspectiva, de uma doutrina social capaz de mudar os homens e as estruturas do mundo, é que entendemos a DSI como um agente de mudança no mundo de via não violenta e não individualista. Portanto, concluímos que a questão social, que vem sendo enfrentada desde os primórdios da Revolução Industrial pelo marxismo e outras correntes ideológicas; através da doutrina social da Igreja, pode-se ter um bom e seguro referencial teórico como inspiração para o enfrentamento da questão social. Referências bibliográficas Aquino, Felipe. Teologia da Libertação. Lorena – SP: Cléofas. 2002. p. 71-100. Ávila, Fernando Bastos. Pequena Enciclopédia de Doutrina Social da Igreja SJ. 2. ed. Centro João XXIII – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento (IBRADES). São Paulo: Loyola, 1993. BETTENCOURT, Estevão. Curso de Doutrina Social da Igreja. Escola Mater Ecclesiae: cursos por correspondência. Jacarepaguá-RJ: Tudo para Ontem, 2004. BRUNEAU, Thomaz C. O papel da Igreja na transição brasileira. 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