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"Aquilo que se faz por amor está sempre al m do bem e do mal." Friedrich Nietzsche
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Educação Religiosa – UNICAP
Especialização em Ciências da Religião para
“O Brasil é uma potência religiosa
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Educação Religiosa – UNICAP
José Casanova
Um dos principais sociólogos da religião no mundo explica a crise de fé da Europa, a politização da
religiosidade nos EUA e o preconceito contra os ateus
por Rodrigo Cardoso para ISTOÉ
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ARQUIVOS
MUDANÇA
Para Casanova, o desenvolvimento econômico está
fazendo a religiosidade, proibida pelo Estado, voltar à China
Pos 61 anos, José Casanova é um dos mais respeitados sociólogos da religião na atualidade. Autor do
clássico “Public Religions in the Modern World” (de 1994), no qual trata da ligação entre o afastamento
das pessoas das religiões e a modernidade, o acadêmico nascido na Espanha e naturalizado americano
é professor titular do departamento de sociologia da Universidade de Georgetown, em Washington, nos
Estados Unidos, e diretor do programa sobre “globalização, religião e o secular” do Center Berkley, na
mesma instituição. Casado e com um filho, Casanova esteve no Brasil, no início do mês, para ministrar
aulas magnas, ter encontros com pesquisadores e fazer palestras públicas em universidades. No período
em que esteve no País, concedeu uma entrevista à ISTOÉ, na qual traçou um panorama da engrenagem
religiosa no mundo atualmente – secularismo e ateísmo, a crise de fé na Europa, a politização da
religiosidade nos EUA e a religião em países como Brasil, China e ndia.
ARQUIVOS
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“Bento XVI serve como um pontífice
de transição que não quer impor uma
linha nova e abre portas, como a decisão
de controlar o problema da pedofilia”
“Há um processo de globalização do islã. Imigrantes
da Turquia, da Argélia, do Paquistão, de repente,
são mais identificados como muçulmanos globais”.
ISTOÉ - Qual o futuro do catolicismo?
JOSÉ CASANOVA - Entre o protestantismo/pentecostalismo, o islã e o catolicismo – as três grandes
religiões globais –, este último vem perdendo espaço e depende de como irá resolver as suas crises
fundamentais envolvendo a igualdade das mulheres, o sacerdócio feminino e como irá reconstruir a sua
moral sexual diante das transformações radicais da moralidade sexual nas sociedades. Não significa
aceitar essas transformações, mas confrontá-las e dar uma nova alternativa moral aos problemas. Há um
distanciamento entre a moral sexual das sociedades e a moral proposta pelo catolicismo. E sabemos que
isso leva muitas mulheres a se afastar. E, quando uma mulher sai da igreja, a família deixa de ser cristã e
os templos se esvaziam.
ISTOÉ - Qual será a herança do pontificado de Bento XVI?
JOSÉ CASANOVA - É um pontificado muito complexo. O de (Karol) Wojtila (João Paulo II) foi muito
positivo, carismático, havia uma dinâmica na Igreja Católica, sobretudo nos países em desenvolvimento.
Mas ele também era uma pessoa muito autoritária. (Joseph) Ratzinger (Bento XVI) é um teólogo mais
técnico do que Wojtila e por isso tem menos sensibilidade à diversidade do catolicismo global. Serve
como um pontífice de transição que não quer impor uma linha nova e abre algumas portas, como a
decisão definitiva de controlar o problema da pedofilia.
ISTOÉ - Há uma onda de pessoas abandonando as religiões e mantendo a fé em espaços privados. Por
quê?
JOSÉ CASANOVA - Durante 300 anos, os países europeus passaram por um processo de religiosidade
(confessionalização), em que o Estado impôs a suas populações as religiões luterana, calvinista ou
católica. Hoje, associa-se o Estado religioso e a igreja estatal a uma tradição muito velha, que vai contra
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a modernidade. O Brasil, com a modernização e o crescimento das classes médias, também passa por
um processo parecido, embora atenuado, porque a modernidade tem a ver com a pluralização da
religião. Na Europa, ou você pertence a uma religião/igreja ou sai dela de vez. Então, a secularidade
aparece como a única alternativa à religião – é considerada um estágio mais avançado do que a religião.
ISTOÉ - Como o sr. enxerga o grupo dos crentes sem religião?
JOSÉ CASANOVA - Muitos não encontram nas comunidades religiosas uma experiência criativa, pessoal,
que chame sua atenção. Essa gente não é agnóstica, tem uma identidade religiosa particular privada, um
sincretismo pessoal. Assim, a pessoa pensa: “Sou católico e bebo do espiritismo, por exemplo, mas sem
ser espírita.” É uma forma de crer sem pertencer, não ter filiação. Nos Estados Unidos, a religião foi de
tal forma politizada que a sociedade se polarizou. Muita gente rejeita a forma como a religião se envolve
com a política e pretende moldar toda a sociedade, inclusive pessoas sem filiação.
ISTOÉ - O sr. considera que as religiões ainda intervêm na esfera pública? O que elas ainda têm a dizer
para as sociedades?
JOSÉ CASANOVA - O Estado europeu moderno nasceu em meio às guerras religiosas. A primeira medida
foi tornar o Estado religioso e forçar todos a ter uma única crença para evitar a guerra civil. Aqueles que
não queriam seguir a religião nacional deviam partir. Quando chegou a democracia, a religião saiu de
cena do âmbito estatal, acompanhada da ideia da necessidade de a fé ser privada, para que a sociedade
não se polarizasse. Nos Estados Unidos, há um outro tipo de privatização da religião, pois o Estado não
reconhece oficialmente uma única crença e dá liberdade para que os cidadãos formem a denominação
que quiserem. A religião é a mais política das instituições americanas, é o centro da vida política naquele
país. Todos os movimentos sociais envolvendo a escravidão, o feminismo ou o aborto foram
encabeçados pela religião.
ISTOÉ - A pluralidade religiosa, algo corriqueiro aqui no Brasil, também existe na Europa e nos EUA?
JOSÉ CASANOVA - A imigração inaugurou a diversidade cultural, étnica, racial e religiosa na Europa. A
minoria religiosa que desponta na Europa é o islã, por razões étnicas, econômicas e seu passado
colonial ante os países europeus. Além disso, ocorre um processo de globalização do islã. Os imigrantes
chegaram da Turquia, da Argélia, do Paquistão, mas, de repente, são mais identificados como
“muçulmanos globais” do que por sua origem nacional. O islã lhes garantiu uma unidade que não tinham.
Nos Estados Unidos, os imigrantes muçulmanos são normalmente de classe média, eles têm nível
educacional alto e estão economicamente integrados.
ISTOÉ - O desenvolvimento de países como China, ndia e Brasil traz quais consequências para as
religiões?
JOSÉ CASANOVA - A China é uma sociedade que se modernizou à base de um processo estatal de
destruição das religiões. Hoje, com o desenvolvimento econômico chinês, todas as religiões voltam a
ressurgir. O caso chinês põe em questão a tese de que a modernização leva à secularidade. A
secularização da China foi imposta pelo Estado e agora, com o desenvolvimento econômico, as religiões
estão voltando. As religiões reconhecidas na China são minoritárias e oriundas de grupos étnicos não
chineses: o islã, o budismo, o taoísmo, o catolicismo e o protestantismo. Estão sendo inaugurados
departamentos de antropologia e sociologia nas universidades chinesas, de estudos da religião, o que
não havia antes. A ndia, porém, sempre foi muito religiosa. Ela concluiu que, para competir com o
Ocidente e se livrar do colonialismo, teria de usar seu componente de fé. São duas respostas
anticoloniais bem diferentes: uma enxerga a religião como um obstáculo e a outra a vê como uma ajuda.
ISTOÉ - E o Brasil?
JOSÉ CASANOVA - O Brasil se converteu em um centro mundial de catolicismo global, de
pentecostalismo global e de movimentos afro-americanos globais. O Brasil está surgindo como potência
econômica global, mas também está surgindo como potência religiosa nessas três religiões.
ISTOÉ - No Brasil, além do grupo dos católicos não praticantes, assistimos ao crescimento dos
pentecostais não praticantes. Haveria um mesmo motivo para esses dois fenômenos?
JOSÉ CASANOVA - É um mesmo processo. O individualismo é o princípio mais importante da formação
da religião de uma pessoa no mundo moderno. Só tem vitalidade aquela religião que permitir uma
escolha individual livre. Quando a religião é uma experiência imposta, pela instituição ou pela família, leva
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o indivíduo a querer livrar-se dela. Quando o catolicismo se converte simplesmente em uma identidade
formal que não confere nenhuma motivação pessoal ao indivíduo, muitos deixam de ser praticantes,
tornam-se católicos formais e ocasionalmente podem converter-se a outra religião ou até serem
agnósticos e antirreligiosos. À medida que o pentecostalismo se torna mais institucionalizado e surgem
novas gerações, esse processo também se dará.
ISTOÉ - Para estar antenado à modernidade é preciso ser secular?
JOSÉ CASANOVA - Na Europa se pensava que a secularidade era um estágio superior à religião.
Abandonar uma religião era simplesmente uma condição natural humana. Então, lá, ser secular é
considerado algo natural, e ter religião é tido como artificial. Historicamente, o homem amadurecia,
tornava-se mais sábio, mais livre e via a religião como algo desnecessário. Essa ideia muito europeia
nunca pegou nos Estados Unidos. Os americanos relacionaram sua experiência de modernidade ao
renascimento religioso. A religião aparece como uma afirmação da identidade americana sobre o
colonialismo do Ocidente. Lá, estamos condenados a ser livres, mas também a renascer religiosamente.
ISTOÉ - O que é ser ateu no mundo globalizado?
JOSÉ CASANOVA - Há uma anedota na Irlanda do Norte que diz que um cidadão, ao atravessar a zona
protestante em direção à católica, é abordado: “Mãos para cima. Você é protestante ou católico?” O
cidadão respondeu: “Sou ateu.” A indagação seguinte foi: “Mas qual tipo de ateu: protestante ou
católico?” É o contexto que define o que significa ser ateu. Na Europa, ser ateu é normal para um jovem,
que não precisa fazer nada para se encontrar nessa situação, não precisa dialogar, refletir. É algo
natural, espontâneo. Por outro lado, para ser religioso ele tem de fazer algo. Na América é o contrário.
Ser ateu exige uma coragem enorme, ser contra toda a sociedade. É estar continuamente lutando e
defendendo a sua oposição diante de todos. Uma pesquisa mostrou que nos Estados Unidos o cidadão
afirma que votaria em qualquer religioso, até em um muçulmano, mas jamais em um ateu.
ISTOÉ - As pessoas são mais felizes quando têm ou não uma religião?
JOSÉ CASANOVA - Existe uma ciência da felicidade, uma economia da felicidade, uma psicologia da
felicidade, que para mim são ciências absurdas. Sou um sociólogo comparador histórico que não crê
nessas coisas. É verdade que toda religião orienta o indivíduo para uma realidade transcendente. Isso
facilita a ele se relacionar com os outros. Mas as religiões também podem nos tornar mais egoístas,
obcecados por nossa salvação. A resposta a essa pergunta é: depende.
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