Investigações matemáticas na sala de aula*
Helena Cunha
Hélia Oliveira
João Pedro da Ponte
Introdução
Metodologia de trabalho com uma grande tradição, por exemplo, em
Inglaterra (Jaworski, 1994), as actividades investigativas constituem uma
oportunidade de promover, junto dos alunos, processos matemáticos
característicos amiúde esquecidos no processo de ensino-aprendizagem. Como
diz Lerman (1989), “a matemática é identificada por modos particulares de
pensar, conjecturar, procurar contradições formai s e informais, etc, e não pelo
‘conteúdo’ específico” (pg. 77). Assim, é pertinente considerar que a actividade
matemática de qualquer aluno poderá englobar: identificar questões, formular,
testar e provar conjecturas, argumentar, reflectir e avaliar.
A realização de actividades de investigação na aula de matemática são
importantes porque elas: (a) constituem uma parte essencial da experiência
matemática e, por isso, permitem uma visão mais completa desta ciência; (b)
estimulam o envolvimento dos alunos, ne cessário a uma aprendizagem
significativa; (c) podem ser trabalhadas por alunos de ciclos diferentes, a níveis
de desenvolvimento também diferentes; e (d) potenciam um modo de
pensamento holístico (ao relacionarem muitos tópicos), essencial ao raciocínio
matemático.
Uma proposta de trabalho sobre potências
No ano lectivo 1994/95 iniciou-se o projecto “Matemática Para Todos”
(MPT) com o objectivo principal de promover a elaboração, experimentação e
avaliação de propostas de trabalho para alunos, com uma forte componente de
investigação e exploração. Pretende -se averiguar os processos que os alunos
utilizam ao se envolverem neste tipo de actividades, a dinâmica de trabalho que
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geram na aula e as competências requerem da parte dos professores. As propostas
elaboradas têm-se centrado em torno de temas dos programas de Matemática do
2º e 3º ciclos do Ensino Básico e do Ensino Secundário. As áreas privilegiadas
têm sido Números e Regularidades, Funções e Geometria.
Ao longo deste primeiro ano de trabalho o grupo em que nos inserimos
debruçou-se sobre a área Números e Regularidades, com especial incidência no
tema Potências. Apostámos, assim, no desenvolvimento de propostas de trabalho
possibilitando abordagens alternativas, num tema que tradicionalmente os
professores consideram algo árido. A sua integração no esquema curricular de
trabalho que caracteriza os programas em vigor assume formas muito diversas:
introdução de um conceito, descoberta de novas propriedades, extensão ou
generalização de um conceito ou propriedade, consolidação de conceitos ou
simplesmente exploração em torno de certo assunto.
De entre as unidades já experimentadas seleccionámos uma sobre “Potências
e Regularidades” que foi pensada, inicialmente, para o 2º ciclo. Trata-se de um
conjunto de três questões que exploram, de diversas maneiras a noção de
potência. Detenhamo-nos na primeira:
1.- O número 729 pode ser escrito como uma potência de base 3. Para o
verificar basta escrever uma tabela com as sucessivas potências de 3:
32 = 9
33 = 27
34 = 81
35 = 243
36 = 729
• Procura escrever como potência de base 2
64 =
128 =
200 =
256 =
1000 =
• Que conjecturas podes fazer acerca dos números que podem ser escritos
como potências de base 2? e como potências de base 3?
Pretende-se levar os alunos a aperceberem-se que nem sempre é possível
obter certo número como potência (inteira) duma certa base (inteira). No caso de
não terem sido ainda abordados os critérios de divisibilidade, esta questão
constitui uma boa oportunidade para discutir a possibilidade de indicar de
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Investigações matemáticas na sala de aula
imediato, sem efectuar cálculos, se determinado número é ou não potência de 2
ou de 3.
2.- Repara na seguinte tabela de potências de 5
51 = 5
52 = 25
53 = 125
54 = 625
• O último algarismo de cada uma das sucessivas potências é sempre 5 . Será
que isso também se verifica para as potências seguintes de 5?
• Investiga o que se passa com as potências de 6.
• Investiga também as potências de 9 e 7.
Neste caso são investigadas regularidades do último dígito das sucessivas
potências duma mesma base, ou, eventualmente, com os dois últimos dígitos. É
possível ainda a extensão a todas as bases de 1 a 9.
3.- Repara que os cubos dos primeiros números naturais obedecem às
seguintes relações:
13 = 1
2 3 = 3+5
3 3 = 7+9+11
• Nota que, no exemplo acima, foi escrito como uma “soma” com um único
número ímpar, como soma de dois números ímpares e como soma de três
números ímpares. Será que o cubo de qualquer número pode ser escrito como a
soma de números ímpares?
O tipo de regularidade aqui explorado é natureza mais estrutural. Para além
de verificar que qualquer número pode ser escrito como a soma de números
ímpares, será interessante que os alunos procurem verificar se o cubo de um
número n pode ser escrito como a soma de n números ímpar es. Restam ainda
outros aspectos a investigar: (a) poderão esses n números ímpares ser sempre
consecutivos? (b) haverá alguma regularidade no que respeita ao primeiro desses
n números? ...
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A experiência numa turma do 5º ano
Contexto
Esta ficha foi aplicada numa turma do 5º ano por uma professora que integra
a equipa do projecto. A turma é constituída por 26 alunos, sendo caracterizada
pela professora como participativa, bastante receptiva às propostas que lhes
apresenta e com bom aproveitamento.
A noção de potência tinha sido introduzida recentemente, portanto esta
actividade constituiu um momento de exploração e aprofundamento do tema. Nas
três aulas em que se ocuparam desta ficha, os alunos trabalharam aos pares, como
fazem frequentemente.
Introdução da investigação
Tratando-se da primeira vez que eram propostas questões desta natureza, a
professora procurou, a propósito da palavra ‘conjectura’ elucidar os alunos logo
de início quanto ao que se esperava deles. A expectativa criada foi a de que iriam
“descobrir coisas sobre potências”, trabalhando como os matemáticos.
Desenvolvimento
A atitude geral da turma foi de grande empenhamento. No início,
provavelmente, o seu interesse advinha da motivação criada pela professora, mas
à medida que se embrenham na tarefa era esta que o sustentava. Tal era bem
visível perante o entusiasmo com que chamavam a professora sempre que faziam
uma nova descoberta. Por outro lado, verificou-se que, no geral, não solicitavam
a sua presença para validar o seu trabalho. A pr ofessora foi circulando pelos
lugares verificando as dificuldades que surgiam e incentivando o trabalho dos
alunos, tentando, contudo, não direccionar mais do que aquilo que a ficha já
fazia.
A calculadora elementar foi um elemento facilitador, especialmente pela
utilização do factor constante. Apesar desta facilidade ter sido até essa altura
pouco explorado pelos alunos, foi feita um bom uso dela.
Passaremos em seguida a dar uma visão geral do conteúdo do trabalho dos
alunos. Relativamente à primeira questão, as conjecturas apresentadas sobre as
potências de base 2 e de base 3 foram do mesmo tipo: a maioria dos grupos
indicou que as primeiras originavam sempre um número par e as segundas um
número ímpar. Um número mais reduzido de alunos indicou também qual a
sequência do último dígito para cada uma delas. Pela impossibilidade de
representarem 200 e 1000 como potência de base 2, alguns alunos referiram
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Investigações matemáticas na sala de aula
também que “os números que acabam em zero não podem ser escritos como uma
potência de base 2”.
Logo nesta questão se observou como a ideia de conjectura já fazia sentido
para alguns alunos:
“Pareceu-nos que quando o primeiro algarismo era ímpar também o
expoente tinha de ser, mas o número 243 disse-nos que era mentira,
512 = 2 9 ; 128 = 2 7 ; 32 = 2 5 ; 6561 = 38 ; 81 = 34 ;
243 = 3 5 ; 2184 = 3 7 “ .
Registaram-se também algumas tentativas de explicação destas
regularidades: “Parece-me que percebi porque é que isto acontece” ou “Se a base
é 2 tinha sempre de terminar em número par... é fácil!”.
Ainda como resultado deste primeiro contacto com as regularidades, foi
interessante observar como alguns alunos as associaram com os padrões: “é um
padrão nós aprendemos em EVT. Repete-se sempre a mesma coisa.”
Na segunda questão, os al unos identificaram, sem dificuldade, a sequência
do último dígito das potências indicadas, e alguns grupos apontaram mesmo os
últimos dois dígitos das potências de 5 e de 6. Tal como na primeira questão
houve também quem tentasse explicar as suas afirmações “... eu acho que sei
porque é ... o fim é sempre 5 porque a tabuada é de 5 em 5”.
A última questão foi aquela em que os alunos ficaram mais aquém do que se
era pedido. Apenas escreveram o cubo de 4 e de 5 como soma de números
ímpares. Alguns alunos cons eguiram exprimir essa soma utilizando números
ímpares consecutivos.
Discussão
Como finalização desta actividade, a professora pediu que cada par indicasse
uma das suas descobertas. Os restantes alunos ouviram com detida atenção,
verificando imediatamente com a sua calculadora todos os resultados a que eles
próprios não tinham chegado.
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Helena Cunha, Hélia Oliveira, João Pedro da Ponte
A experiência numa turma do 7º ano
Contexto
Apesar de, em termos de conteúdo, esta proposta se centrar mais
directamente no 2º ciclo, pensámos que poderia ser também estimulante para o 7º
ano. Uma professora, que não pertencia à equipa do projecto aceitou propor estas
tarefas, considerando -as adequadas para a exploração do tema Potências que
estava para iniciar. A turma, com 26 alunos, tem um bom desempenho e é
bastante homogénea.
Os alunos trabalharam em grupos de 4 ou 5, como sucedia frequentemente, e
demoraram aproximadamente duas aulas a desenvolver este trabalho (mais parte
de outra aula para discussão).
Introdução da investigação
A professora não considerou necessário tecer nenhum comentário
introdutório sobre a natureza da ficha, uma vez que os alunos estavam habituados
a um tipo semelhante de trabalho e, estando já a decorrer o 3º período, verificava
que tinha conseguido incutir-lhes uma boa dose de autonomia.
Desenvolvimento
Não se registaram dificuldades por parte dos alunos quanto ao que se lhes
propunha. O nível de envolvimento foi grande, tendo -se registado, no geral, uma
boa dinâmica nos grupos e bastante coesão. Pelas características das questões
houve bastante discussão no seio dos grupos: os alunos corrigiam -se mutuamente
e argumentavam para defenderem as suas ideias perante os seus pares. Nalgumas
situações em que os grupos não chegavam a acordo, a professora funcionou
como árbitro. A sua actuação foi, aliás, pouco directiva, procurou estimular os
alunos a encontrarem as “respostas” por eles próprios. Expressões tais como
“experimenta”, “já verificaste?”, “tenta com outro número”, “lê novamente o que
se pede”, predominaram fortemente.
Quanto ao desempenho dos alunos, não se registaram na primeira e segunda
questões diferenças significativas relativamente à turma do 5º ano, mas na
questão três estes foram já mais longe, como é natural dado o seu nível de
escolaridade. Evidencia-se, do que escreveram, que identificaram o processo de
construção do cubo de um número como soma de ímpares consecutivos e
conseguiam fazê-lo induzindo cada cubo a partir do anterior.
Notemos o que escreveram dois grupos:
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Investigações matemáticas na sala de aula
“Sim, parece que quando o expoente é 3, o número dá sempre para
representar sob a forma de uma soma de números ímpares, tendo
como número de parcelas o número da base
4 3 = 13+15+17+19
5 3 = 21+23+25+27+29
6 3 = 31+33+35+37+39+41.”
“Seguindo este raciocínio acrescenta-se sempre mais uma parcela ao
anterior e passa-se para o nº ímpar consecutivo.”
Sentindo que era possível ir ainda mais longe, a professora sugeriu, então
que tentassem identificar características comuns nas diferentes somas, como por
exemplo, que tipo de número figurava como primeira parcela. O grupo A
conseguiu responder ao desafio lançado:
“Achamos uma maneira:
Multiplicamos a base da potência por si mesma, ao resultado
subtraimos a base antecedente.
Exemplo: 53 = 52-4
Ou: ao resultado da potência dividimo-la pela sua base e subtraímos a
base antecedente.”
Posteriormente escreveram:
“Para descobrir a 1ª parcela pode fazer-se no seguinte modo:
calcula-se o valor do número anterior ao quadrado e soma-se a base do
número que se quiser calcular
Exemplo:
4 3 = 64
5 3 = 21+23+25+27+29 a 1ª parcela 21 é igual a 4 2+5
6 3 = 31+33+35+37+39+41 a 1ª parcela 31 é igual a 52+6. “
O grupo B, apesar de muito frustrado por não ter conseguido
corresponder da mesma forma, encontrou regularidades bastante
interessantes:
13 = 1
2 3 = 3+5
3 3 = 7+9+11
4 3 = 13+15+17+19
5 3 = 21+23+25+27+29
6 3 = 31+33+35+37+39+41
7 3 = 43+45+47+49+51+53+55
8 3 = 57+59+61+63+65+67+69+71
9 3 = 73+75+77+79+81+83+85+87+89
10 3=91+93+95+97+99+101+103+105+107+109
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Helena Cunha, Hélia Oliveira, João Pedro da Ponte
11 3=111+113+115+117+119+121+123+125+127+129+131
Regra- O último número da 1ª parcela acaba sempre em: 1,3,7,3,1.
Regra- Da 1ª parcela para a 1ª parcela do número consecutivo vai
sempre:
2,4,6,8,10,12 ...
Regra- O último dígito da última parcela é: 1,5,1,9,9, ...
Discussão
Numa aula posterior, foi dado a conhecer à turma o trabalho que os
diferentes grupos tinham desenvolvido. A turma não se mostrou muito
entusiasmada com as regularidades apresentadas pelo grupo B, relativamente à
questão 3, pois considerava que eram apenas aspectos visíveis da construção da
soma. Em relação às conclusões do grupo A, houve, ao invés, uma reacção de
grande surpresa e curiosidade. Demonstraram um grande interesse em que este
grupo explicasse como tinha conseguido chegar a tais resultados, não sem antes
terem verificado para alguns casos a sua ve racidade.
Perante a afirmação da professora de que apenas poderiam demonstrar o
resultado desta questão quando estivessem no secundário, curiosamente, os
alunos insistiram para que lhes mostrasse como. A professora fez então surgir no
quadro o símbolo de somatório mas não pode ficar por ali devido à insistência
dos alunos em querer saber mais. Acabaram por verificar a expressão apresentada
para algumas das somas a que tinham chegado.
Conclusão
O papel de relevo que as actividades de investigação podem desempenhar na
aprendizagem da matemática justifica uma atenção especial à sua elaboração. A
troca de ideias e de opiniões entre professores e a experimentação de protótipos
das actividades são componentes que poderão enriquecer, do nosso ponto de
vista, as propostas de trabalho.
Nas questões a propor há que atender a aspectos de natureza curricular: (a)
qual o seu potencial valor nos diversos graus de ensino? (b) devem ser mais ou
menos estruturadas? (c) devem ou não elaborar-se sugestões para os professores,
e de que tipo? (d) as actividades justificam -se a si mesmas ou devem ser
encaradas como “suporte” da aprendizagem dos conteúdos matemáticos?
Na sua realização na sala de aula surgem igualmente outras questões: (a)
como introduzir estas actividades? (b) que apoio dar aos alunos? (c) como
promover a discussão entre eles? (d) como avaliar a aprendizagem?
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Investigações matemáticas na sala de aula
Não temos respostas para todas as questões anteriores, muito embora o
significativo trabalho de reflexão que tem sido realizado neste domínio (Mason,
1991). Estas questões mostram, sobretudo, a importância de aspectos do trabalho
do professor por vezes pouco visíveis — desde a integração das actividades de
investigação nos currículos ao modo de as conduzir na sala de aula e à forma de
avaliar as aprendizagens dos alunos.
A experiência já desenvolvida aponta, no entanto, claramente para o valor
destas actividades como:
- proporcionando oportunidades de explorar conceitos matemáticos
importantes em níveis diferentes com graus de profundidade diferente;
- promove ndo o desenvolvimento de capacidades de ordem superior e
processos matemáticos pouco contemplados no tratamento de temas
programáticos;
- possibilitando diferentes graus de consecução a alunos com capacidades
diferentes, permintindo-lhes trabalhar no seu ritmo próprio;
- estimulando o professor a repensar aspectos fundamentais da sua prática
docente.
Referências
Jaworski, B. (1994). Investigating Mathematics Teaching: A Constructivist
Enquiry. London: The Falmer Press.
Lerman, S. (1989). Investigations: Where to Now? In P. Ernest (Ed.),
Mathematics Teaching: the State of the Art. (pp. 73-80). London:
Falmer Press.
Mason, J. (1991). Mathematical problem solving: Open, closed and
exploratory in the UK. ZDM 91/2, 14-19.
* Este artigo foi publicado nas Actas do ProfMat95, Lisboa: APM, 1995 (p. 161-167)
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