CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DA BAHIA
ÂNGELA DOS SANTOS NUNES
COOPERAÇÃO E COMPETIÇÃO NUMA COOPERATIVA
DE CATADORES: UM ESTUDO DE CASO
Salvador
2004
ÂNGELA DOS SANTOS NUNES
COOPERAÇÃO E COMPETIÇÃO NUMA COOPERATIVA
DE CATADORES: UM ESTUDO DE CASO
Monografia apresentada ao Curso de
Administração com habilitação em
Hotelaria, do Cefet-Ba como requisito
parcial para obtenção do título de
Bacharel em Administração.
Orientador: Prof. Dr. Nilton Vasconcelos
Júnior
Salvador
2004
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Diferenças entre Economia de Mercado e Economia
Solidária..........................................................................................15
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - Idade dos Sujeitos .............................................................................39
TABELA 2 – Escolaridade dos Sujeitos.................................................................40
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar a Deus, pela oportunidade de poder estudar e contribuir para
o meu crescimento pessoal e de toda a sociedade.
Aos meus queridos pais, que me deram todos os subsídios para que eu
pudesse ser a pessoa que sou hoje.
Aos meus professores, colegas e família, por toda dedicação e confiança
investidas em mim durante todo este tempo de convivência.
Ao meu orientador, Nilton Vasconcelos Júnior, pelo incentivo constante e
objetiva orientação na condução desta pesquisa.
Aos amigos da Cooperativa CAEC, que me receberam de braços abertos,
possibilitando a realização desta pesquisa.
A
todos
aqueles
que
de
alguma
desenvolvimento pessoal e profissional.
A todos vocês, muito obrigada!
forma
contribuíram
para
o
meu
“Na Cooperativa ninguém perde sua liberdade; a cooperativa é, em suma, a
associação das liberdades”.
Tancredo Neves
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................
8
2. MARCO TEÓRICO .........................................................................
12
2.1. Economia Solidária ..........................................................
12
2.2. Cooperativismo.................................................................
15
2.2.1. Cooperativismo no Brasil........................................
16
2.2.2. Cooperativismo no Nordeste..................................
20
2.3. Competição......................................................................
21
2.4. Cooperação .....................................................................
23
2.4.1. A Teoria de Morton Deutsch Sobre Competição e
Cooperação ............................................................................
26
3. ESTUDO DE CASO .......................................................................
30
3.1. Coleta Seletiva ................................................................
30
3.2. Formas de Organização dos Grupos...............................
32
3.3. Produtos e Condições operacionais ...............................
33
3.4. A CAEC ...........................................................................
34
4. METODOLOGIA .............................................................................
37
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO.......................................................
39
6. CONCLUSÃO..................................................................................
49
REFERÊNCIAS
APÊNDICE
RESUMO
Esta pesquisa teve como objetivo analisar a existência de relações de
competição e cooperação em indivíduos em duas situações distintas: numa
situação que “induzia” a competição (no antigo lixão de Canabrava) e
posteriormente, numa situação de Cooperação (na CAEC – Cooperativa de
Catadores Agentes Ecológicos de Canabrava). A fim de alcançar os objetivos
propostos foi adotada uma metodologia quantitativa, utilizando-se a técnica do
questionário estruturado com sessenta afirmativas. Os resultados mostraram
que mesmo atuando em um ambiente cujo lema é a cooperação e a
solidariedade, a competição se faz presente e continua atuando. Da mesma
forma, em ambiente de competição, a cooperação não deixa de existir.
Palavras-Chaves:
Solidariedade.
Economia
solidária,
Competição,
Cooperação,
ABSTRACT
This research had as objective to analyze the existence of competition relations
and cooperation in individuals in to distinct situations: in a situation that “ it
induced” the competiton ( in the old great garbage of Canabrava ) and, in a
situation of cooperation ( in the CAEC- Cooperative of that one that it collects
Agent Ecological of Canabrava ). In order to reach the considered objectives a
quantitative methodology was adopted, using it technique of the questionnaire
structuralized with sixty affirmations. The results had shown that exactly acting
in an environment whose motto is the cooperation and solidarity, the
competition if makes gift and continues acting. In the same way, in competition
environment, the cooperatio does not leave to exist.
Key- Words: Solidary Economy, Competiton, Cooperation,Solidarity.
1. INTRODUÇÃO
A constatada crise da economia mundial apresenta conseqüências
desastrosas para a maioria dos países. Conforme o economista João Machado
apud Adrioli (2002), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a
economia mundial que se mantinha num crescimento de 4% na década de 60,
chegou ao final da década de 90 com apenas 1%. O custo social disso, por sua
vez, é catastrófico: a diferença entre países ricos e pobres aumentou em 110
vezes, desde a 2ª Guerra Mundial até a década de 90; aumenta
consideravelmente a distância entre ricos e pobres dentro dos países.
De acordo ainda com Adrioli (2002), de maneira mais conjuntural,
as principais características decorrentes da crise mundial são as seguintes: a)
crise do trabalho assalariado, com acentuada precarização nas relações de
trabalho; b) despolitização das relações sociais; c) acento na competitividade
com a perspectiva de que apenas alguns se “salvam” já que não há “espaço”
para todos; d) reestruturação produtiva; e) tentativa de substituição do modelo
fordista / taylorista de produção, alterando as formas de gestão tradicionais nas
empresas; f) incorporação de novas tecnologias, dispensando atividades
repetitivas e gerando problemas de qualificação profissional; g) corte de gastos
públicos e a conseqüente redução das políticas sociais.
O desemprego, que daí decorre, atinge praticamente a todos os
países, numa dimensão nunca antes vista. Conforme estudo intitulado
“Tendências Mundiais de Emprego -2004”
1
, realizado pela Organização
Internacional do Trabalho – OIT - o total de desempregados no mundo no final
de 2003 foi de 185,9 milhões de pessoas, o que corresponde a 6,2% da força
de trabalho do planeta. É o maior número da história da OIT, superando a
marca de 185,4 milhões de desempregados atingida em 2002. Este é o
tamanho da exclusão que exige providências, uma vez que a maioria da
população o aponta como o maior problema da atualidade em diversas
pesquisas de opinião pública.
Diante do contexto de exclusão que marca a sociedade capitalista,
uma das possíveis formas de inclusão é a criatividade individual de cada um
que, de forma isolada, procura resistir por conta própria no mercado. É o
caminho dos micro-empresários e trabalhadores autônomos que, com um
reduzido montante de capital à disposição, se lançam na difícil tarefa da
sobrevivência. Com sua ação isolada, a tendência ao fracasso é muito grande
e, com os inúmeros casos de insucesso, intimidam-se outras ações similares
(Adrioli, 2002).
Segundo Adrioli (2002), uma outra forma possível é o trabalho
associado, onde um grupo de pessoas se organiza e, contando com
acompanhamento e maior conhecimento à sua disposição, possui maior
probabilidade de sucesso. É a ação solidária dos que se unem por possuírem o
mesmo problema, por uma mesma necessidade, buscando um benefício
comum.
1
Este estudo pode ser obtido na íntegra no site www.ilo.org/public/english.
De acordo com Marques2 apud Adrioli (2002), “a solidariedade dos
que enfrentam os mesmos problemas é o melhor caminho para que cada qual
melhor os entenda e melhor os enfrente, não na estreiteza e no confinamento
do seu eu individual, mas numa forma nova de pensar e agir: a consciência do
grupo e a forma de cooperação”. No entanto, segundo este mesmo autor, é
difícil conceber a importância da solidariedade, numa sociedade marcada pela
competição e pelo individualismo. Sendo que a lógica do mercado se regula
pela concorrência, pela vitória de um sobre o outro, a cooperação perde o seu
sentido de ajuda-mútua para se reduzir a uma mera tática de intervir no
mercado: unir-se com uns para competir com outros. Assim, o desafio de
construir organizações cooperativas no contexto de competição e luta
desenfreada pela sobrevivência, se torna bastante complicado sem um espaço
de reflexão sobre o significado do ato cooperativo, da importância da
convivência e da solidariedade.
Diante disso, a presente pesquisa objetivou investigar em que
medida a experiência de tornar-se um cooperado muda as relações de
trabalho, ou seja, a competição e o individualismo, característicos do cenário
capitalista atual, podem dar lugar à solidariedade e à cooperação.
A fim de alcançar os objetivos propostos, foi realizado um estudo de
caso na CAEC – Cooperativa de Catadores Agentes Ecológicos de Canabrava,
situada no bairro de São Marcos, em Salvador.
Os atuais cooperados da CAEC são ex-catadores do extinto lixão
de Canabrava que, para sobreviverem disputavam o que chegava nos
2
MARQUES, Mário Osório & ROCHA, R.H.S. 1° Seminário Latino Americano de Comunicação
Cooperativa – Conferências, vol.2, Garanhuns:ASSOCENE,1978,p.64.
caminhões entre cães e urubus. Após saírem deste ambiente que induzia à
competição, passaram a participar de uma cooperativa, cujo lema é a
cooperação e a solidariedade entre os cooperados. A hipótese que norteia esta
pesquisa é a de que apesar do lema de solidariedade, existente nas
Cooperativas de trabalho a competição é inevitável e continua atuando.
2. MARCO TEÓRICO
2.1. ECONOMIA SOLIDÁRIA
Num mundo de desemprego crescente, em que a grande maioria
dos trabalhadores não controla nem participa da gestão dos meios e recursos
para produzir riquezas, um número sempre maior de trabalhadores e famílias
perde acesso à remuneração e fica excluído do mercado capitalista.
Neste cenário, sob diversos títulos – economia solidária, economia
social,
socioeconomia
solidária,
humanoeconomia,
economia
popular,
economia de proximidade, etc – têm emergido práticas de relações econômicas
e sociais que, de imediato, propiciam a sobrevivência e a melhora da qualidade
de vida de milhões de pessoas em diferentes partes do mundo. São práticas
fundadas em relações de colaboração solidária, inspiradas por valores culturais
que colocam o ser humano como sujeito e finalidade da atividade econômica,
em vez da acumulação privada de riqueza em geral e de capital em particular.
A economia solidária não é criação intelectual de alguém, embora
os grandes autores3 socialistas denominados “utópicos” da primeira metade do
século XIX tenham dado contribuições decisivas ao seu desenvolvimento. De
acordo com Singer (2000), a economia solidária é uma criação em processo
contínuo de trabalhadores em luta contra o capitalismo. Como tal, ela não
3
Owen,Fourier, Buchez,Proudhon,etc.
poderia preceder o capitalismo industrial, mas o acompanha como uma sobra,
em toda a sua evolução.
Segundo Singer (2000), a economia solidária surge como modo de
produção e distribuição alternativo ao capitalismo, criado e recriado
periodicamente pelos que se encontram (ou temem ficar) marginalizados no
mercado de trabalho. A economia solidária casa o princípio da unidade entre
posse e uso dos meios de produção e distribuição (da produção simples de
mercadorias) com o princípio da socialização destes meios.
Para Singer, que é um dos expoentes entre os pesquisadores da
Economia Solidária no Brasil, a unidade típica da economia solidária é a
Cooperativa de produção, cujos princípios organizativos são: posse coletiva
dos meios de produção pelas pessoas que as utilizam para produzir; gestão
democrática da empresa ou por participação direta (quando o número de
cooperadores não é demasiado) ou por representação: repartição da receita
líquida entre os cooperadores por critérios aprovados após discussões e
negociações entre todos; destinação do excedente anual (denominado
“sobras”) também por critérios acertados por todos os cooperadores.
A economia solidária busca a unidade entre produção e reprodução,
evitando a contradição fundamental do sistema capitalista, que desenvolve a
produtividade, mas exclui crescentes setores de trabalhadores de acesso aos
seus benefícios, gerando crises recessivas de alcance global.
De acordo com Singer (2000), quando uma nova empresa solidária
surge, a sua estruturação segue uma lógica completamente diferente. Em sua
origem há em geral uma comunidade formada por ex-empregados duma
mesma empresa capitalista ou por companheiros de jornadas sindicais,
estudantis, comunitárias etc. Segundo esta vertente do pensamento sobre a
temática, uma empresa solidária surge não só para permitir ganhos aos sócios,
mas como criação de trabalhadores em luta contra o capitalismo, sendo uma
opção ao mesmo tempo econômica e político-ideológica. Ela exigiria dos seus
integrantes uma opção contra os valores dominantes da competitividade
individual e da primazia do capital sobre o trabalho. Por isso, seu nascimento
requer o patrocínio de apoiadores externos, que podem ser outras empresas
solidárias, incubadoras (órgãos especializados em formar e amparar tais
empreendimentos),
sindicatos,
entidades
religiosas,
organizações
não-
governamentais (ONG), entre outras.
A economia solidária é vista, portanto, como um poderoso
instrumento de combate à exclusão social, pois apresenta alternativa viável
para a geração de trabalho e renda e para a satisfação direta das
necessidades de todos, provando que é possível organizar a produção e a
reprodução da sociedade de modo a eliminar as desigualdades materiais e
difundir os valores da solidariedade humana. A economia solidária é também
um projeto de desenvolvimento integral que visa a sustentabilidade, a justiça
econômica e social e a democracia participativa.
Alguns aspectos evidenciam as diferenças entre a Economia de
Mercado e a Economia solidária, conforme pode ser verificado no quadro 1.
Quadro 1 - Diferenças entre a Economia de Mercado e a Economia Solidária
ECONOMIA SOLIDÁRIA
ECONOMIA DE MERCADO
Colaboração
Individualismo
Solidariedade
Competitividade
Geração de Empregos
Desemprego
Desenvolvimento ecologicamente sustentável
Destruição dos ecossistemas
Redução da jornada
Exploração do trabalho
Aumento da poupança interna
Dependência dos capitais externos
Distribuição da riqueza
Concentração de capitais
Desenvolvimento
sustentado
e Crescimento de metrópoles
geograficamente distribuído
Livre iniciativa solidária
Monopólio
Fonte: Elaborado pela autora da monografia
2.2. COOPERATIVISMO
A mais antiga cooperativa de que se tem registro foi fundada por
empregados dos estaleiros de Woolwich e Chatham, Inglaterra, por volta de
1760. Eram de moinhos de cereais, em reação aos altos preços cobrados pelos
moinhos locais (VEIGA, 2001).
O pensamento cooperativista moderno surgiu na Europa Ocidental,
no início do século XIX, a partir de contribuições de pensadores como Robert
Owen, William King e Charles Fourier. A primeira cooperativa moderna formouse em 1844, na cidade de Rochdale, Inglaterra, com um pequeno número de
trabalhadores.
Com
dificuldades
para
comprar
gêneros
de
primeira
necessidade, os pioneiros de Rochdale, como ficaram conhecidos os
cooperativados, fundaram uma cooperativa de consumo, para comprarem em
conjunto e assim conseguirem preços mais baixos. O número de associados
aumentou vertiginosamente com o passar dos anos. Os pioneiros abriram
várias filiais e desenvolveram outras cooperativas, como de habitação e
produção. O Estatuto da Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale se
constitui “[...] o marco da fundação do cooperativismo moderno [...]” por seus
princípios, tais como a democracia e igualdade entre os membros, que servem
de base até hoje para o cooperativismo, e também pela sua preocupação com
o crescimento moral e educacional dos seus membros (VEIGA, 2001).
“[...] De lá para cá o cooperativismo se disseminou pelo mundo [...]”
e, atualmente, cerca de 1/6 da população mundial está envolvida nele (VEIGA,
2001).
2.2.1. COOPERATIVISMO NO BRASIL
As primeiras experiências do cooperativismo brasileiro remontam ao
final do século XIX, com a criação da Associação Cooperativa dos
Empregados, em 1891, na cidade de Limeira-SP, e da Cooperativa de
Consumo de Camaragipe – Estado Pernambucano, em 1894. A partir de 1902,
surgem as primeiras experiências das caixas rurais do modelo Raiffeisen, no
Rio Grande do Sul e, em 1907, são criadas as primeiras cooperativas
agropecuárias no Estado de Minas Gerais (OCB, 1996).
A literatura acusa um florescimento da prática cooperativa brasileira
a partir de 1932, motivada por dois pontos: a) o estímulo do Poder Público ao
cooperativismo identificando-se como um instrumento de reestruturação das
atividades agrícolas; b) promulgação da lei básica do cooperativismo brasileiro,
de 1932, passando a definir melhor a especificidade daquele movimento diante
de outras formas de associação (Pinho, 1996).
Atualmente, o cooperativismo brasileiro é amparado pela Lei nº.
5.764, de 16 de dezembro de 1971, que exige um número mínimo de 20 sócios
para a sua constituição e é representado, formalmente, pela Organização das
Cooperativas Brasileiras (OCB) em nível nacional e da Organização Estadual
de Cooperativas (OEC), em nível de cada Unidade da Federação.
A Lei nº. 5.764/71 está estruturada em 117 artigos contidos nos seus
dezoito capítulos. O Artigo 4 do Capítulo III da referida Lei define as
cooperativas como “ sociedades de pessoas, com forma e natureza juríd ica
próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar
serviços aos associados(...)”. E o Artigo 79 do Capítulo XII define os atos
cooperativos como sendo “os praticados entre as cooperativas e seus
associados, entre estes e aqueles e pelas cooperativas entre si quando
associados, para a consecução dos objetivos sociais”.
Um outro aspecto legal a ser destacado foi a criação da Lei n°
9.867, de 10 de novembro de 1999, que criou e normatizou as cooperativas
especiais, as quais são destinadas a auxiliar pessoas em “situação de
desvantagem” a se inserirem no mercado.
Os
pesquisadores
na
área
são
unânimes
em
apontar
o
Cooperativismo como uma alternativa de renda para os trabalhadores
desempregados, resgatando a cidadania e inserindo-os no contexto sócioeconômico atual.
O Cooperativismo Popular como integrante da economia solidária,
procura se diferenciar do cooperativismo tradicional em função do perfil
econômico dos cooperados e pela autogestão.
Na carta de Princípios4 elaborada pelo Fórum de Desenvolvimento
do Cooperativismo Popular do Rio de Janeiro (FCP) são desenvolvidos alguns
princípios do Cooperativismo popular, baseados nos tradicionais valores do
cooperativismo, porém enfatizando a solidariedade, a autogestão e a
valorização do cidadão:
São alguns princípios do Cooperativismo Popular:
1. Lutar pela constituição de um modelo de sociedade
justa, igualitária e solidária, acreditando na potencialidade
de sermos sujeitos do nosso próprio desenvolvimento
individual e coletivo.
2. Lutar por uma globalização fundada na ética da
solidariedade e na participação ativa dos cidadãos no
controle e gestão dos meios de produção da sociedade,
promovendo a auto-sustentação e a comunhão com a
natureza.
3. Resgatar as idéias de participação, do entrosamento,
do trabalho conjunto, onde a fraternidade/irmandade seja
4
www.milenio.com.br/ifil/rcs/biblioteca.htm
essencial,
afirmando
as
vantagens
das
relações
humanas.
4. Promover a geração de trabalho e a democratização da
propriedade, renda e conhecimento, voltadas para a
maioria da população.
5.
Formular,
incentivar
e
apoiar
políticas
sociais
integradas, que considerem formas associativas de
trabalho, baseadas na cooperação, como instrumentos
fundamentais de desenvolvimento local e regional.
6. Diagnosticar, planejar, acompanhar e administrar o
desenvolvimento de cadeias produtivas e de serviços de
fomento,
viabilizando
propostas
de
socioeconomia
autogestionária e solidária.
7. Contribuir com a formação integral do cidadão, que
ultrapasse
a
questão
da
sobrevivência
individual,
estimulando o ensino do cooperativismo, promovendo a
educação e a formação dos cidadãos na prática
cooperativista e organização popular;
8.
Afirmar
a
autogestão
dos
que
assumem
o
cooperativismo como instrumento de justiça social e
economia solidária, criando condições de garantia de
crescimento conforme a capacidade de gestão coletiva;
9. Valorizar modelos alternativos de organização social,
que sirvam de base para a construção de critérios
objetivos de avaliação da proposta cooperativista;
10. Estimular a troca de experiências, promovendo a
democratização de informações entre as organizações
populares, gerando condições de viabilidade para uma
proposta de sócio-economia solidária.
2.2.2. Cooperativismo no Nordeste
A região nordeste caracteriza-se por ser uma região de contrastes,
marcado por forte heterogeneidade e complexidade não somente em termos de
clima,
vegetação,
topografia,
cultura,
mas,
especialmente,
em
termos
econômicos. Essa região convive, simultaneamente, com situações de extrema
pobreza – típicas de países subdesenvolvidos – e com níveis de produção e
consumo semelhantes aos dos países de capitalismo avançado (Garcia, 1984;
Araújo, 1997).
A história do cooperativismo nordestino, nesse contexto, evidencia
os mesmos contrastes, reproduzindo um modelo concentrador e excludente
que teve numa estrutura agrária voltada para o latifúndio e para o setor agroexportador a sua base de sustentação (Silva, 2003, et al). Segundo este autor,
verifica-se em muitas cooperativas criadas nesta região, que os quadros
dirigentes são compostos por um grupo de poder local, em detrimento dos
interesses dos cooperados. Assim, o poder e a autoridade são exercidos
historicamente pelos dirigentes e não pelos associados.
Nesse sentido, grande parte das cooperativas rurais no Nordeste
esteve organizada a partir de uma estrutura de classes, nas quais os postos de
comando sempre estiveram preenchidos pelos grandes proprietários e pelas
lideranças políticas locais e regionais, atendendo a benefícios de pessoas e de
grupos específicos. Eis a razão pela qual, o cooperativismo nordestino foi
identificado como instrumento de controle do que de mudança social, tendo
servido, muitas vezes, como instrumento de transferência de recursos
financeiros para os produtores (Rios, 1987).
Constata-se hoje, no Nordeste, um esforço de revitalização das
práticas cooperativas, através dos diversos fóruns realizados em vários
estados, na grande maioria promovidos pelas entidades representativas do
cooperativismo e pelas universidades, sobretudo no que diz respeito à
formação do seu quadro social e à capacitação de seus dirigentes.
2.3. COMPETIÇÃO
Este trabalho analisa uma experiência de Cooperativismo a partir
dos conceitos de “competição” e “cooperação”. O interesse principal do estudo
está focado no Cooperativismo e, neste sentido, a categoria “competição” é
vista, sobretudo, em contraposição, ou seja, como o contrário de “cooperação”.
Assim, não será feita uma abordagem extensa dos sentidos de ”competição“
aplicada à economia e à estratégia empresarial.
Na nossa sociedade capitalista predomina uma concepção que
estimula o comportamento competitivo. Na família, a criança aprende desde
cedo a competir com os irmãos por objetos e vantagens, os quais, além dos
benefícios da posse em si, ainda lhe conferem certo prestígio e algum poder.
Este condicionamento prossegue na escola, onde, além da meta co-orientada
da aprovação, é enfatizada a meta competitiva das melhores notas. Na idade
adulta, continua a aprendizagem, nos esportes, na política e na vida
profissional, em razão de a cultura deixar a situação cooperativa em segundo
plano, ficando a competição no primeiro plano.
A primeira concepção de “competição” é oriunda da economia. Já
no século XVII, mais precisamente na Inglaterra, se dizia “A competição é a
vida do comércio”, identificando-se este viés competitivo desde tempos
remotos da sociedade industrial moderna, como relataram posteriormente
Adam Smith e os fisiocratas (Reale, 2002).
Segundo Reale (2002), por definição, o único sistema em estado de
competição absoluta se encontra em uma comunidade vegetal, justamente pelo
fato de não haver cognição entre os competidores. Como os competidores não
se reconhecem, eles competem sem que haja qualquer intenção moderadora.
A competição se faz de forma absoluta, sem que outras forças a influenciem.
Estes processos são diferentes dos que ocorrem entre humanos,
porque estes, ao ganhar consciência da competição e dos seus efeitos,
irremediavelmente, entram em conflito e procura-se moderar a competitividade
por razões diversas.
2.4. COOPERAÇÃO
Segundo Jesus e Tiriba (2003), o termo cooperação tem o
significado semântico de ato de cooperar, ou operar simultaneamente,
trabalhar em comum, colaborar, sinalizando, portanto, para um sentido de ação
e um sentido de movimento coletivo, sempre em oposição à perspectiva
individual e individualista.
Enquanto ação, significa a disposição, o empenho, o compromisso
de apoiar, de fazer com, de empreender com, de produzir com, o que pode
também ser visto como valor, como resultante de uma visão de mundo e visão
de homem. Nessa direção, cooperação significa tomar parte de um
empreendimento coletivo cujos resultados dependem da ação de cada um dos
participantes.
Enquanto
movimento,
nos
remete
um
pouco
à
história
da
humanidade cujas primeiras civilizações se caracterizavam pela vida em
coletividade.
Nas “comunidades naturais”, o indivíduo encontrava no grupo
proteção e os meios materiais necessários à vida. Lassere 5 (1967) apud Jesus
e Tiriba ressalta que o coletivismo foi pouco a pouco sendo substituído pela
civilização individualista, a qual se materializa por meio de várias revoluções, a
saber: revolução econômica (quando os indivíduos se separam da economia
familiar para ter uma vida econômica independente), revolução intelectual (no
Renascimento, quando o homem descobre o uso da razão, do pensamento
livre e laico, tornando a ciência possível), revolução espiritual (cuja Reforma
5
LASSERE,G. La coopération. 1967.
possibilitou a conquista mais preciosa da era individualista: a liberdade de
consciência), revolução agrícola (camponeses se liberando das formas
coletivas e de direitos feudais), revolução política (a democracia favorecendo a
conquista das liberdades individuais fundamentais) e revolução industrial
(capitalismo moderno e progresso material rápido).
Ao fazer uma análise dos processos civilizatórios calcados no
individualismo, Lassere apud Jesus e Tiriba (2003) enfatiza que “o movimento
da história se inverte: o individualismo parece ter dado tudo que podia dar e
esgota sua fertilidade [...] A tendência que se desenha agora á e de um retorno
ao coletivo”. Conclui que “os trabalhadores compreenderam pouco a pouco que
uma mudança profunda de natureza social era necessária e que sua única
arma [...] residia na associação, graças à qual, seu número, de fraqueza,
transformava-se em força”.
A cultura da cooperação é uma filosofia baseada em conceitos e
valores humanísticos como solidariedade, confiança e organização funcional de
grupos. Tem como propósito substituir o individualismo pela ação coletiva.
A cooperação é um conceito, de certa forma, ambíguo, permitindo
múltiplos usos. É usado para definir ações, relações entre indivíduos, ou é
empregado como conceito de organização institucional. Para Boettcher
6
apud
Frantz (2001), cooperação é a atuação consciente de unidades econômicas
(pessoas naturais ou jurídicas) em direção a um fim comum, pela qual as
atividades dos participantes são coordenadas através de negociações e
acordo. Portanto, em princípio, a cooperação é entendida como uma ação
6
BOETTCHER, Erik. Kooperation und demokratie in der wirtschalft. Tuebingen: J.C.B. Mohr
(Paul Siebeck), 1974.
consciente e combinada entre indivíduos ou grupos associativos com vista a
um determinado fim.
Frantz (2001) define a cooperação como um processo social,
embasado em relações associativas, na interação humana, pela qual um grupo
de pessoas busca encontrar respostas e soluções para seus problemas
comuns, realizar objetivos comuns busca produzir resultados, através de
empreendimentos coletivos com interesses comuns.
Em um plano macro, afirmando a importância da cooperação, Lévy
(1999, p.44) diz que a riqueza das nações depende hoje da capacidade de
pesquisa, de inovação, de aprendizado rápido e de cooperação ética de suas
populações.
Levar os conceitos da cultura da cooperação às comunidades –
principalmente às mais carentes – é criar condições para que elas, cada vez
mais, articulem-se umas com as outras em associações, cooperativas,
consórcios e outros tipos de enlances organizacionais, visando a obtenção de
níveis de produtividade, qualidade e, principalmente, a flexibilidade tão
necessária para enfrentar as incertezas dos novos tempos. Foi a partir dos
conceitos adotados pela cultura da cooperação que o cooperativismo se
desenvolveu.
2.4.1. A TEORIA DE MORTON DEUTSCH SOBRE COOPERAÇÃO E
COMPETIÇÃO
Deutsch7 apud Rodrigues (1986), define uma situação cooperativa
como sendo aquela em que os objetivos dos indivíduos de uma situação são
de tal ordem que, para que o objetivo de um indivíduo possa ser alcançado,
todos os demais integrantes da situação deverão igualmente alcançar seus
respectivos objetivos.
Por outro lado, uma situação será definida como competitiva se,
para que um dos membros alcance seus objetivos, outros serão incapazes de
atingir os seus. Como reconhece o autor, poucas são as situações na vida real
que
se
caracterizam
competitivas.
O
autor
por
ser
formula
puramente
cooperativas
uma
de
série
ou
hipóteses
puramente
relativas
ao
comportamento de indivíduos nas situações de cooperação e de competição e
fornece em outra publicação prova empírica em apoio de muitas das hipóteses
apresentadas em seu trabalho teórico. Dentre as hipóteses apresentadas por
Deutsch apud Rodrigues (1986) que receberam inequívoco apoio experimental
no teste a que foram submetidas estão:
1. Indivíduos em situações cooperativas percebem que o
atingimento de seus objetivos é, em parte, conseqüência
das ações dos outros membros da situação, enquanto
que indivíduos em situações competitivas percebem que
7
Deutsch,M. A theory of co-operation and compettition, Human Relations, 1949, p.199-232.
o atingimento de seus objetivos é incompatível com a
obtenção dos objetivos dos demais integrantes da
situação.
2. Membros de grupos cooperativos terão mais facilidade
que membros de grupos competitivos em valorizar as
ações dos companheiros conducentes aos objetivos
destes, e a opor-se e reagirem negativamente a ações
capazes de dificultar ou impedir a obtenção de tais
objetivos.
3. Indivíduos em situações cooperativas são mais
sensíveis às solicitações dos outros membros da situação
que indivíduos em situações competitivas.
4.
Membros
de
grupos
cooperativos
ajudam-se
mutuamente com maior freqüência que os de grupos
competitivos.
5. Após um certo período, verifica-se maior freqüência de
coordenação de esforços em situações cooperativas que
nas competitivas;
6. Homogeneidade no que se refere à quantidade de
contribuições ou participações é maior nas situações
cooperativas que nas competitivas.
7. Especialização de atividades é maior em grupos
cooperativos que nos competitivos.
8. Há maior pressão para realizações nos grupos
cooperativos que nos competitivos.
9. Observação atenta à produção de sinais produzidos
pelos membros de uma situação competitiva é menor do
que a revelada numa situação cooperativa.
10. Há mais aceitação de intercomunicação e maior
concordância
em
grupos
cooperativos
que
nos
competitivos.
11. A produtividade, em termos qualitativos, é maior nos
grupos cooperativos que nos competitivos.
12. Há maior manifestação de amizade entre membros
cooperativos que entre membros de grupos competitivos.
13. Os membros de grupos cooperativos avaliam as
produções de seus grupos mais favoravelmente que
membros de grupos competitivos.
14. Verifica-se uma porcentagem maior de funções
grupais em grupos cooperativos que nos competitivos.
15. Os membros de grupos cooperativos percebem que
são mais capazes de produzir efeitos positivos em seus
companheiros
de
grupo
que
membros
de
grupos
competitivos.
Do ponto de vista das aplicações práticas da teoria, é oportuno citar
o próprio Deutsch apud Rodrigues (1986) que, no final de seu estudo empírico
sobre a natureza dos grupos cooperativos e competitivos, faz os seguintes
comentários:
“A intercomunicação de idéias, a coordenação de
esforços, a amizade e o orgulho por pertencer ao grupo
que são fundamentais para a harmonia e a eficácia do
grupo, parecem desaparecer, quando seus membros se
vêem na situação de competir para a obtenção de
objetivos mutuamente exclusivos. Ademais, há alguma
indicação de que competição produz maior insegurança
pessoal (expectativas de hostilidade por parte de outros)
do que cooperação”.
3. ESTUDO DE CASO
Um ramo de atividade que tem sido priorizado por Cooperativas
Populares é aquele que envolve a coleta e o processamento do lixo, em
particular nos grandes centros urbanos.
3.1. A COLETA SELETIVA
A Coleta seletiva e o tratamento dos resíduos têm sido muito
debatidos e estudados, pois neles residem inúmeros problemas enfrentados
pelas grandes e médias cidades, como os “lixões”, aterros sanitários e poluição
de rios e mananciais. A coleta seletiva pressupõe, de um lado a transformação
dos costumes e hábitos dos cidadãos, passando pela intensificação da
educação ambiental e intervenção eficiente e planejada dos poderes públicos
municipais e estaduais. Pressupõe também investimentos no processo de
limpeza urbana seletiva, em educação ambiental e na elaboração de leis mais
eficazes que possam coibir o processo de degradação ambiental (SEBRAE;
ADS-CUT, 2002).
Mas, se a coleta seletiva é uma necessidade, numa tendência
crescente, há algumas implicações que alteram seus processos e estruturas. A
primeira ocorre na separação do lixo orgânico do inorgânico. Executada, em
sua grande maioria, por catadores, passou também a ser feita pelos próprios
cidadãos. A segunda refere-se ao encaminhamento dos resíduos para a
reciclagem e ao seu tratamento. Essa tarefa surge como um novo negócio,
com potencial enorme para ser explorado. Pode ser desenvolvida pelo poder
público, quer por iniciativa própria ou em parceria com grupos e organizações
de catadores interessados.
Se a sociedade já separa os resíduos, seu valor será mais
facilmente reconhecido. Boa parte da coleta do resíduo reciclável é feita por
grupos de coletores e catadores. Com a organização prévia dos resíduos, é
mais fácil para as empresas recicladoras e atacadistas chegarem à população.
O encurtamento da cadeia de comercialização já se observa no
caso das latas de alumínio, que uma vez amassadas podem ser vendidas em
postos colocados em supermercados, fazendo com que a indústria recicladoras
trate diretamente com o consumidor. Esta possibilidade é mais remota para
produtos que demandam mais espaço e/ou beneficiamento para serem
reciclados pela indústria.
Quando a coleta seletiva passar a ser uma obrigação do Estado, um
processo que pode ser lento em algumas cidades, boa parte dos catadores
podem perder sua fonte de renda, pois a transformação para a formalidade
diminui significativamente os atuais espaços da informalidade. Se hoje esta
atividade confere às pessoas autonomia e subsistência, é crucial que no
debate sobre a coleta seletiva e o tratamento do lixo pelos municípios, a
situação e o futuro daqueles que vivem desta atividade sejam considerados.
3.2. FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DOS GRUPOS
O Brasil já é referência no setor de reciclagem. Entretanto, por
maiores que sejam os números – 73% do alumínio e 71% do papelão são
reciclados - e remetem à noção de “consciência ecológica”, este resultado
relaciona-se basicamente à geração de trabalho e renda de milhares de
catadores, uma atividade formada por excluídos sociais, pessoas de baixa
renda, baixa escolaridade e desempregados. (SEBRAE; ADS-CUT, 2002).
Hoje, os catadores são reconhecidos como categoria, começam
como autônomos e muitos assim permanecem, encontrando na atividade de
coleta de resíduos uma saída para sua subsistência, uma vez que as
possibilidades de emprego são cada vez menores, especialmente para este
grupo social.
De outro lado, a relativa facilidade na obtenção dos resíduos e a
falta de organização dos municípios quanto ao tratamento do lixo, também
contribui para esta opção de geração de renda. Trata-se de um novo nicho de
mercado para estes e outros trabalhadores envolvidos direta ou indiretamente
no processo.
A organização dos grupos varia desde a simples união espontânea
de dois trabalhadores até a criação de complexos e cooperativas. Uma forte
característica do setor é a informalidade, a falta de vínculos longos e o baixo
grau de organização. Mas, a evolução dos grupos, na grande maioria, é
marcada pela intervenção de alguma instituição, como igreja, ONGs,
prefeituras e sindicatos, entre outras, que participam do processo tentando
ajudar a formalizar os grupos, promovendo cursos, palestras e apoio financeiro
para os novos investimentos (Verso Cooperativa,2002).
Ao mesmo tempo em que os grupos têm solidariedade como
identidade fundamental, ainda se observa que é forte a falta de confiança
recíproca, fator importante para a desunião e dissolução de grupos e de outras
iniciativas de organização entre eles. (Verso Cooperativa, 2002).
3.3. PRODUTOS E CONDIÇÕES OPERACIONAIS
Os grupos de catadores trabalham com uma base de produtos
recicláveis que incluem alumínio, papel e papelão, plástico, metais e vidros.
Estes produtos têm variações, subdivisões e especificidades que, quanto mais
trabalhadas, ou beneficiadas, maior o preço alcançado no mercado.
Segundo a Verso Cooperativa (2002), a triagem dos produtos é o
primeiro passo para as subdivisões. Quanto melhor a triagem, melhor a
qualidade do produto final, e melhor o preço. Esse processo é feito em várias
instâncias:
a)
Coleta seletiva em domicílios e empresas é a primeira, onde se separa o
material reciclável, para posterior coleta apenas dos recicláveis;
b)
O resíduo coletado deve ser trabalhado em outra triagem, mais detalhada,
separando-se por cor, composição do material, etc. Apesar de grandes
empreendimentos utilizarem uma esteira onde é despejado o material, o
que facilita a seleção, a triagem é sempre manual. Se ela for bem efetuada
aumenta a renda dos grupos, uma vez que os produtos podem ser vendidos
de acordo com a especificação, separados conforme a demanda;
c)
O beneficiamento dos produtos já triados, que é feito por apenas uma
parte dos grupos, especialmente por aqueles que possuem estrutura para
tal atividade. Caso contrário, entregam para atacadistas, o que é mais
comum;
d)
Se não houver beneficiamento, os produtos são entregues conforme os
compradores e o mercado. Esse espaço é bastante ocupado por
atacadistas, que compram o produto bruto, beneficiam, estocam e vendem
em grande quantidade.
A capacidade dos grupos em beneficiar e armazenar a quantidade
necessária para boa negociação de venda depende da área disponível.
Geralmente, as instalações estão em localização periférica, conforme a origem
dos grupos, custo e disponibilidade de espaço.
3.4. A CAEC – COOPERATIVA DE CATADORES AGENTES
ECOLÓGICOS DE CANABRAVA
A CAEC é uma das iniciativas voltadas para a promoção dos
catadores de material reciclável, em Salvador. Foi fundada por catadores
remanescentes do antigo Lixão de Canabrava em maio de 2003.
No auge do lixão de Canabrava, 700 catadores adultos e 330
crianças disputavam entre cães e urubus, o que chegava nos caminhões. Os
humanos fritavam ovos e restos de comida ali mesmo, utilizando o gás metano
que exalava do solo, em meio à imundície. O trabalho era de 24 horas por dia.
Os metais e plásticos que recolhiam eram vendidos; não havia coleta seletiva.
À noite, a iluminação vinha dos candeeiros improvisados e a fumaça contribuía
para aumentar as doenças pulmonares.
A idéia da Cooperativa nasceu a partir de um projeto elaborado pelo
Pangea – Centro de Estudos Socioambientais que faz o treinamento e viabiliza
recursos de parceiros para a infra-estrutura e benefícios como cesta básica e
vale transporte. A primeira organização a acreditar na idéia foi a italiana Cospe
- Cooperação para o Desenvolvimento dos Países Emergentes, que buscou
financiamento junto à União Européia. Atualmente, são parceiros da CAEC a
Secretaria Estadual de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais, o
Programa Fome Zero, Bahiapet, Braskem, Projeto Axé, Chesf, Petrobrás, SRH
e vários condomínios de Salvador.
Além de contar com a assessoria do Pangea, os cerca de 100
catadores inicialmente cadastrados foram ajudados, na capacitação, pela
Limpurb. Hoje, apenas 47 deles fazem parte da cooperativa.
Os cooperados da CAEC aliaram o conhecimento já adquirido na
catação de resíduos recicláveis no antigo lixão às informações técnicas do
pessoal do Pangea. Hoje, os integrantes da CAEC fazem um trabalho de porta
em porta nos condomínios próximos à sede da cooperativa, que fica no bairro
de São Marcos. São Rafael, Canabrava e Imbuí são alguns locais onde os
catadores, devidamente fardados e acompanhados dos seus carrinhos
coletores, recolhem material reciclável e divulgam noções básicas de educação
ambiental por meio de panfletos e outros impressos.
Com a ajuda de escolas, condomínios e empresas que aceitam a
colocação de seus contêineres, a cooperativa tem conseguido vender de 35 a
40 toneladas/ mês de materiais como papel, papelão, plástico, pet e metais. O
vidro é doado para o hospital do câncer. Um problema ainda é a perda de
cerca de 15 % do material coletado por se tratar de resíduos não-recicláveis
como papel carbono, copos descartáveis, clipes, disquetes e outros que as
pessoas descartam como se fossem recicláveis. Para reforçar o volume
coletado, os técnicos do Pangea firmam parcerias com grandes empresas
geradoras de resíduos recicláveis, a exemplo de fábricas que utilizam papelão
nas suas embalagens.
Uma diferença básica na operação da coleta seletiva da CAEC, em
relação à que é feita pela prefeitura, é que, para participar basta separar o que
é material reciclável do que não é reciclável, não sendo necessário separar por
tipo de material – plástico, metal, papel e vidro.
Durante os três primeiros meses da atividade produtiva, os
cooperados não conseguiam mais do que R$ 60, por pessoa. Hoje, já
conseguem obter uma renda média de R$ 300 por mês, além de outros
benefícios como cesta básica, vale transporte e refeição.
4. METODOLOGIA
4.1. Sujeitos
A fim de alcançar os objetivos propostos, foi adotada uma
metodologia quantitativa, utilizando-se como instrumento o questionário
estruturado (vide apêndice), com escala tipo Likert, de 5 pontos, com 60
afirmativas sobre cooperação e competição. Os sujeitos entrevistados se
posicionavam quanto ao conteúdo das afirmativas de acordo com a seguinte
legenda: 1- Concordo inteiramente; 2- Concordo Parcialmente; 3- Não sei
responder; 4- Não Concordo inteiramente e 5- Não Concordo Parcialmente.
Os questionários foram aplicados a 15 cooperados da CAEC, que
se disponibilizaram a respondê-lo, sendo 11 sujeitos do sexo feminino e 4 do
sexo masculino. Este instrumento tinha como objetivo avaliar a existência de
cooperação e competição nas duas situações vividas pelos atuais cooperados:
no antigo lixão e na cooperativa.
4.2. Procedimentos para Coleta de dados
Os cooperados da CAEC foram informados pela assistente social
sobre a pesquisa. Os sujeitos que se disponibilizaram para responder ao
questionário dirigiam-se, voluntariamente, até à pesquisadora, que se
encontrava numa mesa no andar superior da cooperativa, onde funciona a
cozinha. Ao chegar até a pesquisadora, era explicado o objetivo da pesquisa e
pedido o consentimento para a participação. Então, a pesquisadora lia as
afirmativas para que estes escolhessem a resposta. Tal procedimento foi
adotado, uma vez que o nível de escolaridade dos sujeitos era baixo sendo que
muitos, inclusive, não sabiam ler.
4.3. Procedimentos para análise dos dados
Para a tabulação dos dados foi utilizado o software SPSS 8.0 for
Windows. Em seguida, os resultados foram comparados às hipóteses de
Deutsch sobre cooperação e competição.
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Perfil dos Entrevistados
?? Sujeitos
Para um universo de 47 cooperados que atualmente trabalham
na CAEC, apenas 15 se disponibilizaram a responder o questionário.
Dos 15 sujeitos, 11 eram do sexo feminino (73,3%) e 4 eram do sexo
masculino (26,7%).
?? Idade dos Sujeitos
A idade dos sujeitos variou de 25 (o mais jovem) a 56 anos ( o mais
velho), sendo que a maior parte dos sujeitos (10) situava-se na faixa de 31 a 40
anos.
Tabela 1 – Idade dos sujeitos
Freqüência
Percentual
40 anos
2
13,3
32 anos
2
13,3
25 anos
1
6,7
26 anos
1
6,7
41 anos
1
6,7
31 anos
1
6,7
38 anos
1
6,7
44 anos
1
6,7
36 anos
1
6,7
37 anos
1
6,7
34 anos
1
6,7
35 anos
1
6,7
56 anos
Total
1
15
6,7
100,0
?? Escolaridade
Verificou-se um baixo nível de escolaridade entre os cooperados,
com uma prevalência do nível fundamental incompleto.
Tabela 2 – Escolaridade dos sujeitos
1° grau incompleto
Analfabeto
1° grau completo
Total
Frequência Percentual
11
73,3
3
20,0
1
6,7
15
100,0
?? Bairro em que Mora
60% dos sujeitos residem no bairro de Canabrava, 26,7% em Sete
de Abril e 13,3% em São Marcos. Estes bairros são bairros periféricos
próximos à localização do antigo lixão, local de trabalho original dos atuais
cooperados.
?? Tempo na Cooperativa
93,3% dos sujeitos atuam na Cooperativa desde a sua
fundação, totalizando um período de dois anos e meio, incluindo o Curso
de Capacitação; apenas um cooperado (6,7%) iniciou seu trabalho na
Cooperativa há cerca de um mês.
A seguir serão analisadas as respostas dos entrevistados face às
questões decorrentes das formulações hipotéticas de Deutsch.
Em relação à afirmativa que investigava os resultados do trabalho e o
atingimento dos objetivos: “O resultado do meu trabalho era, em parte
conseqüência do trabalho dos outros”, verificou-se que no lixão, 86,7% da
amostra não concordaram inteiramente com esta afirmativa e 13,3%
concordaram inteiramente. Na situação da Cooperativa, 93,3% concordaram
inteiramente e 6,7% não concordaram inteiramente. Este resultado sugere uma
confirmação da hipótese de Deutsch (1949) que afirma que indivíduos em
situações cooperativas percebem que o atingimento de seus objetivos é, em
parte, conseqüência das ações dos outros membros da situação.
“Para obter resultado no meu trabalho era/é preciso que os outros
não alcançassem /alcancem os resultados deles”. Observou-se que no lixão,
86,7% não concordaram inteiramente com ela. Na situação da cooperativa,
100% não concordaram inteiramente. Este resultado sugere que indivíduos em
situações cooperativas percebem que o atingimento de seus objetivos é
compatível com a obtenção dos objetivos dos demais integrantes da situação.
Pelo contrário, indivíduos em situações competitivas tendem a perceber o
atingimento de seus objetivos incompatível com a obtenção dos objetivos dos
demais. Observou-se que na situação cooperativa, as respostas foram mais
“adequadas” à hipótese que na situação de competição. Porém, percebeu-se
que apesar da situação de competição em que viviam no lixão, ainda assim,
uma parcela significativa dos sujeitos (86,7%) não consideraram tal afirmativa
verdadeira. Isto pode se justificar devido ao fato de que, mesmo estando em
situação de competição, a solidariedade existia de uma forma sólida entre os
sujeitos no lixão.
“Valorizava as ações dos companheiros do grupo”. No lixão 93,3%
concordaram inteiramente com esta afirmativa e 6,7% não concordaram
inteiramente. Na cooperativa, 100% dos indivíduos concordaram com tal
afirmativa (sendo 80% inteiramente e 20% parcialmente). Este resultado
sugere uma confirmação da hipótese de Deutsch de que membros de grupos
cooperativos têm mais facilidade que membros de grupos competitivos em
valorizar as ações dos companheiros conducentes aos objetivos destes.
Porém, vele ressaltar que também na situação de competição (lixão), uma
parcela significativa afirmou valorizar as ações dos companheiros do grupo. A
nossa análise tomou como base o aumento do percentual de uma situação a
outra.
“Era contra aquilo que prejudicasse ou impedisse o trabalho dos
colegas”. No lixão, 93,3% concordaram inteiramente com tal afirmativa e 6,7%
não concordaram inteiramente. Na cooperativa, a concordância plena
decresceu para 86,7% e a não concordância plena aumentou para 13,3%. Este
resultado sugere uma contradição à hipótese de Deutsch (1949) de que
membros de grupos cooperativos têm mais facilidade em opor-se e reagir
negativamente a ações capazes de dificultar ou impedir a obtenção de tais
objetivos.
“Estava sempre disposto a atender os pedidos dos colegas”. No
lixão, 66,7% concordaram inteiramente com tal afirmativa, 6,7% concordaram
parcialmente e 26,7% não concordaram inteiramente. Na cooperativa, 66,7%
concordaram inteiramente, 26,7% concordaram parcialmente e 6,7% não
concordaram inteiramente. Verifica-se que a concordância plena manteve-se
igual nas duas situações e a concordância parcial aumentou na situação
cooperativa. Isto confirma a hipótese de Deutsch (1949) de que indivíduos em
situações cooperativas são mais sensíveis às solicitações dos outros membros
da situação que indivíduos em situações competitivas.
“Os meus colegas podiam contar com a minha ajuda para resolver
problemas inesperados”. No lixão, 80% concordaram inteiramente, 6,7%
concordaram parcialmente e 13,3% não concordaram inteiramente. Na
cooperativa,
100%
concordaram
(sendo
80%
inteiramente
e
20%
parcialmente), o que confirma mais uma vez a hipótese anterior de uma maior
disponibilidade de ajuda em situações cooperativas do que em situações
competitivas, ainda que a ênfase tenha sido revelada através da concordância
parcial.
“As pessoas ajudam-se mutuamente” e “Eu ajudava meus
companheiros que estavam com sobrecarga de trabalho ou que estiveram
ausentes no trabalho”. Com relação à primeira afirmativa, no lixão, 73,3%
concordaram inteiramente, 6,7% concordaram parcialmente e 20% não
concordaram inteiramente. Na cooperativa, 80% concordaram inteiramente,
13,3% concordaram parcialmente e 6,7% não concordaram inteiramente.
Verifica-se um aumento na concordância, de 80% no lixão para 93,3% na
cooperativa, o que confirma a hipótese de Deutsch (1949) de que membros de
grupos cooperativos ajudam-se mutuamente com maior freqüência que os de
grupos competitivos. Em relação à segunda afirmativa, no lixão, 46,7%
concordaram inteiramente, 20% concordaram parcialmente e 26,7% não
concordaram inteiramente. Na cooperativa, 93,3% concordaram inteiramente e
6,7% concordaram parcialmente, o que confirma mais uma vez a hipótese
anterior de Deutsch.
“Participava das decisões juntamente com os colegas”. No lixão,
53,3% não concordaram inteiramente e 46,7% concordaram inteiramente. Na
cooperativa, 73,3% concordaram inteiramente, 20% concordaram parcialmente
e 6,7% não concordaram inteiramente. Este resultado confirma a hipótese de
Deutsch de que nas situações cooperativas há uma maior homogeneidade nas
participações que nas situações competitivas.
“Era especializado na minha função”. No lixão, 73,3% não
concordaram inteiramente e 26,7% concordaram inteiramente com esta
afirmativa. Na cooperativa, 60% não concordaram inteiramente e 40%
concordaram inteiramente. Verifica-se que na situação cooperativa houve um
aumento de 13,3% na especialização das atividades, sugerindo uma
confirmação da hipótese de Deutsch de que especialização de atividades é
maior em grupos cooperativos que nos competitivos.
“Tinha muita amizade lá”, “Eu gostava da maioria dos meus colegas”,
“Eu pude criar boas amizades”, “Havia um bom espírito de coleguismo”, “Existia
um bom entrosamento entre os colegas”, “eu me relacionava bem com meus
colegas”. Em relação a estas afirmativas, que investigavam as manifestações
de amizade, verifica-se que a média de concordância plena no lixão foi de
81,11% e na cooperativa, 75,55%; a média da concordância parcial foi de 8,9%
no lixão e 23,33% na cooperativa. Verificou-se que houve um decréscimo na
concordância plena da situação anterior para a situação atual e um aumento na
concordância parcial.
Observou-se que de uma forma geral, houve um
aumento na média total (plena e parcial) na cooperativa (98,88%), enquanto no
lixão a média geral foi de 90,01%. Este resultado sugere uma confirmação à
hipótese de Deutsch (1949) de que há maior manifestação de amizade entre
membros cooperativos que entre membros de grupos competitivos. Porém,
verifica-se que ainda assim, as manifestações de amizade na situação anterior
eram muito grandes.
“Eu gostava de trabalhar lá”. Verifica-se que na situação do lixão
86,7% concordaram inteiramente com tal afirmativa, 6,7% concordaram
parcialmente e 6,7% não concordaram em parte. Já na cooperativa, 100%
concordaram inteiramente com ela.
“Eu confiava nos meus colegas”. Verifica-se que na situação do lixão,
33,3% concordaram inteiramente com esta afirmativa, 33,3% não concordaram
inteiramente, 20% concordaram parcialmente e 6,7% não concordaram em
parte. Na situação da cooperativa, 60% concordaram inteiramente, 33,3%
concordaram parcialmente e 6,7% não concordaram inteiramente. Este
resultado mostra um aumento significativo na confiança em relação aos
colegas. Vale ressaltar, que a maior parte deles já se conheciam na situação
anterior.
“Lá eu me sentia parte de uma grande família”. Na situação do lixão,
verifica-se que 60% concordaram inteiramente com esta afirmativa, 26,7% não
concordaram inteiramente e 13,3% concordaram parcialmente. Na situação da
cooperativa, 80% concordaram inteiramente e 20% concordaram parcialmente.
Este resultado mostra que na situação anterior já existia um considerável
sentimento de pertencimento a uma grande família. Porém, na situação atual
este sentimento revelou-se maior.
“Eu era valorizado e recompensado pelos colegas”. Na situação
anterior,
60%
inteiramente,
concordaram
6,75
inteiramente,
concordaram
parcialmente
26,75%
e
não
6,75%
concordaram
não
souberam
responder. Na situação da cooperativa, 80% concordaram inteiramente, 13,3%
concordaram parcialmente e 6,7% não concordaram inteiramente. Verifica-se
um maior sentimento de valorização na situação atual.
“Os meus colegas trabalhavam direito e com dedicação”. Na
situação do lixão, 53,3% concordaram inteiramente, 40% não concordaram
inteiramente e 6,7% concordaram parcialmente. Na situação da cooperativa,
80% concordaram inteiramente e 20% concordaram parcialmente. Este
resultado sugere uma confirmação à hipótese de Deutsch (1949) de membros
de grupos cooperativos avaliam as produções de seus grupos mais
favoravelmente que membros de grupos competitivos.
“Eu trabalhava em grupo” e “os meus colegas e eu formávamos uma equipe integrada”. Em relação a estas
afirmativas que investigam a presença do trabalho grupal, verifica-se que na situação do lixão, a média de concordância plena com
elas foi de 23,35%, a média de concordância parcial foi de 20% e a média de não concordância plena foi de 56,65%. Na situação
da cooperativa, a média de concordância plena foi de 90% e de concordância parcial foi de 10%. Este resultado sugere uma
confirmação à hipótese de Deutsch de que se verifica uma porcentagem maior de funções grupais em grupos cooperativos que nos
competitivos.
“Achava que podia contribuir de forma boa com meus colegas”. Na
situação do lixão, 73,3% concordaram inteiramente, 20% não concordaram
inteiramente e 6,7% concordaram parcialmente. Na situação da cooperativa,
100% concordaram inteiramente com tal afirmativa. Este resultado sugere uma
confirmação à hipótese de Deutsch (1949) de que membros de grupos
cooperativos percebem que são mais capazes de produzir efeitos positivos em
seus companheiros de grupo que membros de grupos competitivos.
“Não havia disputas”. Com relação a esta afirmativa, que investigava
a ausência de conflitos, verificou-se que na situação do lixão, 80% não
concordaram inteiramente com ela, 13,3% concordaram inteiramente e 6,7%
concordaram parcialmente. Na situação da cooperativa, 73,3% concordaram
inteiramente, 13,3% concordaram parcialmente, 6,7% não concordaram
inteiramente e 6,7% não concordaram parcialmente. Verificou-se assim, que a
concordância plena quanto à ausência de conflitos foi significativamente maior
na situação da cooperativa (60% a mais que na situação anterior). Além disso,
observou-se que apesar do lema da cooperação e da solidariedade nas
cooperativas, a presença de conflitos é inquestionável.
“Eu já presenciei disputas”, “Eu já participei de disputas”. Com
relação às afirmativas que investigavam a participação e observação de
conflitos, verificou-se que na situação do lixão, a média de concordância plena
quanto à observação de conflitos e a participação nestes é de 56,65%, a
concordância parcial é de 6,7% e a não concordância plena é de 36,65%. Na
situação da cooperativa, a concordância plena é de 60%, a concordância
parcial é de 6,7% e a não concordância plena é de 33,35%. Verifica-se assim,
que o percentual de participação/ observação de conflitos na situação atual é
apenas 3,35% menor que na situação anterior. Este resultado confirma, mais
uma vez, a hipótese da pesquisa de que apesar do lema da solidariedade e da
cooperação, a competição existe e continua atuando.
6. CONCLUSÃO
A presente pesquisa permitiu-nos constatar que apesar da situação
vivida anteriormente pelos sujeitos (lixão), que “induzia” à competição e à
disputa, não apenas entre humanos, como também entre cães e urubus,
muitos comportamentos considerados “adequados” à atual situação, como a
cooperação e a solidariedade já existiam de uma forma sólida entre estas
pessoas. Ou seja, pôde-se verificar um alto grau de valorização dos colegas,
um alto grau de disponibilidade de ajuda aos colegas, bem como muitas
manifestações de amizade. Além disso, a grande maioria dos sujeitos
entrevistados avaliou que gostavam de trabalhar lá.
Também se pôde notar que, na situação atual, apesar do lema de
cooperação e solidariedade, a presença de conflitos é inquestionável, o que
confirmou a hipótese norteadora desta pesquisa e nos faz pensar que são
raras as situações competitivas onde só haja competição. Da mesma forma,
são raras as situações cooperativas onde só haja cooperação. Assim, o desafio
das cooperativas no contexto de competição e luta pela sobrevivência, torna-se
bastante complicado sem um espaço de reflexão sobre o significado do ato
cooperativo e a importância da cooperação e da solidariedade.
Foi possível perceber ainda que apesar de ter sido desenvolvido um
processo de formação e capacitação dos trabalhadores da CAEC isso não foi
suficiente para que os princípios do Cooperativismo fossem “internalizados”
plenamente. Isso nos faz inferir que esta internalização demanda um processo
de educação permanente e continuada.
Vale ressaltar que a pesquisa limitou-se num estudo de caso, o que
restringe seu escopo de generalização empírica. Além disso, outra limitação
metodológica pode ser evidenciada: o fato de que os sujeitos fazem uma leitura
do comportamento passado (no lixão) influenciados por uma nova condição e
relações estabelecidas a partir da cooperativa, o que ao nosso ver pode ter
“distorcido” algumas respostas e o resultado. Sendo assim, é fundamental que
novas pesquisas sobre o tema sejam realizadas a fim de melhor investigar
comportamentos de competição e cooperação e de que maneira estes
comportamentos confirmam ou contrariam as hipóteses de Deutsch, tomadas
como referência na análise. Podem-se ainda sugerir novas pesquisas visando
rever a validade das hipóteses propostas por Deutsch em 1949.
Desta
forma,
conclui-se
que
a
passagem
do
estágio
de
excluído,
desempregado, para construtor e participante de uma cooperativa demanda um conjunto
de rupturas na forma tradicional de concepção do trabalho. A autogestão, o
planejamento da produção, a construção da relação com o mercado, a difusão dos
princípios do cooperativismo, bem como os ideais de cooperação e solidariedade são
algumas das necessidades que se impõe ao processo cooperativo.
Assim, um dos desafios para os empreendimentos solidários é
motivar os participantes a cooperar. Tratando-se de um processo de
“ressocialização”,
ou
seja,
de
uma
desconstrução
de
atitudes
e
comportamentos arraigados desde a infância, para a construção de novas
atitudes e comportamentos, é compreensível que esta mudança seja um
processo difícil e demorado.
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