Um ofício central: o Escrivão da Câmara Municipal de Vila Rica, 1711-1724 Luiz Alberto Ornellas Rezende Mestrando em História Social pela Universidade de São Paulo [email protected] Os trabalhos mais recentes sobre o poder local nas vilas e cidades coloniais brasileiras tem se concentrado no estudo de uma parcela dos ofícios que compõem a Câmara Municipal, normalmente os ofícios que aqui chamamos de ofícios de cúpula, Juízes Ordinários (ou Juiz de Fora), Vereadores e Procuradores da Câmara. Esta tendência de estudar uma parcela dos ofícios camarários, tida de antemão como a principal, predomina também nos estudos mais recentes sobre o poder local em Minas Gerais. A intenção deste trabalho, que se baseia nas fontes administrativas da Câmara Municipal de Vila Rica, é a de resgatar a função de um dos ofícios tidos como secundários, o de Escrivão da Câmara Municipal, um dos que vêm sendo deixados em segundo plano. O propósito não é negar a importância dos ofícios da cúpula, evidentemente eram os que tomavam as decisões mais importantes, eram os que participavam efetivamente das vereações. Pretendemos mostrar como outros ofícios, como o de Escrivão da Câmara, eram também fundamentais para o funcionamento da instituição, e influíam significativamente no cotidiano institucional. Dividiremos este trabalho em três partes: na primeira, faremos uma síntese do que era uma Câmara Municipal no período colonial, trataremos de sua composição e nos aprofundaremos no processo eleitoral, elemento fundamental para se compreender a dinâmica da administração local; em um segundo momento, trataremos especificamente da função de Escrivão da Câmara no âmbito do Império português; finalmente, veremos a importância e as especificidades desta função nos primeiros anos de funcionamento da Câmara Municipal de Vila Rica, detalhando cada um dos oficiais que serviram neste posto, o contexto no qual exerceram suas atividades e a provável relação entre os períodos administrativos da instituição e a duração de seus mandatos. A Câmara Municipal, seus ofícios e seus processos eleitorais A Câmara Municipal era a instituição administrativa a nível local nas diversas vilas e cidades do Império Português. Sempre que se elevava uma localidade à condição 1 de vila ou cidade, nela era criada uma Câmara Municipal. Não havia custos por parte da coroa para se criar a instituição, era algo relativamente simples de ser feito, compensando a coroa pelo fato de a instituição representar seu poder, embora de forma mínima na maioria das vezes, mas servia como ponto de referência e para reforçar a idéia de posse portuguesa sobre determinada área.1 No ultramar estas instituições eram importantes pontos mantenedores da tradição e da prática política do Estado monárquico. Embora geridos em grande parte pela elite local, preocupada com interesses locais, a existência das Câmaras Municipais e os mecanismos de cooptação utilizados pela coroa, faziam com que a existência e a prática desta instituição reforçassem, ao menos em parte, o poder régio na região.2 As Câmaras Municipais eram, do ponto de vista do Império Português, um elemento de estabilidade e continuidade, uma instituição que contribuía para a inserção das elites locais em um sistema controlado, em última instância, pelo rei. Notem, havia outros agentes régios em que o rei poderia confiar, como ouvidores, governadores, vicereis, etc, mas todos estes cargos eram passageiros, já as Câmaras Municipais davam certa continuidade aos processos.3 Portanto, vemos os integrantes das Câmaras Municipais também como representantes régios, mas muito diferentes de outros representantes régios, já que estavam na instituição, na maioria das vezes, para representar o interesses de determinados seguimentos da sociedade local. Desta forma, como afirma Avanete Pereira Sousa, as Câmaras Municipais não reproduziam em sua totalidade a lógica régia a nível local, mas eram um espaço formal onde o rei era capaz de influir, um espaço de tensões e conflitos cotidianos entre os interesses de grupos sociais, onde tolerância e assimilação de demandas eram praticados.4 As Câmaras Municipais não estavam sozinhas a nível institucional, eram mais uma agência, a mais local delas, componente vital que integrava a administração pública no reino e no Império. Ao lado da Relação (alta corte), da Fazenda Real (tesouro), e das 1 SOUSA, Avanete Pereira. Poder local, cidade e atividades econômicas (Bahia, século XVIII). Tese de Doutorado em História Econômica, FFLCH-USP. São Paulo, 2003. p. 60. 2 Ibidem. p. 59. 3 BOXER, Charles R. Portuguese Society in the Tropics. The Municipal Councils of Goa, Macao, Bahia and Luanda, 1510-1800. Madison & Milwaukee: University of Wisconsin Press, 1965. p. 145. 4 SOUSA, Avanete Pereira. Poder local, cidade... p. 182. 2 autoridades judiciais, militares, eclesiásticas e da Santa Casa de Misericórdia, se efetivava a política conservadora da Coroa portuguesa.5 Não se deve confundir as Câmaras Municipais do período colonial com as atuais Câmaras Municipais. Existem semelhanças, mas a jurisdição das Câmaras Municipais coloniais era absolutamente mais ampla. Enquanto as Câmaras Municipais de hoje limitam-se ao exercício do poder legislativo a nível municipal, as Câmaras Municipais coloniais eram responsáveis por representar o interesse local junto ao rei e cuidavam, a nível local, de todas as funções jurídicas, políticas, fiscais e administrativas. Ou seja, davam conta de todos os aspectos do governo local. A nível judicial, serviam como cortes menores de apelação, e cuidavam de temas como taxação, higiene, aplicação das leis, disputas de terras, obras e finanças públicas. Regulavam todo o comércio e abastecimento local, fixando preços de produtos, fiscalizando e distribuindo licenças para negócios. Além disso, organizavam todas as festas públicas, cuidavam da saúde, do policiamento e fiscalizavam os ofícios mecânicos, que tinham representação na Câmara Municipal.6 Dentro do Império Português, as Câmaras Municipais foram difundidas tanto na América, quanto na Ásia e na África. Em termos teóricos, refletiam, ao menos no início, as Câmaras Municipais metropolitanas. Mas o que torna o estudo ainda mais interessante é a característica de mutação destas instituições, que por gerir locais tão diversos, assumiam formas diferentes em cada local, moldando-se de acordo com as necessidades, mas mantendo certa essência comum, por terem como origem as instituições portuguesas e como referência, no século XVIII, as Ordenações Filipinas. Um bom exemplo desta mutação, em termos de prática fiscal, ocorreu no século XVII no nordeste brasileiro. Para Angelo Alvas Carrara, as tarefas fiscais que surgiam passaram a recair de modo crescente sobre as Câmaras Municipais e não sobre a Real Fazenda, que mantinha sua estrutura fiscal muito semelhante ao que era no início do século: dízimos, estanco da pesca de baleias e tributos menores.7 O fato de as Câmaras do Ultramar terem sido inspiradas nas Câmaras metropolitanas, gera muitos traços em comum, mas o tempo, a distância e as diferentes realidades fizeram com que cada instituição tenha se moldado às necessidades locais. 5 RUSSELL-WOOD, A. J. R. "O governo local na América portuguesa: um estudo de divergência cultural". In: Revista de História, Ano XXVIII, Volume LV. São Paulo, 1977. p. 27. 6 Ibidem. p. 27-28. 7 CARRARA, Angelo Alves. Receitas e despesas da Real Fazenda no Brasil XVII. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2009. p. 102. 3 Este tipo de moldagem não se deu apenas no Império português, os Cabildos espanhóis, as Township da Nova Inglaterra e os Country das colônias britânicas do centro e do sul dos Estados Unidos também refletiram, alguns mais outros menos, as instituições de representação local de suas respectivas metrópoles, e também sofreram mudanças de acordo com o meio.8 O período que estamos estudando é extrema instabilidade na região das minas. Após o término do conflito entre paulistas e emboabas, e vivendo sob a ameaça francesa, foram instaladas as primeiras Câmaras Municipais nas novas vilas do ouro, e as elites locais foram, com isto, incorporadas ao modelo administrativo português ou, sob outro ponto de vista, se apropriaram do espaço criado para melhor organizarem seus interesses. O fato é que a primeira década de funcionamento da instituição foi o momento em que as elites locais gozaram de maior autonomia em relação ao poder régio. Após 1720 este quadro parece ter mudado, e se consolidado em 1736. Sabemos que as Câmaras Municipais estavam subjugadas ao poder régio, mas que, devido à distância, à burocracia e à fatores conjunturais, poderiam gozar de maior ou menor autonomia relativa. Em outras palavras, na teoria o poder era do rei, mas na prática, o equilíbrio de forças favorecia o poder local. O rei possuía instrumentos de poder e influência consideráveis, e exercia sua capacidade de mando, em geral era acatado pelas Câmaras Municipais sem maiores problemas, desde que não ferisse o interesse das elites locais.9 Portanto, as medidas régias se faziam valer através das Câmaras Municipais, que cuidavam de praticamente todos os aspectos locais: justiça, força militar, saúde, controle do abastecimento alimentar, fiscalização de mercados pela almotaçaria, taxas, e controle do comércio e prestação de serviços por licenças, entre outros. É certo que a população sentia muito mais as Câmaras Municipais do que o monarca.10 É preciso diferenciar o contexto das Câmaras Municipais do Reino e do Ultramar, principalmente no que diz respeito à região das minas. No caso dos poderes locais em Portugal, de forma geral, eram dirigidos ou estavam sob forte influência das elites locais, fidalgas ou não, com muito poder econômico, que se preservavam através 8 RUSSELL-WOOD, A. J. R. “O governo local na América...”. p. 25-26. COELHO, Maria Helena da Cruz; MAGALHÃES, Joaquim Romero. O poder Concelhio: das origens às cortes constituintes. Notas de História Social. 2ª Edição Revista. Coimbra: CEFA, 2008. p. 51-53. 10 Ibidem. p. 48. 9 4 dos casamentos entre famílias. Havia tensões entre estas elites, mas raramente afetavam sua coesão enquanto grupo.11 No caso das Câmaras Municipais do Ouro, em específico a de Vila Rica, temos um quadro bastante diverso das já consolidadas instituições portuguesas. Tínhamos dois grupos em clara oposição, ao menos nas primeiras décadas após a Guerra dos Emboabas. Dificilmente os principais destes grupos se uniriam nas primeiras décadas do século XVIII. Esta duradoura fragmentação dos poderes locais nas região das minas pode ter favorecido a perda da autonomia relativa após 1720. Nos importa, no âmbito deste trabalho, destacar que todas as medidas colocadas em prática por esta instituição eram definidas nas reuniões, chamadas de vereação, e que participavam com destas reuniões os indivíduos que ocupavam os postos da cúpula camarária: Juízes Ordinários (ou Juiz de Fora), Vereadores e Procurador da Câmara.12 As decisões tomadas nas vereações, quando de acordo com a jurisdição que cabia a instituição, deveriam ser acatadas pelas instâncias superiores. Todavia, na primeira década de funcionamento em Vila Rica, a instituição sofreu com as nítidas e recorrentes intervenções de outros oficiais régios, como Governadores e Ouvidores. Estes cargos da cúpula camarária, em todo o Império Português, a princípio só podiam ser ocupados por indivíduos nobres, brancos, de reconhecido destaque social e financeiro. Estes homens de destaque eram conhecidos como “homens bons”.13 Para além do exercício das funções camarárias, estes “homens bons” constituíam uma espécie de conselho consultivo, sempre convocado pela cúpula em exercício em momentos críticos com o propósito de emitir parecer sobre a melhor ação a se tomar. Em Vila Rica, no período instável que selecionamos, foi uma constante a presença dos homens bons nas vereações, principalmente quando era necessário controlar algum levante, algo muito freqüente no período em estudo. Todos os pré-requisitos sociais para integrar o grupo de aptos a exercer as principais funções da Câmara Municipal só eram praticáveis com rigor razoável nas instituições do reino. Nas Câmaras Municipais do ultramar, e principalmente na região das minas, era muito difícil, por exemplo, que os cargos fossem exercidos somente por brancos. Havia poucas mulheres brancas na região, principalmente nas primeiras décadas após o descobrimento do ouro, o que fez com que, a médio prazo, grande parte 11 COELHO, Maria Helena da Cruz; MAGALHÃES, Joaquim Romero. O poder Concelhio... p. 41. BOXER, Charles R. Portuguese Society in... p. 9. 13 RUSSELL-WOOD, A. J. R. “O governo local na América...”. p. 64. 12 5 da população se tornasse mestiça.14 Na prática, o que ocorria era um “branqueamento” social dos indivíduos, grande parte eram mulatos, mas devido à condição socioeconômica, eram vistos, se viam e viam seus iguais como brancos. Para além das origens dos integrantes da cúpula camarária, o que importa é que era nas mãos destes indivíduos que estava o gerenciamento da dinâmica econômica de Vila Rica. Até este ponto, nenhum fator diferente, na Câmara Municipal de qualquer vila ou cidade do Império Português este gerenciamento caberia aos principais cargos da instituição. Mas além das questões comuns a todas as Câmaras Municipais, como organização urbana, controle social e comercial, entre outras, coube as Câmaras Municipais do Ouro durante parte significativa do século XVIII, a incumbência direta de arrecadar os quintos em nome do rei. Mais do que isto, foram capazes, em momentos específicos, de negociar com outros agentes régios, taxas menores ou novas formas de cobrança com o propósito de amenizar as perdas das elites locais e, consequentemente, sobrecarregar o restante da população. Para efeito de análise, dividiremos as funções exercidas nas Câmaras Municipais em dois grupos: a cúpula camarária, já sumariamente abordada, que no caso específico de Vila Rica era um grupo reduzido composto por dois Juízes Ordinários, três Vereadores e um Procurador da Câmara, que exerciam suas funções sem remuneração; os oficiais secundários, chamado por alguns autores de funcionários15, constituíam um grupo amplo com várias subdivisões, composto pelo escrivão, tesoureiro, almotacés, e outros cargos que estão vinculados à administração local, normalmente recebiam alguma remuneração, seja oriunda da câmara ou da própria atividade, mas que estão pouco presentes nas vereações e que, exceto em ocasiões específicas, não participam das reuniões e, portanto, não tem poder direto de decisão.16 Para fazer esta separação, dois critérios foram determinantes e merecem ser detalhados: a forma de eleição e a efetiva participação nas vereações. A forma de 14 BORREGO, Maria Aparecida de Menezes. Códigos e Práticas: o processo de constituição urbana em Vila Rica Colonial (1702-1748). São Paulo: Annablume & FAPESP, 2004. p. 111. 15 CUNHA, Mafalda Soares da; FONSECA, Teresa (ed.). Os Municípios no Portugal Moderno: dos forais manuelinos às reformas liberais. Lisboa: Edições Colibri & CIDEHUS-UE, 2005. p. 74-75. 16 É importante destacar que, para o período estudado (1711-1724), considerando todos os ofícios, não apenas os da cúpula da instituição, encontramos cerca de 300 indivíduos envolvidos com a administração local. Considerando apenas os eleitos ao menos uma vez para ofícios da cúpula, encontramos 57 nomes, sendo que 3 destes não assumiram os ofícios. Portanto, neste primeiro momento, pode-se dizer que estudar apenas a cúpula camarária significa estudar cerca de 20% dos ofícios que contribuíram para o funcionamento da instituição. 6 eleição dos ofícios será tratada em detalhes abaixo. Quanto à participação nas vereações, é um elemento subjetivo, percebido por nós ao lidar com a fonte e captar, a partir do cotidiano da instituição, a diferença entre as diversas funções que surgem nas atas. Eventualmente há consulta ao Escrivão da Câmara, ao Tesoureiro, ao Arruador ou mesmo aos Almotacés, que então se fazem presentes na reunião. O próprio Escrivão da Câmara é quem faz o termo de vereação, presume-se portanto que ele sempre esteja presente. Todavia, as decisões eram tomadas, efetivamente, pelo que estamos definindo como ofícios da cúpula camarária, ficando os outros ofícios com a possibilidade de exercer uma influência indireta sobre as decisões, ou mesmo uma resistência a decisões tomadas, na medida em que a aplicação destas decisões era feita, na quase totalidade das vezes, por estes oficiais aqui definidos como secundários. Antes de tratar das eleições, algo mais deve ficar claro: nesta classificação, tentamos não estabelecer relação com a importância de cada cargo, na medida em que a importância pode ser algo difícil de definir, pois é algo mutável, varia de acordo com a conjuntura. Exemplificando: poder-se-ia afirmar que o cargo de Juiz Ordinário é mais importante que o cargo de Vereador ou de Escrivão da Câmara, na medida em que o Juiz Ordinário tem mais poder que os outros dois cargos. Todavia, as decisões de um Juiz Ordinário boicotado por um Escrivão da Câmara influente, nomeado pelo Governador ou mesmo pelo rei, poderia enfrentar sérios problemas. Existiam basicamente dois processos de eleição que se complementavam. A primeira era a eleição por pelouros, feita de três em três anos, de onde saiam os nomes de dois Juízes Ordinários, três Vereadores e um Procurador da Câmara, isto no caso de Vila Rica, pois em outras Câmaras poderiam haver pequenas diferenças. Descreverei o processo em detalhe nas linhas que seguem. A segunda forma são as eleições anuais, feitas pelos oficiais da cúpula durante o ano, preferencialmente nas primeiras reuniões, e que visam ocupar os ofícios secundários. Este processo de eleição das Câmaras Municipais do Império Português não foi o mesmo ao longo do tempo, foi sendo aperfeiçoado conforme a necessidade. Esta primeira eleição, por pelouros, era determinante, pois definia os indivíduos que nos próximos três anos ocupariam a cúpula do poder local e definiriam a ocupação das funções secundárias. Ocorriam as mais diversas manipulações no processo por parte de determinados setores dos poderes locais, interessados em se manter no poder e definir as prioridades locais. Muitas medidas foram adotadas para deixar mais transparente o processo e permitir uma maior alternância de poder nas Câmaras Municipais. 7 Em 1361, por exemplo, o então rei D. Pedro I já havia determinado que não pudesse mais haver reeleição para cargos locais antes que se passassem três anos do final do mandato. Foi uma medida bem intencionada, mas na prática, nos municípios pequenos, era inviável, pois faltavam pessoas com o perfil exigido para assumir as funções.17 Mais tarde, em 1391, o então rei D. João I implementou através de uma lei geral, mudanças profundas no processo eleitoral a nível local. Sua intenção era normatizar o processo, definir um padrão a ser seguido em todas as localidades, que evitasse as fraudes por setores das elites locais. Foi neste momento que acordou a necessidade de se listar no livro de vereações todos os indivíduos aptos ao exercício dos cargos que compunham a cúpula camarária.18 Em meados do século XV, com a elaboração das Ordenações Afonsinas, o sistema eleitoral passaria oficialmente por novas mudanças. A Assembléia Geral, ao invés de apontar diretamente os nomes que iriam compor os pelouros, deveria agora indicar seis homens bons que escolheriam os indivíduos que iriam compor os pelouros. Outra mudança foi a escolha de uma criança considerada pura, de aproximadamente sete anos, para escolher um dos pelouros onde ficava guardado os nomes que seguiriam para confirmação régia.19 Nos primeiros anos do século XVII, com a reforma das Ordenações Manuelinas e a composição das Ordenações Filipinas, ocorreu uma nova mudança na dinâmica eleitoral a nível local. Ao invés da população escolher seis indivíduos para elaborar a lista, o corregedor passaria a selecionar duas ou três pessoas mais antigas, nobres preferencialmente envolvidas com a administração municipal, e estas pessoas arrolariam os indivíduos capazes de servir à municipalidade. Esta lista era conhecida como rol da nobreza, e guardava os nomes de todos aptos a serem votados, de acordo com o gosto dos dois ou três indivíduos selecionados pelo corregedor. A segunda parte do processo correspondia a etapa em que os moradores, nobres e povo, elegeriam, dentre os nomes constantes no rol da nobreza, seis indivíduos que seriam os eleitores. Na terceira etapa, os 6 mais votados separavam-se em duplas e elaboravam três pautas com os nomes dos 17 COELHO, Maria Helena da Cruz; MAGALHÃES, Joaquim Romero. O poder Concelhio... p. 35. Ibidem. p. 33-34. 19 Ibidem. 18 8 que deveriam servir os três anos seguintes, que eram então sorteadas pelo sistema de pelouros como já tratamos nos parágrafos anteriores. 20 Quanto à participação popular, houve uma clara diminuição, principalmente durante os séculos XVI e XVII. Maria Helena da Cruz Coelho e Joaquim Romero Magalhães nos indicam que, em diversas localidades do reino, no início do século XVI os indivíduos eram eleitos por até 300 votos, mas avançando no tempo, indivíduos passaram a ser eleitos com dez votos ou menos. Portanto, o povo foi sendo afastado gradativamente das decisões locais.21 Fica claro que o processo de eleição, e também a própria instituição, sofreram mudanças ao longo do tempo, foram sendo aperfeiçoados para servirem aos interesses régios e das elites locais. É claro que nem todas as mudanças foram implementadas da mesma forma em todos os lugares, veremos que nas Minas o processo eleitoral deu-se de modo específico, nem sempre em harmonia com o conteúdo das leis. As Ordenações eram regras a serem perseguidas, adaptando-se as condições reais e distantes do reino. A primeira eleição em Vila Rica ocorreu em 8 de julho de 1711, em junta com as lideranças locais, logo após a criação da vila e da Câmara Municipal. Estes indivíduos reunidos22 sob o olhar de Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho, então Governador da Capitania de São Paulo e Minas, propuseram e votaram em seis nomes que iriam compor o Conselho Eleitoral. Os escolhidos foram: Coronel Antonio Francisco da Silva, Mestre de Campo Pascoal da Silva Guimarães, Felix de Gusmão, Fernando da Fonseca, Manuel de Figueiredo Mascarenhas e Manuel de Almeida.23 Ocorre que, formado o Conselho Eleitoral e elaborado o rol dos nomes que deveriam servir a Câmara Municipal, o Governador decidiu desconsiderar o rol e, “para fazer justiça às partes”, escolheu dentro do próprio conselho eleitoral os que iriam servir na instituição. Assim, ficou a cúpula camarária montada para o ano de 1711 da seguinte forma: para Juiz Ordinário mais velho o coronel José Gomes de Melo, e para Juiz 20 COELHO, Maria Helena da Cruz; MAGALHÃES, Joaquim Romero. O poder Concelhio... p. 57-58. Ibidem. p. 58. 22 Segundo as assinaturas do termo de ereção da vila, estavam presentes, além do governador, mais 23 indivíduos, são eles: Felix de Azevedo Carneiro e Cunha, Antonio Francisco da Silva, Pascoal da Silva Guimarães, Leonel da Gama Teles, Bartolomeu Marques de Brito, José Eduardo Passos Rodrigues, Francisco Viegas Barbosa, Jorge da Fonseca Freire, Luiz de Almeida Barros, Fernando da Fonseca e Sá, Manuel de Nascimento Fraga, João Carvalho de Oliveira, Francisco Maciel da Costa, Manuel de Figueiredo Macedo, Felix de Gusmão Brandão Bueno, Manuel de Almeida Costa, Coronel José Gomes de Melo, Roberto Neves de Brito, Manuel da Silva Borges, Antonio Ribeiro Franco, Henrique Lopes, Antonio Alves Magalhães, Lau.o Rodrigues Graça. 23 CREAÇÃO DE VILLAS NO PERÍODO COLONIAL: VILLA RICA. In: Revista do Arquivo Público Mineiro. Ouro Preto: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1897. Ano 2, vol. 1. jan./mar. p. 84-86. 21 9 Ordinário mais moço Fernando da Fonseca e Sá, Vereador mais velho Manuel de Figueiredo Mascarenhas, segundo Vereador Felix de Gusmão e Mendonça, terceiro Vereador Antonio de Faria Pimentel, Procurador da Câmara o Capitão Manuel de Almeida Costa. Note que, comparando os nomes da comissão eleitoral e dos oficiais eleitos, foram retirados o Coronel Antonio Francisco da Silva e o Mestre de Campo Pascoal da Silva Guimarães, e foram colocados José Gomes de Melo, como Juiz Ordinário mais velho, portanto, que coordenaria os trabalhos da Câmara Municipal, e Antonio de Faria Pimentel, terceiro Vereador. Pode-se concluir, portanto, que por mais desejável que fosse seguir as leis, o contexto local exigia posturas nem sempre previstas nas leis. Diante do resultado das eleições, o qual não sabemos, o governador decidiu mudar o processo, ou seja, contrariou as orientações das ordenações para buscar uma composição mais adequada aos interesses régios. Eleito os seis oficiais que formavam a cúpula camarária, logo nas primeiras reuniões eles escolhiam os oficiais subalternos, ou acatavam a indicação do rei, governador ou ouvidor para estes cargos. Na maior parte das vezes, ao menos no período estudado, a escolha recaia sobre a cúpula camarária. Todavia, alguns ofícios que podemos considerar estratégicos eram ou passaram a ser de nomeação régia no decorrer da década. São eles: Escrivão da Câmara, Escrivão da Almotaçaria, Tabelião, Auxiliar de Correio, Meirinho do Campo, Capitão-mor da Comarca e Capitão das Ordenanças. A composição da cúpula camarária encontrada em Vila Rica nas primeiras décadas do século XVIII, ou seja, dois Juízes Ordinários, três Vereadores e um Procurador da Câmara, era um padrão das Câmaras do Império Português definido no século XVI, e sofria pequenas alterações de acordo com a necessidade local. 24 Era comum, por exemplo, a variação pequena no número de Vereadores, a presença de apenas um Juiz Ordinário,ou ainda, a presença de um Juiz de Fora de nomeação régia. Este cargo não existiu na Câmara de Vila Rica, mas esteve presente na vizinha Câmara Municipal de Vila do Carmo (hoje Mariana). O brasilianista A. J. R. Russell-Wood defendeu a idéia de que houve, durante os primeiros anos em Vila Rica, uma baixa capacidade dos indivíduos que ocuparam os 24 BOXER, Charles R. Portuguese Society in... p. 5; RUSSELL-WOOD, A. J. R. “O governo local na América...” p. 27. 10 cargos de cúpula da câmara. Isto se deveu ao fato de que, poucos homens de letras vieram para as minas nestes primeiros tempos. Mas o autor defende que, mesmo após estas primeiras décadas, o perfil dos ocupantes da cúpula camarária não teria aumentado, por conta, dentre outros fatores, da falta de remuneração para estes ofícios e pela falta de concessão de privilégios por parte do rei, que não cedia aos apelos dos oficiais da cúpula camarária.25 As resistências a servir na instituição eram grandes. A estratégia adotada para recusar o ofício em caso de eleição era a obtenção de carta real de isenção ou, na impossibilidade da concessão, se mudar para fora da área urbana ligada à instituição.26 As funções do Escrivão da Câmara Municipal O ofício de Escrivão da Câmara Municipal sempre foi muito cobiçado, principalmente por reis e rainhas que desejavam inserir nestes cargos indivíduos de confiança. As funções de um Escrivão da Câmara eram: assentar receitas e despesas da Câmara Municipal; registrar mandatos, acordos, alvarás, termos de obrigação ou de fiança e outros do gênero; registrar movimento do gado e emitir certidão de requerimentos formulados junto à câmara; registrar as atas e as eleições dos agentes do governo local; registrar os processos despachados pela Câmara Municipal; além disso, cabia ao Escrivão a leitura, no inicio do mandato de cada oficial, seu respectivo regimento; cabia também ao Escrivão a posse da chave da arca do Concelho, onde ficavam guardados todos os documentos importantes à municipalidade.27 O Escrivão era um elemento de estabilidade, era o que fazia as ligações entre as vereações e os mandatos. Pelo próprio trabalho, tinha domínio pleno de tudo que se passava na administração municipal, eram o depositário da memória institucional. Na prática, era comum que o Escrivão acumulasse outros cargos, tanto em Concelhos pequenos como em grandes, mas o fato ocorria mais freqüentemente nos pequenos Concelhos, que alegavam falta de pessoas capazes ou pouca demanda nos ofícios destinados ao Escrivão.28 O provimento do ofício de Escrivão da Câmara variava de acordo com a prática local e a importância da Câmara para o Império português. Em alguns locais eram 25 RUSSELL-WOOD, A. J. R. “O governo local na América...” p. 38. Ibidem. p. 39. 27 CUNHA, Mafalda Soares da; FONSECA, Teresa (ed.). Os Municípios no Portugal Moderno... p. 75-7. 28 COELHO, Maria Helena da Cruz; MAGALHÃES, Joaquim Romero. O poder Concelhio... p. 32; CUNHA, Mafalda Soares da; FONSECA, Teresa (ed.). Os Municípios no Portugal Moderno... p. 75-77. 26 11 eleitos pela cúpula camarária por triênios. Em outros, como em Vila Rica, não havia período certo, tendiam a ficar por mais de dois anos, e eram nomeados pelo rei. Em outros locais como em Salvador no século XVIII, a nomeação do cargo era vitalícia e, na prática, também hereditária. O cargo era normalmente atribuído a pessoas nobres, com razoável erudição, mas recursos modestos.29 Apesar de não integrar a cúpula camarária e, portanto, de estar formalmente excluído das decisões locais, o Escrivão da Câmara era uma peça fundamental para o bom desenvolvimento da administração municipal. Isto porque era o Escrivão que detinha maior conhecimento sobre o cotidiano institucional, devido a natureza de sua função e também ao fato de, normalmente se manter no cargo durante anos, funcionando como uma espécie de elo entre os grupos que se alternavam anualmente nas Câmaras Municipais. Por tudo isto era muito respeitado e requisitado. “[...] a assistência cotidiana às reuniões e atividades camarárias e outros procedimentos administrativos conferiam àqueles oficiais um profundo conhecimento dos assuntos locais, tornando-os principais depositários da memórias do poder municipal. Isso lhes possibilitava estabelecer um elo de ligação entre as sucessivas vereações, transmitindo às subseqüentes os feitos das anteriores e os procedimentos usuais da instituição camarária.”30 Vale notar que, se o Escrivão não estava no topo da hierarquia política, estava no topo da hierarquia social. Seu valor era reconhecido nas cerimônias públicas, recebiam muito bem nos grandes e médios Concelhos, às vezes até mais que o Juiz de Fora.31 O exercício do ofício de Escrivão da Câmara e de Tesoureiro da Câmara, em função das próprias obrigações de cada serviço, propiciava um trabalho muito próximo e, às vezes, certa cumplicidade entre os oficiais em relação as práticas dentro da Câmara Municipal. Isto porque o Tesoureiro gerenciava as contas públicas, e era o Escrivão da Câmara quem fazia efetivamente a contabilidade.32 Em alguns municípios, principalmente do reino, tanto o Tesoureiro como Escrivão da Câmara eram ofícios que poderiam facilitar o acesso a cargos com maior poder de decisão, como os de Vereador e Procurador da Câmara. Durante o século 29 CUNHA, Mafalda Soares da; FONSECA, Teresa (ed.). Os Municípios no Portugal Moderno.. p. 75-7; SOUSA, Avanete Pereira. Poder local, cidade... p. 77. 30 SOUSA, Avanete Pereira. Poder local, cidade... p. 78-79. 31 CUNHA, Mafalda Soares da; FONSECA, Teresa (ed.). Os Municípios no Portugal Moderno.. p. 75-7. 32 Ibidem. p. 82-3. 12 XVIII na Câmara de Salvador, está facilidade parece não ter se confirmado.33 Em Vila Rica, ao menos até 1724, a tendência observada no reino também não se confirma. Durante a década de 1710 em Vila Rica, o ofício foi orientado por regimento próprio, estabelecido na quinta reunião da Câmara Municipal, em 22 de julho de 1711. Trata-se de um texto curto, no qual foram estabelecidas as principais funções do Escrivão no local e a respectiva remuneração por cada uma das ações: “[...] resolveram levaria o escrivão deste senado: de uma licença de vender, ou para algum oficial usar de seu oficio uma oitava; de uma provisão de qualquer oficio que este senado prover seis oitavas; e de registro dela ou de outra qualquer provisão ou papel que nos livros deste senado se registrar, duas oitavas; de um termo de posse e juramento que se der a qualquer oficial de justiça ou subordinado a este senado uma oitava; e que não arbitravam termos de arrematação fianças e outros papeis por não ser coisa que por ora fosse necessária [...]” 34 Este regimento inicial sofreu transformações na medida em que se tornaram necessárias. A primeira delas ocorreu no em 7 de janeiro de 1713, onde os oficiais da cúpula camarária acordaram atender a um requerimento do Escrivão, e decidiram que ele deveria cobrar de cada licença, além de uma oitava já cobrada, mais meia pataca para cobrir os gastos com tinta e papel.35 Mais tarde, na vereação de 25 de fevereiro de 1715, os oficiais da cúpula camarária decidiram que o Escrivão passaria a ganhar, por cada carta dos Juízes de Ofício, não mais que as ditas seis oitavas. Em 15 de junho de 1718, o regimento sofreu mais uma breve alteração, a última da década. Ficou acertado em vereação que o Escrivão da Câmara passaria a receber por cada carta de aforamento com selo, duas oitavas e meia.36 Este regimento e suas modificações eram válidos apenas para o Escrivão local, portanto, era uma regra específica para a localidade. Um regimento mais amplo, que cobrisse todas as vilas da capitania de Minas Gerais, só foi criado em 17 de setembro 1721. Este regimento criou uma regra geral de remuneração para vários cargos na capitania, que devido ao ouro, exigiam legislação específica. Os cargos são: Ouvidores 33 SOUSA, Avanete Pereira. Poder local, cidade... p. 76-77. ATAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE VILA RICA, 1711-1715. In: Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, vol. 49, 1927. p. 209-210. 35 Ibidem. p. 257-258. 36 Ibidem. p. 365-366; ATAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE VILA RICA, 1716-1721. In: Revista do Arquivo Público Mineiro.Belo Horizonte, vol. 25, fasc. 1, julho de 1937. p.76. 34 13 de Comarca, Tabeliães de Nota, Escrivães de Ouvidorias, Tabeliães do Judicial, Escrivães dos Órfãos, Distribuidor, Inquiridor, Contador, Meirinhos, Escrivães da Vara, Porteiro, Partidor dos Órgãos, Escrivães da Câmara, Escrivães da Almotaçaria, Advogados, Requerentes, Guardas-mores e seus Escrivães.37 A importância e funções do cargo no caso específico de Vila Rica Descrita em linhas gerais a Câmara Municipal e o ofício de Escrivão da Câmara, vamos tratar, nas linhas que seguem, dos indivíduos que serviram este ofício em Vila Rica, e, o que parece ser mais importante, o contexto no qual exerceram seus mandatos, e tentar estabelecer uma relação entre mudança de mandatos com mudanças de direcionamento da administração local. Infelizmente, não foi possível devido à limitação das fontes até então encontradas, fazer uma descrição mais aprofundada dos indivíduos, uma espécie de resumo biográfico. Por esta razão vamos nos deter ao exercício administrativo exercido pelos indivíduos. Em primeiro lugar, antes de detalhar cada um dos mandatos, inserimos uma espécie de quadro geral para orientar o leitor daqui em diante. Na tabela 1, podemos observar a duração dos mandatos, o nome do referido Escrivão e o nomeou. Repare que todos foram nomeados ou pelo rei, ou pelo governador, neste caso uma nomeação provisória. Mais detalhes veremos na apresentação de cada um dos mandatos. 37 SOUZA, Maria Elisa de Campos. Relações de poder, justiça e administração em Minas Gerais no setecentos – A Comarca de Vila Rica do Ouro Preto: 1711-1752. Dissertação de Mestrado, História, Universidade Federal Fluminense. Niterói: 2000. p. 65-66. 14 Tabela 1 – Relação de Escrivães da Câmara Municipal de Vila Rica, 1711-1724 Período Escrivão da Câmara Provimento 22 de Julho de 1711 até 3 de Janeiro de 1714 Jorge da Fonseca Freire - 3 de Janeiro de 1714 até 26 de Janeiro de 1715 Bento Cabral Dessa Governador 26 de Janeiro de 1715 até 23 de Abril de 1718 Miguel de Andrade Ferreira Rei 23 de Abril de 1718 até 11 de Outubro de 1719 José Corrêa Lima Governador 11 de Outubro de 1719 até 13 de Julho de 1720 Hilário Antônio de Araújo Governador 13 de Julho de 1720 até 7 de Setembro de 1720 José Corrêa Lima Governador 7 de Setembro de 1720 até 11 de Setembro de 1721 Jerônimo de Castro e Souza Rei 11 de Setembro de 1721 em diante José da Silva Miranda Rei Fonte: ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Câmara Municipal de Vila Rica. Códice 13: Acórdãos da Câmara Municipal de Vila Rica, 1721-1726. Microfilme 16; ATAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE VILA RICA, 1711-1715. In: Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, vol. 49, 1927; ATAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE VILA RICA, 1716-1721. In: Revista do Arquivo Público Mineiro.Belo Horizonte, vol. 25, fasc. 1, julho de 1937. Seguiremos a apresentação dos mandatos em ordem cronológica. No caso de José Corrêa Lima, que aparece duas vezes, ambas nomeado pelo Governador, trataremos em dois itens diferentes, embora o segundo mandato tenha sido muito curto, apenas um complemento ao Escrivão anterior, afastado por ocasião da Revolta de 1720. Jorge da Fonseca Freire, 22/7/1711 até 3/1/1714 O primeiro a ocupar o ofício Escrivão da Câmara Municipal de Vila Rica foi Jorge da Fonseca Freire. Não há registros de sua posse na ata de fundação da Vila e Câmara Municipal, também não aparece nos termos, como os outros oficiais da cúpula camarária. Seu nome aparece logo na primeira vereação, já como Escrivão, sem nenhuma referência a posse ou origem de nomeação. Este primeiro Escrivão da Câmara ficou durante quase três anos ocupando o cargo, e é justamente este longo tempo que nos leva a crer que, possivelmente, sua 15 nomeação foi régia. Era comum que os Escrivães de nomeação régia ficassem por muito tempo, já os de nomeação do Governador, tendiam a ficar pouco tempo, eram uma espécie de substituto até que a nomeação régia chegasse ao Governador. Mas, não se pode descartar a possibilidade de ter sido escolhido pelo Governador Antonio Albuquerque Coelho de Carvalho na ocasião da criação da Câmara Municipal, ou ainda, de ter sido eleito pelos próprios oficiais camarários, o que é pouco provável, pois normalmente tal nomeação constaria nas atas, como consta a de outros oficiais secundários como Almotacés. Vê-se que Jorge da Fonseca Freire ficou, como era o ideal, três anos ou três exercícios à frente do ofício, portanto, coincidindo com o que chamamos de primeiro período administrativo, 1711-1713, momento que se criou as bases físicas e regimentais para o início do funcionamento da administração local. Não exerceu nenhuma outra atividade na instituição, e não voltou a ser citado nos documentos que consultados. Portanto não foi possível sabemos se ele já estava nas minas antes de assumir o cargo, se veio para assumi-lo, e se continuou na região após o exercício do ofício. Logo nas primeiras vereações do ano de 1714, deixou o cargo, quando da nomeação de Bento Cabral Deça. Bento Cabral Dessa, 3/1/1714 até 26/1/1715 O segundo Escrivão da Câmara Municipal de Vila Rica, Bento Cabral Deça, foi nomeado pelo então governador Dom Brás Baltasar da Silveira, e ficou no exercício do ofício por cerca de um ano. Tudo indica que a nomeação do governador foi, como tendia a ser, emergencial. Não que o antigo Escrivão da Câmara causasse problemas, ao contrário, em nenhum momento observamos algo do tipo nas atas. Mas o mandato do primeiro Escrivão havia se encerrado, e o rei, provavelmente não havia nomeado ninguém. Bento Cabral Deça serviu à instituição somente neste ofício, e em um momento muito crítico, justamente durante o primeiro pico administrativo, ocorrido em 1714, por conta do início da arrecadação dos quintos. No final de Janeiro de 1715, um novo Escrivão da Câmara, agora nomeado pelo rei, está pronto para tomar posse, trata-se de Miguel Ferreira de Andrade. 16 Miguel de Andrade Ferreira, 26/1/1715 até 23/4/1718 O terceiro Escrivão da Câmara foi Miguel de Andrade Ferreira. Foi nomeado pelo rei e assumiu o cargo em 26 de janeiro de 1715. Participou de um momento crítico da administração local, quando há um aumento da tendência de entrincheiramento de um grupo local à frente da instituição. Aparentemente Miguel de Andrade Ferreira se aproxima deste grupo, tem participação direta no conflito que ocorre no final de 1716 entre os oficiais da cúpula camarária e o ouvidor, e inclusive assina aquela vereação, algum muito incomum por parte do Escrivão da Câmara. A proximidade parecia ser tanta que, em 1718, foi nomeado pelos oficiais da cúpula camarária para servir como Almotacé, ao mesmo tempo em que era Escrivão. Isto não era comum em Vila Rica, era a primeira vez que ocorria na instituição, mas voltaria a ocorrer com outros Escrivães, como veremos. Era de se esperar que ficasse em seu cargo, ainda mais por ser nomeado do rei, até o final de 1718 ou início de 1719, para que se completassem os três anos ideais. Contudo, deixou o cargo em 23 de Abril de 1718, para nomeação de José Corrêa Lima, escolhido pelo então Governador Dom Pedro de Almeida Portugal, o Conde de Assumar. Neste período encontramos um pedido de José dos Reis ao rei, para que fosse nomeado Escrivão da Câmara de Vila Rica ou Meirinho, mas o Conselho Ultramarino não o considerou capaz para o exercício de ambos os cargos.38 José Corrêa Lima, 23/4/1718 até 11/10/1719 O quarto Escrivão da Câmara Municipal de Vila Rica, José Corrêa Lima, foi nomeado pelo então Governador Dom Pedro de Almeida Portugal, o Conde de Assumar, e assumiu o ofício em 23 de Abril de 1718. Ficou cerca de 1 ano e meio no referido cargo. Sabemos que em meados de 1718 o governador começa a promover um afastamento dos oficiais da cúpula camarária, visando promover um reordenamento entre os grupos que disputavam o controle da instituição. Parece muito oportuna a ocasião para a nomeação de um novo Escrivão para a instituição. Fomos aos documentos para verificar a hipótese, mas nenhuma referência foi encontrada, nem no 38 ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO. Avulsos da Capitania de Minas Gerais, Caixa 1, Documento 59. 17 Arquivo Histórico Ultramarino em Lisboa, nos Avulsos da Capitania de Minas Gerais, nem no Arquivo Público Mineiro. Neste primeiro arquivo é no mínimo estranha a falta de referência, visto que neste momento, 1718 e 1719, o volume de documentação já é muito alto, e as referências a Escrivães de Câmaras Municipais vizinhas já aparecem com alguma freqüência. Mas o fato é que, em meados de Outubro de 1719, José Corrêa Lima é retirado do cargo de Escrivão da Câmara Municipal de Vila Rica, pelo próprio Governador Dom Pedro de Almeida, o Conde de Assumar, que nomeia para o lugar Hilário Antonio de Araújo. Hilário Antônio de Araújo, 11/10/1719 até 13/7/1720 Hilário Franco de Araújo foi o quinto Escrivão da Câmara Municipal de Vila Rica, foi nomeado pelo Governador Dom Pedro de Almeida, da mesma forma que seu antecessor, José Corrêa Lima. Assumiu o ofício em 11 de Outubro de 1719, e ficou menos de um ano no cargo. Seu afastamento ocorre também em meio a momentos de instabilidade. Durante esta primeira metade do mês de julho de 1720 estava em processo a Revolta de 1720, que conspirou contra o Governador. Tudo aponta para uma ligação do Escrivão da Câmara com outros oficiais da Câmara Municipal que tiveram ligação com a Revolta. Consultamos novamente os documentos do Arquivo Público Mineiro e os Avulsos da Capitania de Minas Gerais, presentes no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, mas nada de específico em relação ao Escrivão foi encontrado. Em seu lugar o Governador Dom Pedro de Almeida nomeou seu antecessor, José Corrêa Lima. Diante desta nomeação, que é normal neste período, basta ver os ofícios da cúpula camarária que, quando desfalcados, chamava-se o oficial do ano anterior para substituição, por já estar familiarizado com o trabalho. É evidente que, se o último oficial deixou o cargo por problemas em seu exercício, não seria chamado, mesmo nestas situações. Portanto, o afastamento de José Corrêa Lima, ao que tudo indica, não foi devido a problemas administrativos nem com o governador. José Corrêa Lima, 13/7/1720 até 7/9/1720 O retorno de Jose Corrêa Lima, agora como sexto Escrivão da Câmara, durou muito pouco tempo, menos de dois meses. Foi uma nomeação provavelmente para esperar a nomeação régia de Jerônimo de Castro e Souza. 18 José Corrêa Lima, neste segundo momento, embora curto, viveu o desenrolar da Revolta de 1720, a perseguição aos revoltosos, e contribuiu para retorno da instituição à normalidade. Logo após assumir o cargo, contados 9 dias, assistiu a troca do Juiz Ordinário da Câmara Municipal, João da Silva Guimarães de Oliveira, filho de Pascoal da Silva Guimarães, ambos cabeças da Revolta. A rigor, deveria ter ficado menos de um mês no cargo, pois o novo Escrivão da Câmara nomeado pelo rei, Jerônimo de Castro e Souza, se apresentou em vereação com o objetivo de tomar posse em 31 de Agosto de 1720, mas foi impedido pelos oficiais da cúpula camarária, que argumentaram não ser o nomeado capaz para o exercício do cargo, vejamos o trecho da vereação: “[...] Acordaram, atendendo ao requerimento que fez Jerônimo de Castro e Souza, a que lhe dessem posse do ofício de Escrivão da mesma Câmara, em virtude da provisão de Sua Majestade que Deus guarde, que apresentou a mesa de vereação aos ditos vereadores, que sendo vista por mim lida, e pelo Juiz presidente do mesmo Senado, foi reconhecida e venerada a real firma nela posta pelo dito Senhor e em tudo o mais corrente, como cumpra-se do Exmo. Conde de Assumar, Governador e Capitão General destas Minas, e do Ouvidor Corregedor desta Comarca, João Domingues de Carvalho, cujos cargos serve por ausência do Ministro que os exercia o que assim pressuposto, advertidos os ditos Oficiais da Câmara dizer Sua Majestade que Deus guarde na sua Real Provisão, que por lhe haver representado Jerônimo de Castro e Souza concorria nele as circunstâncias e requisitos a poder servir o dito ofício de Escrivão da Câmara desta Vila Rica, lhe fazia mercê da serventia dele por um ano, com cuja consideração e sempre com a devida veneração a dita provisão, vendo-se as leis do dito Senhor, manda no livro 1, tt. 24 da Ordenação, que os Escrivões saibam bem escrever e notar de maneira que a cartas e notas que fizerem mostrem ser feitas por homens de bom Juízo e entendimento, e no tt. 97 do dito livro, § 2, diz quando alguma pessoa vier a Corte pedir a nós algum ofício e a serventia dele, tragam logo certidão do corregedor posto por nós na Comarca donde o oficial for, da qualidade do oficial, e se é vago e por cujo falecimento e de que maneira vagou. ||| E sendo serventia da razão o impedimento que tem o proprietário dele, e da necessidade que há de servir, e em assim da qualidade, e costumes, e habilidade, da pessoa que o pede, etc. ||| Ha vista do que e do mais que expressa o livro 2º das mesmas ordenações tt. 43, sobre as cartas, alvarás e provisões, que se pedem á Sua Majestade com menos atenção a verdade, resolveram e mandaram ao dito Jerônimo de Castro e Souza que vista a informação que de si tinha dado a El Rei Nosso Senhor se fazia precisa mostrar a suficiência e capacidade que tinha para ocupação do dito ofício de Escrivão da Câmara, manifestando o talhe da sua letra, fazendo termos de acordo da presente vereança, e algumas ordens que de presente se resolvessem. No que se ouve com tanta ignorância ao que se lhe havia exposto, dizendo que da escrita que se achava nos livro de acordos, e regimento tiraria o conhecimento do que havia de 19 fazer, com cuja razão se recusaram os ditos oficiais da Câmara suspender a posse que determinavam dar-lhe, vendo a pouca inteligência que se dava no dito Jerônimo de Castro e Souza para a boa e ponta expedição de que carecia o Serviço de Sua Majestade de presente, tanto para a expedição dos embaraços com que se vem as Rendas desta Câmara pelos arrematantes delas serem alguns dos que concorreram para a sublevação próxima passada como para a arrecadação da precisa contribuição que se a de fazer para a nova fatura da Casa da Moeda em que concorrem não só os homens bons desta Vila e seu termo, como todo o mais povo de uma e outra pr.te e na atenção tão bem de concorrerem todos os bons requisitos na pessoa de José Corrêa Lima, Escrivão atual nesta Câmara com provisão de sua Ex.a, sendo para a dita ocupação pedida pela dita Câmara e como ainda se achava com o dito provimento que em tanto e correndo o tempo tiraria o dito Jerônimo de Castro e Souza o conhecimento e inteligência que neces.ente [sic] se fazia precisa, a dita ocupação do ofício de Escrivão da Câmara, e como não houve mais o que deferir, houveram a vereação por acabada que todos assinaram [...]” 39 Jerônimo de Castro e Souza, 7/9/1720 até 11/9/1721 Passado os transtornos e tendo sido superadas as resistências dos oficiais da cúpula camarária, o novo Escrivão da Câmara assumiu sua função em 7 de setembro de 1720. Jerônimo de Castro e Souza conseguiu a nomeação régia através de um pedido que localizamos no Arquivo Histórico Ultramarino, nos Manuscritos Avulsos da Capitania de Minas Gerais. O pedido data de 9 de fevereiro de 1720, quase sete meses antes da sua posse, e por ele foi possível identificar que Jerônimo era natural da Vila de Melgaço, na Província do Minho, e veio à região das minas com o propósito de resolver pendências, aproveitando sua vinda, requereu ao rei o cargo que estava vago, e o rei deferiu.40 Ao contrário dos outros Escrivães da Câmara que eram nomeados pelo rei, este ficou pouco tempo, apenas um ano, mas permaneceu na região ao menos até 1722, quando exerceu o cargo de Almotacé em Vila Rica. Atuou durante maior parte do ano de 1721, segundo pico administrativo da instituição, causado novamente pelos quintos régios. Jerônimo de Castro e Souza deixou o cargo em 11 de setembro de 1721, por ocasião da posse de um novo Escrivão, também nomeado pelo rei, José da Silva Miranda. 39 ATAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE VILA RICA, 1716-1721. In: Revista do Arquivo Público Mineiro.Belo Horizonte, vol. 25, fasc. 1, julho de 1937. P. 150-152. 40 ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO. Avulsos da Capitania de Minas Gerais, Caixa 2, Documento 46. 20 José da Silva Miranda, 11/9/1721 em diante José da Silva Miranda, oitavo e último Escrivão da Câmara para o período estudado, foi o que ficou mais tempo, tomou posse em 11 de setembro de 1721 e continuou no cargo até o fim do período que estudamos. Esta continuidade pode indicar o período de busca de estabilidade pela instituição, manter o mesmo Escrivão da Câmara por um longo período significa dar continuidade a um trabalho, ao passo que muitas mudanças indicam instabilidade. Este é o Escrivão melhor documentado. No Arquivo Público Mineiro não encontramos nenhuma referência direta do José da Silva Miranda, mas no Arquivo Histórico Ultramarino, nos Avulsos da Capitania de Minas Gerais, encontramos: 1) o pedido do cargo ao rei, feito em 2 de dezembro de 1720; 2) a ordem para empossá-lo, emitida em 15 de dezembro de 1720; 3) uma certidão que ele emitiu justificando as despesas feitas pelos oficiais da Câmara com Festas no ano de 1722, datada de 20 de outubro de 1722; 4) um pedido dos oficiais camarários ao rei para que se nomeasse outro escrivão, isto em 21 de outubro de 1722; 5) e a resposta do rei, quase dois anos depois, em 26 de agosto de 1724. De todos estes documentos, o mais interessante, digno de ser reproduzido aqui, é o de número 4. Vejamos o trecho do que os oficiais da cúpula camarária enviaram ao rei: “[...] Como este Senado necessita de um Escrivão prático e inteligente para os particulares, não só da sua incumbência, porém nos dos leais quintos de Vossa Majestade, por ser esta matéria de gravíssima ponderação e nela exercer pessoal que dê a execução todas as resoluções que se oferecem, e também por experimentar esta Câmara, vir para ela, Escrivão unicamente por um ano, e no seguinte, suceder-lhe outro, andando sempre confusa e prática desnecessária de pouco tempos destas exercendo. Entendemos que era conveniente ao Vosso serviço, se dignasse Vossa Majestade de nos conferir Escrivão do dito Senado, por tempo de três anos [...]” 41 Neste pedido ao rei, os oficiais se queixam não especificamente de José da Silva Miranda, apesar de dizerem que precisam de um Escrivão prático e inteligente, mas preocupam-se com a continuidade, querem evitar a troca anual de Escrivães que vinha ocorrendo, e para isto envolvem interesses mais diretos do rei, como os próprios 41 ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO. Avulsos da Capitania de Minas Gerais, Caixa 3, Documento 65. 21 quintos. Em resposta, quase dois anos depois, em 24 de Agosto de 1724, o rei concorda com os oficiais e diz que o Escrivão que ele nomeou, José da Silva Miranda, cumpre as exigências do cargo.42 Apesar das reclamações dos oficiais deste ano de 1722, durante o exercício de seu ofício de Escrivão da Câmara, no mesmo ano de 1722, José da Silva Miranda foi eleito para atuar como Almotacé, como o foi no mesmo ano Jerônimo de Castro e Souza e anos antes, em 1718, Miguel de Andrade Ferreira. O interessante é que todos que exerceram a função de Almotacé eram nomeados régios. Os Escrivães da Câmara e os períodos administrativos Concluída a apresentação dos mandatos dos Escrivães da Câmara, percebemos certa relação entre a duração dos mandatos e os períodos administrativos. Para tentar ilustrar esta relação, montamos o seguinte gráfico que comentaremos a seguir: Gráfico 1 – Relação entre os períodos administrativos da Câmara Municipal de Vila Rica e o mandato dos Escrivães da Câmara, 1711-1724 Os Períodos Administrativos da Câmara Municipal de Vila Rica 1711-1713 1719 1720 1714-1718 1721-1724 Os Mandatos dos Escrivães da Câmara de Vila Rica 1 2 3 4 5 6 7 8 Fonte: ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Câmara Municipal de Vila Rica. Códice 13: Acórdãos da Câmara Municipal de Vila Rica, 1721-1726. Microfilme 16; ATAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE VILA RICA, 1711-1715. In: Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, vol. 49, 1927; ATAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE VILA RICA, 1716-1721. In: Revista do Arquivo Público Mineiro.Belo Horizonte, vol. 25, fasc. 1, julho de 1937. Na primeira ilustração do gráfico estão os quatro períodos administrativos por nós definidos. Na linha de baixo, estão as durações aproximadas dos oito mandatos do Escrivães da Câmara de Vila Rica. Tentaremos fazer agora uma comparação entre os períodos administrativos e os mandatos. 42 ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO. Avulsos da Capitania de Minas Gerais, Caixa 5, Documento 68. 22 O mandato de número um é o de Jorge da Fonseca Freire, se estendeu de 22 de Julho de 1711 até 3 de Janeiro de 1714. Durou precisamente o mesmo momento que o primeiro momento administrativo, quase três anos, e representou um momento de estabilidade e continuidade. Já o mandato de número dois foi o de Bento Cabral Deça, durou de 3 de Janeiro de 1714 até 26 de Janeiro de 1715, quer dizer, do ponto de vista da continuidade o segundo momento administrativo da Câmara Municipal de Vila Rica começou mal. Mas, de certa forma, o mandato de número três, de Miguel de Andrade Ferreira, tenderia a recuperar a estabilidade das atividades administrativas, já que ficou quase três anos no exercício do ofício, assumiu em 26 de Janeiro de 1715 e deixou o cargo em 23 de Abril de 1718. O mandato do quarto Escrivão da Câmara, José Corrêa Lima, que durou de 23 de Abril de 1718 até 11 de Outubro de 1719, fez retornar o período de descontinuidade, já que ficou menos de um ano e meio no cargo. O momento na instituição também não era dos melhores, já que ocorria o reordenamento dos grupos à frente da instituição. O quinto Escrivão da Câmara, Hilário Antônio de Araújo, ficou também muito pouco tempo na instituição, menos de um ano, de 11 de Outubro de 1719 até 13 de Julho de 1720. Ou seja, não conseguiu imprimir continuidade na administração local. O sexto Escrivão da Câmara também não o faria, novamente foi José Corrêa Lima, que desta vez ficou menos de dois meses, de 13 de Julho até 1720 até 7 de Setembro do mesmo ano. O sétimo Escrivão da Câmara, Jerônimo de Castro e Souza, por ser nomeado do rei, esperava-se que ficasse os três anos, mas ficou pouco mais de um ano, assumiu o cargo em 7 de Setembro de 1720 e o deixou em 11 de Setembro de 1721, não havendo tempo para ordenar a administração. Isto só viria a ocorrer com o oitavo e último Escrivão da Câmara, também nomeado régio, José da Silva Miranda, que assumiu em 11 e Setembro de 1721, e continuou no cargo após o final de 1724. Mas, como vimos pelas reclamações dos oficiais régios ao rei em 1722, mais de um ano após sua posse, muito ainda estava por ser feito para imprimir uma continuidade nas tarefas administrativas locais, que nesta ocasião vinham sendo descontinuadas desde os problemas ocorridos em meados de 1718 e do afastamento do Escrivão Miguel de Andrade Ferreira. Durante todos os quatro momentos de maior agitação e instabilidade na instituição, seja por fatores externos ou internos, os Escrivães que estavam no exercício 23 do ofício eram recentes, e ficaram pouco, cerca de um ano. Foi assim nos picos administrativos de 1714 e 1721, no reordenamento dos grupos ligados à cúpula camarária no final de 1718, e foi assim em meados de 1720, quando da Revolta de Felipe dos Santos. Parece ter ficado claro que o ofício de Escrivão da Câmara, ao menos em Vila Rica, foi um ofício central que, do ponto de vista administrativo, era tão importante quanto os ofícios da cúpula. Acredito ser este o caso de outros ofícios como o de Tesoureiro da Câmara e o de Almotacé, mas isto é algo a ser abordado em outro momento. Com isto quis apontar a importância de se ampliar o foco do estudo sobre Câmaras Municipais, que acredito, deve incluir outros ofícios além dos já tradicionalmente estudados. Espero ter ficado claro ao leitor que não pretendi aqui relativizar a importância dos ofícios de cúpula, apenas tento mostrar que outros ofícios são, também, vitais para a compreensão do cotidiano administrativo das Câmaras Municipais. Fontes citadas: ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO. Avulsos da Capitania de Minas Gerais, Caixa 2, Documento 46. ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO. Avulsos da Capitania de Minas Gerais, Caixa 3, Documento 65. ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO. Avulsos da Capitania de Minas Gerais, Caixa 5, Documento 78. ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Câmara Municipal de Vila Rica. Códice 13: Acórdãos da Câmara Municipal de Vila Rica, 1721-1726. Microfilme 16. ATAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE VILA RICA, 1711-1715. In: Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, vol. 49, 1927. ATAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE VILA RICA, 1716-1721. In: Revista do Arquivo Público Mineiro.Belo Horizonte, vol. 25, fasc. 1, julho de 1937. CREAÇÃO DE VILLAS NO PERÍODO COLONIAL: VILLA RICA. In: Revista do Arquivo Público Mineiro. Ouro Preto: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1897. Ano 2, vol. 1. jan./mar. p. 84-86. 24 Bibliografia citada: BORREGO, Maria Aparecida de Menezes. Códigos e Práticas: o processo de constituição urbana em Vila Rica Colonial (1702-1748). São Paulo: Annablume & FAPESP, 2004. BOXER, Charles R. Portuguese Society in the Tropics. The Municipal Councils of Goa, Macao, Bahia and Luanda, 1510-1800. Madison & Milwaukee: University of Wisconsin Press, 1965. CARRARA, Angelo Alves. Receitas e despesas da Real Fazenda no Brasil XVII. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2009. COELHO, Maria Helena da Cruz; MAGALHÃES, Joaquim Romero. O poder Concelhio: das origens às cortes constituintes. Notas de História Social. 2ª Edição Revista. Coimbra: CEFA, 2008. CUNHA, Mafalda Soares da; FONSECA, Teresa (ed.). Os Municípios no Portugal Moderno: dos forais manuelinos às reformas liberais. Lisboa: Edições Colibri & CIDEHUS-UE, 2005. RUSSELL-WOOD, A. J. R. 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