UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE VETERINÁRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA VETERINÁRIA CLÍNICA E REPRODUÇÃO ANIMAL NAMIR SANTOS MOREIRA BARTONELLA, EHRLICHIA E RICKETTIAS DO GRUPO DA FEBRE MACULOSA EM CÃES E EM ARTRÓPODES:UM ESTUDO NA REGIÃO DO MÉDIO PARAÍBA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Niterói – RJ 2011 1 NAMIR SANTOS MOREIRA BARTONELLA, EHRLICHIA E RICKETTIAS DO GRUPO DA FEBRE MACULOSA EM CÃES E EM ARTRÓPODES:UM ESTUDO NA REGIÃO DO MÉDIO PARAÍBA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Tese apresentada ao Programa De PósGraduação em Medicina Veterinária (Clínica e Reprodução Animal) Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Doutor. Área de Concentração: Clínica Veterinária. Orientadora: Prof. Dra. Nádia Regina Pereira Almosny. Co-orientadora: Prof. Dra. Elba Regina Sampaio de Lemos. Niterói – RJ 2011 2 NAMIR SANTOS MOREIRA BARTONELLA, EHRLICHIA E RICKETTIAS DO GRUPO DA FEBRE AMCULOSA EM CÃES E EM ARTRÓPODES:UM ESTUDO NA REGIÃO DO MÉDIO PARAÍBA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Tese apresentada ao Programa De PósGraduação em Medicina Veterinária (Clínica e Reprodução Animal) Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Doutor. Área de Concentração: Clínica Veterinária. Aprovada em de 2011. BANCA EXAMINADORA ........................................................................................... Profª Drª Nádia Regina Pereira Almosny - Orientadora Universidade Federal Fluminense . ............................................................................................. Prof. Dr. Elba Regina Sampaio de |Lemos - co orientadora Fundação Oswaldo Cruz . ........................................................................................... Prof. Dr. Aloysio Melo de Figueiredo Cerqueira Universidade Federal Fluminense . ........................................................................................... Prof. Dr. Carlos Luiz Massard Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro ............................................................................................... Prof. Dr Adivaldo Henrique da Fonseca Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro ............................................................................................ Prof. Drª Cláudia Soares Santos Lessa UNIRIO 3 A Deus, que me deu força para seguir em frente A meu marido William, sempre presente, apoiando e incentivando meu crescimento. Ao meu filho Bernardo, razão da minha vida. 4 AGRADECIMENTOS A minha mãe Vânia, que me socorre cuidando do Bernardo na minha ausência, pelo seu amor e orações. Ao meu pai, que não imaginava que eu chegaria até aqui. À Drª Nadia Regina Pereira Almosny por mais uma vez me orientar e acreditar que eu seria capaz. Muito mais que uma orientadora, exemplo de pessoa e profissional a ser seguido. À Drª Elba Regina Sampaio de Lemos, pelo carinho, orientação. A equipe do LHR, Alexsandra Favacho, Tatiana Rozental, Danielle de Almeida, Raphael Gomes, Alessandro Guterres, Renata de Oliveira, Cristiane Silva, Angélica Mares Guia, Endiá, Jairo Dias Barreira, Grasiely, Adonaí Pessoa, sem vocês teria sido impossível esse trabalho, meu muito obrigada de coração. Ao Dr Jairo Dias Barreira pela taxonomia dos ectoparasitos A amiga Aline Moreiras de Souza, pela amizade, apoio incondicional e ajuda na coleta das amostra. A professora Marcia de Souza Xavier, pela amizade, companheirismo e ajuda na coleta das amostras Ao amigo e médico veterinário Anderson Monteiro, pelo apoio, amizade, os cafés as quartas feiras e pela substituição nas “intermináveis” aulas do primeiro período. Ao professor, Walker Nunes, coordenador na faculdade de Veterinária, UNIPLI, pelo apoio e incentivo. Ao aluno e amigo Jorlan, pela ajuda no desenvolvimnto do experimento. É gratificante ver onde você chegou. Aos Médicos Veterinários: Rafael de Azevedo, Letícia Maia, Camilla, Francisco Lima Júnior, Ananda Muller, Pedro Velho, Andrea , pela ajuda na coleta das amostras. Aos Médicos Veterinários e amigos de turma, Miguel, Tatiana Didonet, Flávia Liparisi, aprendi muito com vocês. Aos professores do Curso de pós graduação da UFF pela contribuição A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização desse trabalho 5 SUMÁRIO Lista de Tabelas p.08 Lista de Quadros p.09 Lista de Figuras p.10 Lista de abreviaturas, siglas e símbolos p.11 Resumo p. 12 Abstract p. 13 I- Introdução p. 14 II- Fundamentação Teórica p.19 2.1- Gênero Bartonella p.19 2.1.1- Características e Taxonomia p.19 2.1.3- Hospedeiros Vertebrados p.22 2.1.4-Vetores p. 25 2.1.5.- Patogenia e manifestações clínicas p.29 2.1.6. Diagnóstico p. 30 2.1.7- Prevenção p. 31 2.2 – Gênero Rickettsia p. 32 2.2.1- Características e Taxonomia p. 32 2.2.2- Febre Maculosa p.34 2.2.3- Transmissão p. 34 2.2.4- Hospedeiros vertebrados p.35 2.2.5- Vetores p.38 2.2.6- Patogenia e manifestações clínicas p.42 2.2.7. Diagnóstico p. 46 2.2.8- Prevenção p. 47 III- Material e Métodos p. 49 3.1- Área de estudo p.50 3.2- Desenho do estudo p.50 3.3- Aspectos éticos p.51 3.4 - Amostras p.52 3.4.1- Sangue de cães p.52 3.4.2- Ectoparasitos p.53 3.5- Coleta e acondicionamento das amostras p.53 3.5.1- Sangue de cães p. 53 3.5.2- Ectoparasitos p. 54 3.6- Análise Laboratorial p. 54 3.6.1- Análise sorológica – Imunofluorescência indireta p. 54 3.6.2. Análise Molecular p. 56 3.6.2.1.Extração de material genômico das amostras de sangue dos cães p. 56 3.6.2.2- Extração de material genômico das amostras de ectoparasitos p. 57 3.6.2.2.1. Procedimento de lavagem p. 57 3.6.2.2.2. Extração de DNA p. 58 3.6.2.3- Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) p.59 3.6.2.3.1- PCR Bartonella (DNA cães e DNA de ectoparasitos) p. 60 a). DNA amostras de sangue dos cães p.60 b) DNA amostra dos ectoparasitos p.60 6 3.6.2. 3.2.- Rickettsia (DNA cães e DNA ectoparasitos) a) DNA das amostrasde sangue dos cães b) DNA das amostras de ectoparasitos p. 62 3.6.2.3.3. Eletroforese p. 62 3.6.2.3.4. Sequenciamento p. 63 p.61 p. 61 IV- Resultados e Discussão p.65 4.1- Análise das amostras de sangue dos cães p. 65 4.1.1- Análise sorológica das amostras de sangue dos cães p. 65 4.1.2- Análise molecular( PCR) das amostras de sangue dos cães p.69 4.2- Análise dos ectoparasitos p.70 4.2.1. Identificação Taxonômica p.70 4.2.1- Análise molecular (PCR) dos ectoparasitos p.72 4.3. Sequenciamento das amostras de sangue e de ectoparasitos PCR positivo p.77 4.4 Análise conjunta dos resultados obtidos nas amsotras biológicas dos cães e dos ectoparasitos p. 78 V – Conclusões p.83 VI- Perspectivas p.82 VII- Referência Bibliográficas p.84 VIII- Anexos p.101 7 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Oligonucleotídeos utilizados para detecção de bactérias do gênero Rickettsia e Bartonella. p. 59 Tabela 4.1: Ectoparasitos coletados em animais e em vegetação no Município de Piraí, Rio de Janeiro (2006-2007) p 70 Tabela 4.2. Frequência de “pools” de DNA de ectoparasitas positivos para a presença dos gêneros Bartonella e Rickettsia, por análise molecular (PCR), segundo espécies de artrópodes coletados em cães no Município de Piraí/RJ, em setembro de 2007 e 2008 p 73 Tabela 4.3. Análise molecular dos ectoparasitas Bartonella PCR positivos coletados no Município de Piraí (setembro 2007 e 2008), RJ e que foram submetidos ao seqüenciamento. p77 Tabela 4.4. Relação dos cães sorrreativos e de ectoparasitos PCR positivos para Bartonella e Rickettsia. p 78 . . 8 LISTA DE QUADRO Quadro 1: Exemplos de espécies de Bartonella com potencial patogênico ao homem, seus reservatórios primário e hospedeiro acidental p 21 Quadro 2: Vetores confirmados na transmissão de espécies do gênero Bartonella e suas respectivas referências. p 25 Quadro 3: Espécies de Bartonella presentes em Carrapatos vetores e suas respectivas origens e referências. p27 Quadro 4: Aspectos clínicos da infecção por Bartonella em cães p30 Quadro 5: Exemplos de Rickettsias Patogênicas do Grupo Febre Maculosa no Brasil e no Mundo. p 33 Quadro 6: Exemplos de espécies de carrapatos e as doenças associadas nos cães p39 9 LISTA DE FIGURA Figura 1: Mecanismo de aderência e infecção da Rickettsia nas células endoteliais – (Walker 2007) p43 Figura 2. Mapa do Estado do Rio de Janeiro, em detalhe região do Médio Paraíba, local de coleta das amostras de sangue de cães e ectoparasitos. Setembro de 2007 e 2008. p 49 Figura 3.1 Regiões do Estado do Rio de Janeiro, em roxo a região do Médio Paraíba p50 Figura3.2: Bairro Casa Amarela – Piraí – RJ - Local de coleta das amostras de sangue dos cães e dos seus ectoparasitos. P 51 Figura 3.3: Técnica de arrasto de flanela utilizada para coleta de ectoparasitos no meio ambiente, no bairro Ribeirão das Lages- Piraí. Agosto de 2007. P53 Figura 4.1.Teste de imunofluorescência indireta com antígeno de Bartonella henselae, aumento de 40X. Imagem A (controle negativo) , imagem B (amostra positiva) p66 Figura 4.2 Teste de imunofluorescência indireta com antígeno Rickettisa rickettsii, aumento de 40X. Imagem A (controle positivo), imagem B (amostra sororreativa) p 66 Figura 4.3: Relação do número de amostras de cães sororreativas para Bartonella, Ehrlichia e Rickettsia p 67 Figura 4.4 Fotodocumentação após eletroforese em gel de agarose do produto da PCR para Rickettsia spp. de amostras de ectoparasitos coletados de cães em Piraí-Estado do Rio de Janeiro – Brasil. p 73 Figura 4.5 Fotodocumentação após eletroforese em gel de agarose do produto da PCR para Bartonela spp. de amostras de ectoparasitos coletados de cães em Piraí-Estado do Rio de Janeiro – Brasil. p 76 Figura 4.6: Figura esquemática com o sumário dos resultados obtidos no estudo das amostras de sangue dos cães e dos carrapatos em relação à infecção por Rickettsia no Município de Piraí, RJ (2007-2008) p 80 10 Figura 4.7: Figura esquemática com o sumário dos resultados obtidos no estudo das amostras de sangue dos cães e dos carrapatos em relação à infecção por Bartonella no Município de Piraí, RJ (2007-2008) p 80 Figura 4.8: Figura esquemática com o sumário dos resultados obtidos no estudo das amostras de sangue dos cães e dos carrapatos em relação à infecção por Ehrlichia no Município de Piraí, RJ (2007-2008) p 81 Figura 4.9. Figura esquematica com um resumo dos ectoparasitas PCR positivos e sua correlação com os cães sororreativos p 81 LISTA DE ABREVIAÇÕES A. A. cajennense A. ovale A. aureolatum B. CDC CID CO2 DNA E. EDTA ELISA EUA FBM FMMR I. IFI LHR Rickettsiose MG PCR RJ R. R. sanguineus RGFM SP Subsp UFF Anaplasma Amblyomma cajennense Amblyomma ovale Amblyomma aureolatum Bartonella Centers for Disease Control Coagulação intravascular disseminada Dióxido de carbono Ácido nucleico Ehrlichia Ácido etilenodiamino tetra-acético Enzyme Linked Immunosorbent Assay Estados Unidos da América Febre Maculosa Brasileira Febre maculosa das Montanhas Rochosas Ixodes Imunofluorescência indireta Laboratório de Hantavirose e Minas Gerais Reação em cadeia da polimerase Rio de Janeiro Rickettsia Rhipicephalus sanguineus Rickettsias do grupo da febre maculosa São Paulo Subespécie Universidade Federal Fluminense 11 RESUMO: Nas últimas duas décadas o número de publicações sobre infecções causadas por rickettsias e bartonelas tem aumentado com identificação de novos agentes, conseqüência, entre outros fatores, de um maior contato humano com animais e artrópodes capazes de transmitir doença, do aumento do interesse da comunidade científica e de uma maior disponibilidade de novas técnicas diagnósticas. Considerando a importância dos animais domésticos de companhia na transmissão de rickettsias e bartonelas ao homem, objetivou-se nesse estudo, avaliar a circulação de rickettsias do grupo da febre maculosa (RGFM), Ehrlichia spp. e Bartonella spp. em cães domiciliados e clinicamente saudáveis nos bairros Ribeirão das Lages, Casa Amarela e Santanésia no Município de Piraí, Rio de Janeiro. Após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelo proprietário, foram coletados sangue e ectoparasitas em 189 cães. Na análise sorológica foi utilizado o teste de imunofluorescência indireta comercial (PANBIO) com um ponto de corte na titulação de 1:64 para a pesquisa de anticorpos anti-R. rickettsii, anti-Ehrlichia canis e antiBartonela henselae. A análise molecular, pela reação de polimerase em cadeia (PCR), foi realizada para detectar o genoma de RGFM, E. canis e Bartonella tanto em amostras de sangue dos cães quanto em seus ectoparasitos. Dos 189 soros de cães analisados, 45 (23,8%), 22 (5,82%) e 9 (4,76%) apresentaram reatividade respectivamente para E. canis, RGFM e Bartonella spp. Dos 186 ectoparasitas coletados dos cães incluídos no estudo, 128 (68,8%) eram Rhipicephalus sanguineus; 19 (10,2%), Amblyomma cajennense; 1 (0,53%), Anocentor nitens; 8 (4,3%), Ctenocephalides felis e 30 (16,1%), Ctenocephalides canis. A PCR foi detectada em 56,7% e 42,2% dos ectoparasitas analisados para o gênero Rickettsia (fragmento de 386 pares de base) e para Bartonella (fragmento de 414 pares de base), respectivamente. A análise filogenética preliminar dos produtos amplificados confirmou a circulação de Bartonella henselae e Rickettsia spp. em carrapatos. Os dados obtidos neste estudo confirmam a importância dos cães como animais sentinelas e amplificadores das doenças transmitidas por carrapatos e pulgas, assim como a circulação de bactérias do gênero rickettsias do grupo da febre maculosa e Bartonella na região do Médio Paraíba. 12 ABSTRACT In the last two decades the number of publications about infections caused by Rickettsia and Bartonella has increased with the identification of new agents due, among other factors, increased human contact with animals and arthropods capable of transmitting disease, the increasing interest of the scientific community and the greater availability of new diagnostic techniques. Considering the importance of pets in the transmission of Rickettsia and Bartonella to humans, this study aimed to assess the movement of the spotted fever group rickettsia(SFGR), Ehrlichia spp. and Bartonella spp. in domestic dogs, clinically healthy on Ribeirão das Lages, Casa Amarela and Santanésia neighborhoods from Pirai, Rio de Janeiro. After signing an informed consent by the owner, blood and ectoparasites were collected from 189 dogs. For serological analysis commercial indirect immunofluorescence assays (PANBIO) was performed, with a titration cutoff point of 1:64, to detect anti-R. rickettsii, anti-Ehrlichia canis and antiBartonella henselae. Molecular analysis by polymerase chain reaction (PCR) were performed to detect the genome of SFGR, E. canis and Bartonella from blood samples from dogs and theirs ectoparasites. From the 189 examined dogs sera, 45 (23.8%), 22 (5.82%) and 9 (4.76%), respectively, were reactive to E. canis, SFGR and Bartonella spp. From the ectoparasites collected from 186 dogs included in this study, 128 (68.8%), Rhipicephalus sanguineus, 19 (10.2%) Amblyomma cajennense, 1 (0.53%) Anocentor nitens, eight (4.3%) Ctenocephalides felis and 30 (16.1%), Ctenocephalides canis were identified. Through PCR amplification it was possible to detect the 386-bp fragment (genus Rickettsia) in 56.7% of the ectoparasites and the 414-bp fragment (genus Bartonella) in 42.2% of the ectoparasites. A preliminary phylogenetic analysis of the amplified product confirmed the movement of Bartonella henselae and Rickettsia spp. in ticks, allowing the understanding of the importance of dogs as sentinel animals and amplifiers of diseases transmitted by ticks and fleas as well as the movement of the spotted fever group rickettsia and Bartonella in the Medio Paríba region. 13 I- INTRODUÇÃO: Com avanço da área urbana em direção a área rural, o homem vem invadindo um território que anteriormente era habitado somente por animais, vetores de doenças, que até então parasitavam espécies especificas de animais, e que começam também a parasitar, mesmo que acidentalmente, animais domésticos e o próprio homem. Assim, o número de zoonoses transmitidas por artrópodes como ácaros, carrapatos, piolhos e pulgas tem aumentado, como é o caso das rickettsioses (FEREITA et al., 2000; LABRUNA et al, 2007; CHOMEL et al.,2010). Rickettsioses são doenças infecciosas emergentes e re-emergentes transmitidas por artrópodes, causadas por rickettsias, bactérias intracelulares obrigatórias, de distribuição cosmopolita (PADDOCK et al., 2005; PAROLA et al., 2009). Embora as rickettsioses, sob o aspecto taxonômico, devam ser consideradas, na atualidade, como um grupo de doenças causadas restritamente por proteobactérias, Gram negativas subgrupo 1 pertencentes à ordem Rickettsiales, Bartonella spp. e Coxiella burnetti, proteobactérias do subgrupo 2 e proteobactéria grupo , respectivamente, ainda permanecem sendo estudadas no campo da rickettsiologia (LEMOS, 2005). As doenças infecciosas transmitidas por artrópodes como carrapatos, pulgas, ácaros e piolhos apresentam dispersão mundial. O seu maior reconhecimento, na atualidade, pode ser entre outros fatores, consequente o aumento real na incidência destas infecções pelo maior contato da população humana com a natureza ou a maior disponibilidade de técnicas diagnósticas, técnicas estas mais sensíveis e específicas que têm permitido a identificação de zoonoses emergentes e re-emergentes, até então desconhecidas. Ehrlichiose, febre maculosa e bartonelose são alguns exemplos destas doenças que, normalmente, encontradas em animais domésticos (cães, gatos e equinos) podem ser transmitidas acidentalmente ao homem. (LEMOS et al., 1997 a) Febre maculosa e ehrlichiose, zoonoses transmitidas por carrapatos (do termo inglês “tick-borne diseases”), estão associadas com doenças de elevada morbidade e letalidade, na ausência de tratamento específico, tanto em animais quanto em humanos. 14 Os achados clínicos, laboratoriais e patológicos destas duas infecções vêm sendo descritos tanto em casos experimentais quanto aos ocorridos de forma natural (GREENE et al, 1985; BREITSCHWERDT et al., 1988; TROY et al., 1990; GREENE et al., 1993; LABRUNA et al., 2005; PIRANDA et al., 2008). A importância médica e veterinária da infestação de carrapatos em animais está ligada à transmissão de uma grande variedade de agentes infecciosos. As doenças infecciosas transmitidas por carrapatos estão dentre as infecções de maior interesse e de maior potencial devastador entre os seres humanos e podendo ser viral, bacteriano em geral ou rickettsial. (SHAW et al., 2000). Em relação às bartoneloses, um grupo de zoonoses causadas por diversas espécies de bactéria do gênero Bartonella cuja perpetuação na natureza depende dos vetores como pulgas, carrapatos e flebotomíneos. Desde início do século XXI vêm sendo descritas no Brasil não somente em pacientes imunocomprometidos, mas também em indivíduos imunocompetentes, além de felinos domiciliados e clinicamente sadios (LAMAS et al., 2006; SOUZA et al., 2009). Estudos recentes apontam para a importância dos carrapatos (Amblyomma cajennense e Rhipicephalus sanguineus) na manutenção das bartonelas na natureza e como fonte de infecção para cães. (DINIZ et al., 2007; BILLETE et al., 2008; CHOMEL et al., 2009) Os gatos são os principais reservatórios de Bartonella henselae, agente da doença da arranhadura do gato, com relatos em diversos países (CHOMEL e KASTEN, 2010). A infecção por Bartonella é considerada uma zoonose emergente, cuja ocorrência pode ser proveniente de diversos fatores como alterações ambientais e o estado do indivíduo (BOLOUIS et al., 2005). Nos cães, embora faltem estudos mais completos sobre a interação entre o agente e o hospedeiro, casos de endocardite têm sido associados à bartonelose (BREITSCHWERDT et al., 1995 e 1999; BILLETER et al., 2008; DINIZ et al., 2007) Rickettsioses do grupo da febre maculosa (RGFM) são doenças causadas por pequenas bactérias intracelulares obrigatórias, proteobactérias do subgrupo alfa 1, que 15 acometem tanto aos animais quanto ao homem e que são transmitidas por carrapatos (mais frequentemente), pulgas (Rickettsia felis) e ácaros (Rickettsia akari) (LEMOS, 2005) No Brasil, a febre maculosa brasileira (FMB) é a principal RGFM, uma rickettsiose de grande importância na saúde pública podendo acometer tanto ao homem quanto ao cão, tendo como agente etiológico, a bactéria Rickettsia rickettsii, um microorganismo gram-negativo intracelular obrigatório encontrado no carrapato A. cajennense (Fabricius, 1787), vulgarmente conhecido como carrapato estrela, carrapato do cavalo e micuim. (MAGALHÃES, 1953, LEMOS et al., 1997; ESTRADA et al., 2006). Cunha e colaboradores, (2009) relataram a primeira detecção molecular de R. rickettsii em R.sanguineus naturalmente infectados em Resende, Estado do Rio de Janeiro. A espécie de carrapato A. cajennense é encontrada em abundância em todos os estados das regiões Sudeste e Centro Oeste do Brasil. Nas áreas rurais da região Sudeste, os equinos são os principais hospedeiros urbanos para todos os estádios da espécie A. cajennense, muito embora outras diferentes espécies de mamíferos e aves possam ter participação efetiva no ciclo do ixodídeo. A maior importância dos equinos como hospedeiro primário de A. cajennense decorre ao fato de serem animais domésticos, criados em áreas cercadas com alta incidência de animais e massa corpórea capaz de albergar grandes infestações de carrapatos (LABRUNA et al., 2000) e, também por poderem circular por uma grande região, como os cavalos de carroceiro, dispersando estes vetores (FREITAS et al., 2010). Por outro lado, os animais silvestres, especialmente os de pequeno e médio porte, dificilmente albergam uma carga tão alta de carrapatos. Por esta razão, nos ambientes silvestres, com o mínimo de intervenção humana, as populações de carrapatos tendem a ser mais baixas. (ESTRADA et al., 2006) A transmissão transovariana e sobrevivência natural transestadial verificada por R. rickettsii e seus vetores são fundamentais para perpetuação desses agentes na natureza, porém acredita-se que a presença de um hospedeiro amplificador, auxilia a manutenção da bactéria. Sendo assim trabalhos sugeriram que o gambá (Didelphis aurita) e a capivara (Hydrochaeris hydrochaeris) são amplificadores, nas regiões citadas como áreas de FMB (HORTA et al., 2005; LABRUNA, 2007). 16 Em termos práticos, os hospedeiros primários de A. cajennense são as antas, as capivaras e os eqüinos. Em uma área onde uma população de A. cajennense está estabelecida, pelo menos uma destas três espécies de hospedeiros deverá estar presente. Uma vez que a população de carrapatos cresce, ele passa a parasitar outros hospedeiros, chamados secundários, o homem e o cão, por exemplo. (ESTRADA et al., 2006). Outras espécies de Amblyomma são citadas na literatura como vetores da FMB: A. aureolatum que pode ser encontrado infestando cães e eqüinos em São Paulo, foi descrito por Moraes-Filho e colaboradores (2009) como vetor da R.rickettsii na região metropolitana de São Paulo. Silva e colaboradores, (2011) sinalizam A.ovale como sendo um vetor em potencial para Rickettsia spp. do grupo da febre maculosa em humanos, no Brasil. Estudos mostram que R. sanguineus pode transmitir R. rickettsii em condições experimentais bem como natural, tanto no Brasil, quanto em outros países americanos (PIRANDA et al., 2008, CUNHA et al., 2009; ROZENTAL et al., 2008) Cães infectados experimentalmente por R. rickettsii podem desenvolver a doença e apresentar trombocitopenia, depressão, inapetência, febre e lesão ocular, sinais esses presentes na ehrlichiose. (PIRANDA et al., 2008; LABRUNA et al,2009). A ocorrência de infecção natural por Rickettsia spp. nos animais é conhecida desde o início do século passado. Para um melhor entendimento do ciclo enzoótico da doença é fundamental o conhecimento da biologia dos hospedeiros, das espécies dos vetores e a interrelação entre o hospedeiro, vetor e o meio ambiente (HORTA et al., 2005; MORAES-FILHO et al., 2009). Burgdorfer e colaboradores (1975) relataram presença de R. rickettsii em 167 (18,9%) de 884 exemplares de R. sanguineus nos Estados Unidos. Segundo Labruna (2005) trabalhos realizados desde a década de 30 têm levado a suspeitar das capivaras, gambás e coelhos como possíveis hospedeiros amplificadores de R. rickettsii para A. cajennense. Horta et al., (2004) relatou estudos realizados em São Paulo que comprovaram a infecção natural por R. rickettsii em animais selvagens, domésticos (cão) e no homem. No Rio de Janeiro, estudos indicaram presença de A. cajennense e R. sanguineus positivos para genes rickettsiais pela técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR) (GEHRKE et al., 2009; ROZENTAl et al.,2009; CUNHA 17 et al., 2009). WALKER (2006) sinalizou para a importância de se estudar o carrapato vermelho do cão, R. sanguineus como um possível vetor para R.rickettsii. Quanto ao gênero Ehrlichia, um grupo de parasitos intracitoplasmáticos de leucócitos e plaquetas do sangue circulante que infectam diversas espécies de mamíferos, inclusive seres humanos, é transmitido biologicamente por carrapato e as espécies Ehrlichia canis; Anaplasma platys; A. phagocytophilum; E.risticii e E. ewingii têm sido descritas causando infecção natural em cães como ehrlichiose canina simples ou como, co-infecção com outras rickettsioses no território brasileiro (BREITSCHWERDT et al., 1998; MACHADO, 2006). Considerando que a ehrlichiose canina é uma doença muito bem conhecida pelos médicos veterinários e que muitos dos animais que apresentam sinais sugestivos de ehrlichiose, quando submetidos ao diagnóstico laboratorial para E.canis são negativos, a possibilidade de infecção por R. rickettsii deve ser suspeitada visto que clinicamente a febre maculosa e a ehrlichiose são semelhantes e que, em ambos os casos, temos um carrapato como vetor (ALMOSNY, 2002; LABRUNA et al., 2009). Dessa forma e considerando que a relação homem animal vem se estreitando cada vez mais, com movimentos sempre crescentes da preservação e contato com a natureza, é esperado que um número maior de indivíduos possa adquirir infecções por rickettsias (PADDOCK, 2005). Diante do exposto, tornam-se necessárias pesquisas que busquem identificar os agentes nos animais domésticos e silvestres e em seus transmissores artrópodes com o objetivo de aumentar o conhecimento sobre este grupo de zoonoses transmitidas por carrapatos e colaborar com a vigilância destes agravos, tanto em animais quanto na população humana, que, na ausência de tratamento antimicrobiano específico, apresentam elevada letalidade. Com a hipótese de que os cães domiciliados na região do Piraí seriam animais sentinelas para diferentes agentes transmitidos por carrapato como FMB, ehrlichiose e bartonelose, um projeto com o objetivo de confirmar a circulação de Bartonella spp., Ehrlichiaspp. e Rickettsia spp. em sangue de cães e em ectoparasitos no município de Piraí, localizado na região do Médio Paraíba – Rio de Janeiro foi desenvolvido, após relato de casos de rickettsioses ocorridos na referida região 18 II- FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 – Gênero Bartonella 2.1.1- Características e Taxonomia As bartoneloses são doenças mundialmente dispersas causadas por alfaproteobactérias, da ordem Rhizobiales, família Bartonellaceae, cujas espécies, até 1993, consideradas pertencentes ao gênero Rochalimea, foram transferidas para o gênero Bartonella em decorrência da remota relação filogenética com os membros da família Rickettsiaceae (BRENNER et al., 1993; LEMOS, 2005). Assim, até 1993, o gênero Bartonella era composto apenas pela espécie Bartonella bacilliformis, agente responsável pela doença humana conhecida como doença de Carrion e verruga peruana. Com o avanço tecnológico no campo da biologia molecular e o cultivo celular, várias espécies de Bartonella posteriormente foram incluídas, a partir da identificação de novas espécies e da transferência dos gêneros Rochalimea e Grahamella da família Rickettsiaceae para a família Bartonellaceae no gênero Bartonella que hoje, é composto por um grupo de mais de 23 espécies e subespécies Bartonella (BRENNER et al., 1993, BLANCO et al., 2008, LAMAS et al., 2008). As bactérias do gênero Bartonella são Gram negativas, anaeróbias, móveis, intracelulares facultativas, pertencentes à classe das Proteobactérias (alfabactérias). (MAGGI e BREITSCHWERDT, 2005; BLANCO et al., 2008). Essas bactérias infectam eritrócitos, podendo invadir células endoteliais, células progenitoras CD34+e células dendríticas dos hospedeiros, levando a uma infecção persistente. (BOULOUIS et al., 2005; BILLETER, 2008). 19 Classificação da Bartonella: Reino Bacteria Filo Proteobacteria Classe Alphaproteobacteria Ordem: Rhizobiales Família: Bartonellaceae Genero Bartonella CHOMEL et al., (2010) descreve a existência de 13 espécies ou subespécie suspeitas de serem patogênicas para humanos.(Quadro1) Devido ao seu potencial zoonótico e de sua elevada incidência em diferentes regiões do mundo, espécies do gênero Bartonella são consideradas patógenos emergentes, com habilidade em infectar mamíferos reservatórios e hospedeiros, cuja transmissão está associada com inúmeros vetores incluindo, carrapatos, pulgas e piolhos (MAGGI e BREITSCHWERDT, 2005; KAMRANI, 2008; CHOMEL, 2010). Várias espécies de Bartonella foram identificadas com grande potencial de causar doenças: Bartonella henselae, Bartonella clarridgeiae, Bartonella alsatica, Bartonella elizabethae, Bartonella grahamii, Bartonella vinsonii subsp. arupensis, Bartonella vinsonii subsp. Berkhoffii, Bartonella washoensis e Bartonella rochalimae (BILLETER et al., 2008). Maggi & Breitschwerdt (2005), descreveram a existência de 17 espécies de Bartonella sendo oito espécies isoladas em humanos (Quadro 1): B. bacilliformis na doença de Carrion e verruga peruana; B. quintana na febre das trincheiras, B. elizabethae, B. henselae, B. quintana, B. vinsonii subsp arupensis, B. vinsonii subsp. berkhofii e B. washoensis nas endocardites, B. quintana e B. henselae na angiomatose bacilar em pacientes imunocompetentes e B. henselae e B. clarridgeiae na doença da ranhadura do gato. Outras espécies de Bartonella, incluindo B. alsatica, B. doshiae, B. grahamii, B. henselae, B. koehlerae, B. peromysci, B. talpae, B. taylorii, B. tribocorum e B. bovis foram isoladas em animais, incluindo cães, gatos, bovinos, veados e leões, sem relato de 20 patogenicidade para animais ou população humana (CHOMEL et al. , 2001; MEXAS et al., 2002; CHOMEL et al., 2006). Bartonella Reservatório primário Hospedeiro acidental B. bacilliformis Homem B. clarridgeiae Felis catus B. elizabethae Ratus norvegicus(rato) Homem, cão B. henselae Felis catus (gato) Homem, cão, cavalo Sem registro e animais marinhos B. quintana Homem Gato e cão B. rochalimae Canideos Homem e cão B.vinsonii berkhoffiis Coiote Homem e gato Quadro 1: Exemplos de espécies de Bartonella com potencial patogênico ao homem, seus reservatórios primário e hospedeiro acidental. Adaptação de Chomel & Kasten, 2010 2.1.2- Transmissão Com tropismo eritrocitário, os organismos do gênero Bartonella causam uma duradoura bacteremia em mamíferos e são transmitidos ao homem através de mordida ou arranhadura do gato como também por diferentes vetores, incluindo, flebotomíneos, pulgas, piolhos e potencialmente também, pelos carrapatos. (BREITSCHWERDT, 1999;, PAROLA et al., 2002; HALLOS et al., 2004; MAC DONALD et al., 2004; MAGGI E BREITSCHWERDT et al., 2005;; BREITSCHWERDT et al., 2005; DUNCAN et al., 2007; BILLETER et al., 2008 ). Embora B. henselae tenha sido encontrada em pulgas assim como em carrapatos, até agora não há nenhuma evidência de que uma mordida de uma pulga infectada possa levar ao desenvolvimento da doença da arranhadura do gato por B. henselae. Dessa forma, é imprescindível a realização de projetos de pesquisa que verifiquem a presença 21 da bactéria em carrapatos e pulgas presentes no meio ambiente e em animais domésticos e selvagens (BREITSCHWERDT et al., 2005; BREITSCHWERDT et al., 2007) 2.1.3- Hospedeiros Vertebrados Mamíferos e roedores estão envolvidos no ciclo natural da bartonelas. Várias espécies de Bartonella foram isoladas de pequenos roedores e co-infecção de espécies de Bartonella com Borrelia burgdorferi têm sido demonstradas em pequenos ratos selvagens capturados, frequentemente parasitados por larvas e ninfas de carrapatos. (CHOMEL et al., 2001; CHOMEL et al., 2004; BOLOUIS et al.,2005) Yoshikawa et al. (2009) descreveram alta prevalência da infecção por Bartonella spp. em animais selvagens e domésticos na Europa, Ásia, América do Sul e América do Norte. Sendo esses animais considerados reservatórios e fonte de infecção para o homem. Coiotes e raposas foram descritas por Breitschwerdt et al., (2007) como reservatórios de Bartonella vinsonii subsp. berkhofii, a partir de relatos de que coiotes apresentavam alta bacteremia em regiões com alto potencial de transmissão do carrapato vetor. Chomel & Kasten (2010), confirmaram o coiote como reservatório de bartonella (quadro 1) Em relação aos felinos domésticos, estes são considerados reservatórios primários de três espécies de Bartonella - B. henselae, B. clarridgeiae e B. kohlerae, agentes bacterianos que causam manifestações clínicas em pacientes humanos, principalmente imunossuprimidos. (CHOMNEL, 2003). Holden e colaboradores (2006) identificaram a prevalência de 62% de B.henselae em gatos domésticos. Outro estudo realizado por Bolouis et al (2005) em gatos domésticos demonstraram uma prevalência variada de 5 a 80% para B. henselae, confirmando assim as variações nos índices de prevalência, levando em consideração a localização geográfica (Europa Ásia, Américas) e o status da população (gato doméstico ou de rua). Os gatos jovens são mais propensos a ser infectados e transmitir a bactéria para as pessoas com cerca de 40% dos gatos reativos para B. henselae em algum momento de suas vidas. 22 Na literatura, as infecções por Bartonella em cães, podem ocorrer, até o momento, por 5 espécies de bactérias: i) B. clarridgeiae e B. vinsonni subsp. berkhofftii, responsáveis por endocardites em cães; ii) B. elizabethae, DNA detectado em cães com perda de peso e morte súbita; iii) B. henselae, DNA seqüenciado em cão com hepatite granulomatosa e iv) B. washoensis, isolada em material de paciente com endocardite da válvula mitral. (BREITSCHWERDT et al., 1998; GUNDI et al., 2004; CHOMEL et al., 2006). Pappalardo e colaboradores (1997) demonstraram que dos cães soro reativos para Ehrlichia canis (Donatien & Letosquart), 3,6% eram concomitantemente soro reativos para B.vinsonii subsp. Berkhoffii. Breitschwerdt et al (1998) demonstraram que 42% de 12 cães diagnosticados com ehrlichiose no NCSU Veterinary Teaching Hospital eram também B. vinsonii subsp. Berkhoffii sororreativos, concluindo que cães domiciliados ou livres, quando expostos a artrópode, devem ser considerados também como potenciais transmissores de diferentes espécies de Bartonella. Kordick e colaboradores (1999) após estudarem um surto de cães doentes em um canil e seus proprietários, relataram que dos 18 animais PCR positivos para Bartonella, 17 tinham co-infecção para E.canis, E.chaffeensis, E. ewingii, Rickettsia spp. ou Babesia canis. Nesse estudo, foi possível identificar que 25 dos 27 cães (93%) eram B.vinsonii subsp. berkhoffii sororreativos. Bolouis e colaboradores (2005) identificaram uma baixa incidência de infecção por B.vinsonii subsp berkhoffii em cães (< 5%) embora estudos com cães de ruas em regiões tropicais mostrem elevadas taxas de infecção por B. henselae como a de 19%, na Guiana Francesa, 63%, no sudeste dos Estados Unidos, 10,1% dos cães saudáveis e 27,2% de cães doentes. No mesmo ano, Henn e colaboradores relataram a prevalência na Califórnia e os cães foram todos sororreativos para B. henselae. (HENN et al, 2005) Solano-Gallego et al (2006) em estudo sorológico de cães doentes (n= 206) e cães saudáveis (n= 260) expostos a artrópodes, na região nordeste da Espanha, demonstraram uma prevalência de 16,8% para B. henselae e de 56,4% para Rickettsia conorii. A soroprevalência dos grupos estudados tanto para a infecção para Bartonella 23 quanto para R. conorii, foi similar tanto para os animais doentes quanto os controle: 15,7% e 48,6% no grupo de cães saudáveis e e 19,2% e 49,3% no grupo dos cães doentes apresentaram positividade para Bartonella e R. conorii respectivamente. Em outro estudo, o DNA de Bartonella foi detectado em amostras de sangue de tartarugas marinhas (Caretta careta Linnaeus), sugerindo a possibilidade da persistência de infecção sanguínea não somente em animais não mamíferos, dado este que reforça a complexidade do ciclo assim como a importância de estudos sobre o assunto. (VALENTINE, 2007) No Brasil, estudos mais recentes realizados em gatos têm demonstrado prevalências elevadas de Bartonella spp. (LAMAS et al., 2006; SOUZA et al., 2009; STAGGEMEIR, 2010). Assim, no Estado de São Paulo, 46% dos 102 gatos avaliados por Diniz e colaboradores (2007) apresentaram soro reatividade para B. henselae, enquanto no Rio de Janeiro a presença da infecção por Bartonella foi reportada por LAMAS et al., (2006) e SOUZA (2008). Pesquisa realizada por Souza (2008) revelou que 90% dos gatos sadios e domiciliados apresentaram sororreatividade para Bartonella, na região de Vassouras, caracterizando a ampla circulação desse agente zoonótico na área. Até o momento, com exceção dos estudos em gatos e cães, não existem, no Brasil, estudos sobre a presença de bartonelas em outros animais, em especial nos animais silvestres. Diniz et al., (2007) avaliaram, utilizando o teste imunofluorescência indireta para a detecção de anticorpos anti-B. henselae e anti-B. vinsonni subsp. berkhofftii, 198 amostras de soro de cães com histórico de infestação de carrapato e com manifestação clínica (epistaxis, melena, equimoses, sinais neurológicos e lesões oculares) ou com achados laboratoriais (leucopenia, trombocitopenia, hiperproteinemia) consistentes com doença de carrapato. Do total de amostras avaliadas, 2% (4/197) apresentaram reatividade para B. henselae e 1,5% (3/197) para B. vinsonii subsp . berkhofftii. Neste relato apenas em um cão (1/197) apresentou amplificação do DNA de Bartonella (16S23S rRNA). Seis dos sete cães com anticorpos anti-Bartonella foram também positivos para E. canis, confirmando uma co-infecção. 24 2.1.4- Vetores: Piolhos, flebotomíneos ácaros, pulgas e carrapatos são considerados vetores em potencial de Bartonella (DINIZ et al., 2007b). (Quadro 2) No que diz respeito aos artrópodes convém ressaltar que há uma diferença significativa entre competência vetorial comprovada e vetor potencial. Experimentalmente, estudos relatam que há confiável transmissão entre vetor e hospedeiro, característica do vetor competente. O vetor competente é aquele com capacidade real de transmissão do agente. Em muitos casos a detecção de Bartonella spp em artrópodes é determinada por PCR ou cultura celular, não fornecendo, assim, provas definitivas da competência vetorial e podendo, consequentemente, representar apenas a ingestão de sangue infectado por Bartonella durante uma bacteremia do hospedeiro. (BILLETER, 2008) Quadro 2: Vetores confirmados na transmissão de espécies do gênero Bartonella e suas respectivas referências. Vetor Confirmado Bartonella Ctenocephalides felis Referência B.clarridgeiae, B.quintana Rolain et a (l2003) B.koehlerae, B.henselae Ctenocephalides nobilis nobilis Ishhida et al,( 2001) B.grahamiii e B.taylorii B.elizabethae Lutzomyia verrucarum Pediculus humanus humanus Bown et al (2004) Reeves et al (2003), B.baciliformis Battisti (1929, 1931) B.quintana Swift (1920) Adaptação de Billeter et al. , (2008) Ctenocephalides canis (pulga do cão) é descrito como vetor suspeito na transmissão de B. henselae (Ishida et al, 2001) enquanto a espécie Ctenocephalides felis 25 é o vetor confirmado da pela transmissão de B. quintana, B.clarridgeiae e B. koehlerae. (ROLAIN, 2003; BILLETER et al, 2008) A associação entre hospedeiro natural, vetores e Bartonella spp., geralmente determina o hospedeiro natural ou acidental assim como a provável distribuição geográfica da doença/infecção. Estudos realizados por Chul-Min-Kin et al., (2005) na Korea, relataram a presença de anticorpos específicos em humanos, fato que possibilitou a sugestão indireta de que a bactéria Bartonella poderia estar circulando em uma população de roedores e carrapatos hospedeiros- vetores envolvidos no ciclo natural da infecção. No mesmo ano Halos et al., (2005) a partir de seu estudos incluíram os ruminantes como hospedeiros de Bartonella, com a suspeita de que o vetor seria uma espécie do carrapato do gênero Ixodes já descrito anteriormente na Europa e na Califórnia. Estudos sugerem que diversas espécies de carrapatos podem ser consideradas vetores em potencial de Bartonella spp. e apontam para a importância dos carrapatos na transmissão de Bartonella spp. para os hospedeiros,(Quadro 3) (BILLETER et al , 2008). Quadro 3: Espécies de Bartonella presentes em Carrapatos vetores e suas respectivas origens e referências. Carrapato Bartonella País Referência Rhipicephalus saguineus B.henselae California, USA Wikswo (2007) Dermacentor variabilis Bartonella spp California, USA Chang et al., (2002) Dermacentor reticulates Bartonella spp California , USA Chang et al.,(202) Ixodes ricinus Bartonella henseale Italia Sanogo et al., (2003) Polonia Podsiadly et al., (2007) Austria Schabereiter-Gurtner et al.,(2003) Bartonella spp Ixodes pacificus B.henselae, B.quintana, California, USA B.vinsonii subsp. Berkhofii Chang et al., (2001) Chang et al., (2001) B.washoensis Sem identificação Bartonella spp. Peru Adaptação de Billeter et al., (2008) 26 Parola et al., (2002) A espécie de carrapato R. sanguineus, conhecido vetor de Babesia canis, é suspeita de ser o vetor de B. vinsonii subsp. berkhoffii uma vez que co-infecção em cães indiretamente reforça a importância do carrapato como vetor em potencial para B.vinsonii subsp. berkhoffii e B. canis. Estudos realizados por La Scola et al., (2004); Halos et al., (2005); Estrada et al (2006); Billeter et al, (2008); Szabó et al, (2009) confirmaram que a o estádio de vida do carrapato é um fator que deve ser considerado tanto no diagnóstico molecular do microorganismo como também na transmissão da doença Spitlsk e colaboradores (2008), detectaram, por meio de técnicas de biologia molecular (PCR), a presença de Bartonella spp., Anaplasma phagocytophilum, Ehrlichia muris, Rickettsia helvetica em roedores e carrapatos coletados da vegetação. Halos et al, 2005 demonstraram a evidência de Bartonella sp em formas adultas e ninfal de Ixodes ricinus na França e a co-infecção com Borrelia burgdorferi lato sensu e Babesia sp. O estudo foi realizado em 94 amostras de carrapatos da espécie Ixodes ricinus, sendo 76 ninfas e 18 adultos (9 machos e 9 fêmeas), coletados da vegetação (pasto) durante a primavera na França, nove amostras (9,8%), sendo 3 ninfas e 6 adultos, apresentam um fragmento amplificado no tamanho esperado para Bartonella. Uma amostra referente a um carrapato adulto apresentou 96% de identidade para o gene de Bartonella schoenbuschensiis. Outro estudo realizado nos Estados Unidos, em três locais de Santa Clara, na Califórnia, 151 carrapatos adultos coletados da vegetação foram testados para Bartonella e desses, 29 (19,2%) amostras apresentaram PCR detectável para Bartonella. Foi possível a identificação da espécie de Bartonella em 18 carrapatos infectados, sendo, 3 B. quintana, 6 B. henselae, 3 Bartonella washoensis, 5 Bartonella “strain cattle” -1 e 1 Bartonella vinsonii subsp berkhoffii. (CHANG et al , 2001) Parola et al, (2002), descreveram a primeira evidência molecular de uma nova espécie de Bartonella spp. em pulgas e carrapatos no Peru, em um trabalho de campo realizado em novembro de 1998, no subúrbio de Santo Antônio, distrito de Wanchac, 27 cidade de Cusco, após uma epidemia de bartonelose humana ocorrida entre 1988 -1999 na área rural da cidade. Um total de 83 pulgas foi coletado de crianças de 40 escolas (educação infantil) e de adultos que frequentavam escola além da casa das crianças. Dez piolhos também foram obtidos de três pessoas e cinco pulgas coletadas de dois cães, cinco carrapatos no total sendo, quatro em um cão, e um em ovelha. Das 83 pulgas coletadas das pessoas, 30 pertenciam ao gênero Pulex e 53 ao Ctenocephalides. Os carrapatos não foram identificados, mas as pulgas dos cães pertenciam ao gênero Ctenocephalides e os piolhos eram Pediculis humanus corporis. O DNA de Bartonella por meio da PCR foi detectado em três exemplares de Pulex coletadas de pessoas e em um carrapato. Essa Bartonella (genótipo BF 1782; 17541 e 17688) apresentava diferenças quando comparada com Bartonella bacilliformis, cujo vetor Lutzomyia verrucarum é responsável pelos surtos na região. Sendo assim concluiu-se que se tratava de uma nova espécie de Bartonella detectada em pulgas e carrapatos no Peru e que apesar de humanos e flebotomíneos (Lutzomyia verrucanum) serem largamente conhecidos como reservatórios e vetor respectivamente, neste país latino americano, o papel dos roedores e dos artrópodes no ciclo da doença ainda está indefinido. . Mais recentemente Holden e colaboradores (2006), em um estudo realizado com 168 amostras adultas de I.pacificus, utilizando também a técnica de PCR, detectaram presença de B. henselae em 6,55% das amostras testadas. Por fim, no contexto de estudo experimental, merece citação o estudo de Chomel et al, (1996), que após a coleta de pulgas de um gatil durante bacteremia, infestou, com estes exemplares, filhotes de gatos livres de patógenos (clinicamente saudáveis). A avaliação dos animais, após duas semanas demonstrou a bacteremia por Bartonella em 4 dos 5 gatinhos estudados, confirmando assim, C. felis como um vetor competente na transmissão de B.henselae e também como vetor potencial na transmissão da B. clarridgeiae, B quintana, B. koehlerae. Breitschwerdt et al, 2007 citaram a possibilidade da Ctenocephalides felis manter a infecção de B. quintana e a transmissão do microorganismo entre gatos que podem posteriormente transmitir Bartonella ao homem por mordedura ou arranhadura. 28 2.1.5 – Patogenia e Manifestações Clínicas nos Hospedeiro Os cães com bartonelose apresentam quadro clínico caracterizado por epistaxis, melena, equimoses, sinais neurológicos e processos inflamatórios oculares que incluem uveíte, hifema e inflamação na retina. Febre pode estar presente, temperatura em torno de 39,4ºC. Os achados laboratoriais incluem trombocitopenia, hiperproteinemia, e leucopenia (BREITSCHWERDT et al., 2004; DINIZ et al., 2007). Endocardites também são descritas em cães com infecção natural por B. henselae. (BREITSCHWERDT, 1995; MEXAS et al., 2002; CHOMEL et al., 2006). PAROLA et al, (2002), relataram que B. vinsonii subsp. berkhofii como responsável pela bacteremia e endocardites em cães, como também tem implicação em endocardites humanas. Estudos realizados por Breitschwerdt et al., (2004), descreveram que cães com evidência sorológica para B. vinsoni subsp. berkhofii apresentavam reação imunomediada, anemia hemolítica, meningoencefalite, vasculite cutânea e uveítes. Nos cães que apresentavam alterações hepáticas (hepatopatia granulomatosa e hepatite linfocítica), foram detectados DNA de B. henselae (Quadro 4). Os gatos normalmente são assintomáticos mesmo os que apresentam infecção por B. henselae (CDC, 2006). Nos homens as alterações clínicas são diversas (endocardites a sepsis) e informações mais completas podem ser obtidas em uma amplarevisão sobre as bartoneloses com ênfase no Brasil publicada por LAMAS e colaboradores em 2008e 2010. Quadro 4: Aspectos clínicos da infecção por Bartonella em cães Bartonella spp. Sintomas em cães B.clarridgeiae, Endocardite e Hepatite linfocítica B. elizabethae Letargia, anemia e perda de peso B. henselae Hepatite granulomatosa e epistaxis B. grahamii Não diagnosticada em cão 29 B. koehlerae B.vinsonii subs. berkhoffii Não diagnosticada em cães Endocardite, miocardite, arritmia, inflamação do coróide, uveíte , esplenomegalia, claudicação, poliartrite e epistaxis B. washoensis Endocardite B.quintana Endocardite Adaptação de Chomel et al, (2006) 2.1.6- Diagnóstico Em cães, o teste sorológico de imunofluorescência indireta tem sido usado para detecção de anticorpos, anti-B. henselae e anti–B. v. berkhoffii com diluição inicial de 1:16 e cut-off em 1:64 ( DINIZ et al., 2007a). Blanco et al, 2008, relataram que as técnicas mais utilizadas pra diagnóstico de Bartonella spp. são a imunofluorescência indireta e ELISA, lembrando que reações cruzadas podem ocorrer com outras espécies, como por exemplo, C.burnetii. Apesar do ponto de corte para se considerar uma amostra positiva possa variar de acordo com o autor, os autores sugerem neste trabalho que o ponto de corte para pacientes com doença da arranhadura do gato deveria ser de 1:64 e com endocardites, de 1:800. Quanto à PCR, a amplificação do DNA bacteriano, utilizando “primer” 16S -23S tem sido amplamente utilizada nos estudos epidemiológicos das bartoneloses, permitindo a diferenciação de diversas espécies de Bartonella spp. Considerada uma técnica fácil e segura de ser realizada, se considerados os preceitos básicos para evitar contaminação, estudos mostraram que a PCR em tempo real é mais sensível e específica, sendo extremamente útil em pacientes com endocardites por Bartonella spp, quando se tem apenas o soro para realização do diagnóstico (MAGGI et al., 2005; BLANCO et al., 2006; BREITSCHWERDT, 2007;). As bactérias do gênero Bartonella são consideradas microorganismos exigentes e fastidiosos (BLANCO et al., 2008) que podem ser cultivadas em um meio sólido, 30 Agar com infusão de cérebro e coração com chocolate (Agar chocolate - BHIA) ou em BAPGM, meio líquido de crescimento de Bartonella-alphabacteria, a temperatura de 35C em atmosfera saturada a 5% de CO2 , por seis semanas. A exigência de ambiente controlado (temperatura e atmosfera) é um fator que dificulta muitas vezes o cultivo e desenvolvimento da bactéria nos laboratórios (KAMRANI, 2008). 2.1.7 – Prevenção Segundo o CDC os indivíduos devem tomar cuidados quando estiverem brincando ou acariciando um gato, principalmente os filhotes, a fim de evitar arranhões e mordidas. No caso de mordidas e ou arranhões estas não podem ser lambidas pelos gatos e devem ser cuidadosamente higienizadas (com água e sabão). No caso de infecção no local da lesão e o paciente pode apresentar sinais como febre, dor de cabeça, inchaço dos gânglios linfáticos e fadiga, deve procurar atendimento médico especializado. O controle de pulgas do animal e do meio ambiente é uma medida preventiva bastante importante na bartonelose. Medidas de higiene pessoal ao lidar com gatos, particularmente os jovens, evitando arranhaduras, mordidas e lambeduras, bem como a lavagem das mãos ao lidar com esses animais devem ser implementadas (COURA , 2005). Segundo Boulouis et al (2005) cuidados na hora da adoção do filhote de gato, como por exemplo saber a procedência se o animal apresenta infestação por pulgas e medidas de higiene com o animal e após manipulação do mesmo diminuem o risco de uma infecção. Com relação aos cães, o uso de repelente, higienização do animal após passeio na rua e controle de pulgas que podem estar infectadas com B. henselae são medidas de controle eficazes. 2.2- Gênero Rickettsia 2.2.1 – Características e Taxonomia da Rickettsias 31 As rickettsioses são doenças causadas por bactérias da família Rickettsiaceae, constituída pelos gêneros Rickettsia, Orientia, Ehrlichia, Neorickettsia e Anaplasma (RAY et al.,2001). O gênero Rickettsia compreende bactérias da subdivisão alfa da classe Proteobacteria, as quais são coco-bacilos gram-negativos, em associação obrigatória com células endoteliais eucariotas, pertencentes à ordem Rickettsiales, distribuídos originalmente em três famílias Rickettsiaceae, Bartonellaceae e Anaplasmataceae (WEISS E MOULDER, 1984; YU E WALKER, 2003). Rickettsia rickettsii, uma bactéria gram negativa intracelular obrigatória, é o gente etiológico da febre maculosa das Montanhas Rochosas nos Estados Unidos e no Brasil da febre maculosa brasileira, patogênica tanto para homens quanto para animais (LABRUNA et al., 2009). Encontrada em células intestinais e glândulas salivares de artrópodes, multiplica-se por divisão binária (RAOULT et al, 2005). O gênero Rickettsia é composto por quatro grupos: 1) grupo do tifo (R. prowazekii (tifo epidêmico), R.typhi (tifo murino ou tifo endêmico) tendo como vetores o piolho do corpo (Pediculus humanus corporis) e pela inoculação de fezes de pulga (Xenopsulla cheopis) respectivamente; 2) grupo da febre maculosa 3) grupo transicional, representado pelas espécies R. akari, R. australis e R. felis e 4) grupo ancestral (R belli e R.canadensis) (LEMOS et al., 2002; HORTA et al, 2004; LEMOS, 2005 ; ESTRADA et al 2006; informação pessoal). Com grande número de diferentes espécies (quadro 5), o grupo da febre maculosa, através de R. rickettsii, o protótipo das rickettsias do grupo da febre maculosa, tem sido relatada nos Estados Unidos, Argentina, Brasil, México, Costa Rica, Panamá e Colômbia (WEISS & MOULDER, 1984, BEATI & RAOULT, 1998; GUEDES et al, 2005; SANGIONE, 2003; PADDOCK et al, 2005; CARDOSO et al, 2006; BREITSCHWERDT, 2007) e em cada localidade a doença tem uma denominação: doenças das Montanhas Rochosas nos Estado Unidos, febre manchada no México, febre de Tobia na Colômbia e febre maculosa brasileira (GUEDES et al , 2005). 32 Quadro 5: Exemplos de Rickettsias Patogênicas do Grupo Febre Maculosa no Brasil e no Mundo. Espécie Doença Rickettsia rickettsii Febre maculosa das Montanhas Rochosas, Febre Maculosa Brasileira R. conorii Febre botonosa R. africae Febre da picada do carrapato R. australis Febre do carrapato de Queensland R. honei Tifo da ilha Flinders R. sibirica Tifo siberiano ou do norte da Ásia R. japonica Febre maculosa oriental R. felis Tifo das pulgas californianas R. mongolotimonae Rickettsiose européia R. slovaca Rickettsiose européia R. helvética Rickettsiose européia R. akari Rickettsiose variceliforme ou vesicular Adaptação: Lemos et al, (1997 a, 2005); Beati e Raoult (1998); Sangioni (2003); Lamas et al (2008) 2.2.2 – Febre Maculosa A febre maculosa é uma doença infecciosa descrita inicialmente em 1899 por Kenneth Marxy, na região das Montanhas Rochosas do noroeste dos Estados Unidos, tendo sido definida como uma doença febril endêmica (HARDEN et al 1990). Em 1916 a bactéria foi nomeada de Rickettsia e em 1930 foi identificada no Brasil como tifo exantemático de São Paulo, quando José Toledo Piza diferenciou a febre maculosa das demais enfermidades exantemáticas (Weiss & Strauss, 1991). Desde então a febre maculosa vem sendo relatada em diversos estados do Brasil, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro (Lemos et al , 1996). Desde 2001, doença é de notificação compulsória (DNC) ao Ministério da Saúde, regulamentada pela portaria nº 2325/GM de dezembro de 2001. 33 O Brasil apresenta um histórico de doença rickettsial desde a década de 20, sendo a febre maculosa brasileira a mais grave das rickettsioses descritas, ocorrendo principalmente no sudeste do País. Em Minas Gerais tem sido registrada, desde a década de 1980, com uma maior ocorrência de inúmeros casos da doença em forma de epidemias em áreas rurais e periurbanas, com predominância nos vales do Jequitinhonha, do Mucuri e do Rio Doce (CARDOSO et al., 2006) 2.2.3- Transmissão As rickettsias são transmitidas ao homem e animais por meio de picada de artrópodes hematófagos, tais como carrapatos, ácaros, pulgas e piolhos (hospedeiros invertebrados). Na natureza, a transmissão de R. rickettsii é vertical, transestadial e transovariana no carrapato, e horizontal nos hospedeiros e homem. (EREMEEVA & DASH, 2009). A transmissão transovariana e a sobrevivência natural transestadial verificada por R. rickettsii em seus vetores, são fundamentais para perpetuação desses agentes na natureza e de sua manutenção na população de carrapatos, porém acredita-se que a presença de um hospedeiro amplificador, auxilia a manutenção da bactéria (HORTA et al., 2005). A transmissão de R. rickettsii ocorre através da salivação do carrapato infectado no momento do repasto sanguíneo. Isto ocorre em um período de 4 a 6 horas após se fixar no hospedeiro, quando o artrópode regurgita o conteúdo com a bactéria, que penetra no hospedeiro através do sítio de fixação. Outra maneira é através da contaminação na pele do hospedeiro pelo esmagamento do carrapato, que pode ocorrer, caso o vetor seja retirado erroneamente (HARDEN, 1990; CAMARGO-NEVES et al, 2004). O microorganismo é então carreado pela via linfática ou por pequenos vasos para a circulação, invadindo as células alvo (WALTER, 2007). 2.2.4- Hospedeiros Vertebrados 34 Diversos animais auxiliam na manutenção do ciclo da doença, participando como hospedeiros primários ou acidentais. Segundo Speilman & Hodgson (2000), para que um vertebrado seja considerado bom hospedeiro amplificador de R. rickettsii na natureza, este deve preencher alguns requisitos como: ser susceptível à infecção; manter a bactéria circulante em níveis plasmáticos suficientes para infectar vetores; ter alta taxa de renovação populacional; ser abundante na área endêmica e ser bom hospedeiro do carrapato vetor. Equinos e cães são considerados animais sentinela para febre maculosa brasileira (LEMOS et al., 1996), atuando também como amplificadores da população de carrapatos, estes animais vivem no peridomicílio humano, tendo grande importância na epidemiologia da doença (Speilman & Hodgson, 2000). Trabalhos conduzidos no Brasil têm sugerido que o gambá (Didelphis aurita) e a capivara (Hydrochaeris hydrochaeris) são amplificadores da população de carrapatos, nas regiões citadas como áreas de FMB. (HORTA et al., 2005; LABRUNA et al., 2007). Em termos práticos o hospedeiro primário de A. cajennense são os eqüinos, as antas e capivaras e assim, em uma determinada área onde uma população de A. cajennense tenha se estabelecido, pelo menos uma destas três espécies de hospedeiros deverá estar presente. Uma vez que a população de carrapatos cresce, ele passa a parasitar outros hospedeiros, chamados secundários, o homem e o cão, por exemplo. (SUCEN,2004). Este carrapato caracteriza-se por ter uma baixa especificidade de hospedeiro, principalmente em seus estádios imaturos (ARAGÃO & FONSECA, 1961) Considerando o grande número de estudos sobre a importância do cão na epidemiologia da febre maculosa, alguns resultados em diferentes regiões do Mundo serão apresentados a seguir, mostrando a complexidade e a especificidade epidemiológica da infecção em cada localidade. Nos anos de 1984 e 1997, utilizando o teste de imunofluorescência indireta como método de diagnostico, 30 cães foram identificados com febre maculosa das Montanhas Rochosas (FMMR) na Carolina do Norte, com títulos sorológicos, para R. rickettsii, de 1:1024. Todos os 30 cães apresentavam idades variadas, sendo 50% idade superior a 7 35 anos, 43% idade entre 2 e 7 anos e 17% tinham histórico de exposição a carrapato. (GASSER et al., 2001). Estudo realizado em três cães e duas pessoas que apresentavam sinais clínicos compatíveis com FMMR, na Carolina do Norte, utilizando a técnica de cultivo celular (Células VERO) para extração de DNA com posterior técnicas moleculares demonstrou 100% de homologia para R. rickettsii, para o “primer” “omp” A nas amostras dos cães e dos humanos. Esse estudo sugeriu que os cães servem como sentinelas naturais para o microorganismo. (KIDD et al., 2006). No mesmo ano, ainda nos Estados Unidos, um estudo epidemiológico em cães em uma área com casos humanos confirmados de FMMR no Arizona, demonstrou alta sororreatividade para R rickettsii, com 5,1% de 329 cães com anticorpos séricos além da presença de R. sanguineus como a espécie de carrapato associada com os casos humanos. Os resultados obtidos neste estudo confirmaram a circulação do agente infeccioso e de R. sanguineus na região e com evidências da participação do cão como sentinela e hospedeiro primário para o carrapato da espécie R. sanguineus. (NICHOLSON et al., 2006). Em outro estudo, Scorpio et al em 2009 descreveram que 21 cães, de rua, sem raça definida (SRD) que seriam utilizados em um estudos de alterações cardíacas, apresentaram, durante exames laboratoriais preliminares, algumas alterações, como febre e depressão. Esses cães então foram submetidos a testes de IFI para doenças relacionadas à exposição de carrapatos e 2 (10%) dos 21 cães estudados apresentavam sintomas clínicos, 15 (71%) eram sororreativos para três agentes transmitidos por carrapatos: Ehrlichia, Rickettsia e Borrelia, confirmando, assim. a premissa de que cães de rua, sem domicílio, são susceptíveis a doenças pela maior exposição a carrapatos. Quanto à presença de coinfecção, Kordick et al (1999), relatou a infecção de múltiplos patógenos de doenças transmitidas por carrapatos em cães de um canil na Carolina do Norte e de pessoas que freqüentavam o local e que mantinham contato com os animais. No referido estudo 27 amostras de soros de cães e 23 de homens foram analisadas, os cães apresentaram reatividade para Ehrlichia spp. (26/27); Babesia canis (16/27); B. vinsonii (25/27) e R. rickettsii (22/27), enquanto as amostras humanas 36 apresentaram reatividade para B. henselae e E. chaffeensis. Segundo SCORPIO e colaboradores (2008) a infecção por Ehrlichia, Rickettisia e Borrelia nem sempre causam doença clínica evidente no cão, no entanto a infecção por Ehrlichia e Borrelia pode persistir e causar, consequentemente, uma estimulação imune que poderá afetar a fisiologia do animal, expondo-o a outros agentes infecciosos. Já no continente asiático, estudos realizados no Japão têm confirmado a circulação de RGFM. Na cidade de Okinawa, 2,4 % de 340 amostras de sangue coletadas de cães apresentaram-se reativas para RGFM e 84 “pool” de 229 carrapatos capturados sobre os cães testados para a pesquisa de rickettsias por PCR, utilizando os primer 190 KDa e citrato sintase, apresentaram similaridade para R. japonica e R. aeschimanii os agentes da febre maculosa na região (SATOH et al, 2002). Estudos na Europa têm demonstrado com freqüência crescente a circulação de agentes rickettsiais. Solano- Galego et al (2006) descreveram, na Espanha, alta prevalência (56,4%) de cães infectados por RGFM, confirmando assim o papel do cão como animal sentinela. No mesmo ano, Torina e Caracappa relataram prevalência de 21,7% na região da Sicília. No Brasil, assim como nos EUA, a febre maculosa foi descrita inicialmente em seres humanos, em 1929, conhecida então como tifo exantemático de São Paulo (PIZA; MEYER; GOMES, 1932). Estudos realizados durante a década de 30 relacionando o tifo exantemático e a febre maculosas das Montanhas Rochosas, verificaram que a doença que ocorria no Brasil era semelhante a dos Estados Unidos, sendo assim foi denominada de Febre Maculosa Brasileira. Nas últimas três décadas estudos sobre rickettsia em cães têm sido realizados principalmente nos estados da região sudeste. Estudos realizados por De Lemos e colaboradores nos anos de 1994, 1996, 1997, 2001 e 2002 relataram animais e indivíduos infectados com R. rickettsia em Minas Gerais e São Paulo, áreas endêmicas para FMB. Galvão (1996), estudando o comportamento da febre maculosa brasileira no município de Caratinga, por meio de inquérito sorológico, registrou uma soroprevalência de 2% em humanos, 25% em cães e 53% em eqüinos para R.rickettsii, por meio de imunofluorescência indireta. Com a inclusão da FMB como doença de notificação no Brasil, um maior número de estudos com cães e eqüinos vem sendo 37 realizado, demonstrando a grande variação de prevalência sorológica, na dependência da área de estudo, da população de animais incluídos no estudo, entre outras variáveis. 2.2.5- Vetores Dentre os grupos de artrópodes vetores/transmissores das rickettsioses, ácaros, carrapatos, piolhos e pulgas, os carrapatos são os mais importantes agentes transmissores de rickettsias, embora outros microorganismos patogênicos, como protozoários, espiroquetas e vírus, sejam também transmitidos por carrapatos para diferentes espécies de animais domésticos (de produção e de companhia) e para população humana. Os carrapatos podem causar, além de doenças conhecidas como “Tick borne-diseases”, outros agravos associados com uma grave toxicidade determinando uma paralisia, alergia e irritação na pele. (JONGEJAN & UILENBERG, 2004). Além da elevada morbidade e mortalidade, as infecções transmitidas por carrapatos, em especial as rickettsioses e babesioses, para os animais de produção ligados à pecuária nas regiões topical e subtropical do mundo, têm causado grande impacto negativo sob o ponto de vista econômico (DELGADO, 1999). De acordo com a literatura 80% dos carrapatos presentes na fauna mundial são da família Ixodidae (carrapato duro), que possuem 683 espécies e 183 espécies da família Argasidae (carrapato mole). Os gêneros mais importantes de carrapatos são: Amblyomma, Dermacentor, Haephysalis, Hyalomma, Ixodes, Rhipicephalus e Boophilus. (JONGEJAN & UILENBERG, 2004) (Quadro 6). Os chamados “carrapatos duros”, da família Ixodidae atuam como vetores, reservatórios ou amplificadores de rickettsias do grupo febre maculosa. Amblyomma cajennense e Amblyomma aureolatum, são descritos como principais vetores de R. rickettsii no Brasil, R. sanguineus no México. Nos Estados Unidos, o gênero Dermacentor é incriminado como principal vetor da FMMR. (DEMMA et al, 2005) 38 Quadro 6: Exemplos de espécies de carrapatos amplificadores e as doenças associadas no mundo. Carrapato Doenças Ixodidae Amblyomma cajennense (Fabricius, 1787) Dermacentor andersoni (Stiles, 1908) Febre Maculosa Montanhas Rochosas (R.rickettsii) Febre Maculosa das Montanhas Rochosas (R.rickettsii) Anaplasmose bovina (A. margianle) Dermacentor nitens (Neumann, 1897) Dermacentor marginatus (Sulzer, 1776) Babesiose eqüina ( Babesia caballi) Babesiose canina (Babesia canis), ricketsiose humana (R. slovaka), Febre Q (Coxiella burnetii) Dermacentor variabilis (Say, 1821) Febre das montanhas Rochosas em humanos (R.rickettsii), Anaplasmose bovina (A.marginale) Haemaphysalis flava ( Neumann, 1897) Rhipicephalus sanguineus (Latreille, 1806) Rickettsia japônica Ehrlichiose canina (Ehrlichia canis), babesiose canina (Babesia vageli);hepazoonozes canina (H.canis) Febre da picada do carrapato em humanos (R.conorii) Adaptação: Jongejan & Uilenber, (2004). Amblyomma cajennense, encontrado em abundância em todos os estados das regiões Sudeste e Centro-Oeste no Brasil (LEMOS et al, 1997; FIGUEIREDO et al , 1999; LABRUNA et al 2002; COURA, 2008 et al, 2009), porém com distribuição limitada nas demais regiões, é a principal espécie de carrapato encontrada parasitando seres humanos no centro-sul brasileiro e considerado o principal vetor/transmissor da febre maculosa (DE LEMOS, 1996; LEMOS et al, 1996; CARDOSO et al., 2006). Essa espécie de carrapato é amplamente distribuída no Brasil e relatos indicam a infestação tanto em animais como no homem (LEMOS et al, 1996; LEMOS et al, 1997; LABRUNA et al., 2000; CARDOSO et al, 2006; LEMOS et al, 2008). Outras espécies também participam da transmissão, como A. aureolatum e A. ovale, entre outras espécies (LABRUNA et al., 2002; GEHRKE et al, 2009). Apesar de sua ampla distribuição no território brasileiro, estudos mostram que uma pequena percentagem de carrapatos do gênero Amblyomma se encontra infectados. No município de Santa Cruz de Escalvado, no estado de Minas Gerais, a análise da hemolinfa em Amblyomma cajennense, coletados de humanos, animais e vegetação, 39 demonstrou que somente 1% dos carrapatos do gênero Amblyomma apresentavam reatividade na reação de imunofluorescência indireta (IFI) (LEMOS et al., 1997). Rhipicephalus sanguineus, espécie endêmica de carrapato na região tropical e subtropical, amplamente distribuído nas Américas, África, Ásia e Austrália, são predominantemente, na África. parasitas de carnívoros, mas que podem infestar o homem e mais raramente o gado, embora o cão seja considerado o seu hospedeiro natural. (BECHARA et al., 1995; BERNASCONI et al., 2002; GUEDES , 2005). Conhecido como vetor /transmissor da febre maculosa do Mediterrâneo, rickettsiose causada R. conorii (PAROLA & RAOULT, 2001), R. sanguineus vem sendo identificado, nas últimas décadas, como um importante vetor/transmissor também de R. rickettsii no continente americano. No México tem sido descrito como principal vetor de R. rickettsii desde a década de 1970 (BURGDORFER et al., 1975, DEMMA et al., 2005; WIKSWO et al., 2007;WALKER et al., 2008). Ainda em relação à importância da espécie R sanguineus na transmissão da febre maculosa no continente Americano, mais recentemente, após estudos realizados durante um surto no Arizona com R.sanguineus foi possível demonstrar a presença de R.rickettsii nessa espécie. (EREMEEVA, et al 2006). Embora no Brasil R. sanguineus raramente seja observado parasitando população humana, seu papel como vetor da febre maculosa deve ser considerado, já que existem relatos de presença de R. sanguineus infectados por R. rickettsii, em cães de áreas periurbanas onde não foram observados espécimes de A. cajennense. Assim, um estudo realizado no Brasil com ectoparasitas, 191 R. sanguineus, 61 C. felis coletados de 7 cães em uma área periurbana, localizada no município de Barra Mansa, região do Médio Paraíba, Estado do Rio de Janeiro, onde foi descrito um caso fatal de febre maculosa brasileira, foram processados afim de se determinar infecção por R.rickettsii. A amostra de sangue do cão foi negativa tanto no teste de imunofluorescência indireta (anti- Rickettsia rickettsii > 1:64) como pela PCR, já que não houve amplificação do gene glt A. Os ectoparasitos, 3,4% dos carrapatos (R. sanguineus) e 14,3% das pulgas (Ctenocephalides felis) apresentaram sequência da análise do gene “gltA”, de Rickettsia rickettsii. Esses resultados confirmam a importância do cão e do carrapato da espécie R sanguineus na epidemiologia das rickettsioses no local de estudo, onde não foram 40 coletados e identificados exemplares de Amblyomma cajennense na região estudada (GEHRKE et al, 2009). Ainda no estado do Rio de Janeiro, Rozental e colaboradores (2002) realizaram um estudo no Município de Barra do Piraí, em uma área endêmica para febre maculosa brasileira, onde foram coletados 578 carrapatos, com 103 A. cajennense, 209 R. sanguineus, 155 Amblyomma spp, 7 Amblyomma ovale ,dos 474 carrapatos coletados em cães e que foram submetidos à identificação taxonômica. Das 163 amostras submetidas ao teste de hemolinfa e à imunofluorescência direta, a prevalência de infecção de rickettsias do grupo da febre maculosa foi de 0,6% com a detecção de infecção confirmada uma ninfa de R. sanguineus, sugerindo, assim, R. sanguineus como provável vetor da R. rickettsii no estado do Rio de Janeiro. Em 2009, dando continuidade aos estudos no estado do Rio de Janeiro, Rozental e colaboradores analisaram 1.233 carrapatos coletados de cães e de vegetação em 10 diferentes localidades Barra do Piraí e os resultados obtidos demonstraram que a maioria dos carrapatos coletados era da espécie R. sanguineus (1017/1233) e que em 36 pools de carrapatos analisados foi detectado o genoma da rickettsia do grupo da febre maculosa a partir da PCR utilizando “primers” “OmpB” e “17KDa”. Estes dados foram confirmados concomitantemente com o estudo de Cunha e colaboradores (2009), ratificando a participação de R. sanguineus como possível vetor da febre maculosa brasileira e da importância dos cães como amplificadores da infecção em uma área endêmica no Brasil. 2.2.6- Patogenia e Manifestações Clínicas nos hospedeiros O ciclo celular de rickettsia ocorre pela aderência inicial da bactéria na célula endotelial através dos receptores do colesterol. Rickettsias induzem sua própria fagocitose ao penetrarem nas células endoteliais, e, uma vez dentro do citoplasma, escapam do fagossoma pela ação da fosfolipase na membrana fagossomal, e quando 41 livres no citoplasma replicam-se por fissão binária simples. O modo de saída da célula hospedeira depende da espécie. Rickettsia prowazekii promove lise da célula, enquanto R. rickettsii é capaz de converter F-actina em actina e utilizá-la para promover sua propulsão por filopodia ou exocitose. Ao saírem da célula, estas bactérias seguem infectando células vizinhas. Este processo produz focos de vasculite multissistêmica podendo ocasionar, pneumonia intersticial, miopericardite, exantemas cutâneos, meningite linfocítica, bem como afecções hepáticas, renais e gastrintestinais (WALKER et al., 2007). O potencial patogênico das rickettsias está relacionado às alterações de proteínas externas de membrana, promovido por mutações gênicas (Weller et al., 1998). Algumas destas proteínas são comuns tanto a rickettsias patogênicas quanto a não patogênicas, o que dificulta sua diferenciação pelos aspectos morfológicos e bioquímicos (GREENE & BURGDORFER, 2006). A virulência de R. rickettsii é determinada por diversos fatores entre eles: habilidade em causar injúria tecidual, variabilidade genética. (EREMEEVA & DASH, 2009). Walker (2007) descreveu o mecanismo de infecção causado pelas rickettsias na célula hospedeira. Rickettsias são bactérias intracelulares obrigatórias que atacam as células hospedeira pelo receptor de membrana Ku70 e a abundante proteína de superfície OmpB, além da Omp A que é uma adesina, específica das rickettsias do grupo da febre maculosa. O mecanismo fisiopatológico da infecção rickettsial é o aumento da permeabilidade vascular através das junções “gap” entre as células endoteliais. As células endoteliais uma vez infectadas pelo agente da febre maculosa produzem uma oxiredução (peroxioxidação lipídica) causando danos à célula (Figura 1) (WALKER 2007). Existem evidências que essa reação causa estresse na célula em animais experimentalmente infectado (VALBUENA & WALKER 2005; WALKER, 2007). 42 Figura 1: Mecanismo de aderência e infecção da Rickettsia nas células endoteliais – (Walker 2007) O mecanismo de imunidade do hospedeiro contra as rickettsias inclui o mecanismo imunomediado por citocinas, mediada pela ativação da célula endotelial bacteriana, outro fator é a intrafagocitose. As células humanas endoteliais são ativadas por IFN -, TNF-, IL- 1 (VALBUENA &WALKER 2005). Rickettsia rickettsii tem como principal alvo o endotélio vascular, portanto as lesões cutâneas derivam de sua proliferação no endotélio de pequenos vasos seguido de formação de trombos, hemorragias, infiltração perivascular e necroses focais. Distúrbios hemostáticos como trombocitopenia e aumento do tempo de coagulação estão relacionados com efeitos citopáticos celulares e atividades de endotoxinas desta rickettsia (Davidson et al., 1990). A solução de continuidade devido à destruição das células endoteliais promove exposição do colágeno, que é determinante para a agregação de plaquetas e formação do coágulo. Após o período de rickettsemia os microorganismos são disseminados para outros tecidos pela via circulatória ou linfática. Caso a deposição de redes de fibrina se sobreponha a fibrinólise, haverá deposição multissistêmica desta na microcirculação o que pode culminar com a coagulação intravascular disseminada (CID) em casos graves (Greene & Burgdorfer, 2006). Segundo Eremeeva e colaboradores (2003) pouco se sabia a respeito da diversidade de patogenicidade das cepas de R. rickettsii oriundas dos Estados Unidos e da América do Sul, até esta ocasião e isto se devia ao polimorfismo genético e a diferenças ecológicas entre ambas. Estudos mais recentes realizados por Piranda et al. , (2008) têm demonstrado que a cepa brasileira de R.rickettsii é patogênica para cães. As rickettsioses causadas por RGFM são importantes causas de mortalidade e morbidade em pessoas e cães no Mundo. As manifestações clínicas da doença tanto em 43 homem quanto em cães são muito similares. A evolução temporal de sinais e sintomas clínicos da doença em cães e humanos sugere o cão como sentinela para infecção natural (KIDD et al, 2006). O período de incubação varia de 2 a 14 dias após a transmissão pelo carrapato (WEISS E MOULDER, 1984). Anticorpos maternos podem diminuir a gravidade clínica na exposição inicial ao agente. Cães recém chegados a áreas endêmicas, ou que tiveram a primeira exposição a carrapatos, após perda da atividade dos anticorpos maternos, podem ter um curso mais grave da infecção (LISSMAN, 1980). Os sinais clínicos mais comuns no homem são febre, náuseas, vômitos, petéquias, mialgia, anorexia, dor de cabeça, (PIRANDA et al., 2008; LAMAS et al., 2008 Cães infectados experimentalmente por R. rickettsii podem desenvolver a doença e apresentar trombocitopenia, depressão, inapetência, febre e lesão ocular, sinais estes, também presentes na ehrlichiose. Muitos dos animais que apresentam sinais sugestivos de ehrlichiose, quando submetidos ao diagnóstico para E.canis são negativos, porém quando submetidos ao diagnóstico para R.rickettsii podem ser positivos, visto que clinicamente a febre maculosa e a ehrlichiose são semelhantes e em ambas zoonoses a história epidemiológica é semelhante com a participação do carrapato como vetor/transmissor. (BREITSCHWERDT et al.,1998) No cão, os sinais clínicos são febre (39,2 a 40,5ºC), que ocorre de 4 a 5 dias após a picada do carrapato, anorexia, letargia, anorexia, conjuntivite, descarga ocular, petéquias e equimoses (observadas na mucosa oral e conjuntival). Adicionalmente podem se observadas outras manifestações como epistaxis, linfonodos aumentados, diarréia, perda de peso e eficiência vestibular com nistagmo e incoordenação motora. As sequelas pós-rickettsemia podem incluir lesões neurológicas e visuais e lesões que levem à amputação de extremidades, entre outras consideradas menos frequentes (LISSMAN, 1980; GREENE, 1985; BREITSCHWERDT et al., 1999; PIRANDA, 2008). A hipercolesterolemia é um dos achados mais presentes em cães, assim como pneumonia intersticial BREITSCHWERDT, detectável 2006). As em exames alterações 44 radiográficos hematológicas (GREENE incluem: & anemia, trombocitopenia e leucopenia no início da fase febril e seguida de leucocitose (BREITSCHWERDT et al 1988, PIRANDA et al., 2008). Com uma letalidade em torno de 7% (GREENE et al 1995), outras alterações que podem ser observadas nos exames inespecíficos durante a febre maculosa em cães, são aumento nos valores de colesterol e da fosfatase alcalina, bem como hiponatremia e hipocloremia, segundo Lismman (1980) em seu estudo experimental. Estudos no Brasil, mostraram apenas a presença de leucocitose em cães (PACHECO et al, 1996), enquanto em equinos, apesar de comumente apresentarem altos títulos de anticorpos anti-R. rickettsii (≥1024), não há descrição de sinais clínicos nesta espécie (LEMOS et al., 1996). Labruna e colaboradores, (2007) relataram que dois cães foram atendidos em uma clínica veterinária em São Paulo. Um deles apresentava histórico de infestação por carrapatos após visita a uma fazenda, vômito, anorexia, febre e letargia. Após consulta, amostras de sangue foram coletadas e encaminhadas ao laboratório para pesquisas de Babesia spp, Borrelia spp, Mycoplasma spp e Ehrlichia spp. por PCR. Embora o tratamento específico tivesse sido iniciado, o animal em questão não apresentou melhora e o quadro evoluiu com sinais neurológicos. Com intervalo de 7 dias, nova amostra de sangue foi coletada para testes sorológicos (IFI), quando foi identificada reatividade no soro com títulos de 1:128 para R. rickettsii, utilizando-se “cut of” de 1:64 e a análise molecular confirmou a infecção por R. rickettsii, Ehrlichia spp. não foi detectada. O segundo cão também havia visitado a mesma fazenda e apresentava sinais clínicos similares, porém os exames não apresentavam trombocitopenia, como no cão 1. Através da imunofluorescência indireta (IFI) observou-se reatividade para R. rickettsii na diluição 1:64. Concluiu-se, então, que no Brasil na infecção natural por R. rickettsii, os sinais clínicos apresentados são similares aos que ocorrem nos Estado Unidos. (LABRUNA , 2007) 2.2.7-Diagnóstico a) Sorológico: 45 Anticorpos anti IgG para R. rickettsii, Bartonella spp. e Ehrlichia canis podem ser detectados no soro dos cães através da técnica de imunofluorescência indireta (IFI), ELISA, hemaglutinação indireta, aglutinação em látex (RISTIC et al., 1972; BREZINA 1985, GREENE et al, 1993; SILVA et al., 2011). O teste de IFI é considerado, o teste padrão ouro segundo a Organização Mundial de Saúde (WHO,1988) para o diagnóstico da febre maculosa, tanto em humanos quanto em cães ( BREITSCHWERDT et al. 1988; GALVÃO et al., 2005; SILVA et al., 2010) devido sua simplicidade, além de sua grande sensibilidade e especificidade, porém reações cruzadas podem ocorrer principalmente entre rickettsias do mesmo grupo da febre maculosa (TROY & FORRESRE, 1990;GREENE et al., 1993; GALVÃO, 2004). Títulos superiores ou iguais a 1:64, em uma única amostra, ou diferença de quatro vezes no título entre duas amostras de soro pareadas, confirmam diagnostico (BRASIL, 2005). O intervalo de tempo para que a segunda titulação seja realizada não é muito curto, pois os títulos de anticorpos IgG permanecem de 3 a 5 meses após a infecção (GREENE & BURGDORFER, 1990). Anticorpos no soro são comumente detectados em cães clinicamente normais sem história de doença compatível com febre maculosa, sugerindo que a doença subclínica é comum. Portanto, a presença de anticorpos no soro indica apenas exposição e não doença clínica. Reações cruzadas nos testes sorológicos ocorrem quando anticorpos contra outras rickettsias do grupo da febre maculosa estão presentes, então um título positivo de anticorpo não representa, definitivamente, exposição R. rickettsii (GREENE, 1987; GREENE & BURGDORFER, 1990). b) Biologia Molecular A reação em cadeia da polimerase (PCR) é um método relativamente rápido e eficiente. A detecção de Rickettsia spp., Bartonella spp. e Ehrlichia em espécies de carrapatos por PCR têm sido amplamente utilizadas em estudos epidemiológicos. Os oligonucleotídeos iniciadores (primers) de genes rickettsiais mais utilizados são: gltA, 46 17-kDa, ompA e ompB na obtenção de fragmentos de DNA espécie específicos, a partir da codificação de proteínas de superfície do grupo da febre maculosa (ROUX et al., 1996; SANGIONI, 2003; LABRUNA et al., 2007; GUEDES et al., 2005; LABRUNA et al., 2005; SANGIONI et al., 2005). c) Outros: O isolamento e identificação direta do agente rickettsial pelo método “shell vial” são demorados e limitados, pois além de serem realizados sob condições de biossegurança – nível de biossegurança 3 (NB3) não permitem o diagnóstico precoce (MARRERO & RAOULT, 1989; NASCIMENTO, 2003; BRASIL, 2005). A imunohistoquímica, que consiste na submissão de cortes histológicos a anticorpos antirickettsias, é uma técnica mais utilizada na histopatologia (PADDOCK et al., 1999). 2.2.9- Prevenção Segundo a Secretaria de Vigilância em Saúde/MS, as ações da vigilância epidemiológica e ambiental podem ser específicas para a área rural, que incluem a criação de animais de produção (bovinos) separados dos eqüinos e ações da equipe de zoonoses que devem estar capacitada para atuar a contento e trabalhar a questão da educação e saúde, além de ter capacidade de intervir junto aos proprietários de animais, fazendeiros, carroceiros, peões e clubes eqüestres, fornecendo informações e definindo ações preventivas quanto ao controle de carrapatos. Nas áreas urbanas as ações adotadas devem levar em conta se a cidade possui casos confirmados de febre maculosa, neste caso deve-se promover capacitação freqüente para profissionais de saúde, alertando para a importância do diagnóstico precoce e diferencial com outras doenças; orientar a população como se proteger, adotando o uso de barreiras físicas (roupas claras e com manga comprida) quando se expuser a áreas com possibilidade de existir carrapatos, conforme descrito; retirar os carrapatos (caso sejam encontrados no corpo) preferencialmente com o auxílio de uma pinça (de sobrancelhas ou pinça cirúrgica auxiliar); não esmagar o carrapato com as unhas, pois o mesmo pode conter bactérias e contaminar partes do corpo com lesões. 47 Alguns autores sinalizam que existem fatores ambientais de risco envolvidos na infecção, como por exemplo: os meses do ano onde as populações de vetores, em suas fases parasitárias jovens, estão no ambiente em maior proporção (abril a outubro), bem como as alterações no ambiente silvestre, principalmente sua invasão pelas populações humanas. Outros fatores como, a proximidade do homem com animais no meio urbano, tais como cavalos e cachorros, os hábitos ocupacionais da população, além do aumento do turismo rural e o aumento do número de carroceiros na zona urbana, devem ser analisados, na prevenção. Os veterinários devem incluir a infecção de R. rickettsii no diagnóstico diferencial de ehrlichiose monocítica canina aguda e outras causas onde se tenha febre não específica em cães. Principalmente porque R. rickettsii é altamente patogênica para humanos, a presença de um cão infectado sugere perigo de infecção para o homem, quando esses estão no mesmo domicílio. A caracterização das espécies nas diversas regiões é um fato importante para o conhecimento da doença e para a saúde pública, já que envolve pessoas do local, viajantes. 3- MATERIAL E MÉTODOS 3.1 Área de estudo O Município de Piraí localiza-se a uma latitude 22º 28’12’’e longitude 43º 49’ 32’. Situado no Estado do Rio de Janeiro, na Região do Médio Paraíba (Vale do rio Paraíba do Sul) está a uma altitude de 387 metros, com uma população humana estimada em 22.118 mil habitantes, sendo 18.070 na área urbana e 4.040 na área rural, e uma população canina estimada em 4.423 animais (www.pirai.rj.gov.br). Possui uma área que corresponde a 8,1% da Região do Médio Paraíba (Figura 2 e 3.1). O clima na região é tropical de altitude. Nas regiões próximas ao rebento da Serra do Mar o clima é caracterizado por verões quentes sem estação seca. Temperatura média anual de 20,5ºC, variando de 16,6 em julho a 23,9 em fevereiro. 48 Figura 2. Mapa do Estado do Rio de Janeiro, em detalhe região do Médio Paraíba, local de coleta das amostras de sangue de cães e ectoparasitos. Setembro de 2007 e 2008. Fonte: ( www.macamp.com.br/_CidadesC/_es-rj.htm). Figura 3.1- Regiões Fisiográficas do Estado do Rio de Janeiro, A região do Médio Paraíba, local de coleta das amostras de sangue de cães e ectoparasitos nos meses de setembro de 2007 e 2008., está marcada com a cor roxa. Fonte: (www.ptb.org.br/_tinyimg/mapa_rj.jpg) 49 3.2 Desenho de Estudo Estudo transversal prospectivo em cães domiciliados em três bairros, Ribeirão das Lages, Casa Amarela (Figura 3.2) e Santanésia (centro) do município de Piraí - Rio de Janeiro, realizado durante a campanha de vacinação antirábica nos dias 16 de setembro de 2006 e 25 de setembro de 2007. Figura 3.2: Bairro Casa Amarela – Piraí- RJ. Um dos locais de coleta das amostras de sangue dos cães e dos ectoparasitos durante a campanha de vacinação. Setembro de 2008. 3.3. Aspectos éticos As amostras de sangue e ectoparasitos foram coletadas de cães durante a campanha de vacinação, após obtenção de autorização do Comitê de Ética em Pesquisa Animal 50 (CEPA), projeto número 00198/10 (Anexo 1) e da Secretaria de Saúde do Município de Piraí. Amostras de ectoparasitos da vegetação foram obtidas em Agosto de 2008, no Bairro de Ribeirão das Lages em Piraí, de acordo com as normas de prevenção da Secretaria de Vigilância em Saúde (RJ) 3.4- Amostras: 3.4.1- Sangue de Cães Um total de 189 amostras de sangue dos cães domiciliados na região foi obtido durante a campanha de vacinação. Antes da coleta de sangue os proprietários foram informados sobre os objetivos da pesquisa e estes, uma vez aceitando participar, assinavam um termo livre esclarecido de consentimento (Anexo 2). Os proprietários dos animais optaram de livre espontânea vontade a cooperar com o experimento. Os cães utilizados nesse estudo eram clinicamente sadios, sendo 98 fêmeas e 91 machos, idade variando de 1 a 13 anos e com ou sem raça definida. Durante a coleta os cães foram observados com relação à presença de ectoparasitos e a coloração das mucosas - todas essas informações foram devidamente anotadas em fichas individuais (anexo 3). O hemograma foi a ferramenta utilizada para determinar a higidez dos animais 3.4.2.- Ectoparasitos Os ectoparasitos coletados dos cães foram acondicionados em microtubos 1,5 ml, devidamente identificados com o número correspondente ao sangue do animal. 51 Os carrapatos fixados aos animais foram coletados simplesmente retirando-os da pele do animal, com torções leves, permitindo que os carrapatos fossem retirados inteiros evitando-se, assim, a quebra do aparelho bucal, imprescindível para a identificação. Os carrapatos coletados do mesmo animal foram acondicionados no mesmo microtubo, sendo separado, por espécie e fase, quando possível, apenas após a identificação taxonômica. Os ectoparasitos coletados da vegetação, no bairro Ribeirão das Lages, foram identificados preliminarmente no local da coleta, para posterior finalização da identificação taxonômica e processamento (lavagem, trituração e técnicas de biologia molecular) no Laboratório de Referência para Hantaviroses e Rickettsioses (LHR) do Instituto Oswaldo Cruz/FIOCRUZ- Rio de Janeiro. Na coleta no meio ambiente foi utilizada técnica de arrasto com flanela branca, que consiste na utilização de uma flanela branca com dimensões de 1,50m X 0,80m (Figura 3.4) que foi arrastada em contato com a vegetação. Os carrapatos aderidos à flanela durante o arrasto foram acondicionados em microtubos identificados. 52 Figura.3.3: Técnica de arrasto de flanela utilizada para coleta de ectoparasitos no meio ambiente, no bairro Ribeirão das Lages- Piraí. Agosto de 2007. 3.5- Coleta e acondicionamento das amostras 3.5.1.- Sangue de cães Para o estudo, 5 mL de sangue foram coletados por venopunção cefálica dos animais após contenção mecânica e antissepsia da área. Em seguida, 2 mL de sangue foram acondicionados em microtubo estéril contendo anticoagulante EDTA e 3 mL em microtubo estéril sem anticoagulante. Após coleta, as amostras foram acondicionadas em refrigeração (freezer -20C ou geladeira e encaminhadas ao Laboratório de Patologia Clínica do Hospital Universitário Veterinário Firmino Mársico da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde foram inicialmente processadas, realização do hemograma e por centrifugação separação do soro e coágulo. Todas as amostras de soro, coágulo e sangue total foram armazenadas a -20°C e encaminhadas ao LHR para a realização do teste de imunofluorescência indireta- IFI (anti-R.rickettsii, anti-E. canis, anti-B. henselae) e das técnicas moleculares (extração de DNA, reação em cadeia da polimerase-PCR, eletroforese em gel e reação de seqüenciamento) 3.5.2 – Ectoparasitos Os ectoparasitos foram encaminhados junto com as amostras de sangue ao LHR, e acondicionados a -20°C. A identificação taxonômica foi realizada pelo Drº Jairo Dias Barreiras, utilizando a chave para a fauna ixodológica brasileira, segundo Aragão & Fonseca (1961). Após identificação, os ectoparasitos foram lavados e acondicionados a -20°C para posterior realização das técnicas moleculares. 53 3.6 - Análise Laboratorial 3.6.1- Análise Sorológica - Imunofluorescência indireta Um total de 189 amostras de soro dos cães foi testado, por imunofluorescência indireta (IFI) para E. canis, B. henselae e R. rickettsii, utilizando como ponto de corte a titulação de 64. A análise sorológica das amostras de soro dos cães foi realizada no Laboratório de Hantaviroses e Rickettsioses do Instituto Oswaldo Cruz (LHR), seguindo protocolos previamente estabelecidos e validados. A detecção de anticorpos da classe IgG para B. henselae, R. rickettsii e E. canis foi realizada pelo teste de imunofluorescência indireta a partir da análise de uma única amostra, uma vez que o objetivo foi analisar exposição ao microorganismo. O ponto de corte, para considerar a amostra reagente ou não reagente, foi determinado de acordo com as recomendações do fabricante 1:64 para B. henselae (Bion R, USA), R. rickettsii (PANBIOR, USA) e E. canis (PANBIO R , USA). O princípio de ensaios de imunofluorescência é a presença de organismos purificados nos poços das lâminas, onde diluições dos soros dos pacientes foram colocadas, permitindo que o anticorpo ligue-se especificamente ao microorganismo. Anticorpos que se ligam são marcados com um conjugado anti-canino (IgG KPL) ligado a fluoresceína e observados usando um microscópio de fluorescência. A leitura ao microscópio de fluorescência foi realizada por uma observadora experiente, (Dra. Elba Lemos). Amostras apresentando reações fortes foram progressivamente diluídas a, 1:128, 1:256, 1:512, e 1:1024 em tampão salina fosfato até seu “end-point”. A intensidade da fluorescência específica foi avaliada subjetivamente (com escores de 1 a 4) e o título de anticorpos foi definido pela principal diluição a partir do escore 2. As amostras de soro canino foram testadas para a presença de anticorpos IgG para Bartonella pelo kit de B. henselae IFA IgG (Bion R, USA). Considerando que no momento da realização do teste sorológico, o soro canino controle positivo para B. henselae se encontrava indisponível, o sistema foi validado com a verificação tanto do antígeno que foi previamente validado com o soro felino positivo anti-Bartonella; quanto do conjugado que por sua vez foi validado através do teste de imunofluorescência indireta para febre maculosa em 54 amostra humana. A amostra canina foi considerada sororeagente a partir do título 64, ponto de corte em triagem. As amostras de soro canino foram testadas para a presença de anticorpos IgG para E.canis pelo kit de E.canis IFA (PANBIOR , USA), usando como controle positivo VMRD E.canis IFA positive control lot P061006-004 pronto para uso e como controle negativo PANBIO controle negativo universal lot 2102304. O título 64 foi considerado reagente, como ponto de corte. As amostras também foram testadas para a presença de anticorpos anti R. rickettsii, pelo kit comercial, utilizando-se como controle positivo a amostra LR 1208/04 e como controle negativo a amostra LR 486/07. 3.6.2 Análise Molecular 3.6.2.1- Extração de material genômico das amostras de sangue dos cães As amostras foram armazenadas em freezer a – 20ºC até o momento da extração de DNA, que foi realizada no LHR. O DNA de cada amostra foi obtido a partir de amostras de sangue com EDTA ou coágulo, utilizando o QIAamp DNA Blood Mini Kit (QiagenTM, Hilden, Germany), segundo protocolo descrito pelo fabricante e validado no laboratório. Esta técnica permite a extração de DNA para a detecção molecular de microorganismos em amostras de sangue total, plasma, soro, coágulo ou outros líquidos corporais. Na reação foi utilizado um tampão para lisar as células que, em seguida foi aplicado a uma coluna; pela ação da força centrífuga ocorreu a extração do material genômico do animal e do agente etiológico pesquisado, se presente. Abaixo, segue uma descrição das etapas do procedimento realizado. 1. Em um microtubo de 1,5ml, foi adicionado um volume de 20µl da solução de proteinase K(QIAGEN); 2. Em seguida foram adicionados 200 µl da amostra do coágulo; 3. Em sequência foram adicionados 200 µl do tampão AL em cima da amostra que submetidas ao vortex por 15 segundos, com o cuidado de não adicionar o tampão AL diretamente sobre a proteinase K; 4. Após breve centrifugação, as amostras foram incubadas a 56ºC por 2-3 horas 5. Após a incubação a 56ºC por 2 – 3 horas, o lisado foi centrifugado brevemente (spin) em tubo de 1,5mL em microcentrífuga para a retirada das bolhas 55 6. Após centrifugação, foi adicionados 200 µL de etanol (96-100%) no lisado, que foi submetida ao vortex por 15segundos. Após misturar, o tubo com o material de estudo foi novamente centrifugador brevemente (spin) para a retirada das bolhas que possam ter sido formadas em cima do líquido. 7. A mistura da etapa 6 foi transferida para a Coluna QIAamp, em um tubo de 2mL. Após a transferência do conteúdo para a coluna, a tampa foi fechada e o material centrifugado a 8000rpm por 1minuto. 8. A coluna foi transferida para um novo tubo coletor de 2 mL e o tubo com o filtrado foi descartado. Essa etapa foi repetida até a filtração completa da mistura da etapa 6. 9. Um volume de 500 µl de tampão de lavagem AW1 foi adicionado na coluna e centrifugado por 8000 rpm por 1 minuto, com posterior descarte do tubo com o filtrado e colocação da coluna em um tubo coletor novo. 10. Repetido o procedimento da etapa 9 com 500 µL de tampão de lavagem AW2 com a centrifugação por 14000 rpm por 3 minutos. Depois de desprezar o filtrado, foi realizada uma nova centrifugação (spin). O tubo coletor com o filtrado foi descartado e a coluna foi, posteriormente, transferida para um microtubo estéril de 1,5mL. 11. Por fim, foram adicionados 100 µL de tampão de eluição AE fracionados em duas vezes, seguido por uma incubação a temperatura ambiente por 5 minutos, e centrifugação a 8000 rpm por 1 minuto. A coluna foi descartada e o tubo de 1,5 mL foi devidamente identificado e acondicionado a -20ºC. 3.6.2.2 - Extração de material genômico das amostras ectoparasitos Os ectoparasitos, identificados e separados individualmente em microtubos estéril tipo (Eppendorf) foram mantidos sob refrigeração a -20ºC. Para a extração do DNA, inicialmente foi realizado um processo de desinfecção da superfície externa dos ectoparasitos como descrito no protocolo do LHR 3.6.2.2.1. Procedimento de lavagem: 56 Esta etapa foi realizada em cabine de segurança biológica classe II B2. A superfície externa dos carrapatos foi desinfetada deixando-os submersos em hipoclorito 10% misturando através de vórtex 3 minutos, seguida pela imersão em álcool 70% por 3minutos sob agitação. Após a retirada do álcool e lavagem por 3 vezes com água destilada estéril (misturando com agitador vórtex a cada troca de água), a água foi totalmente removida na última lavagem, utilizando para todas as etapas, exceto a última retirada da água, pipetas automáticas com volume de 1000 µL 3.6.2.2. – Extração de DNA Após lavagem, os ectoparasitos foram acondicionados em microtubos estéreis, e posteriormente mergulhados em nitrogênio líquido por cerca de 10 segundos para possibilitar a pulverização do carrapato com um pistilo plástico estéril. Uma vez triturados, o DNA dos ectoparasitos foi extraído utilizando o protocolo para tecido, do QIAamp DNA mini Kit, descrito a seguir. Descrição do procedimento: 1. No microtubo (Eppendorf) de 1,5ml, contendo a amostra (ectoparasito triturado) foram adicionados 180µl do tampão de lise ATL; 2. Em seguida foram adicionados 20 µL de proteinase K, que foram homogeinizados, utilizando o vortex e depois incubados a 56ºC “overnight”. 3. Após a incubação, o material foi centrifugado brevemente (spin) para a retirada das bolhas; 4. 200 µl do tampão de lise AL foram adicionados a amostra, homogeneizados, utilizando o vortex por 15s. Após incubação a 70ºC por 10 minutos, o material foi centrifugado brevemente (spin) para a retirada das bolhas que possam ter sido formadas em cima do liquido. 5. 200 µL de etanol (96-100%) foram adicionados na amostra, misturados, utilizando o vortex por 15s. Após homogeneização, foi realizada uma breve centrifugação (spin) do tubo para retirada das bolhas que possam ter sido formadas em cima do liquido. 6. A mistura, inclusive o precipitado da etapa 5 foi transferida para a Coluna QIAamp. Após transferência do conteúdo para a coluna, a tampa foi fechada e submetida à 57 centrifugação a 8000rpm por 1 minuto. A coluna foi transferida para um novo tubo coletor de 2 mL e o tubo descartado com o filtrado. Essa etapa foi repetida até que toda a mistura da etapa 6 tivesse sido filtrada. 7. 500 µl de tampão AW1 foram adicionados na coluna e depois centrifugados por 8000 rpm por 1 minuto. O tubo com o filtrado foi descartado e a coluna colocada em um tubo novo. 8. 500 µL de tampão AW2 foram adicionados na coluna e centrifugados a 14000 rpm por 3 minutos. O filtrado foi desprezado e o material centrifugado novamente (spin). O tubo coletor com o filtrado foi descartado e a coluna colocada em um microtubo estéril de 1,5mL. 9. Um volume de 100 µl de tampão AE fracionada em duas vezes foi adicionado, incubado a temperatura ambiente por 5 minutos, seguida de centrifugação a 8000 rpm por 1 minuto. A coluna foi descartada e o tubo de 1,5mL, devidamente identificado, foi acondicionado a -20º C. 3.6.2.3- Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) A técnica de reação em cadeia da polimerase foi realizada no LHR, seguindo os protocolos previamente estabelecidos e validados, de acordo com a tabela 1 Tabela 1. Oligonucleotídeos utilizados para detecção de bactérias do gênero Rickettsia e Bartonella. Temp. Anelamento Tamanho do Frag. Amplif. Referência GATTCAATTGGTTTGAAGGAGGCT TCACATCACCAGGACGTATTC 60°C 414 pb Anderson et al. 1994 2 Rr190-70 Rr190-602 ATGGCGAATATTTCTCCAAAA AGTGCAGCATTCGCTCCCCCT 55°C 532 pb Eremeeva et al. 1994 2 RpCS877 RpCS1258 GGGGGCCTGCTCACGGCGG ATTGCAAAAAGTACAGTGAACA 55°C 381 pb Eremeeva et al. 1994 2 TTCTCAATTCGGTAAGGGC ATATTGACCAGTGCTATTTC 55°C 246 pb Tzianabos et al 1989 Primer Seqüência (5’-3’) 1 CAT1 CAT2 TZ15 TZ16 1 – Bartonella; 2 – Rickettsia 58 As amostras de DNA obtidas das amostras de sangue dos cães foram processadas em “pool”, que foi constituído de até 5 amostras de DNA. Os “pools” que apresentaram positividade, as suas referidas amostras (DNA) foram, posteriormente, testadas individualmente. Este procedimento foi preconizado em decorrência do grande número de amostras e a restrição orçamentária para a realização da análise molecular individual de todas as amostras incluídas no estudo. Os ectoparasitos foram processados individualmente (quando o animal apresentava ectoparasitos de sexos e ou espécies diferentes) ou em “pool” (animais que apresentavam mais de três ectoparasitos da mesma espécie e sexo). 3.6.2.3.1- PCR Bartonella (DNA cães e DNA de ectoparasitos) a) DNA das amostras de sangue dos cães A PCR para a proteína 60-kDa foi feita como descrito anteriormente (Anderson et al., 1994; Avidor et al., 1997; Lamas et al., 2007) e os primers utilizados para amplificação do fragmento do gene htrA, que define um fragmento de 414 pares de base para B. henselae e B. quintana se encontram listados na Tabela 1. O Mix da reação de PCR (volume total de 25 μL) foi composto por 8 μL de DNA, 10,95 μL de água (DNAse free), 2,5 μL de tampão de PCR 10x, 1,2 μM de cada primer (IDT/ PRODIMOL), 0,2 μL de cada nucleotídeo (dNTP), 0,75 μL de MgCl 2 e 0,25 μL de Taq polymerase (Platinum Taq, INVITROGEN). O termociclador automático 2.400 (Applied Biossystem) foi programado para desnaturação de 95ºC por 5 minutos, seguida por 40 ciclos de 95ºC por 30 segundos, anelamento a 60ºC por 30 segundos, e extensão a 72ºC por 1 min. A amplificação foi completa na temperatura de 72ºC por 7 minutos para permitir a total extensão dos produtos da PCR. Cada reação de PCR incluiu DNA extraído de B. henselae como controle positivo e água DNAse free (PROMEGA) como controle negativo para verificar a ausência de contaminação pelo DNA. b) DNA dos Ectoparasitos: 59 O DNA extraído foi amplificado utilizando os pares de primers para amplificação do fragmento de gene htrA, que define um fragmento de 414 pares de base para B. henselae e B. Quintana, descritos na Tabela 1. O MIX da reação de PCR (volume total de 25 μL) era composto por 8 μL de DNA; 10,15 μL de água (DNAse free) 2,5 μL de tampão de PCR 10 x, 1,5 μL de MgCl2, 1,2 μM de cada primer (IDT/ PRODIMOL), 0,2 μL de cada nucleotídeo(dNTP), 0,25 μL de Taq polymerase (Platinum Taq, INVITROGEN). O termociclador automático 9.700 (Applied Biossystem) foi programado para desnaturação de 95ºC por 5 minutos, seguida por 40 ciclos de 95ºC por 30 segundos, anelamento a 60ºC por 30 segundos, e extensão a 72ºC por 1 minuto. A amplificação foi completa na temperatura de 72ºC, por 7 minutos, para permitir a total extensão dos produtos da PCR. Cada reação de PCR incluiu DNA extraído de B. henselae como controle positivo e água DNAse free (PROMEGA) como controle negativo para verificar a ausência de contaminação pelo DNA. 3.6.2.3.2- PCR Rickettsia (amostras DNA de cães e ectoparasitos) a) DNA das amostras de sangue dos cães A PCR para a proteína de superfície 17-kDa foi feita como descrito anteriormente (TZIANABOS et al., 1989). O DNA extraído foi amplificado com o par de primers (Tabela1) para amplificação do fragmento de 17-kDa, que define um fragmento de 246 pares de base para RGFM. O “Mix” da reação de PCR (volume total de 25 μL) era composto por 8 μL de DNA, 10,95μL de água ( DNAse free), 2,5 μL de tampão de PCR 10 x, 1,2 μM de cada primer (IDT/ PRODIMOL), 0,2 μL de cada nucleotídeo (dNTP), 0,75 μL de MgCl2 e 0,25 μL de Taq polymerase (Platinum Taq, INVITROGEN). O termociclador automático 9.700 (Applied Biossystem) foi programado para desnaturação de 95ºC por 5 minutos, seguida por 40 ciclos de 95ºC por 40segundos, anelamento a 55ºC por 1 minuto, e extensão a 72ºC por 1 minuto. A amplificação foi completa na temperatura de 72ºC por 7 minutos para permitir a total extensão dos produtos da PCR. Cada reação de PCR incluiu DNA extraído de R.rickettsii como controle positivo e água DNAse free (PROMEGA) como controle negativo para verificar a ausência de contaminação pelo DNA. 60 As amostras também foram testadas para os primers citrato sintase (RpCS 877/Rp CS 1258) e ompA (Rr 190-70 e Rr 190-602) que amplifica com 532 pares de base (Tabela 1) sendo o protocolo o mesmo, mudando apenas o primer. . b) DNA dos ectoparasitos As amostras de DNA de ectoparasitos foram processadas separadamente ou em “pool”, sendo que cada “pool” foi constituído de no máximo 5 amostras de ectoparasitos, da mesma espécie e sexo. E esses ectoparasitos pertencentes ao mesmo hospedeiro. A PCR para a proteína de superfície 17-kDa foi feita como descrito anteriormente (TZIANABOS et al., 1989). O DNA extraído foi amplificado com o par de primers TZ15/TZ16 para amplificação do fragmento de 17-kDa que define um fragmento de 247 pares de base para RGFM. O MIX da reação de PCR (volume total de 25 μL) era composto por 8 μL de DNA, 10,15 μL de água ( DNAse free), 2,5 μL de tampão de PCR 10 x, 1,2 μM de cada primer (IDT/ PRODIMOL), 0,2 μL de cada nucleotídeo(dNTP), 1,5 μL de MgCl2 e 0,25 μL de Taq polymerase (Platinum Taq, INVITROGEN). O termociclador automático 9.700 (Applied Biossystem) foi programado para desnaturação de 95ºC por 5 minutos, seguida por 40 ciclos de 95ºC por 40 segundos, anelamento a 55ºC por 1 minuto, e extensão a 72ºC por 1 minuto. A amplificação foi completa na temperatura de 72ºC por 7 minutos para permitir a total extensão dos produtos da PCR. Cada reação de PCR incluiu DNA extraído de R.rickettsii como controle positivo e água DNAse free (PROMEGA) como controle negativo para verificar a ausência de contaminação pelo DNA. Para as amostras de DNA de ectoparasitos, além da reação do primer descrito acima foi realizado também reação para os primer RpCS 877/RpCs 1258 (gltA -381pb) e ompA-531pb ( Rr190-70 e Rr 190-602 ), como descrito anteriormente. 61 3.6.2.3.3.- Eletroforese Esta etapa foi realizada para as amostras de DNA dos cães e dos ectoparasitos. Para confirmar a amplificação, 10L de cada produto de amplificação acrescido de 2l de tampão da amostra (10X Blue Juice, INVITROGEN) foram separados em gel de agarose a 1,5 % corado com 2L gel Red. A eletroforese foi realizada em tampão TBE 1X a 5V/cm (100volts) e os produtos de amplificação foram visualizados sob luz ultravioleta, documentado com um sistema de documentação de gel. Para permitir o cálculo do tamanho dos fragmentos foi utilizado o padrão de tamanho de DNA 100 pb em cada gel. A presença de uma banda de 414 pares de base foi considerada positiva para Bartonella e a banda de 381pb (primer CS), banda 532pb (primer ompA) e banda 247 (primer TZ) foram consideradas positivas para RGFM. 3.6.2.3.4- Sequenciamento das amostras de DNA de ectoparasitos A reação de sequenciamento foi realizada em amostras de DNA de ectoparasitos dos cães e da vegetação positivas para B. henselae e R. rickettsii. As amostras positivas foram escolhidas, utilizando como critério, a espécie de ectoparasito, de tal forma que foram selecionados exemplares das diferentes espécies de ectoparasitas coletados na área de estudo R. sanguineus, A. cajennense e ninfas de Amblyomma, Ctenocephalides canis e Ctenocephalides felis. O produto amplificado foi produzido por PCR a partir do DNA genômico bacteriano, como descrito anteriormente. Para ser sequenciado, o produto de amplificação foi primeiramente submetido à eletroforese em gel de agarose, A seguir, o produto foi extraído do gel de agarose utilizando o kit de purificação de ácidos nucléicos QIAquick Gel Extraction kit (QIAGEN). Após a purificação, a concentração do fragmento de DNA foi determinada (DNA low mass ladder – Invitrogen). A reação de sequenciamento foi realizada por uso do ABI PRISM Big Dye Terminator Cycle Sequencing Ready Reaction kit versão 3.1 (Applied Biosystem), seguindo o descrito pelo manual do fabricante. 62 Reação de sequenciamento: Após a purificação e quantificação de todas as amostras, o volume necessário foi estimado para aproximadamente 60 ng por reação de sequenciamento, cujo volume final foi de 20 ul. Reações, com os dois iniciadores específicos, para cada amostra, foram realizadas separadamente; assim o sequenciamento foi realizado nas duas direções do gene. Na reação foram utilizados, 5 ul de DNA molde, 2 ul de BigDye, 4ul de buffer 5x e 1ul de iniciadores (3,2 pmoles), e 8 ul de água. O microtubo com a reação foi colocado no termociclador (GeneAmp 9700, Applied Biosystem), com um programa de 30 ciclos (96°C por 10 segundos; 50°C por 5 segundos; 60°C por 4 minutos). Após o final da reação, procedeu-se a precipitação do material, utilizando Kit comercial, BigDye® XterminatorTM Purification, da Applied Biosystems. Toda a análise do seqüenciamento dos fragmentos foi realizada através do Programa BioEdit sequence Alignmen Editor 7.0.9 (http://www.mbio.ncsu.edu/bioedit/bioedit.html) e a identidade dos nucleotídeos e dos aminoácidos foi determinada pelo uso do BLAST (http://www.ncbi.nlm.nih.gov). A análise de alinhamento múltiplo pelo programa clustal W com o programa MEGA 4.0.2. (http://www.megasoftware.net/). Descrição do procedimento de sequenciamento: 1- Adição, em cada poço, do volume de solução (SAM TM solution), especificados no protocolo: Para cada 10 µl de reação, foram adicionados 45 µl de SAM TM solution e 10 µl de BigDye® XterminatorTM solution 2- Adição, em cada poço, do volume de solução (BigDye® XterminatorTM solution) de acordo com o protocolo: Para cada 10 µl de reação, foram adicionados 45 µl de SAM TM solution e 10 µl de BigDye® XterminatorTM solution 3- A placa foi selada com filme 4- Homogenização do conteúdo da placa por 30 minutos 5- Centrifugação da aplaca por 2 minutos a 1000rpm. 6- Colocação da placa no Sequenciador 63 IV- RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1.- Análise das amostras de sangue dos cães 4.1.1- Análise sorológica das amostras de sangue dos cães IFI Bartonella henselae Nove (4,76%) de 189 amostras submetidas à pesquisa de anticorpos anti-B. henselae foram reativas, resultado este próximo aos dados obtidos por Diniz e colaboradores em 2007, no qual foi observada uma prevalência de 2% de cães incluídos no estudo. (Figura 4.1). No entanto, a prevalência de B. henselae em cães na literatura mundial tem se apresentado de forma variada na dependência da região onde foi realizada a pesquisa. Assim, Gary e colaboradores (2006) identificaram uma prevalência de 5,45% utilizando IFI com um ponto de corte de 1:64; Bolouis e colaboradores, (2005) encontraram uma elevada prevalência, 19%, em cães de ruas na Guiana Francesa e 63% em cães no sudeste dos Estados Unidos; Solano – Gallego e colaboradores (2006) identificaram uma prevalência de 15,7% em cães saudáveis na Espanha. Figura 4.1. Teste de imunofluorescência indireta com antígeno Bartonella henselae, aumento de 40X. Imagem A (controle negativo), imagem B (amostra sororreativa), diluição de 1:64. 64 A B Apesar dos poucos trabalhos sobre o assunto é possível concluir que os resultados positivos obtidos no trabalho são superiores aos citados na literatura nacional e inferiores aos da literatura internacional. IFI Rickettsia rickettsii Dezessete das 22 amostras reativas para R. rickettsii na diluição 1:64 foram submetidas a novas diluições (“end point”) quando foi possível observar que três amostras apresentavam reatividade na diluição 1:128 e outras três apresentaram titulação de 256 (Figura 4.2.). Resultados semelhantes foram encontrados em estudos conduzidos no Brasil, com prevalência variando de 11,6% a 36,4% (LEMOS et al, 1996; GALVÃO et al, 1996; LABRUNA et al, 2007). Figura 4.2. Teste de imunofluorescência indireta com antígeno Rickettisa rickettsii, aumento de 40X. Imagem A (controle positivo), imagem B (amostra sororreativa), diluição 1:64. A B 65 Em 1996, Lemos e colaboradores identificaram sororreatividade para R. rickettsii em 36,4% dos cães incluídos no estudo em uma região endêmica para febre maculosa no interior de São Paulo. Galvão e colaboradores, também em 1996, em um estudo realizado em área endêmica no estado de Minas Gerais, identificaram uma soroprevalência de 25%. Mais recentemente, no estado de Rondônia, Labruna e colaboradores (2007) demonstraram que 11,6% (19 de 164 animais) dos cães da área rural apresentavam anticorpos anti-Rickettsia spp., mesma porcentagem encontrada no atual estudo para R. rickettsii. Na literatura internacional as prevalências variam em torno de 2,4 % a 50% (SATOH e t al, 2002; NICHOLSON et al, 2006; GALLEGO et al, 2006; SCORPIO et al, 2008). SCORPIO et al.,(2008), utilizando as mesmas diluições relataram prevalência de 43% para R. rickettsii. Em pesquisas de Demmma et al., (2006), os cães de duas comunidades apresentaram titulação ≥ 32 anti- R. rickettsii. Os cães pertencentes a uma das comunidades estudadas e com histórico de casos humanos de febre maculosa apresentaram 70% positividade enquanto que 57% apresentavam reatividade na comunidade sem casos de febre maculosa. Nos trabalhos de Niccholson et al., (2006), os cães apresentaram 5,1% de positividade anti- R. rickettsii com títulos ≥ 32, em uma área com casos de febre maculosa. Gary et al., (2006) observaram a prevalência de 4,41% de R. rickettsii, enquanto no Japão a circulação de RGFM foi de 2,4%, segundo Satoh e colaboradores (2002). No presente estudo a prevalência de R. rickettsii em cães domiciliados é semelhante a descrita em literatura nacional e internacional, sugerindo assim o cão como sentinela. Considerando que o resultado de um teste sorológico fornece apenas a informação de uma evidência sorológica indireta de infecção, ressaltando a importância de uma interpretação cuidadosa, pois, além da possibilidade de um teste falso positivo, a presença de anticorpos poderá indicar apenas uma “cicatriz sorológica” e não uma infecção ativa/doença, já que a maioria dos estudos são com base na pesquisa de anticorpos da classe IgG. Quando as amostras de soro com evidência sorológica de co-infecção foram avaliadas, observou-se que 11 das 189 amostras foram reativas para R. rickettsii e E. canis (1%) e 2 de 189 amostras foram reativas para B. henselae e E. canis, dados esses 66 inferiores ao relatados por Breitschwerdt et al., (1998) e por Scorpio et al., (2008) quando avaliaram a prevalência de Ehrlichia, Rickettsia e Borrelia em cães que apresentavam sinais clínicos compatíveis com doença de carrapato. Em 1999, Breitschwerdt e colaboradores demonstraram que cães naturalmente infectados por Ehrlichia spp. apresentavam evidência sorológica para infecção por Bartonella, confirmando assim os dados obtidos no atual estudo. No mesmo ano, Kordick e colaboradores também demonstraram que cães de um canil da Carolina do Norte apresentaram sororreatividade com título de corte de 1: 32 para Ehrlichia spp e R. rickettsii. No Brasil, Diniz e colaboradores identificaram que apenas uma (01) dos 189 amostras de cães estudas apresentou co-infecção para B.henselae e E. canis. Segundo alguns autores como Kordick et al., (1999), Boloius et al., (2005) e Scorpio, et al., (2008) fatores como, (i) exposição freqüente a vetores e reservatórios, (ii) imunossupressão, (iii) animais que passeiam ao ar livre e (iv) animais de rua que poderiam estar associados à bartonelose em cães. Os cães incluídos nesse estudo se apresentavam clinicamente sadios e apesar de domiciliados, os proprietários relataram que os mesmos passeavam regularmente no peridomicílio, tendo contato com vegetação, carrapatos vetores e equinos, fatores esses que podem, provavelmente, estar associados à presença de co-infecção, conforme sugerido pelos autores acima citados. IFI Ehrlichia canis Quarenta e cinco (23,8%) do total de 189 amostras testadas para E. canis apresentaram reatividade ≥ 64. Os resultados obtidos estão em concordância com os dados disponíveis na literatura nacional nos quais é possível observar prevalência de 6,3% a 42,5% em diversas regiões do Brasil comprovando a ampla dispersão desta zoonose (ALMOSNY et al, 2002, DIECKMANN et al, 2010, SILVA et al, 2011). Na literatura internacional merece citação a publicação de Gary e colaboradores (2006) que obtiveram uma prevalência de 0,37%, em cães positivos (≥ 64) em Ontario/Quebec enquanto Scorpio et al , (2008), nos Estados Unidos utilizando ponto de corte 1:64 encontraram prevalência de 48% para E.canis. 67 Uma figura esquemática é apresentada a seguir com o objetivo de sumarizar os dados sorológicos obtidos após análise como o teste de imunofluorescência para os três agentes pesquisados (Figura 4.3). Figura 4.3: Relação do número de amostras de sangue dos cães sororreativas para Bartonella, Ehrlichia e Rickettsia 189 amostras (soro de cães) 76 amostras soroeativas 09 Bartonella (4,76%) 45 Ehrlichia (23,8%) 22 Rickettsia (11,64%) 4.1.2 – Análise molecular (PCR) das amostras de sangue dos cães Apenas um “pool” apresentou positividade para Bartonella, com amplificação do fragmento de 60-kDa que define um fragmento de 414 pares de base. No entanto, com a análise individual das amostras, as mesmas apresentaram banda abaixo do esperado, o que pode ser indicativo de uma reação cruzada. Os resultados obtidos necessitam de mais esclarecimentos que somente serão possíveis com a continuidade do estudo e com uma análise molecular a partir de outros iniciadores específicos para Bartonella. 4.2. Análise dos ectoparasitos: Do total de 229 ectoparasitos incluídos no estudo, 186 foram coletados em cães domiciliados e clinicamente saudáveis nos bairros Ribeirão das Lages, Casa Amarela e Santanésia em Piraí, 43 coletados do meio ambiente, vegetação formada por arbustos, e árvores nativas, na região de Ribeirão das Lages. 4.2.1- Identificação Taxonômica 68 Todos os ectoparasitas coletados da vegetação arbustiva (com altura de 20 a 50 cm) foram identificados como ninfas do gênero Amblyomma (Tabela 4.1), exceto uma amostra que foi identificada como pulga da espécie Ctenocephalides canis. Os resultados obtidos estão em concordância com os descritos por Labruna et al (2002) que observaram que os estádio de vida livre de A. cajennense, na sua maioria larvas, eram coletados em regiões específicas com vegetação apresentando altura que variava entre 15 e 50cm no Estado de São Paulo, fato que favorecia a infecção dos hospedeiros. Observação semelhante foi obtida por Estrada e colaboradores (2006) que coletaram 1708 exemplares de A. cajennense em vegetação de uma área urbana de Campinas, reforçando o conceito de que a altura da vegetação favorece a manutenção e consequente coleta do gênero Amblyomma e em especial a espécie A. cajennense. Tabela 4.1: Ectoparasitos coletados em animais e em vegetação no Município de Piraí, Rio de Janeiro (2006-2007). A cajennense Localidades A Lages N* R sanguineus L A N C felis C canis Anocentor Total - 01 - 43 08 10 - 70 20 01 116 31 01 229 L 42 - (vegetação) Lages(cães) 03 CasaAmarela/ 04 43 02 12 82 01 125 03 Santanésia TOTAL 03 58 - - 08 A= adulto; N*= ninfa de Amblyomma ; L= larva A observação no presente trabalho de maior incidência de A. cajennense está de acordo com Figueredo et al., (1999) que estudaram as regiões Sudeste e Centro Oeste do Brasil. Labruna et al., (2007), relataram que em cães de área rural, havia o predomínio de infestação por A. cajennense e Boophilus spp., enquanto na área urbana R. sanguineus era a espécie mais frequente. Provavelmente a presença de bovinos na região estudada pelo grupo de São Paulo possa justificar a presença de Rhipicephalus (Boophilus) microplus na região rural. 69 Galvão et al., (1988); Lemos et al., (1996); Souza et al., (2006), relataram que o estádio de ninfa de Amblyomma spp. ocorre durante todo o ano na mata ciliar, sendo em maior abundância de julho a dezembro (segundo semestre do ano), fato esse importante no estudo da epidemiologia das rickettsioses, pois a maior prevalência dos ectoparasitos neste estudo coincide com o ciclo biológico natural da espécie e com o maior número de casos de FMB. Dos ectoparasitos coletados em cães, 70 amostras pertenciam aos cães domiciliados no bairro Lages, sendo: 43 R. sanguineus adultos, 2 R. sanguineus ninfa; 4 A. cajennense adultos, 3 ninfas de Amblyomma; 08 C. felis e 10 C. canis e 116 amostras coletadas dos cães no bairros Casa Amarela e Santanésia em Piraí, sendo: 1 Anocentor; 1 R. sanguineus ninfa; 82 R. sanguineus adulto; 12 ninfas do gênero Amblyomma; 20 C. canis. (Tabela 4.1.) No presente estudo foi identificada infestação frequente dos cães por A. cajennense e R. sanguineus em área urbana localizada próxima à mata ciliada. A presença de equinos soltos, em charrete ou em carroças na área de estudo, favorecendo o ciclo da espécie A. cajennense, a proximidade com fragmentos de mata ciliada, entre outros fatores, reforçam a assertiva de que a região de Piraí, embora considerada urbana, apresenta condições favoráveis a transmissão de rickettsias para a população de cães e consequentemente, para a população humana. Estudos realizados no Brasil mostraram resultados semelhantes no município de Pedreira, estado de São Paulo e em outra região do município de Piraí, onde dos 578 carrapatos coletados, 369 foram identificados como gênero Amblyomma (LEMOS et al 1996, ROZENTAL et al, 2002). Em Minas Gerais, Cardoso et al, (2006) encontraram, também em cães, na área peri-urbana do Município de Caratinga, carrapatos das espécies A. cajennense (73%), R. sanguineus (23%) A. nitens (4%), nos três estádios de desenvolvimento, sendo maior porcentagem (68%) de formas adulta. Mais recentemente, em 2009, Rozental e colaboradores demonstraram, em estudo realizado no município fluminense de Barra do Piraí, onde 1.233 exemplares de carrapatos coletados de cães da região urbana de Barra do Piraí foram analisados, 1.017, 70 do total submetido à caracterização taxonômica, eram da espécie R. sanguineus, resultado que confirmou mais uma vez esta espécie como a mais prevalente no cão. 4.2.2- Análise molecular (PCR) dos ectoparasitos Os 186 ectoparasitos incluídos nesta presente pesquisa e submetidos à PCR, foram agrupados em “pool” totalizando 97 amostras de DNA. Este procedimento foi realizado considerando que algumas amostras de ectoparasitos, da mesma espécie e da mesma fase de desenvolvimento, que pertenciam ao mesmo hospedeiro, foram processadas juntas, formando pool de 3 a 5 exemplares, a fim de se obter um maior volume de DNA. A decisão de se realizar a análise utilizando “pools” foi baseada em publicações de autores brasileiros, cujo critério de agrupamento foi a fase evolutiva, a fonte de coleta, o gênero e a espécie do artrópode. Guedes e colaboradores (2005), Estrada e colaboradores (2006) e Rozental e colaboradores no Estado do Rio de Janeiro (2009) realizaram a análise molecular dos carrapatos utilizando lotes de três, 20 e cinco exemplares, respectivamente. Assim, os 186 ectoparasitas obtidos no presente trabalho, agrupados em 97 amostras de DNA foram testadas para a presença do genoma de Bartonella (primers, CAT 1 e CAT 2) e R. rickettsii (primers TZ e CS). Destes ectoparasitas agrupados em “97 pools” e que foram submetidos à PCR foi possível detectar produto de amplificação em 72 (74,2%), conforme dados apresentados na Tabela 4.2. Tabela 4.2. Frequência de “pools” de DNA de ectoparasitas positivos para a presença dos gêneros Bartonella e Rickettsia, por análise molecular (PCR), segundo espécies de artrópodes coletados em cães no Município de Piraí/RJ, em setembro de 2007 e 2008 Espécie de Percentagem de PCR PCR PCR Bartonella ectoparasitos amostras Rickettsia Bartonella /Rickettsia de ectoparasitos PCR positivo 71 R.sanguineus (46,39%) 45/97 A.cajennense C.canis C.felis Total (32,98%) (24,74%) 32/97 24/97 (4,12%) (5,15%) 04/97 05/97 (5,15%) (6,18%) 05/97 06/97 (4,12%) (6,18%) 04/97 06/97 72 45 41 25 (74,2%) (46,39%) (42,2%) (25,7%) (9,27%) 9/97 (10,3) 10/97 (8,24) 8/97 (13,4%) 13/97 (3,09%) 03/97 (4,12%) 04/97 (2,06%)02/97 Em 45 amostras foi verificada a amplificação do genoma de Rickettsia; pelo primer TZ, primer CS e pelos dois primers TZ e CS concomitantemente em 34, 5 e 6 pools de DNA de ectoparasitas, respectivamente (Figura 4.4). As espécies de artrópodes foram: C. canis, C.felis, R. sanguineus e A. cajennense, conforme dados apresentados na tabela 4.2. Estes resultados confirmam a informação obtida na literatura científica de que A. cajennense é o vetor principal de R. rickettsii no Brasil, embora a participação de outras espécies de carrapatos tem sido comprovada ( LEMOS et al 1996; ROUX, 1996, GALVÃO, 1996, DE LEMOS et al 1997, LEMOS et al 1997, GUEDES et al , 2005, GEHRKE et al 2009, ROZENTAL et al ,2009). 72 A 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 ←246 pb 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 B ←246 pb Figura 4.4 Eletroforese em gel de agarose 1% do produto da PCR para Rickettsia spp. de uma amostragem dos ectoparasitos coletados de cães em Piraí-Estado do Rio de Janeiro – Brasil. Pente A: amostras de ectoparasitos (poços 1-10), poço 11 controle negativo (C-); poço 12 controle positivo (C+); poço 13 peso molecular (PM – 100pb). Amostras positivas: poços 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 9. Pente B: amostras de ectoparasitos (poços 1-13), poço 14 controle negativo (C-); poço 15 controle positivo (C+); poço 16 peso molecular (PM – 100pb). Amostras positivas: poços 1, 2, 4, 5, 6, 8, 9, 11, 12. No Brasil, estudos com ectoparasitos confirmaram a infecção de A. cajennense com R. rickettsii, no Estado de São Paulo (GUEDES et al, 2005) e em 2006, Estrada e colaboradores relataram infecção por R. belli, uma espécie não patogênica. Outras espécies de carrapatos, como R. sanguineus, infectados por Rickettisa spp. também têm sido descritos na literatura brasileira (CUNHA, 2009; ROZENTAL et al, 2009) e estão de acordo com os resultados obtidos. Assim, é possível observar nas últimas duas décadas um aumento no número de referências na literatura mundial sobre o assunto, fato que coloca em evidência a participação de outras espécies de carrapatos assim como pulgas como vetores em potencial das diferentes rickettsias. É importante considerar a participação da espécie R. sanguineus na transmissão da febre maculosa no mundo tem ultrapassado os limites dos continentes africano e europeu, onde esta espécie de ixodideo é o vetor principal de R. 73 rickettsii (BERNASCONi et al 2002; EREMEEVA et al, 2006; HALLOS et al, 2006; WIKSWO et al , 2007; GEHRKE et al 2009). A presença de R sanguineus e C. felis infectados por R. rickettsii foi descrita por Eremeeva e colaboradores em 2006, com o relato do primeiro isolamento de R. rickettsii em R. sanguineus nos Estados Unidos, confirmando assim a sua importância como vetor de R. rickettsii. Wikswo et al., (2007) e Gehrke et al., (2009) também demonstraram a presença de R. sanguineus infectado por R. rickettsii e R. felis e de Rickettsia sp infectando exemplares de C. felis, assim como Hallos e colaboradores (2006) que identificaram presença de Rickettsia spp. em C. felis e C .canis. e de Bernasconi et al., (2002) que detectaram 03 exemplares, de um total de 24 carrapatos da espécie R. sanguineus contendo o genoma de Rickettsia massiliae. Em relação ao Brasil, R. sanguineus infectado por R. rickettsii tem sido relatado por Cardoso et al., (2006), e mais recentemente, por Rozental et al., (2009), Cunha et al., (2009) e Gehrke et al., (2009). Estudo realizado em Minas Gerais Cardoso et al.,( 2006) detectaram carrapatos da espécie R. sanguineus infectados por R. felis, fato considerado inédito. Rozental e colaboradores (2009) confirmaram a participação do R. sanguineus como possível vetor da febre maculosa brasileira em áreas endêmicas da região do Médio Paraíba, o que também foi constatado na presente pesquisa. Os dados obtidos por Gehrke e colaboradores, (2009) que estudaram a mesma região do Médio Paraíba ratificam os resultados do presente estudo. Cunha (2009), confirmou R. rickettsii em R.sanguineus adultos, na cidade de Resende Rio de Janeiro. Estes dados nacionais, associados às observações do presente estudo, confirmam a importância da espécie R. sanguineus no ciclo das rickettsias na natureza com a possibilidade de sua participação como transmissor de R. rickettsii no Brasil No presente trabalho, das amostras testadas para pesquisa de DNA de Bartonella, utilizando-se o primer CAT 1 e CAT2, 41 (42,2%) apresentaram PCR positiva (Figura 4.5). Em 10 (10,3%) amostras estudadas, embora a amplificação pudesse ter sido identificada, foi considerada como uma “banda fraca”. A presença de co-infecção foi observada em 29 amostras testadas. Seis amostras apresentaram DNA positivas para Bartonella e Rickettsia em ambos os “primers” testados (TZ e CS) e 20 amostras foram 74 positivas para Bartonella e Rickettsia no primer TZ e três (3) amostra positiva para Bartonella e Rickettsia no “primer” CS. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 Figura 4.5 – Eletroforese em gel de agarose 1% do produto de PCR para Bartonella spp. de uma amostragem de ectoparasitos coletados de cães no município de Piraí - Estado do Rio de Janeiro – Brasil. Amostras de ectoparasitos ( poços de 1 a 11), no poço 12 controle positivo (C+), apresenta um fragmento amplificado de 414 pb com o primer CAT1 e CAT2; poço 14 controle negativo (C-); poço 13 peso molecular (PM – 100pb). Amostras positivas: poços 2, 4, 5, 6, 7 e 8. O genoma de Bartonella foi detectado em C. canis, C. felis, R. sanguineus (macho e fêmea), A. cajennense (adulto e ninfa). Estudos realizados fora do Brasil apontaram dados compatíveis com os observados neste estudo. BLANCO et al. (2006) identificaram a presença de infecção por B. henselae e B. clarridgeiae em 3,4% e 6,8% de C. canis e C. felis na Espanha e Wikswo et al (2007) detectaram DNA de B. henselae em R. sanguineus. Outro estudo realizado por Chang et al. (2001) detectaram 19,2% dos carrapatos da espécie Ixodes ricinus, carrapato comum na região da Califórnia, apresentaram PCR positiva para B. henselae, B quintana, B washoensis. Outro estudo na mesma região, foi possível identificar co infecção do Ixodes. pacificus com B. henselae e B. burgdoferi ou com A. phagocytophilum Holden et al., (2006). 75 4.3- Sequencimento das amostras de sangue e de ectoparasitas PCR positivos Considerando o elevado custo e a dificuldade em se realizar o sequenciamento de todas as amostras de cães e de ectoparasitas que apresentaram DNA detectável através da PCR, isto é, que amplificaram o fragmento esperado, somente cinco amostras de DNA de ectoparasitos e duas amostras de ectoparasitos da vegetação PCR-positivos para Bartonella spp. foram seqüenciadas. As sequências de nucleotídeos obtidas foram alinhadas e comparadas com as sequências do mesmo gene descritas para espécie de Bartonella disponíveis no GeneBank, e as porcentagens de similaridade foram determinadas. Os resultados seguem expostos na Tabela 4.3 apresentada a seguir. Tabela 4.3. Análise molecular dos ectoparasitas Bartonella PCR positivos coletados no Município de Piraí (setembro 2007 e 2008), RJ e que foram submetidos ao seqüenciamento. Amostras Ectoparasito Identidade Cobertura Agente Nº 01 C.felis 93% 98% B. henselae Z1 Nº 02 R.sanguineus 100% 99% B.henselae Nº03 C.felis 96% 99% B.henselae Nº04 A. cajennense 99% 100% B.henselae 96% 100% B. henselae (ninfa) Nº 05 C.canis Embora apenas 5 amostras tenham sido molecularmente caracterizadas, os resultados obtidos indicam a circulação de Bartonella spp. em carrapatos da região de Piraí-RJ e sugerem que as espécies de carrapatos R. sanguineus e A. cajennense e as pulgas C. felis e C. canis podem ser vetores em potencial de Bartonella, resultado que está em concordância com a literatura brasileira e mundial (ISHIDA et al, 2001; DINIZ, 2007; BILLETER et al, 2008). 4.4. Análise conjunta dos resultados obtidos nas amostras bilógicas dos cães e dos ectoparasitos. Com o objetivo de correlacionar os resultados obtidos neste estudo, considerando a evidência sorológica de infecção por Bartonella e Rickettsia e a presença de 76 ectoparasitas coletados nos cães incluídos no estudo, uma tabela com os 13 cães sororreativos que se encontravam parasitados por ectoparasitas PCR positivos é apresentada a seguir (Tabela 4.4). Tabela 4.4. Relação dos cães sorrreativos e de ectoparasitos PCR positivos para Bartonella e Rickettsia. Amostras cães Sorologia Sorologia Sorologia PCR ectoparasito PCR ectoparasito R.rickettsii B.henselae E.canis Positivo Bartonella Positivo Rickettsia 01 - - + - + 02 + - - + + 03 - - + + + 04 + - - - + 05 + - - - + 06 - + - + + 07 - + - + - 08 + - + + - 09 + - - -- + 10 - + + + - 11 - - + + + 12 - - + + + 13 - - + - + A partir da análise dos 76 do total de 189 cães (40,21%%) que foram sororreativos para um dos agentes testados, B. henselae (09 cães), R. rickettsii (22 cães)e E. canis (45 cães), 19 estavam parasitados por carrapatos e 13 destes eram ectoparasitos PCR positivos tanto para Rickettsia quanto para Bartonella (Figura 4.3). Não foi possível identificar uma correlação entre a presença de anticorpos anti-R. rickettsii, antiBartonella e a presença de ectoparasitas PCR positivos; dos 05 cães sororreativos, apenas um exemplar não continha ectoparasita PCR Rickettsia-positivo com 06 dos 10 ectoparasitas Rickettsia-PCR positivos sem evidência de anticorpo anti-Rickettsia em hospedeiro canino. Estes dados, aparentemente discordantes, podem ser explicados. No caso de cão sororreativo, parasitado por carrapato Rickettsia-PCR negativo, provavelmente a evidência sorológica é consequência de uma infecção no passado e o cão, assim, apresenta apenas uma “cicatriz sorológica”, pois o IFI foi realizado com 77 imunoglobulina da classe IgG. Quanto à presença de carrapato Rickettsia-PCR positivo parasitando cães soronegativos, é possível que o processo infeccioso no cão se encontre ainda em fase inicial, fato que justificaria a falta de detecção de níveis adequados de anticorpos circulantes no sangue do cão pelo testes sorológico. A análise de uma segunda amostra de sangue destes cães poderia esclarecer esta hipótese, mas como o desenho deste estudo foi transversal não foi possível elucidar esta questão. O mesmo raciocínio pode se aplicado aos outros resultados obtidos, através de testes sorológicos e moleculares, com E canis e Bartonella. Dos oito cães parasitados por artrópodes PCR positivos para Bartonella apenas três (03) apresentavam anticorpos anti-Bartonella, confirmando a impossibilidade de um estudo transversal identificar uma correlação entre animal sororreativo e presença de parasitismo por artrópode PCR positivo. Dentro do mesmo contexto, nenhum cão parasitado por artrópodes co-infectados por Bartonella e Rickettsia, identificados via PCR, foi sororreativo para os dois agentes. Quanto aos cães PCR positivos para R. ricketssii, nenhum apresentou parasitismo por artrópode PCR positivo, não sendo possível, assim realizar uma correlação, limite do estudo transversal cujos dados representam apenas um momento sem considerar o processo dinâmico que é uma infecção. A presença de co-infecção (Bartonella e Rickettsia) foi observada em cinco ectoparasitas: i) amostra nº 2 (R. sanguineus), ii) amostra 3 (C. canis) e iii) nº 6,11 e 12 ( C.felis) e não houve associação com os cães PCR-positivos tanto para Rickettsia quanto Bartonella. Nas figuras 4.6, 4.7 e 4.8 são apresentados um sumário dos resultados obtidos com a análise dos artrópodes e sua relação com os cães sororreativos, segundo o agente zoonótico avaliado. 78 Figura 4.6: Figura esquemática com o sumário dos resultados obtidos no estudo das amostras de sangue dos cães e dos carrapatos em relação à infecção por Rickettsia no Município de Piraí, RJ (2007-2008) 22 IFI Rickettsia Positivo 17 Sem Artrópode 167 IFI Rickettsia Negativo 5 Com Artrópode 4 PCR positivos 159 Sem Artrópode 8 Com Artrópode 6 PCR positivos N PCR negativo 2 PCR negativos Figura 4.7: Figura esquemática com o sumário dos resultados obtidos no estudo das amostras de sangue dos cães e dos carrapatos em relação à infecção por Bartonella no Município de Piraí, RJ (2007-2008) 9 IFI Bartonella Positivo 6 Sem Artrópode 3PCR positivos 180 IFI Bartonella Negativo 3 Com Artrópode 171 Sem Artrópode 9 Com Artrópode 5 PCR positivos 0 PCR negativo 79 4 PCR negativos Figura 4.8: Figura esquemática com o sumário dos resultados obtidos no estudo das amostras de sangue dos cães e dos carrapatos em relação à infecção por Ehrlichia no Município de Piraí, RJ (2007-2008) 45 IFI Ehrlichia Positivo 38 Sem Artrópode 6 PCR positivos 144 IFI Ehrlichia Negativo 7 Com Artrópode 139 Sem Artrópode 4 PCR positivos para Rickettsia ou Bartonella 1 PCR negativo 5 Com Artrópode 1 PCR negativo Na figura 4.9 é apresentado esquematicamente um sumário geral dos artrópodes PCR positivos e sua correlação com a presença de anticorpos anti-Bartonella, antiEhrlichia e anti-Rickettsia nos cães cujos artrópodes foram coletados. Figura 4.9. Figura esquematica com um resumo dos ectoparasitas PCR positivos e sua correlação com os cães sororreativos. 13 Ectoparasitos PCR positivos (DNA detectado pela PCR) 10 PCR positivos para Rickettsia 8 PCR positivos para Bartonella (DNA detectado pela PCR) 4/10 Sororeativo para R.rickettsii 5/10 Sororeativo para E.canis 1/10 Sororeativo para B.henselae 2/08 Sororeativo para R.rickettsii 5/08 Sororeativo para E.canis 3/08 Sororeativo para B.henselae 80 V- CONCLUSÕES Neste estudo transversal foi possível identificar, através de evidência sorológica e molecular em cães e artrópodes, a circulação de proteobactérias do gênero Bartonella, Ehrlichia e Rickettsia no Município de Piraí, Rio de Janeiro. A prevalência de anticorpos anti-Bartonella, anti-Rickettsia e anti-Ehrlichia em amostras de cães reforça o conceito do cão como hospedeiro amplificador, visto que os animais estudados eram domiciliados e clinicamente sadios. A presença de anticorpos específicos anti-Bartonella em cães sugere a sua participação na manutenção de proteobactérias do gênero Bartonella na natureza, além dos felinos domésticos, seus principais hospedeiros reservatórios. VI – PERSPECTIVAS Finalizar a análise molecular das amostras PCR-positivas com a utilização de novos pares de iniciadores específicos para Bartonella e Rickettsia. Realizar o seqüenciamento, seguida pela análise filogenética com o objetivo de caracterizar, em nível de espécie, Bartonella e Rickettsia identificadas nas amostras biológicas dos cães e dos artrópodes. 81 82