3º COLÓQUIO DO GRUPO DE ESTUDOS LITERÁRIOS CONTEMPORÂNEOS:
UM COSMOPOLITISMO NOS TRÓPICOS
e
100 ANOS DE AFRÂNIO COUTINHO (1911-2011): A CRÍTICA LITERÁRIA NO BRASIL
A CONTRIBUIÇÃO DE AFRÂNIO COUTINHO PARA OS ESTUDOS
LITERÁRIOS NO BRASIL1
Eduardo F. Coutinho 2
Considerado uma das maiores expressões dos estudos literários no Brasil, no
século XX, Afrânio Coutinho teve um papel fundamental na reestruturação dos estudos
de Literatura no país, através das contribuições que introduziu no âmbito da Crítica, da
Teoria e da Historiografia literárias. Além disso, destacou-se pela sua atuação no ensino
da Literatura, onde transformou significativamente os métodos de abordagem de autores
e textos, e na divulgação de escritores brasileiros por intermédio das obras coletivas que
realizou. Neste trabalho, faremos uma breve apresentação de algumas das principais
linhas de reflexão desenvolvidas pelo autor e ofereceremos uma visão de sua
contribuição nos diversos estratos dos estudos literários no Brasil.
A
crítica
literária
brasileira
em
meados
do
século
XX
achava-se
predominantemente dividida, salvo raras e honrosas exceções, entre resquícios de um
historicismo novecentista e de um puro impressionismo, e exercia-se na maioria dos
casos por meio da resenha jornalística. No primeiro caso, tratava-se de uma crítica
dominada pelo estudo dos fatores exteriores ou extrínsecos que condicionam a gênese
do fato literário, e que repercutia as teorias de Taine e Sainte-Beuve, do naturalismo e
determinismo biológico, social e geográfico, e do biografismo, princípios esses a que se
devem a obra de Sílvio Romero e dos outros críticos e historiadores literários da fase
naturalista e positivista do final do século XIX e começo do XX. De acordo com essa
perspectiva, a obra literária era vista como uma instituição social, um documento – de
uma raça, uma época, uma sociedade, uma personalidade – e as relações entre a
literatura e a vida se resolviam em favor da vida, de que a literatura tinha que ser um
espelho.
1
Este texto foi publicado também no livro Crítica e Literatura, org. por Carmem Lúcia Negreiros de
Figueiredo, Silvio Augusto de Oliveira Holanda e Valéria Augusti (Rio de Janeiro: De Letras, 2011, p.
185-96.
2
Professor Titular da UFRJ.
ISBN 978-85-7395-210-0
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UM COSMOPOLITISMO NOS TRÓPICOS
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100 ANOS DE AFRÂNIO COUTINHO (1911-2011): A CRÍTICA LITERÁRIA NO BRASIL
No segundo caso, tinha-se um tipo de crítica calcado na ausência de qualquer
método de abordagem, de qualquer organização sistemática. Era uma espécie de
percepção, anterior à interpretação e ao julgamento. A tendência marcante da crítica
impressionista, de que foram expoentes figuras como Anatole France e Walter Pater, era
sair do objeto para o sujeito, mudar ou transferir o interesse para o crítico, suas
impressões e emoções, despertadas pela leitura ou escuta de uma obra de arte. No
entanto, no contexto brasileiro, o impressionismo crítico havia degenerado em torneios
opiniáticos ou meros registro de impressões, sem conteúdo doutrinário nem base crítica,
e se havia confundido com a simples resenha ou recensão crítica.
Insatisfeito com essa situação da crítica literária no Brasil e imbuído de uma
série de idéias desenvolvidas em cursos e pesquisas que realizou na Universidade de
Columbia, em Nova York – cidade onde vivera no período de 1942 a 1947 como
Secretário de Redação da revista Seleções do Reader’s Digest – Afrânio Coutinho
desencadeou, a partir de 1948, intensa campanha de renovação, primeiro na seção
denominada “Correntes Cruzadas” do Diário de Notícias do Rio de Janeiro, e em
seguida em diversos livros que veio a publicar ao longo de sua carreira, dentre os quais
Por uma crítica estética (1953), Correntes Cruzadas (1953), Da crítica e da nova
crítica (1957), A crítica (1959), Crítica e poética (1968) e Crítica e críticos (1969).
Nessa campanha, Afrânio advogava veementemente um tipo de crítica intrínseco
ao próprio fato literário, que partisse do texto enquanto tal, reconhecendo e respeitando
sua autonomia, e que o enfocasse à luz de pressupostos de ordem fundamentalmente
estética. Era a derrocada do historicismo em seu sentido tradicional, que abordava a
obra literária sempre por um movimento do contexto para o texto, e o abandono ao
impressionismo crítico – ao “achismo”, como ele costumava dizer – em nome de um
labor científico, técnico e meticuloso, que colocava a crítica brasileira ao lado das
grandes correntes que se vinham desenvolvendo, havia já algumas décadas, na Europa e
nos Estados Unidos.
Com base em pressupostos dessas correntes, dentre as quais destacamos o
Formalismo Russo, a Estilística Espanhola e Teuto-Suíça, o Aristotelismo de Chicago, a
Analyse de Texte francesa e sobretudo o New Criticism anglo-americano, Afrânio
Coutinho se bateu com ardor pela primazia do texto literário, enfatizando, na abordagem
da obra, a necessidade de se focalizarem os seus elementos estruturais e ergocêntricos, e
3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A
crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 9-20.
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a harmonia do conjunto, responsáveis pelo que os formalistas eslavos designaram de
“literariedade”. Além disso, chamou atenção para a importância de o analista
aproximar-se o máximo possível do texto, a fim de evitar o subjetivismo acentuado que
tanto caracterizara a crítica de cunho impressionista.
Todas essas correntes acham-se presentes em maior ou menor escala na Nova
Crítica introduzida por Afrânio Coutinho no meio intelectual brasileiro, mas é preciso
lembrar que a sua doutrina não se atinha exclusivamente a nenhuma delas. A Nova
Crítica nunca foi, como se chegou erroneamente a afirmar, mero transplante dos
princípios do New Criticism anglo-americano ao contexto brasileiro, e sim uma
tendência com feição própria, que abarcou métodos e técnicas de várias origens, tendo
tido inclusive como precursores figuras como Machado de Assis e Mário de Andrade,
que desenvolveram estudos críticos calcados na primazia do texto e exploraram com
rigor meticuloso os elementos intrínsecos das obras que analisaram.
A ênfase posta por Afrânio Coutinho no primado do texto literário foi, aliás, uma
questão que gerou certo mal-entendido no meio intelectual brasileiro, à época ainda
muito aferrado aos métodos tradicionais, máxime aos que se voltavam para uma
perspectiva
extrínseca.
Propor
uma
abordagem
crítico-teórica
que
parta
fundamentalmente do texto não significa, de modo algum, ignorar o contexto históricocultural em que a obra fora produzida. O que se nega na Nova Crítica é o enfoque
extrínseco, que vê a obra como reflexo e não como realidade autônoma; a relação com o
contexto, ao contrário, é uma etapa indispensável de qualquer processo crítico. A obra
para a Nova Crítica é um conjunto harmonioso dos diversos elementos que a compõem,
mas ela se acha sempre em relação dialética com o contexto em que surge. Combate-se
na Nova Crítica o historicismo no sentido definido anteriormente, mas se respeita
plenamente a história; rejeita-se do mesmo modo uma abordagem puramente extrínseca,
mas se defende e se realiza, o estudo das relações da obra com o contexto sócio-político
e econômico ao qual ela se encontra vinculada.
A exigência de rigor metodológico na abordagem do fenômeno literário acha-se
relacionada a uma tendência ocorrida no Brasil em meados do século XX, que foi a
passagem da crítica literária do periodismo para o meio acadêmico, e das mãos dos
críticos em geral para as dos professores e pesquisadores universitários. Até esse
momento, a crítica literária era exercida no Brasil de duas maneiras: ora como crítica no
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crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 9-20.
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sentido estrito, em livros ou estudos, ora sob a forma militante, semanal, enciclopédica,
na imprensa, na maioria dos casos em folhetins ou rodapés. Ao primeiro tipo reservavase a denominação de “ensaio” e ao segundo a de “crítica”, o que gerou à época uma
série de equívocos, levando esta última a ser vista como algo superficial, e de caráter
apologético ou restritivo, à maneira da mera resenha. Imbuído do espírito acadêmico
resultante de sua formação, Afrânio Coutinho se empenhou na defesa da especialização
da crítica literária como uma disciplina científica e autônoma, mostrando como o seu
exercício não se coadunava com o espírito mais leve da imprensa diária. A crítica, para
ele, deveria estar voltada para a cátedra, a revista especializada, o livro, como era o caso
do chamado “ensaio”, e estar calcada em princípios e métodos rigorosos; à recensão ou
resenha, importante também, mas de cunho mais leve, informativo, e exercida de modo
diletante, ficariam destinadas as páginas dos jornais. Sua defesa teve um papel
expressivo na passagem da crítica para as mãos especializadas do scholar e na sua
futura institucionalização no meio universitário.
A tentativa de sistematização dos elementos que integram a estrutura da obra
literária, somada à busca de rigor na abordagem do texto, levou Afrânio Coutinho a uma
preocupação com a teoria da literatura, que ele procurou explicitar em vários de seus
livros, em especial no volume Notas de teoria literária (1976). O livro é um resumo das
principais teorias existentes sobre os pontos fundamentais do estudo da Literatura, em
nível bastante elementar, mas procurando ser informativo e, ao mesmo tempo, tentando
orientar o estudante no intricado dos problemas, sem acumulá-lo com excessos
doutrinários. Embora voltado primordialmente para o docente e o estudante de Letras, o
livro pressupõe uma filosofia da Literatura, bem como uma teoria de seu ensino. Seu
autor parte da idéia de que o aprendizado da Literatura não deve ser subordinado ao do
vernáculo, como fora prática corrente no Brasil, e, portanto, deve estar centrado nos
textos. Além disso, o que se visa não é a fornecer apenas informação de ordem
histórico-cultural, como se fez durante longa data, mas a desenvolver o gosto pela
leitura e a apreciação estética.
Essa defesa do primado do texto, presente tanto na Nova Crítica quanto no
âmbito da Teoria Literária, encontrou também terreno fértil na esfera da historiografia
literária, com a publicação, entre 1955 e 1959 de A Literatura no Brasil, obra coletiva
lapidar de história literária (em quatro volumes na primeira edição), idealizada,
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crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 9-20.
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planejada, dirigida e, em grande parte, escrita por Afrânio Coutinho, com base em um
método inteiramente novo – o periodizador estilístico. Deixando de lado a perspectiva
extrínseca, remanescente do historismo lansoniano, e adotando como método em sua
estruturação a periodização estilística, baseada na primazia do texto literário e numa
abordagem centrada no caráter estético da obra, A Literatura no Brasil pôs em prática o
projeto desenvolvido por seu idealizador na campanha que desencadeara em prol da
Nova Crítica e do estudo da literatura baseado primordialmente nos elementos
integrantes da composição da própria obra, e revolucionou completamente o conceito de
historiografia literária no Brasil.
Além disso, com o seu caráter coletivo – os capítulos específicos sobre autores
ou movimentos literários foram confiados a especialistas distintos sob a supervisão de
Afrânio Coutinho –, a obra adquiriu uma abrangência extraordinária, oferecendo um
panorama crítico-evolutivo da literatura brasileira desde suas primeiras manifestações
até os dias em que foi publicada, com estudos de profundidade sobre figuras ou
movimentos específicos, até então nunca vistos em obras de história literária no Brasil.
Seus capítulos foram estruturados com base em critérios intrínsecos à área dos estudos
literários e divididos em subcapítulos específicos, voltados para tópicos ou autores, nem
sempre restritos ao chamado “cânone” da literatura brasileira. Na obra, que se foi
ampliando nas edições subseqüentes, sob a organização do mesmo autor, há estudos
específicos sobre folclore, literatura oral e popular, sobre gêneros como o ensaio, a
crônica e o drama, e modalidades como a chamada “literatura infanto-juvenil”, e há
estudos de teor comparativo como “literatura e filosofia” e “literatura e artes”. Estes
estudos são em geral produzidos por autores diversos e conseqüentemente oferecem no
conjunto da obra uma multiplicidade de visões que complementam o cunho abrangente
que lhe quis dar o seu idealizador.
Com o sucesso de sua primeira edição, A Literatura no Brasil teve até o presente
mais seis, revistas e atualizadas, e encontra-se agora em sua sétima edição, em seis
volumes, publicada em 2004 pela Global, de São Paulo, já após seu falecimento. Mas
observe-se que os capítulos introdutórios de cada parte do livro, escritos todos eles por
Afrânio Coutinho, foram reunidos por ele mesmo em um volume, a Introdução à
Literatura no Brasil, publicado pela primeira vez em 1959, mas que já conta com mais
de quinze reedições e se encontra traduzido para o inglês e o espanhol. Este livro, que
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crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 9-20.
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assenta as bases da periodização estilística levada a cabo pelo autor, é obra
indispensável para a compreensão de sua proposta inovadora e constitui um item
fundamental na produção bibliográfica do autor.
Outro ponto crucial dos estudos de Crítica e História Literária realizados por
Afrânio Coutinho foi o movimento que desencadeou para demonstrar que a literatura
brasileira já atingira a plenitude de sua personalidade, tanto na lírica quanto na ficção,
em conseqüência do desenvolvimento de uma “tradição afortunada”, proveniente dos
primórdios da vida nacional. Essa tradição, que constitui objeto de estudo de um dos
livros mais expressivos de sua carreira, publicado em 1968 com este título – A tradição
afortunada – consistiu na presença na literatura brasileira, desde suas primeiras
manifestações (cite-se como exemplo a obra satírica de Gregório de Matos), do que
Machado de Assis cunhou de “instinto de nacionalidade”, que veio tomando corpo ao
longo dos anos até configurar-se em verdadeiro processo de descolonização literária,
consolidado a partir do Romantismo. Desse momento em diante, segundo Afrânio
Coutinho, a literatura brasileira já apresenta fisionomia própria, que nunca mais se
dissipa. Ao contrário, vem ganhando em nitidez à medida que avança em seu percurso,
sobretudo no século XX, após a eclosão do Modernismo.
Com base nas primeiras manifestações da literatura produzida no Brasil, Afrânio
Coutinho desenvolveu a tese de que as raízes de nossa literatura se encontram no
barroco, estilo que aqui aportou pelas mãos dos jesuítas, mas que se modificou
substancialmente no contacto com a nova terra, dando origem a algo novo, com uma
feição bastante distinta da de seu contexto de origem. O autor combate a historiografia
literária lusa que considerava a literatura produzida no Brasil no período colonial como
ramo da portuguesa, e procura mostrar como desde Anchieta, passando por figuras
como Vieira e principalmente Gregório de Matos, essa produção já apresentava não só
traços que a distinguiam da literatura da metrópole, como sobretudo uma preocupação
em marcar a sua singularidade, que se expressa, por exemplo, através das obras dos
autores citados ou de figuras como a do Aleijadinho, no âmbito das artes plásticas. Tais
questões acham-se presentes em seus livros Conceito de literatura brasileira (1960) e O
processo de descolonização literária (1983), mas seus estudos sobre o barroco já se
haviam iniciado desde a tese com que obteve a cátedra de Literatura Brasileira no
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crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 9-20.
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Colégio Pedro II em 1951 (Aspectos da literatura barroca), e depois se reuniram no
volume Do barroco, publicado pela Tempo Brasileiro em 1994.
Assim como na produção literária, também na esfera dos discursos sobre a
literatura a preocupação com a busca de identidade nacional já se fazia sentir desde o
período colonial, acentuando-se com o Romantismo e posteriormente com o movimento
modernista. Mas, ao largo de todo esse tempo permaneceu também viva no Brasil uma
tendência oposta de admiração quase cega dos modelos europeus, que eram para cá
transplantados e freqüentemente apenas adaptados ao novo contexto. Contra esse
colonialismo mental, esse sentimento de inferioridade, oriundo do processo de
colonização, Afrânio Coutinho se bateu ardorosamente em muitos de seus textos,
pregando a formação de uma consciência voltada para a realidade brasileira (vide A
polêmica Alencar-Nabuco, 1965, e Caminhos do pensamento crítico, 1964). Para o
autor, assim como era preciso procurar em nossa literatura não a semelhança com a
européia, mas a diferença que a caracterizava e lhe conferia singularidade, era mister
também que se lutasse, como afirmava assiduamente, “por uma crítica brasileira”, pela
consolidação de um pensamento, ou de um corpus crítico-teórico, calcado sobre o
húmus dessa terra.
A preocupação de Afrânio Coutinho com a constituição de uma crítica literária
brasileira e ao mesmo tempo científica e meticulosa, que tem como veículo o ensaio
acadêmico e não apenas a resenha jornalística, somada aos seus muitos anos de
experiência docente em nível tanto secundário quanto superior, se refletiu também no
ensino da Literatura, onde, do mesmo modo, introduziu verdadeira revolução, marcada
pela defesa do estudo centrado no texto literário em vez de na história da literatura,
como era praxe ainda na maioria das instituições brasileiras. Era preciso, segundo ele,
desenvolver no estudante o gosto pela literatura, e isso só era possível com o contacto
direto com o texto literário, e não com uma listagem estéril de nomes e datas. Ao aluno
competia, antes de mais nada, a leitura dos textos, e ao professor a orientação em sala de
aula, que deveria partir de discussões conjuntas sobre os textos selecionados, visando a
sistematizações teóricas e reflexões críticas. Ao aluno brasileiro faltava, segundo ele,
saber ler, no sentido de extrair de um texto o fundamental, e pensar, refletir, sobre o
material em questão. E era na orientação à reflexão crítica e teórica que residia o papel
do professor.
3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A
crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 9-20.
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O papel de docente de Afrânio Coutinho fica bastante evidenciado, não só por
sua atuação amplamente reconhecida em sala de aula e pelas palestras e conferências
que pronunciou, muitas delas publicadas em separatas ou em periódicos no Brasil e no
exterior, como também pela quantidade e qualidade de teses e dissertações que orientou,
e de obras de ex-discípulos que prefaciou. Afrânio Coutinho era, além de crítico
meticuloso, um entusiasta da produção literária e crítica que se fazia no Brasil, e sua
contribuição como divulgador da obra de autores novos e de estudiosos da literatura foi
significativa, conforme dão testemunho as obras de referência que coordenou e
publicou, dentre as quais Brasil e brasileiros de hoje (1961), Crítica e críticos (1969) e
a Enciclopédia de Literatura Brasileira, esta última já de 1989.
Como organizador de edições de autores da literatura brasileira, Afrânio
Coutinho apresenta também ampla produção, tendo elaborado entre outras as obras
completas de Machado de Assis, Euclides da Cunha, Jorge de Lima e Carlos
Drummond de Andrade, a obra poética de Vinícius de Morais, os romances completos
de Afrânio Peixoto, a obra crítica de Araripe Júnior, os estudos literários de Alceu
Amoroso Lima, e numerosas edições críticas de obras de autores como Ambrósio
Fernandes Brandão, Manuel Antônio de Almeida, José do Patrocínio, Rocha Pombo,
Viriato Correia, Lindolfo Rocha, Rodolfo Teófilo, Ribeiro Couto, Ascendino Leite e
Adonias Filho, entre outros. Em todos esses casos, Afrânio Coutinho, além da
organização da obra, escreveu substanciais estudos críticos introdutórios que constituem
peças indispensáveis da fortuna crítica dos autores em questão, como é o caso do texto
introdutório das Obras completas de Machado de Assis, autor por quem o crítico nutria
especial admiração e sobre o qual escreveu os livros A filosofia de Machado de Assis
(1940) e Machado de Assis na literatura brasileira (1960), ambos posteriormente
reunidos em edição da Academia Brasileira de Letras (1990).
O envolvimento de Afrânio Coutinho com o ensino foi tal que, além das
cátedras que ocupou, primeiro no Colégio Pedro II e depois na Universidade do Brasil,
hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, participou de inúmeros colegiados,
inclusive o Conselho Federal de Educação. E no âmbito da universidade, foi fundador,
nesta última, de uma Faculdade de Letras, moderna e dinâmica, que se tornou modelo à
época em todo o país. Os cursos superiores de Literatura eram até então no Brasil
ministrados nas Faculdades de Filosofia, ou de Ciências Humanas em geral, não sendo
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dotados assim de espaço próprio para desenvolver-se. Afrânio Coutinho, imbuído da
experiência que vivera no exterior, onde as Escolas ou Departamentos de Letras já
haviam conquistado ampla e reconhecida tradição, lutou por torná-los independentes, e
lançou a pedra fundamental de uma instituição hoje plenamente consolidada. Além
disso, instituiu também nessa Faculdade seis Cursos de Pós-Graduação em diversas
áreas das Letras, atualmente bastante conceituados, e construiu, entre outras coisas uma
biblioteca – orgulho da instituição – que possui acervo respeitável e raridades
incalculáveis.
O interesse pelas bibliotecas sempre foi, aliás, uma das tônicas da carreira de
Afrânio Coutinho. Além da biblioteca José de Alencar, da Faculdade de Letras da
UFRJ, que ele criou, acrescentando a um núcleo básico proveniente da antiga Faculdade
Nacional de Filosofia um grande número de bibliotecas particulares especializadas de
professores sobretudo da casa que ele se empenhou em adquirir para a Faculdade
quando fora seu diretor, Afrânio Coutinho construiu ao longo de toda sua vida uma
extraordinária biblioteca particular. Esta biblioteca serve às áreas de Literatura
Brasileira e Estrangeiras, Teoria e Crítica Literárias, Filosofia, História, Educação,
Estudos Brasileiros, Lingüística, Filologia, Sociologia, Arte Brasileira e Universal e
Estudos Culturais, entre outras, e inclui, além do seu acervo básico, um rico manancial
de obras de referência, primeiras edições hoje raras, manuscritos de autores como
Machado de Assis, Raul Pompéia, José de Alencar, Castro Alves e Afrânio Peixoto,
coleções completas de revistas e periódicos nacionais e estrangeiros, arquivos de
recortes de jornais de e sobre autores brasileiros e farto material iconográfico.
Esse acervo, que no princípio, ainda reduzido, ocupava o terceiro pavimento da
residência de Afrânio Coutinho, em Ipanema, foi-se avolumando de tal modo, que ao
largo da década de 1970 estendeu-se a toda a casa, empurrando o seu morador para um
pequeno cômodo na parte superior, que seus amigos jocosamente qualificaram de “cela
de monge”. Ali, em meio a pilhas de livros e jornais, lendo e escrevendo sem cessar,
Afrânio Coutinho concebeu a idéia de abri-la para o público, transformando a própria
residência em um centro de pesquisas literárias, onde se realizariam, além da consulta à
biblioteca, atividades de diversa sorte, englobando desde cursos variados até a
organização de publicações.
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crítica literária no Brasil, 3., 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2012, p. 9-20.
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Surgida em 1979 e extinta em 1991 pela carência de recursos para mantê-la, a
Oficina Literária Afrânio Coutinho (OLAC) floresceu na década de 1980, tendo-se
tornado ponto de referência na vida cultural da cidade e uma instituição de prestígio,
amplamente reconhecida no Brasil e no exterior. Nela se realizaram cursos em todos os
setores do conhecimento ligados à literatura e às artes; por ela passaram especialistas de
reputação internacional. De suas oficinas de literatura, a atividade que deu nome à casa,
surgiram novos poetas e ficcionistas; das pesquisas ali executadas vieram a lume
publicações. Seus arquivos de pastas de recortes que Afrânio Coutinho colecionou
desde o início de sua carreira – uma das maiores preciosidades ali existentes – foram
largamente consultados, sobretudo para a realização de teses e dissertações
universitárias, e seus livros foram amplamente manuseados pelo público. Várias obras
de autores brasileiros esquecidas ou pouco conhecidas do público foram revalorizadas
na OLAC (lembremo-nos pelo menos da publicação das Obras de Raul Pompéia em dez
volumes, e das obras de Otávio de Faria), e publicou-se em 1989 a Enciclopédia de
Literatura Brasileira, elaborada durante anos por uma equipe de pesquisadores sob a
sua orientação. Esta enciclopédia, que abrange a Literatura Brasileira desde o início da
colonização até os dias atuais, teve uma segunda edição, ampliada e atualizada, em
2001.
Três anos após a extinção da OLAC, a Biblioteca de Afrânio Coutinho, embora
ainda amplamente freqüentada, foi vendida à UFRJ, com o propósito de ser abrigada,
em ala à parte, anexa à Biblioteca José de Alencar, da Faculdade de Letras. Contudo,
devido ao número elevado de itens que compunham o acervo, ela teve em sua maior
parte de ser incorporada à Biblioteca da Faculdade, cada livro caracterizado com o exlibris da antiga OLAC, e na ala nova, então construída, foram instaladas as obras raras,
edições especiais, as publicações do próprio autor e as obras assinadas ou com
dedicatória dirigida a ele. Além disso, foi criado na ala designada a essas publicações
um Centro de Estudos, batizado de Centro de Estudos Afrânio Coutinho (CEAC), com a
finalidade de dar continuidade aos projetos interrompidos da OLAC e iniciarem-se
outros nas áreas de Humanidades em geral, com ênfase especial sobre literatura e
cultura. O CEAC vem sendo hoje bastante consultado pelo público e das pesquisas em
seu acervo já saíram as primeiras publicações.
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Onze anos fez, em 2011, ano do centenário de seu nascimento, que Afrânio
Coutinho faleceu, e sua contribuição aos estudos literários no Brasil segue viva e
rendendo frutos preciosos. Afrânio Coutinho foi escritor, professor, pesquisador,
jornalista,
educador,
humanista,
bibliófilo,
criador
da
primeira
Faculdade
exclusivamente de Letras do país, e membro da Academia Brasileira de Letras, mas foi
antes de tudo um homem de seu tempo e lugar, dotado de grande talento filosófico, que
revolucionou, com sua escrita fina, a Crítica, a Teoria e a Historiografia literárias, e
mudou o rumo do ensino das Letras no Brasil.
BIBLIOGRAFIA
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a contribuição de afrânio coutinho para os estudos literários