16, 17 e 18 de Julho de 2015 Instituto de Ciências Sociais (ICS-UL) Márcia Regina Farias da Silva(a) Maria da Conceição Farias da Silva Gurgel Dutra (b) Marcio Rilk Gurgel Dutra (c) Regina Cleane Marrocos(d) Educação para saúde e segurança alimentar em comunidades rurais assentadas do município de Mossoró (RN) – Brasil. Resumo/ Resumen Esse artigo tem como objetivo identificar o cultivo dos quintais produtivos na comunidade de Barreira Vermelha, Mossoró (RN), visando o fortalecimento dessa atividade. Foram realizadas entrevistas presenciais com questionário semiestruturados com perguntas abertas e fechadas, direcionados para 32 famílias que cultivavam ou tinham interesse em implantar os quintais. Os quintais da comunidade são utilizados para o cultivo de frutíferas, medicinais, criação de animais. Realizou-se um ciclo de oficinas na escola da comunidade, visando discutir temas relacionados à educação para saúde. Promoveu-se a distribuição de espécies frutíferas. Conclui-se que, a implementação dos quintais contribui para melhorar a dieta alimentar das famílias. Palavras chave/ Palabras clave: quintais domésticos, segurança alimentar, tecnologias sociais. Education for health and food safety in rural communities seated in the city of Mossoró (RN) - Brazil. Abstract This article aims to identify the cultivation of productive yard in the community of Barreira Vermelha, Mossoró (RN), aiming at the strengthening of this activity. Interviews were conducted live with semistructured questionnaire with open and closed questions, directed to 32 families who cultivated or had interest in deploying the backyards. The backyards of the community are used for the cultivation of fruit trees, medicinal, animal husbandry. There was a cycle of workshops at the school of community, to discuss issues related to health education. Promoted the distribution of fruit. It is concluded that, the implementation of quintals contributes to improve the diet of families. Keywords: domestic backyards, food safety, social technologies. (a) Departamento Gestão Ambiental/Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN, E-mail: [email protected] (b) Departamento de Educação /Faculdade de Educação, UERN, E-mail: [email protected] (c) Departamento de Direito/Faculdade de Direito, Universidade Potiguar - UnP, E-mail:[email protected] (d) Departamento Gestão Ambiental/Faculdade de Ciências Econômicas, Email: [email protected] INTRODUÇÃO Em meados do ano de 2002 pesquisadores da Universidade de São Paulo iniciaram um estudo sobre padrões alimentares de populações brasileiras e estrangeiras utilizando-se a composição isotópica do carbono e do nitrogênio em amostras de unha humana oriundas de várias populações contemporâneas. Constatou-se grande proporção de carbono oriunda de plantas do tipo fotossintético C4 (cana de açúcar, milho e pastagens) nas dietas de habitantes de cidades como Piracicaba, no interior do Estado de São Paulo, e em Santarém, no interior do Estado do Pará - Brasil. Chamou a atenção dos pesquisadores o fato do padrão alimentar dos habitantes da cidade de Santarém ter sido similar ao padrão encontrado na cidade de Piracicaba. Os resultados para o meio rural (pequenas comunidades rurais, distantes cerca de 50 a 80 km da cidade de Santarém), mostraram que os habitantes destas localidades tiveram padrões alimentares semelhantes entre si, mas totalmente distintos em relação à cidade de Santarém (NARDOTO et al., 2006 apud MARTINELLI, 2011). As constatações deram início a um estudo mais detalhado, a partir de um Projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP edital no. 07/51342-8, encerrado em janeiro 2010, que comparou o padrão alimentar de populações urbanas de Manaus e Tefé, no estado do Amazonas com comunidades locais ao longo do rio Solimões, onde a principal fonte de proteína da comunidade local é o pescado. Estas comunidades foram escolhidas, com o intuito de investigar se as diferenças encontradas entre o meio urbano e comunidades rurais persistem em outras regiões da Amazônia. Foram investigados também padrões alimentares em comunidades locais do Estado de São Paulo (comunidades de caiçaras existentes na região de Ubatuba, ao longo da rodovia Rio-Santos e comunidades que vivem na mesma região, mas, nos conhecidos “sertões” de Ubatuba, que são bairros próximos às encostas da Serra do Mar). De uma forma geral, as diferenças encontradas entre os diferentes grupos vivendo em centros urbanos de diferentes regiões geográficas no Brasil, onde têm acesso a uma grande variedade de itens alimentares, mas que podem ter sido produzidos em locais distintos, sugere que o tipo de mercado alimentício atual – “global foodmarket in a supermarket era” –, conforme Martinelli (2011) tende a aumentar a variabilidade entre os indivíduos vivendo em uma mesma zona urbana e diminuir as diferenças entre indivíduos vivendo em diferentes regiões geográficas. Os resultados dessas pesquisas indicaram que independente da região geográfica amostrada, a transição alimentar está ocorrendo no sentido de urbanização do meio rural, onde a economia de consumo e a economia de excedente estão sendo substituídas pela economia de mercado e com isso todas as suas implicações socioculturais. No entanto, algumas características peculiares de cada região investigadas, indicam que de outra parte, de igual maneira, estamos diante de um múltiplo e nada uniforme ou globalizado mundo rural brasileiro. Diante deste contexto, uma nova pesquisa foi desenvolvida pelos pesquisadores, por meio do Edital FAPESP 2011/50345-9, com início em 2011 e encerramento em 2013, que objetivou mapear a transição alimentar de algumas regiões brasileiras por meio da composição isotópica de carbono e nitrogênio de amostras de unhas coletadas em populações residentes nestas regiões. Dentre as localidades que foram estudadas comunidades urbanas, rurais e tradicionais de estados como Pará (PA), Amazonas (AM), Goiás (GO), São Paulo (SP), Santa Catarina (SC), e Rio Grande do Norte (RN), entre as comunidades estudadas encontram-se áreas rurais de assentamentos do Pólo Jucurí, a exemplo de Riacho da Caça e Ranchinho, município de Mossoró (RN). Reinaldo (2014) estudou comunidades rurais do Estado do Rio Grande do Norte e em sua pesquisa constatou uma padronização da alimentação em relação aos centros urbanos Mossoró e Natal. Assim, a população rural está deixando de consumir alimentos que são típicos da dieta regional e que eram produzidos localmente para maximizar o consumo de produtos industrializados. Itens alimentares como tapioca, cuscuz, batata-doce, macaxeira, carnes de caça e criação (carneiro, bode) vem sendo, gradativamente, substituídos por produtos como biscoitos, frangos congelados, enlatados e(ou) embutidos, cabendo aqui ressaltar que estes resultados também foram semelhantes em todos os grupos estudos nos estados brasileiros envolvidos na pesquisa, salvo algumas exceções no norte do Brasil. Logo, à medida que o acesso à economia de mercado e a urbanização aumenta, há uma mudança na dieta baseada em plantas C3 para uma dieta baseada em plantas C4. Como consequência, há um aumento nos valores de δ13C nos tecidos humanos. Ao considerar que as dietas urbanas no Brasil são basicamente oriundas de fontes C4 (como as pastagens que alimentam o gado e o açúcar oriundo da cana de açúcar), tendo assim um forte sinal C4 (NARDOTO et al., 2006). Os autores acrescentam que, à medida que o acesso à economia de mercado e a urbanização aumenta há um decréscimo nos valores de δ15N nos tecidos humanos. Ocorrendo uma mudança na complexidade da cadeia alimentar quando se passa para uma dieta mais urbanizada, que tem como característica, valores reduzidos de δ15N. Levando em consideração o fato das dietas baseadas em C4 estarem associadas com um aumento no consumo de gordura e açúcar (MARTINELLI, 2011), a tendência será encontrar um agravamento deste fenômeno chamado transição nutricional já observado em várias comunidades rurais e urbanas. Este aumento no consumo de gordura e açúcar está relacionado com problemas de saúde como a obesidade e pressão alta, ambos comumente associados com doenças cardíacas e diabetes do tipo II. Ao tomar como referências os estudos ora descritos, e considerando que as mudanças alimentares estão associadas com o aumento do poder aquisitivo das populações, bem como que as políticas de transferência de renda têm conduzido a um maior consumo de produtos industrializados nas comunidades estudas, foi proposto o Projeto intitulado: Práticas Educativas e Formação de Multiplicadores, com vista ao Fortalecimento da Segurança Alimentar e Nutricional, edital CNPq/MDS-SESAN Nº 027/2012. O referido Projeto buscou dentre outros objetivos fortalecer os hábitos alimentares de populações rurais assentadas no pólo Jucurí, zona rural de Mossoró, visando a implantação e fortalecimento dos quintais produtivos, como tecnologia social em educação alimentar e nutricional voltada à promoção da alimentação adequada e saudável, desenvolvidas na interação com a comunidade e que representem potencial de transformação social. Nessa perspectiva, buscou-se contribuir de forma significativa para a segurança alimentar e nutricional dos grupos envolvidos no estudo e para o desenvolvimento de trabalhos de educação para saúde; voltados para o consumo de produtos localmente produzidos, numa perspectiva agroecológica; a valorização dos hábitos alimentares locais; o fortalecimento de práticas tradicionais, como o cultivo dos quintais domésticos; e, sobretudo, a formação de multiplicadores, no sentido de disseminar hábitos alimentares mais saudáveis. É importante mencionar que a relevância deste estudo reside em buscar identificar em que medida as políticas públicas de transferências de renda e os benefícios sociais que as populações estudadas têm acesso estão contribuindo para aquisição de alimentos. Parte-se da hipótese que com o aumento gradativo da renda, sobretudo, com inserção das famílias aos programas governamentais de transferência de renda, elas passam a aumentar o consumo de produtos industrializados nas suas dietas, por vezes influenciadas pela mídia, disseminam “o global foodmarket in a supermarket”, contribuindo para mudanças acentuadas e aceleradas nos hábitos alimentares locais. Nessa direção, o presente artigo objetivou identificar o cultivo de quintais domésticos, na comunidade de Barreira Vermelha, zona rural de Mossoró (RN), com vista ao fortalecimento e a diversificação dessa atividade. Assim, o incentivo de implementar e (ou) diversificar os quintais doméstica caminham em direção a melhoria da alimentação dos membros da família e da qualidade nutricional dos alimentos consumidos. METODOLOGIA A pesquisa foi realizada na comunidade de Barreira Vermelha localizadas na zona rural do município de Mossoró/RN (Figura 1). Figura 1 - Mapa de Localização da Comunidade de Barreira Vermelha. Fonte: Mossoró, 2006. Adaptado. De acordo com o censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2010 (IBGE, 2010), o município de Mossoró possui uma população de 259.815 habitantes, sendo que destas 237.241 reside no núcleo urbano e 22.574 na zona rural. Sua área é de 2.110,21 km², equivalente a 4,00% da superfície estadual. Quanto à formação vegetal, Mossoró está inserida no bioma Caatinga formado por uma vegetação hiperxerófila de caráter seco com abundância de cactáceas e arbóreas de porte baixo. Encontra-se inserida nos domínios da bacia hidrográfica do rio Apodi-Mossoró (IDEMA, 2008). No tocante a infraestrutura hídrica das comunidades rurais do município é importante mencionar a deficiência desse recurso e a necessidade do uso de tecnologias de convivência com as secas periódicas registradas no semiárido do Nordeste brasileiro. No Jucurí e nos assentamentos circunvizinhos essa realidade também é presente. Na sua maioria a população conta com o sistema de cisternas para armazenarem de água da chuva e com poços que são perfurados e tem encanamento hídricos para as residências. Há comunidades que em decorrência da salinidade da água é preciso para o abastecimento das famílias, o tratamento da água por meio de dessalinizador. Assim, o desenvolvimento da agricultura nessas comunidades está limitado a questões climáticas, dependendo dos anos que ocorrem maiores índices de precipitação pluviométrica. A unidade empírica de referência desta pesquisa é a comunidade de Barreira Vermelha que localiza-se a cerca de 20 km de Mossoró. A nível de infraestrutura ela dispõem de uma escola (Escola Camélia Almeida), que oferece da educação infantil ao 4º ano; os estudantes que cursam 5º ao 9º ano se deslocam para Escola Ricardo Vieira, no Jucurí; já àqueles de 1º ao 3º ano do ensino médio tem que se deslocar até Mossoró. O transporte dos estudantes é por meio de ônibus escolar disponibilizado pelo poder municipal. De acordo com o cadastro da Unidade Básica de Saúde: “Isabel Bezerra de Araújo” 35 famílias residem em Barreira Vermelha. No entanto, para fins desta pesquisa optou-se por selecionar apenas àquelas que já cultivavam ou que tinham interessem em implantar os quintais produtivos, logo trabalhou-se com um universo de 32 famílias. Esta pesquisa foi realizada em três momentos, a saber: primeiro foi realizado um levantamento bibliográfico sobre a temática; no segundo momento realizou-se uma pesquisa documental junto a Unidade Básica de Saúde da comunidade e das principais políticas públicas que norteiam esta temática; e, por fim, ocorreu o momento da coleta de dados in loco durante o primeiro semestre de 2014, sendo que a aplicação dos questionário ocorreu nos meses de julho e agosto de 2014. Quanto aos instrumentos de coleta de dados foram utilizados a aplicação de questionários semiestruturados com perguntas abertas e fechadas, com objetivo de identificar o perfil dos comunitários que cultivam quintais; quais são as principais formas de uso e ocupação dos quintais, realizar um levantamento das espécies cultivadas e a sua contribuição destas para alimentação dos moradores. Ademais, como técnica de coleta de dados foram realizadas observações in loco e registro fotográfico dos quintais. Os dados foram analisados de forma qualitativa e quantitativa, visando uma melhor interpretação da realidade estudada. RESULTADOS E DISCUSSÃO a) Perfil dos entrevistados Observou-se que mais de 57% dos entrevistados possui entre 29 a 61 anos de idade, (Figura 2). Em relação ao gênero 63% dos ouvidos são mulheres e 37% homens. Estes dados podem aferir que as gerações mais jovens vêm mantendo a tradição do cultivo dos quintais, já que está é uma prática repassada de pai para filho, bem como ressalta a constatação que a maioria das pessoas que cultiva os quintais domésticos são mulheres, uma vez que estes são unidades produtivas que se localizam nas proximidades das residências e tem ao longo de gerações sido uma prática majoritariamente feminina. Figura 2. Gráfico de Faixa Etárias dos Entrevistados. Autoras como Santos, Lima e Santos, et al (2007) destacam que os sistemas agroflorestais são modelos tradicionais resultantes de conhecimentos acumulados e transmitidos através de gerações, onde se utiliza técnicas agroecológicas no manejo do solo e práticas sustentáveis como a diversidade de espécies existente em uma mesma área. Assim, os quintais produtivos podem não apenas contribuir para manter viva a tradição cultural, mas também contribuir para segurança alimentar e nutricional e para manutenção ambiental. Em relação ao nível de escolaridade dos entrevistados observou-se que a maioria possui o ensino fundamental completo, ou seja, 63% dos ouvidos; 6% possui o ensino superior; 6% o ensino fundamental incompleto; 16 % o ensino médio completo e 9% não são alfabetizados. No que se refere à renda familiar foi possível constatar que a maioria dos entrevistados ganham entre um salário mínimo e um e meio, ou seja, 54% deles e que 9% possuem como renda o subsídio do programa de transferência de renda do governo federal, Bolsa Família e 3% declaram não possui renda, (Figura 3). Ao considerar esses dados é possível destacar a importância dos quintais produtivos como unidades capazes de contribuir para assegurar a segurança alimentar e nutricional de famílias que habitam em áreas rurais e/ou urbanas e que não dispõem de um nível de renda adequado para manter sua família. Figura 3. Gráfico da Renda dos Entrevistados. Os quintais ocupam uma posição importante nos sistemas agroflorestais, por ser constituído de plantas que são utilizadas para vários fins como, por exemplo, alimentares, condimentares, medicinais, ornamentais estéticos e paisagísticos, estando intimamente associados à produção diversificada de frutas e alimentos que complementam a dieta alimentar das famílias (AMOROZO, 2002). Com a finalidade de conhecer melhor o perfil das famílias entrevistadas buscou-se identificar a quantidade de pessoas que compõem as famílias. Verificou-se que a maioria é composta por 2 a 3 pessoas 63% dos ouvidos; 4 a 6 pessoas 34% dos entrevistados e de 7 a 9 pessoas 3%. A composição familiar é importante para se ter ideia da renda per capita na comunidade. Uma vez que quanto maior o número de pessoa na família maiores serão os custos com a alimentação. Na comunidade das familias que fizeram parte desta pesquisa apenas 9% recebem o Bolsa Família. A maioria dos entrevistados trabalham na unidade familiar 59% o que os caracterizam como agricultores familiares e 41% trabalham em outras atividades. Assim, os quintais para além da contribuição econômica que é dada as famílias, uma vez que estas passam a cultivar parte dos alimentos que são consumidos, apresentam um papel primordial na segurança alimentar e nutricional. Do ponto de vista ambiental os quintais domésticos desempenham funções essenciais para manutenção e conservação das sementes crioulas, das espécies nativas, além de regular o equilíbrio do clima, servem de abrigo para as espécies da região, conservação da biodiversidade, dos recursos naturais (VIEIRA, 2009). Assim, é possível afirmar que os quintais contribuem para o fortalecimento das práticas agroecológica e da agricultura familiar, gerando renda para os agricultores por meio da venda dos produtos cultivados nos quintais, por outro lado, os quintais promovem a segurança alimentar dos pequenos produtores e dos consumidores disponibilizando alimentos seguros e de fácil acesso em quantidade e qualidade necessária para uma vida saudável. b) Finalidade do uso dos quintais produtivos e tipos de cultivos A partir dos dados coletados em campo foi possível identificar as principais finalidades de utilização dos quintais produtivos na comunidade de Barreira Vermelha, conforme Tabela 1. Tabela 1. Finalidade do uso dos quintais em Barreira Vermelha. Finalidade de Uso Plantação de Frutíferas e Atividades de Lazer Plantação de Frutífera e Criação de Animais Plantação de Frutífera e Medicinais Plantação de Frutífera e Criação de Animais e Medicinais Plantação de Frutífera e Medicinais, Paisagismo e Lazer Horta Frutífera, Medicinais e Criação de Animais Frutífera e Medicinais, Paisagismo, Criação de Animais e Lazer Lazer Total (%) 19% 16% 9% 19% 6% 19% 6% 6% 100% Observou-se que o hábito de plantar frutíferas nos quintais aparece em 94% das respostas e que a criação de animais ocorre em 60% delas. Outros usos como o cultivo de plantas medicinais e paisagísticas também são verificados, para além dessas finalidades os quintais na comunidade de Barreira Vermelha se apresentam como um espaço de lazer para as famílias. As espécies de frutíferas cultivadas são variadas e de acordo com o levantamento realizado nos quintais é possível encontrar frutas como: goiaba, cajarana, coco, acerola, manga, seriguela, graviola, pitaia,1 tamarindo, cajá, mamão, abacate, noni,2 além de cana-de-açúcar e de pseudofruto como o caju. Cabe aqui destacar que do universo da pesquisa, apenas 6% não dispõem de espécies frutíferas em seus quintais. Dos 94% questionados sobre a forma de utilização desse recurso, 88% afirmaram ser para o consumo familiar; 3% para o consumo familiar e para trocas do excedente; 3% para o consumo familiar e para a comercialização do excedente. O consumo de frutas produzidos nos quintais é significativo, ademais abre espaço para a comercialização desse recurso, uma vez que não dispõem de tantos investimentos e pode ser incorporada a comercialização via o Programa Aquisição de Alimentos (PAA), sobretudo para o consumo de frutos regionais nos cardápios escolares, via o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Na identificação dos quintais produtivos foram também levantadas as residências que já tem o hábito do cultivo de hortas e dentre as espécies que foram citadas aparecem verduras e hortaliças como: a pimenta, o coentro, o pimentão, a cebolinha, a alface, o tomate, o jerimum ou abóbora, o urucum, além de tubérculos como: a batata-doce e a macaxeira. Um outro uso relevante dos quintais produtivos na comunidade estudada é para criação de animais. Constatouse que 63% dos entrevistados criam galinhas; 13% bovinos, 9% ovelhas; 6% guinés e 3% porcos, 3% possuem jumentos e 9% cavalos. Por fim, quando questionados sobre os motivos que são levados em consideração na escolha dos alimentos plantados nos quintais produtivos os entrevistados responderam que, consideram o aspecto nutricional 53%, ou seja, a melhoria na qualidade da alimentação da família; o nutricional e cultural 25%; apenas o aspecto cultural 9%, uma vez que muitos entrevistados aprenderam a prática de cultivo dos quintais com seus antepassados e desejam continuar essa tradição, Figura 4. 1 Planta da família das cactáceas originaria da América tropical e subtropical. O fruto tem sabor adocicado e suave, aparência exótica apresentando propriedades organolépticas, sendo rica em fibras, com excelentes qualidades digestivas e de baixo valor calórico, além de muitas sementes com ação laxante. 2 Planta cujo nome cientifico é Morinda citrifolia o fruto é verde, parecido com a fruta do conde. 6% 9% Nut. 3% 3% Nut. e Cul. 53% 25% Mon. e Nut. Mon. e Cul. Cul. Figura 4. Gráfico dos fatores que influenciam no cultivo dos quintais produtivos. Já em relação ao aspecto econômico, apenas 3% responderam considerá-lo aliando ao aspecto nutricional e 3% relacionaram o aspecto econômico ao cultural, ou seja, 6% dos entrevistados consideram que os seus quintais possuem potencial econômico quando são produtivos. Outrossim, a maioria considera a importância da produção dos seus quintais para melhoria da qualidade alimentar e nutricional da sua família. Apesar da importância e contribuição da produção dos quintais, como tecnologia social que contribui para promover a segurança alimentar nas últimas décadas a sociedade está perdendo o hábito de cultivar plantas nos quintais, alterando a sua função e adaptando as novas exigências impostas pelo sistema econômico e pela urbanização. Embora esse sistema de produção de múltiplas espécies tenha provido e sustentado milhões de pessoas ao longo do tempo, pouca atenção científica vem sendo destinada ao tema. c) A segurança alimentar e nutricional e soberania alimentar como direito Os dados ora apresentados apontam para uma reflexão a respeito da segurança alimentar e nutricional, bem como da soberania alimentar no Brasil e em todo o mundo. É certo, que de meados do século XX aos dias atuais as sociedades humanas tem vivenciado grandes transformações que resultaram em mudanças no seu estilo de vida. Tais transformações têm afetado o seu padrão de saúde, sobretudo no que diz respeito aos hábitos e costumes alimentares. Cabe aqui ressaltar que essas mudanças vêm a comprometer, diretamente, a realização do direito humano à alimentação adequada, apontando para o surgimento de um quadro de insegurança alimentar e nutricional. De acordo com a Lei de n° 11.346/2006 a segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis” (BRASIL, 2006). De acordo com a Articulação Nacional de Agroecologia (2010) vários fatores interferem na situação alimentar e nutricional das famílias como, por exemplo, a ausência de uma política de segurança alimentar e nutricional que respeite as especificidades alimentar de cada região. Outro fator é a divulgação por parte da mídia de alimentos que pregam a praticidade exigida à mulher e ao homem incentivando o consumo de alimentos industrializados (POLLAN, 2008). De acordo com a Fundação Konrad Adenauer (2009) a soberania alimentar está diretamente ligada à agricultura familiar pelo fato desse modelo está fundamentado em bases agroecológicas que propõem estratégias sustentáveis para a produção de alimentos de qualidade e com valores nutricionais quantitativamente adequados para uma alimentação saudável sem a utilização de agrotóxico. Os resultados desta pesquisa vem ressaltar a importância do cultivo dos quintais domésticos, como mecanismo que pode viabilizar o consumo de produtos localmente produzidos, uma vez que vem ocorrendo uma mudança nos hábitos alimentares da população de agricultores familiares, como já constatado por Reinaldo, Silva, Nordato et al (2015). A pesquisa indica que os quintais das famílias que foram estudadas, possuem um potencial para geração de renda e promoção da soberania alimentar das famílias, pois os agricultores podem diversificar a produção dos quintais para comercializar, obter lucro e melhora a qualidade de vida das famílias, disponibilizando alimentos saudáveis produzidos no próprio estabelecimento. Para isso é necessário ampliar a eficiência dos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) na comunidade de Barreira Vermelha, para discutir a possibilidades de gerar excedentes comercializáveis, indicando as melhores espécies para serem comercializadas no comercio local e orienta os agricultores com relação ao manejo adequado do solo uma vez, que a comunidade precisa ser capacitada para desenvolver mecanismo de convivência com as secas que ainda é um problema predominante no semiárido do nordeste brasileiro. Portanto, para garanti o direito a uma alimentação segura e saudável para toda população é necessário políticas públicas que viabilizem uma disponibilidade maior de recursos para produção de alimentos incentivando uma agricultura sustentável capaz de produzir alimentos com elevada qualidade em quantidade necessária e de forma permanente para todos. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir desta pesquisa é possível afirmar que, Barreira Vermelha apesar está inserida na área de estudo da pesquisa realizada pela USP que apresenta uma mudança no padrão alimentar da população local, seus moradores ainda conservam a tradição de cultivo dos quintais domésticos. Os quintais produtivos é uma forma de valorizar o saber tradicional e incentivar a segurança e soberania alimentar por meio da implantação e diversificação de recursos produzidos. Ademais, contribui para enriquecer os debates em torno das políticas públicas territoriais voltadas para o fortalecimento e desenvolvimento da agricultura familiar em comunidades rurais. Acredita-se que, a ampliação dos serviços de ATER possa contribui para a organização social e qualificação da população de Barreira Vermelha, além de incentivar a criação de associações/cooperativas e mecanismos que facilitem o acesso da comunidade a políticas públicas como o PAA e o PRONAF. A hipótese que a inserção da população em programas governamentais de transferência de renda, poderia contribuir para o maior consumo de produtos industrializados, no caso de Barreira Vermelha não se confirmou, pois apenas 9% das famílias recebem programas dessa natureza. A maioria dos produtos produzidos nos quintais são para o consumo familiar, o que vem a minimizar os gastos com alimentação e garantir segurança alimentar e nutricional para a população. Portanto, a pesquisa indica a necessidade de outros estudos para aferir com maior precisão os fatores que estão contribuindo para a transição alimentar nas comunidades rurais que compõem o pólo Jucuri, zona rural de Mossoró (RN). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMOROZO, M. C. de M. (2002). Agricultura tradicional, espaços de resistência e o prazer de plantar. Recife: SBEE. BRASIL. (2006), Lei de N° 11.346 de Setembro de Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11346.htm, [Consultado em 11-7- 2014]. INSITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. (2010), Sinopse do Censo Demográfico Rio Grande do Norte. Disponível em http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?uf=24&dados=29, [Consultado em 22-9-2014]. INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL E MEIO AMBIENTE DO RIO GRANDE DO NORTE. 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