Título: REFLETINDO E RESSIGNIFICANDO O FAZER PEDAGÓGICO EM
CIÊNCIAS NATURAIS
Área Temática: Educação em Ciências Naturais e Matemática
Autora: CLÉRIA BITENCORTE MELLER (1)
Instituição: Unijuí
A formação de professores tem sido colocada em questão por diversas
pesquisas realizadas. Em se tratando do ensino de Ciências Naturais, uma das
preocupações constantes de investigadores da área, situa-se na busca de
alternativas que possibilitem a inclusão de conhecimentos científicos
significativos no Ensino Fundamental, desde as séries iniciais, de forma tal que
o ensino torne-se um meio efetivo de instrumentalização do aluno para a
construção de conhecimentos significativos que resultem numa melhor
compreensão da sociedade em que vive, ensejando uma melhoria na
qualidade de vida.
Apesar dos esforços empreendidos, o ensino de Ciências Naturais nas
Séries Iniciais do Ensino Fundamental não se alterou de modo significativo.
Todos concordam que é necessário trabalhar conhecimentos científicos em
todos os graus de ensino. No entanto, isso não vem ocorrendo.
Os conteúdos trabalhados não levam em consideração o mundo da vida
dos alunos e reforçam a ótica de homem-máquina, legitimando a preocupação
do professor em ensinar a ler, escrever e contar, raríssimas vezes se questiona
sobre a validade daquilo que está ensinando. A falta de relação entre as
temáticas das ciências e as temáticas do cotidiano do aluno torna o ensino
escolar distante, fragmentado e sem significado para a vida. Nem sempre o
professor reflete em torno da pergunta, a quem estou ensinando?
“Aprendizagens significativas não são as que se originam em função de serem
verificadas (na verdade, cobradas) em exercícios mecânicos ou em exames
padronizados, mas as que orientam para novas competências comunicativas
nos campos da cultura, da vida em sociedade e da expressão das
personalidades de qualquer amarra” (MARQUES, 1995, p. 111).
O conhecimento científico conduz à pesquisa, por isso não se resume
em atividades de memorização, nem em mágicas, mas deve contribuir para o
desenvolvimento do aluno no que se refere a capacidade de observar, de
expor suas idéias, de questionar e de buscar respostas às suas indagações.
“(....) A criança não é cidadã do futuro, mas já é cidadã hoje, e, nesse sentido,
conhecer ciência é ampliar a sua possibilidade plena de participação social no
futuro”(Parâmetros Curriculares Nacionais).
Cada vez que escuto que as crianças pequenas não podem aprender ciências, entendo
que essa afirmação comporta não somente a incompreensão das características
psicológicas do pensamento infantil, mas também a desvalorização da criança como
sujeito social. Nesse sentido, parece que é esquecido que as crianças não são somente
“o futuro” e sim que são “hoje” sujeitos integrantes do corpo social e que, portanto, têm
o mesmo direito que os adultos de apropriar-se da cultura elaborada pelo conjunto da
sociedade para utilizá-la na explicação e na transformação do mundo que as cerca. E
apropriar-se da cultura elaborada é apropriar-se também do conhecimento científico, já
que este é uma parte constitutiva da cultura”(WEISSMANN, 1998).
Não pretendemos que o aluno torne-se um pequeno cientista, como
defendem alguns pedagogos. “O aluno não pode transformar-se num pequeno
cientista, como alguns projetos pedagógicos tentaram. Não possui a
quantidade de conhecimentos para poder reconstruir, de forma autônoma, o
caminho da ciência; não possui os recursos metodológicos e nem a tecnologia
adequada” (WEISSMANN, 1998). O que se pretende é dar oportunidade para o
aluno desenvolver sua capacidade criativa e crítica, que possibilite construir
conhecimentos científicos relacionados ao ambiente em seus diferentes
aspectos: biológico, geológico, físico e químico, mediados pela professora,
tomando como ponto de partida o seu cotidiano.
“(....) Os conceitos científicos, pelo fato de estarem mais distantes da realidade
imediata da criança, induzem um tipo de percepção generalizante, categorial,
que tem um papel decisivo para a tomada de consciência por parte da criança
de seus próprios processos mentais. Ao trabalhar com conceitos espontâneos,
a criança não está consciente deles, pois sua atenção está voltada para o
objeto mesmo a que se refere e não ao ato de pensamento” (VASCONCELOS,
1998).
Considerando que o objeto de estudo das Ciências Naturais é o
ambiente, principalmente, em termos biológicos, físicos, geológicos e químicos,
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é importante que os conhecimentos trabalhados sejam construídos sob forma
interrelacionada, o que contribuirá à superação da fragmentação do trabalho
escolar. A área de Ciências Naturais, por suas características, constitui-se num
espaço privilegiado para compreender os fenômenos da natureza e as
transformações que ocorrem naturalmente, e pela interferência do ser
humano.”(....) Um conhecimento sobre a vida e sobre sua condição singular na
natureza permite ao aluno se posicionar acerca de questões polêmicas como
os desmatamentos, o acúmulo de poluentes(....) . Deve poder ainda perceber a
vida humana, seu próprio corpo como um todo dinâmico, que interage com o
meio em sentido amplo, pois tanto a herença biológica quanto as condições
culturais, sociais e afetivas refletem-se no corpo (....)” (PCN). A reflexão pelas
pessoas que atuam na educação sobre esses conteúdos deverá levar à
compreensão da rede de relações que ocorrem no ambiente e, historicamente,
como o ser humano vem interferindo-se nesse equilíbrio.
A convivência com os bens produzidos pela ciência e tecnologia faz
parte do cotidiano das pessoas, por isso a escola não pode ficar a mercê
desses conhecimentos “(....) A falta de informação científico-tecnológica pode
comprometer a própria cidadania, deixada à mercê do mercado e da
publicidade” (PARÂMTROS CURRICULARES NACIONAIS, 1998).
A partir dos pressupostos acima, optamos, desenvolver uma pesquisaação para investigar sobre o lugar e o papel das Ciências Naturais nas séries
iniciais do Ensino Fundamental numa escola de 1º e 2º Graus.
A pesquisa teve como objetivos, o de verificar, no interior da escola,
como está acontecendo a produção de conhecimentos científicos, bem como
discutir diferentes formas de organizar o processo de construção do
conhecimento na escola; selecionar conteúdos, fatos, conceitos, habilidades e
valores que possibilitem a formação de conceitos, buscando articulação entre o
senso comum e o conhecimento científico; interagir com as professoras para
auxiliá-las no aprofundamento de conteúdos, bem como na seleção de
estratégias que possibilitem o desenvolvimento de uma proposta pedagógica
de Ciências Naturais, que supere a abordagem linear e fragmentada dos
conteúdos.
Os procedimentos adotados para a coleta e construção de dados, numa
primeira fase da pesquisa, envolveram encontros com direção e professores,
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saídas a campo, fornecimento de subsídios teóricos para aprofundamento de
conhecimentos, além de outros. O enfoque metodológico se insere na linha
qualitativa que considera o ambiente como fonte direta na coleta de dados. A
interação com o grupo de professoras, é uma das prioridades, considerando
que não basta constatar de que o ensino de ciências ou de outra área é
deficitário, culpando este ou aquele pelos fracassos - discursando no vazio. É
necessário, junto com professoras e professores, encontrar respostas para a
solução “O professor não é um ser pronto; está sempre sendo, constituindo
sua humanidade. Cabe confiar nesse seu vir-a-ser. Não podemos cair no
purismo e exigir que ele tenha uma produção autônoma e criativa logo no
começo” (VASCONCELOS, 1998, p. 85).
Umas das primeiras atividades desenvolvidas com as professoras foi a
discussão em torno da pergunta - Por que nas séries iniciais os conhecimentos
científicos são pouco trabalhados?
As respostas mais freqüentes foram de que, não ensinam ciências, não
por falta de interesse, mas por falta de conhecimentos na referida área, e
ninguém ensina o que não sabe.
Alguns colocaram que ensinam alguns conteúdos de ciências,
principalmente, relacionados à Biologia como, por exemplo, as partes da
planta, animais domésticos...em geral esses conteúdos estão nos livros
didáticos...porém, nem sempre apresentam significado para o aluno. Outros
argumentam que, ao longo de sua formação, praticamente, não estudaram
ciências. A falta de um embasamento teórico, impossibilita-nos ensinar ciências
de
forma
teórico-prática..
“não
ensinamos
ciências,
porque
nossos
conhecimentos são incipientes, tanto em Biologia, como Física, Geologia e
Química” Inclusive, sentimo-nos pequenas diante do imenso laboratório do
qual o ser humano faz parte: a natureza.
Por acreditarmos em ações coletivas, propomos a realização atividades
de estudo, reflexão para possibilitar uma atualização constante das
professoras com relação a conteúdos de Ciências Naturais, procurando
modificar a realidade colocada - “não ensinam ciências, porque seus
conhecimentos são insipientes, tanto em Biologia, como Física, Geologia e
Química”. E, partindo do pressuposto que ninguém ensina o que não sabe,
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pretendemos atuar junto para ajudá-las a perceber que o profissional nunca
está pronto. Seu aperfeiçoamento deverá ser permanente e poderá ocorrer, no
coletivo, através da reflexão e resgate de suas práticas, sem perder de vista o
aprofundamento teórico, que poderá ser buscado na reflexão-ação-reflexão e
através do acesso a diferentes meios de comunicação - leitura, vídeos,
participação em eventos, Internet, além de outros.
(....) será preciso mexer tanto com a teoria (consciência), quanto com a prática do
professor, buscando a praxis, qual seja, uma prática fertilizada pela reflexão teórica,
portanto, carregada de sentido, de significado, e uma teoria fertilizada, provocada,
desafiada pelas questões da prática; esta articulação dialética entre teoria e prática. Por
que dialética? Porque uma exige a outra, uma nega a outra, e neste movimento, ambas
se superam no ato concreto do educador” (VASCONCELOS, 1998, p. 87).
O passo seguinte, foi a discussão em torno de como organizar o ensino
nas séries iniciais de forma que privilegie conceitos científicos, partindo de
situações da vivência de alunas e alunos?
Uma das idéias acatadas pelo grupo, foi a organização do currículo
escolar através de situações de estudo. Por sugestão, a primeira situação a ser
planejada, foi do estudo de um riacho que nasce no perímetro urbano da
cidade de Independência, denominado Quaraizinho, desconhecido pela
maioria das professoras da escola.
A situação de estudo pretende situar a ação, ou seja, localizar um ambiente (espaço) e
período (tempo) que possibilita a identificação de conceitos científicos fundamentais ali
presentes (núcleo irredutível da Ciência - Lakatos). Para que esta situação de estudo se
concretize, é necessário considerar as possibilidades nela contidas que são: a
investigação e a construção do conhecimento (ARAÚJO et al.).
A organização do currículo escolar através de Situações de Estudos,
representa uma possibilidade para, a partir do conhecido de alunas e alunos,
ressignificar conceitos científicos, instigar a curiosidade, ensejando a busca de
novos conhecimentos. Através de aulas teórico-práticas, dar oportunidade para
o aluno discutir e identificar as interações dos seres vivos entre si e com os
demais elementos do ambiente, contribuindo ativamente para a recuperação e
preservação do ambiente.
No cotidiano brotam as dúvidas, os questionamentos, os problemas de que se originam
as ciências sempre necessitadas de renovação por sua absorção nas práticas de cada
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dia(....) O cotidiano afirma a história como intensidade vivida e, ao recortar fatia do
espaço físico para nele situar o espaço relacional das diferenças e interdependências,
revela a organização do tempo como condensação das relações mediadas por objetos
culturais e processos sociais (MARQUES, 1995, p. 20).
No contexto escolar, verifica-se que ainda existe uma preocupação em
vencer uma listagem de conteúdos, mesmo que sem significado para os
alunos. A análise de programas de escolas da região indicam que, na listagem
dos conteúdos, por exemplo, a Geografia estuda o Rio Amazonas, o Rio São
Francisco, etc., que são importantes e devem integrar os conteúdos. No
entanto, os riachos e rios localizados no município e até mesmo na região não
são estudados.
Buscando a superação, também desse problema, a primeira atividade
realizada com as professoras foi apresentação de um filme sobre o riacho, até
então desconhecido pela maioria das professoras.
Ao longo da exibição do mesmo muitos questionamentos foram feitos,
principalmente com relação a conceitos/conteúdos de Ciências Naturais que
poderão ser estudados através da Situação de Estudo: O rio. Praticamente,
todas as professoras falaram e apresentaram sugestões do que poderia ser
trabalhado dentro do assunto.
Dentre as sugestões apresentadas, transcrevemos as mais freqüentes:
“Mapeamento do que será estudado, problematizar os alunos com relação a
água: o que faríamos se não tivéssemos água, por um dia, por uma semana...?
Dentre os conteúdos a serem trabalhados, destacamos o estudo dos tipos de
poluição das águas, estados físicos da água, mudanças dos estados físicos,
erosão, agrotóxicos, vegetação ciliar,.tipos de solos, vegetação, além de outros
assuntos. Estudar também a localização do rio no mapa, pontos cardeais,
nascente, margem direita e margem esquerda do riacho..., sinais de
interferência do ser humano no rio: lixo existente..., campanha de limpeza do
rio, criação, pelos alunos de slogans sobre o rio; realização de atividades
experimentais relacionadas ao rio...”
Merece destaque o interesse e a disponibilidade das professoras,
mesmo fora do seu horário de trabalho, em buscar informações relacionadas
ao assunto. Inclusive, solicitaram nossa contribuição no sentido de ajudá-las
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com materiais, bem como na realização e testagem de atividades
experimentais relacionadas à água.
O passo seguinte foi a realização de uma visita ao rio com a
participação das professoras envolvidas na pesquisa. Para documentar, foi
filmado o local em estudo em diferentes pontos: nascente, leito, margens, etc.
Durante as observações foi possível constatar a enorme possibilidade de
conhecimentos que poderão ser construídos num procedimento desta
natureza, tanto de Ciências Naturais como de Geologia, Geografia, e outras
áreas.
Ao longo das observações fizemos a seguinte pergunta às professoras:
Quais os reinos de seres vivos presentes neste ecossistema? Não obtendo
respostas, aproveitamos o silêncio para dar nossa contribuição com relação ao
assunto..
As intervenções das professoras revelaram a preocupação com a
preservação do ambiente. Identificaram os sinais de interferência do ser
humano no rio, bem como questionaram o que a escola poderia fazer para
recuperar o ecossistema em estudo?
E, finalmente, é importante colocar que esta pesquisa teve início em
1999, portanto, está em sua fase inicial. Quinzenalmente, são realizados
encontros com as professoras, quando são planejadas ações para o
desenvolvimento da Situação de Estudo: O RIO.
Além disso, como pesquisadoras, estamos elaborando uma situação de
estudo sobre o RIO, incluindo conteúdos, procedimentos, habilidades, atitudes
e valores para discussão, aplicação, análise e ampliação pelas professoras
envolvidas na pesquisa.
Notas
(1) Autor: Cléria Bitencorte Meller.
Departamento de Biologia e Química - UNIJUÍ.
Área Temática: Educação em Ciências Naturais
Endereço: Av. Santa Rosa, 536 – UNIJUÍ. Santa Rosa – RS Cep: 98900 000
Fone / fax: (055) 512 5700 e-mail: [email protected]
Referências bibliográficas
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MARQUES, Mário Osório. Aprendizagem na mediação do aprendido e da
docência. Ijuí : UNIJUÍ, 1995.
WEISSMANN, Hilda (org.). Didática de ciências naturais : contribuições e
reflexões. Trad. Beatriz Afonso Neves. Porto Alegre : Artes Médicas, 1998.
VASCONCELOS, Celso. Construção do conhecimento em sala de aula.
São Paulo : Libertad, 1995. p. 82.
_____. Resgate do professor como sujeito de transformação. São Paulo :
Libertad, 1998.
Parâmetros Curriculares Nacionais.
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