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Max Weber e o desencantamento do mundo
Carlos Henrique Gileno
O jurista, economista e pensador alemão Max Weber (1864-1920) entendia a
modernidade como o produto do processo de racionalização da sociedade e da cultura
ocidental. Aquela racionalização abarca a administração privada e pública, a economia e o
Estado, a moral e a arte. Esse amplo processo de racionalização fez com que a as visões de
mundo tradicionais fossem “desencantadas”, conduzindo à perda de liberdade em favor da
racionalização social que se expressa na burocratização do Estado e da economia.
De acordo com Max Weber, é possível afirmar que a gênese do capitalismo
moderno trouxe consigo o processo de racionalização dos mais diferentes setores da vida
social. Todavia, para que esse processo de racionalização ocorresse, foi preciso que o
capitalismo se desenvolvesse em um ambiente onde o tradicionalismo e a magia não
fossem mais os elementos decisivos para a cultura e a sociabilidade dos seres humanos.
O processo de racionalização se formou em um dado momento da história européia
(século XVII)
com o surgimento da ascese protestante, a qual, entre outros fatores,
harmonizava-se com o espírito do moderno capitalismo1. A referida ascese constituiu a
base religiosa do moderno homem econômico, revestindo-o de uma ética que deu origem à
moderna cultura secular fundada na empresa permanente e racional, na técnica racional e
no direito racional; bem como na ideologia racional, na racionalização da vida e na ética
racional na economia.
O ethos protestante, na sua versão calvinista, pode ser considerado um dos
elementos que compuseram a cultura e a sociabilidade moderna, que nasceu com o
desenvolvimento do capitalismo. Paradoxalmente, esse ethos teve sua origem no judaísmo
e no cristianismo que, em última instância, possuíam uma teoria econômica contrária a do
moderno capitalismo.
O judaísmo mantinha o dualismo universal entre moral de grupo e moral com
referência a estranhos. Os judeus não podiam receber juros de pessoas ou grupos que
estivessem ligados a eles pelos vínculos da tradição, mas poderiam auferir lucros de
pessoas ou grupos estranhos ao seu círculo religioso e ético. Esse dualismo fez com que os
judeus desenvolvessem seus negócios no terreno do irracional, formando um capitalismo
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que nada tinha a ver com o capitalismo instituído em moldes racionais, como ocorreu no
Ocidente.
Esse tradicionalismo dos judeus os guiou a uma forte antipatia a qualquer elemento
inovador. Não obstante, apesar dos judeus possuírem uma teoria econômica avessa a do
capitalismo racional moderno, eles contribuíram, de uma forma quase decisiva, para o
surgimento desse capitalismo, ao transmitirem ao cristianismo sua aversão à magia, visto
que “enquanto o judaísmo abriu caminho ao cristianismo, imprimindo-lhe o caráter de uma
religião inteiramente inimiga da magia, prestou, com isso, um grande serviço à história da
economia. Na realidade, o império da magia, fora do âmbito do cristianismo, é um dos
maiores obstáculos à racionalização da vida econômica. A magia vem estereotipar a técnica
e a economia” (WEBER, 1968, p. 85).
A eliminação do elemento mágico da ética cristã fez com o capitalismo moderno
fosse possível de surgir apenas no ocidente. Contrariamente ao que ocorreu na China e na
Índia, onde os princípios mágicos e tradicionais estavam fortemente presentes, a civilização
ocidental foi a única que pôde construir uma ética religiosa que se adequava ao
desenvolvimento de um tipo de capitalismo fundamentado em uma ética racional na
economia.
Essa ética religiosa é esboçada no catolicismo medieval dos monges, que
desenvolveram um modo de vida metódico dentro dos mosteiros. No claustro, o monge
vivia de uma maneira ascética, organizando seu cotidiano e a economia das comunidades
monacais racionalmente, com vistas a uma boa situação no Além. Contudo, os monges
formavam uma comunidade isolada do mundo; porquanto, para o cristão leigo, a ética da
Igreja católica medieval não o obrigava a experimentar a vida ascética dos mosteiros,
oferecendo a ele dispositivos mágicos para fugir do pecado. Esses preceitos mágicos
encontravam refúgio na confissão, que aliviava a consciência de culpa dos pecadores,
evitando assim a racionalização da vida cotidiana.
Apesar de a igreja católica possuir elementos hostis à magia, essa ainda continha
resíduos mágicos personificados na figura sacramental do padre, que impedia a
secularização de uma conduta racional de vida. Foi a Reforma Protestante, através de
Lutero, que contestou os poderes mágicos do catolicismo medieval, valorizando o trabalho
cotidiano secular e desenvolvendo a noção de que o único meio de satisfazer a Deus era a
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realização das tarefas terrenas. É nesse contexto que nasceu o conceito de vocação, o qual
valorizava os negócios mundanos da vida diária, substituindo, desse modo, a idéia católica
do isolamento monástico pelo interesse aos assuntos profanos, pois “as personalidades
rigidamente religiosas que se havia enclausurado, tiveram de trabalhar dentro do mundo
comum” (WEBER, 1968, p. 111). Entretanto, a idéia de vocação do luteranismo ainda
possuía certo tradicionalismo, uma vez que o indivíduo poderia ser salvo se a Deus se
dedicasse em fé contrita. Nesse sentido, a vida religiosa, sob o luteranismo, tendia para a
emotividade e o misticismo; tendência essa que será modificada com o surgimento do
calvinismo, que desenvolverá o conceito de vocação, despindo-o de qualquer cunho
tradicionalista.
Foi a doutrina da predestinação calvinista que favoreceu a racionalização do mundo,
desterrando a magia como forma de salvação2. Enquanto os católicos leigos da Idade Média
buscavam na magia sacramental do sacerdote o conforto da confissão - que permitia o
ressarcimento dos erros, a volta da esperança e a garantia do perdão - os calvinistas não
viam no sacramento qualquer meio de redenção.
O puritano existia somente por causa da vontade de Deus e para administrar os bens
que Ele deu aos homens na terra. Não havia mais o Deus do Novo Testamento que se
alegrava quando encontrava um convertido, mas um Deus transcendental que não se
manifestava aos homens, pelo simples fato de que Ele era inatingível pela capacidade da
compreensão humana. Esse Deus já decidira o destino de cada indivíduo - na medida em
que o predestinara - e Sua decisão era imutável. Portanto, tornava-se impossível perder a
graça, uma vez que ela fora outorgada, ou de ganhá-la, se ela não fora concedida.
Nesse caso, o puritano não tinha mais um “ente transcendental” para se apoiar, que
lhe garantisse que a salvação eterna lhe estava assegurada ou não. Nenhuma Igreja, nenhum
Sacramento e nenhum Deus poderiam salvar aquele que não fosse o eleito: ai estava a
diferença do calvinismo em relação ao catolicismo e ao luteranismo. Por conseguinte, o
processo de banimento da magia - que havia começado com o judaísmo e que foi
transmitido ao cristianismo - encontrou, no calvinismo, o seu ápice.
Isso conduziu o puritano a um imenso isolamento espiritual. Esse, por não possuir
nenhum sinal externo que lhe confirmasse a salvação, ficou impossibilitado de saber se era
um dos eleitos ou não, uma vez que não havia indício externo que diferisse o eleito do
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condenado. O único meio que o puritano tinha para sentir-se eleito era ter autoconfiança em
suas obras na terra, justificando-se pela luta diária da vida. Isso o levou a uma febril
atividade profissional, pois ela era a única maneira de espantar as incertezas religiosas
quanto à obtenção da graça.
Nessa perspectiva, a vida religiosa do calvinista era orientada para uma conduta
ética e para uma racionalização metódica de suas ações e para a valorização do trabalho no
mundo material. Assim, o êxito na atividade profissional era o termômetro que indicava se
o puritano possuía o signo da eleição. Surge, portanto, a partir daí, a idéia de “dever
profissional”, que pode ser considerada a característica mais clara da “ética social” da
moderna cultura capitalista.
De fato, o calvinismo introduziu a noção de que cada indivíduo deveria provar sua
fé na ocupação secular, produzindo, com isso, uma racionalidade que se alastrou por todos
os recantos da vida social. O puritano tornou-se capaz de organizar racionalmente as
empresas e a economia, como também de acumular riqueza; acumulação essa que era um
dos requisitos necessários para o pleno sucesso da sua atividade profissional. Ao contrário
do luterano - que não admitia que o indivíduo fosse recompensado materialmente - o
puritano, através de sua idéia de vocação, admitia a posse de riquezas, desde que não se
entregasse ao ócio e à contemplação. Se a riqueza fosse alcançada por intermédio do
ascetismo para a glorificação de Deus, ela não só seria permitida, como também estaria
revestida de um enorme valor moral.
O trabalho transformou-se no principal objetivo da vida do puritano, visto que a
“falta de vontade de trabalhar é um sintoma da ausência do estado de graça” (WEBER,
1987, p. 112). Aquela ideia de que o homem era apenas o administrador dos bens de Deus
na terra, fez com que o puritano aumentasse esses bens através de um trabalho intenso:
atitude essa que foi de fundamental importância para o desenvolvimento do moderno
capitalismo.
Esses elementos conduziram o puritano à frugalidade, ao comedimento e,
consequentemente, a valorizar a crescente produtividade no trabalho em contraposição ao
desperdício de uma vida ostensiva; passando a produzir e a não consumir o produto do seu
próprio trabalho. Desse ponto de vista, tornou-se condenável o uso irracional da riqueza,
pois o desejo de obtenção de lucro ilimitado que havia existido em diversas épocas
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históricas anteriores ganhou a característica de ser buscado em termos de rentabilidade, ou
seja, de reinvestimento contínuo no próprio trabalho, favorecendo a acumulação de capital
em moldes racionais.
O conceito de vocação do puritanismo - baseado numa conduta racional - abriu
caminho ao espírito do moderno capitalismo e, o que é mais importante, modelou à sua
imagem a cultura moderna. A racionalização invadiu o trabalho, a produção, a
administração, o direito, o Estado, a cultura, a subjetividade das pessoas e dos grupos. A
obediência do puritano aos preceitos divinos transformou-se e despiu-se de sua aura
religiosa.
[...] desde que o ascetismo começou a remodelar o mundo e a nele se
desenvolver, os bens materiais foram assumindo uma crescente e,
finalmente, uma inexorável força sobre os homens, como nunca antes
na História. Hoje em dia [...] seu espírito religioso safou-se da prisão.
O capitalismo vencedor, apoiado numa base mecânica, não carece
mais de seu abrigo [...] Ninguém sabe ainda a quem caberá no futuro
viver nessa prisão, ou se, no fim desse tremendo desenvolvimento,
não surgirão profetas inteiramente novos, ou um vigoroso
renascimento de velhos pensamentos e idéias, ou ainda se nenhuma
dessas duas – a eventualidade de uma petrificação mecanizada
caracterizada por esta convulsiva espécie de autojustificação. Neste
caso, os últimos homens desse desenvolvimento cultural poderiam
ser designados como especialistas sem espírito, sensualistas sem
coração, nulidades que imaginam ter atingido um nível de civilização
nunca antes alcançado” (WEBER, 1987, p. 125).
No final do século XIX e início do século posterior, o processo de desencantamento
do mundo alcançou o seu grau mais elevado. A magia, o tradicionalismo, a superstição
continuariam a existir, mas apenas o “racionalmente ético” teria validade. O homem se
subordinou à máquina, à burocracia racional legal, ao cálculo, enfim, às estruturas racionais
de dominação que se espraiaram por toda a sociedade.
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Bibliografia Citada
WEBER, Max. História Geral da Economia. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1968.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 5. ed. São Paulo:
Editora Pioneira, 1987.
1
Segundo Max Weber, apesar do ascetismo protestante ter favorecido a racionalização da economia, da
política, da cultura e da sociedade, ele não foi a única relação causal que conferiu racionalidade à sociedade
moderna. Essa racionalidade irrompeu de vários fatores históricos, não podendo ser avaliada através de uma
interpretação unilateral da história que privilegie a economia ou a religião.
2
Não se trata da análise da própria doutrina de Calvino, mas da forma como o calvinismo assumiu e
influenciou a formação do espírito do capitalismo moderno. Essas idéias se desenvolveram essencialmente
nos países baixos – como também na Inglaterra e França - em fins do século XVI e século XVII, onde
podemos vislumbrar a consolidação da moderna cultura capitalista.
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1 Max Weber e o desencantamento do mundo Carlos Henrique