Uma publicação do Colégio Dante Alighieri
I S S N 2 2 3 8 -2 9 3 3
Ano III - N 3 - Novembro de 2013
Danilo Barreto/Departamento de Audiovisual do Dante
o
Carlos
Henrique de
Brito Cruz
Diretor-científico da Fapesp
fala sobre a inclusão social no
ensino superior, o cenário de
pesquisa no Brasil e a importância
da pré-iniciação científica
CIÊNCIAS HUMANAS
•Com açúcar, com afeto: rituais alimentares
como forma de ressocialização
•Uso de materiais manipuláveis para
facilitar o aprendizado de matemática
TECNOLOGIA
•Sistema identifica infratores nas vagas
de estacionamento para deficientes
•Lixeira inteligente possibilita
coleta seletiva automática
SAÚDE
•Molécula mantém características “tronco”
de células mesenquimais e pode ajudar
na escolha de futuras terapias
•Complexos de inclusão entre
ciclodextrina e antifúngicos melhoram
eficiência de medicamentos
QUALIDADE DA ÁGUA
•Utilização de bactéria reduz
custo de dessalinização
•Lírio-do-brejo é utilizado para
tratar águas contaminadas
AGRONOMIA
•Extrato do vegetal comigo-ninguémpode é aplicado no combate a pragas
•Defensivo agrícola natural atrai pragada-couve e barateia alimento orgânico
•Abelhas são utilizadas como
detectoras de essências
•Cera de abelha é usada para prolongar
vida útil de frutas pós-colheita
+ (Expediente)
Presidente:
Dr. José de Oliveira Messina
Diretora-Geral Pedagógica:
Profª. Silvana Leporace
Comitê Científico:
Profª Ms Sandra Rudella Tonidandel
Profª Ms Valdenice M. M. de Cerqueira
Profª Ms Carolina Lavini Ramos
Jornalista Responsável:
Fernando Homem de Montes
MTB 34598
Comitê Editorial
Profª Ms Sandra Rudella Tonidandel
Profª Ms Valdenice M. M. de Cerqueira
Fernando Homem de Montes
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Edição e textos:
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2
Uma publicação
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+ (Índice)
[(editorial)]4
[Fazer ciência, fazer revista, fazer história]
[(ponto de vista1)]
[Roseli de Deus Lopes - Há muitos problemas à espera de
sua criatividade]5
(Entrevista: Carlos Henrique de Brito Cruz,
diretor-científico da Fapesp)6
C1
[(Tecnologia)]
[Sistema identifica infratores nas vagas de estacionamento
para deficientes]12
[Lixeira inteligente possibilita coleta seletiva automática]16
[(Ciências Sociais Aplicadas)]
[Com açúcar, com afeto: rituais alimentares como forma de
ressocialização]20
[Uso de materiais manipuláveis para facilitar o aprendizado
de matemática]24
C2
[(Ponto de Vista2)]
[Karen Merrill – “O que você precisa para ser um jovem
cientista de sucesso”]28
[(Ponto de Vista3)]
[André Luís Viegas - “Ciência sob o olhar das crianças”]31
C3
[(Saúde)]
[Molécula mantém características “tronco” de células
mesenquimais e pode ajudar na escolha de futuras
terapias]32
[Complexos de inclusão entre ciclodextrina e antifúngicos
melhoram eficiência de medicamentos]36
C4
[(Qualidade da Água)]
[Em busca de água potável: bactéria reduz custo de
dessalinização]40
[Lírio-do-brejo é utilizado para tratar águas contaminadas]44
[(Agronomia)]
[Pesquisa testa eficiência do extrato do vegetal comigoninguém-pode no combate a pragas]48
[Defensivo agrícola natural atrai praga-da-couve e barateia
alimento orgânico]52
[Cera de abelha é usada para prolongar vida útil de frutas
pós-colheita]56
[Abelhas são utilizadas como detectoras de essências]60
C5
[(Bate-papo)]
[Pedro Nehme, o segundo brasileiro a viajar para o espaço]64
[(Institucional)]
[Talento de dantianos para inovação é reconhecido em feiras
nacionais e internacionais ]66
C1: Danilo Barreto/Departamento de Audiovisual do Dante / C2, C3, C4 e C5: Acervo pessoal dos pesquisadores
3
+ (Editorial)
{Fazer ciência, fazer revista,
fazer história}
Sandra M. R. Tonidandel
Profª. Coordenadora do Departamento de Ciências da
Natureza do Colégio Dante Alighieri e Doutoranda em
Ensino de Ciências pela Faculdade de Educação da USP
Valdenice Minatel
Profª. Coordenadora do Departamento de Tecnologia
Educacional do Colégio Dante Alighieri e Doutoranda em
Educação: Currículo – Novas Tecnologias pela PUC-SP
F
azer ciência, fazer revista, fazer história.
Três fazeres que se completam e se entrelaçam
em um único objetivo: construir e divulgar o
conhecimento para que tenhamos um mundo
melhor, uma sociedade melhor.
Com esse primeiro parágrafo, introduzimos e
consolidamos o ideal que nos tem movido ao
longo destes anos ao atuarmos como educadores
e cientistas. Um ideal pautado na possibilidade
de termos, sim, cientistas abaixo do Equador, de
publicar e de divulgar sua produção científica e
contribuir para que a história seja construída por
todos.
Nesse sentido, trazemos uma reflexão sobre a
notícia “Comunidade científica debate propostas
para fomentar a inovação”, publicada no site da
Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa de São
Paulo) em 23 de outubro de 2013 (disponível em
http://agencia.fapesp.br/18097). Uma das questões
ali apresentadas trata da necessidade de se
fortalecerem os mecanismos de inovação. Para nós,
que trabalhamos nas escolas com alunos da área de
pré-iniciação científica, está claro que um dos mais
fortes mecanismos para despertar e aprimorar
nos jovens a competência de desenvolver projetos
inovadores e criativos é a educação científica. Ela
permite aos estudantes trabalhar a investigação,
a resolução de problemas e as propostas para a
sociedade.
Assim, consideramos ser necessária a criação, pela
escola, de espaços e incentivos para que os jovens
entendam o mundo e proponham novos processos
de produção. Para chegarem a esse objetivo, os
alunos devem utilizar a criatividade e a inovação,
tendo como eixos estruturantes a melhoria da
qualidade de vida na Terra e a sustentabilidade.
4
É isto que os leitores poderão apreciar neste
terceiro número da InCiência: como os alunos de
escolas públicas e particulares pensam e organizam
seus projetos de forma inovadora, contribuindo
para a formação de uma sociedade brasileira cada
vez mais desenvolvida nos processos de produção
e de intervenção em cada comunidade. Jovens
protagonistas em seu presente e em seu futuro!
Neste número, trazemos uma entrevista com
o engenheiro e diretor-científico da Fapesp,
Carlos Henrique de Brito Cruz, artigos da norteamericana Karen Merill, da Intel, do coordenador da
Mostratec, André Luís Viegas, e da coordenadora
da Febrace, Roseli de Deus Lopes, além dos
trabalhos dos queridos jovens cientistas.
Esperamos que cada matéria, cada entrevista e
cada coluna contribua com a sua visão sobre a
formação da cultura científica na educação básica.
Os alunos, os professores e os cientistas aqui
presentes mostram como é possível pensar numa
educação científica atualizada, moderna e orientada
para o envolvimento dos jovens na transformação
de seu país.
Aos jovens cientistas, um lembrete: aguardamos
a inscrição de seu projeto no site da revista. As
regras e as formas de submissão estão lá descritas
de forma ordenada. Assim, para ver seu trabalho
publicado nesta revista, envie seu artigo por meio
do endereço http://www.colegiodante.com.br/
inciencia/envio/.
Uma comissão de professores-pesquisadores fará
uma avaliação e dará o parecer sobre sua pesquisa.
Se for aprovado, é só aguardar nosso contato!
(Ponto de vista)1
Há muitos problemas
à espera de sua
criatividade
Roseli de Deus Lopes
A
aquisição de informações não era e não
é o foco de quem vai à escola. Com o avanço
das tecnologias da informação e comunicação,
fica ainda mais evidente que o fundamental na
escola é aprender a aprender e aprender que
será preciso aprender sempre, ao longo de
toda a vida.
Assim, é importante que os estudantes
reconheçam desde cedo os talentos,
competências e habilidades que já têm
e percebam que podem aprimorá-los e
desenvolver outros. Um caminho fértil, para
isso, é desenvolver atividades de aprendizagem
baseadas na realização de projetos que
exercitem
a
criatividade,
utilizando
metodologia científica e/ou de engenharia.
O desenvolvimento de projetos investigativos
na escola estimula estudantes a realizar
projetos utilizando materiais diversos,
principalmente de baixo custo e/ou reciclados,
e os leva a uma aprendizagem significativa,
permitindo ampliar horizontes e despertar
vocações.
Os professores devem persuadir os jovens
estudantes a acreditar que pesquisas e
desenvolvimentos importantes podem ser
feitos por qualquer um deles, e que para
Sandra Miceli
isso basta querer aprender e trabalhar com
empenho. É preciso incentivar os estudantes
para que busquem identificar bons problemas
para resolver com as competências e
habilidades que têm ou que podem desenvolver.
Há muito mais problemas à espera de soluções
do que problemas já resolvidos!
*Coordenadora Geral da Febrace
(Feira Brasileira de Ciências e Engenharia)
5
+ (Entrevista)
Brito Cruz: “As universidades
brasileiras têm que
buscar alunos em todas as
camadas da população”
Oficina Dante em Foco
D
iretor-científico da Fapesp (Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo), uma das principais fomentadoras da
pesquisa científica no Brasil, Carlos Henrique
de Brito Cruz é contra o sistema de cotas no
ensino universitário brasileiro. O engenheiro
eletrônico formado no ITA e doutor em
Ciências pela Unicamp, porém, defende
outra forma de inclusão social na educação
superior. “Acho muito importante ter mais
inclusão social nas melhores universidades.
Ou seja: ter um corpo de estudantes que
represente melhor a população brasileira,
pois tem gente inteligente e capaz em todas
as categorias de riqueza da população
brasileira. A principal maneira [de inclusão
social na universidade], que vejo sendo
pouco usada no Brasil, é a ideia de as
universidades buscarem alunos em todas
as camadas da população. Porque no Brasil
as universidades são acostumadas a ficar
ali esperando os estudantes se inscreverem
no vestibular. Além de oferecer exame [do
vestibular], tem que ir às escolas e convidar
as pessoas. Dizer: ‘Você tirou nota boa em
Física durante dois anos no colégio. Não
quer estudar Física aqui na Unicamp?’. E aí
convida a pessoa. É o que os americanos
6
Entrevista realizada por Eduardo Marins, aluno
da oficina de jornalismo Dante em Foco, do
Colégio Dante Alighieri.
Colaboraram os jornalistas Gustavo Antonio,
Barbara Endo e Felipe Guerra.
fazem, e é isso que deveríamos fazer aqui”,
diz com a experiência de quem foi reitor da
Unicamp entre 2002 e 2005.
Nesta entrevista exclusiva à InCiência, além
das alternativas de inclusão social no ensino
superior, Brito Cruz abordou sua trajetória
no campo científico, com destaque para as
atividades realizadas pela Fapesp, agência
da qual foi presidente entre 1996 e 2002
antes de assumir a direção científica em
2005. “O estado de São Paulo tem cerca
de 20% dos cientistas do Brasil, mas produz
50% da ciência feita no país. Então tem
capacitação mais alta do que no resto do
Brasil e, em boa parte, por causa da ação da
Fapesp”, afirma o ex-aluno do Colégio Dante
Alighieri.
Temas como o cenário da pesquisa
científica no Brasil, incluindo a relação entre
universidades e empresas, e a importância
da pré-iniciação científica (voltada para
alunos do Ensino Fundamental e Ensino
Médio) também estão presentes neste batepapo com Brito Cruz. Confira a seguir:
Quando e de que forma surgiu o seu
interesse pela área científica?
Danilo Barreto/Departamento de Audiovisual do Dante
“Meu interesse pela área científica
começou com o meu interesse em montar
e desmontar objetos para ver como as
coisas funcionavam e depois estudá-las”
O meu interesse pela área científica começou
com o meu interesse em montar e desmontar
objetos, como brinquedos, carrinho de
autorama e trem elétrico, para ver como as
coisas funcionavam e depois estudá-las.
E, com o tempo, foi virando interesse pela
ciência, em saber como funciona o mundo.
Isso foi ajudado pelo ambiente estimulante
que existia em minha casa, pois meus
pais nos estimulavam a estudar, ler. Havia
uma coleção de livros chamada “Tesouro
da Juventude”, muito boa para criança na
minha época, com a qual aprendíamos
muitas coisas, já que eram 18 volumes.
Muitas seções diziam como podíamos fazer
determinada coisa, por exemplo, como
fazer um barco com rolha de cortiço ou um
avião lançado por elástico. E tudo isso foi
estimulando o meu interesse. Mais tarde,
quando já estava no Colégio Dante Alighieri,
tive muito estímulo, por exemplo, nas aulas
de laboratório. Eu me lembro bem da aula
da professora Anthéia Sasson no curso de
Ciências, em que fazíamos uma experiência
de medir o tamanho de uma molécula de
ácido oleico. É uma experiência em que, em
uma cuba com água, pinga-se uma gota de
ácido oleico, mede-se quantos mililitros têm
ali, estica aquilo, espalha o ácido oleico na
água, levando em conta que eles não se
misturam. Espalha até ficar uma camada
bem fininha como molécula, e naquela área
sabemos quantas moléculas existem.
E como o senhor definiu a carreira
profissional que seguiria?
O Dante me ajudou muito a escolher o
caminho da minha formação, pois, quando
estava no chamado curso científico, tive um
professor de Física muito bom, o professor
Tucci [Wilson José Tucci], que lecionou para
nós o curso de Física do 3º Colegial. Ele
nos ensinou assuntos como eletricidade,
magnetismo e óptica. Na época, eu e alguns
colegas fomos até ele e perguntamos se
ele poderia fazer um cursinho sobre temas
da física moderna fora do horário de aula.
Eram assuntos como física quântica, física
atômica e teoria da relatividade. Depois
do expediente, o professor passava duas
horas conosco estudando um livro de física
moderna que, depois, descobri que era o
livro usado no primeiro ano da faculdade.
O professor também nos estimulava a
estudar, pensar e perguntar. Quando tive
que resolver onde ia estudar, o consultei. Eu
disse que gostaria de ser físico experimental
e perguntei se seria melhor estudar na USP
ou na Unicamp. O Tucci então me disse: “Se
você quer ser físico experimental, você deve
ir para o ITA estudar Engenharia Eletrônica
e, depois, fazer pós-graduação em Física”.
Eu fiz o que o professor disse para fazer e,
até hoje, sou completamente grato a ele,
porque isso foi ótimo para a minha formação.
Aprendi na Engenharia do ITA física,
matemática, química, ciências, eletrônica
e temas relacionados com instrumentos. E
depois fiz pós-graduação em Física e pude
progredir em minha carreira.
O senhor pode explicar qual é a função da
Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo)?
A Fapesp é uma entidade cuja missão é
financiar projetos de pesquisa liderados por
pesquisadores associados a instituições no
estado de São Paulo. A função da Fapesp é
estimular o avanço da pesquisa científica e
pesquisa tecnológica no estado.
E qual é o seu papel como diretor científico?
Como diretor científico da instituição, as
duas funções mais importantes que eu
exerço são: primeiro, acompanhar como vai
evoluindo a ciência no estado de São Paulo,
discutindo com a comunidade científica,
com pesquisadores e com membros do
comitê que temos na Fapesp. Pensar e
implementar maneiras para desenvolver
mais a ciência em São Paulo. É uma parte
grande e importante do meu trabalho aqui.
Por exemplo, discutindo com a comunidade
científica, descobrimos que seria bom ter no
7
8
Que balanço o senhor faz de seu trabalho
na Fapesp?
O trabalho que temos feito tem sido no
sentido de criar condições para que a
comunidade científica no estado de São
Paulo faça mais atividades de pesquisa.
E faça atividades de pesquisa de mais
impacto mundial. Gostaríamos que cada
vez mais houvesse descobertas científicas
lideradas por pesquisadores no estado que
fossem reconhecidas mundialmente como
descobertas importantes. Para isso, uma
das estratégias da Fapesp é estimular a
colaboração científica de pesquisadores
de São Paulo com pesquisadores de
outros países. E a estratégia tem evoluído
muito bem, pois há enorme interesse
de pesquisadores do mundo inteiro em
colaborar com pesquisadores de São
Paulo. Aumentamos muito o número de
projetos feitos em colaboração. Ao mesmo
tempo, também é muito importante para a
Fapesp a questão da formação de recursos
humanos para a pesquisa. Há um programa
grande de bolsas de iniciação científica,
mestrado, doutorado e pós-doutorado. São,
a cada mês, cerca de 12 mil pessoas que
pagamos no programa de bolsas. Outra
estratégia que fizemos foi aumentar o
número de bolsistas de pós-doutorado no
estado de São Paulo. Em 2005, havia um
Danilo Barreto/Departamento de Audiovisual do Dante
estado um grande programa de pesquisa
sobre bioenergia. Criamos um em 2009
e, hoje, há mais de 400 cientistas em São
Paulo que trabalham nesse programa de
bioenergia. Em outra discussão, surgiu a
ideia de fazer um programa sobre mudança
climática global, e fizemos. Então são ideias
para melhorar a ciência em SP. A segunda
função, mais rotineira, é supervisionar e
implementar todo o processo de seleção
de projetos de pesquisa da Fapesp.
Todo pesquisador que quer receber um
financiamento da Fapesp manda um
projeto de pesquisa pra cá. Ele explica que
pesquisa quer fazer e pede uma quantidade
de dinheiro. Tenho uma equipe grande,
e também usamos muita gente de fora,
para analisar esses projetos de pesquisa
e para tomar a decisão de financiá-los ou
não. Recebemos mais de 20 mil projetos
por ano. E para cada um precisamos fazer
análise, obter parecer, fazer decisão, e
depois mandar resposta para o pesquisador.
A seleção de projetos usa muito do nosso
tempo.
Como diretor-científico da Fapesp, Brito Cruz tem
as funções de acompanhar a evolução da ciência
no estado de São Paulo e selecionar os projetos
de pesquisa que serão financiados pela entidade
número que considerávamos pequeno para
a capacidade de pesquisa em São Paulo.
Hoje temos mais que o dobro de bolsistas
de pós-doutorado. Associando isso à nossa
estratégia de internacionalização, aumentou
muito o número de pessoas de outros países
que vieram ser bolsistas aqui, o que indica
um reconhecimento da qualidade da nossa
pesquisa. Então a busca por mais impacto
intelectual, econômico e social é o que
orienta o nosso trabalho na Fapesp.
Qual é a importância dessa evolução para
São Paulo?
Os resultados que a Fapesp obtém são
muito importantes para o estado de São
Paulo e para o Brasil. Um número que ajuda
a entender isso é o seguinte: o estado de
São Paulo tem aproximadamente 20%
da população do Brasil; são 40 e poucos
milhões de habitantes entre 200 milhões
no Brasil todo. O estado de são Paulo tem
cerca de 20% dos cientistas do Brasil, mas
produz 50% da ciência feita no Brasil. Então
tem capacitação mais alta do que no resto
do Brasil e, em boa parte, por causa da ação
da Fapesp.
Que relação o senhor vê entre a capacidade
dos alunos de inovar e o desenvolvimento
do nosso país?
No Brasil, como na maior parte dos outros
países, principalmente nos desenvolvidos, a
capacidade de desenvolver depende muito
fortemente da existência de algumas pessoas
inovadoras na população. Inovadoras ou por
originalidade das ideias, como artistas, por
exemplo, ou inovadoras porque usam os
métodos da ciência para descobrir coisas
novas e para aplicá-las. Para o Brasil é muito
importante ter um conjunto de pessoas bem
treinadas nessa, digamos, arte do método da
ciência para descobrir coisas novas. E outras
para usar essa descoberta
em novas aplicações. Isso já
acontece bastante no país.
O Brasil tem indústria de
avião, como a Embraer, que é
resultado disto: a capacidade
do brasileiro de criar inovações
relacionadas à fabricação de
aviões. O Brasil extrai petróleo,
tem programa de bioenergia e
etanol, também resultado da
criação científica e técnica de
brasileiros. E o país precisa
demais disso.
investimento feito em pesquisas científicas
no Brasil e crescimento econômico?
Acho que a relação não é exatamente entre
o crescimento econômico e o investimento
feito em pesquisa. A relação existente na
maioria dos países é entre crescimento
econômico e resultado obtido das
pesquisas. Pode ser que se invista muito
e não tenha resultado. A teoria econômica
reconhece a relação importante entre os
resultados científicos e avanços técnicos
e o desenvolvimento econômico. E, como
exemplifiquei na pergunta anterior, no Brasil
há uma relação clara disso. Uma fração
importante do PIB brasileiro cresce por
causa de avanços tecnológicos e científicos
que foram criados no Brasil.
Como o senhor vê o cenário atual da
pesquisa científica no Brasil?
A pesquisa científica tem progredido
bastante. Nos últimos 60 anos, tem havido
crescimento importante da capacidade e
do número de brasileiros envolvidos em
pesquisa científica, da capacidade do Brasil
de formar novos pesquisadores, formar
doutores. Também tem havido crescimento
importante nos resultados da pesquisa
científica e na aplicação de alguns desses
resultados em questões econômicas ou
sociais. E o Brasil tem sido bem reconhecido
pelos outros países do mundo como local
interessante do ponto de vista da pesquisa
científica. É claro que tem alguns desafios
muito importantes para o Brasil vencer ainda.
Talvez o principal seja organizar melhor a
Para Brito Cruz, na escola básica, a pesquisa
é uma atividade que pode ajudar a estimular
os estudantes a aprenderem melhor
Danilo Barreto/Departamento de Audiovisual do Dante
Para o senhor, qual é o papel da pesquisa
na escola básica?
A pesquisa é uma atividade que pode
ajudar, na escola básica, a estimular os
estudantes a aprenderem melhor. Pesquisar
e ensaiar descobertas científicas são coisas
que, no meu entender, vão estimular pelo
menos alguns dos alunos da escola básica
a entenderem melhor, serem mais bem
treinados a aprender. Porque pesquisa é
isto: é um método para aprender coisas, um
método para responder a alguma pergunta
que ninguém sabe a resposta. E quando
se está na escola básica, o assunto é este:
aprender a aprender. Então a pesquisa ajuda
o jovem a aprender melhor. Por outro lado,
não devemos entender que é obrigatório
haver pesquisa na escola básica. Há
estudantes que vão se interessar por isso, e
outros que vão aprender de outro jeito (lendo
livro, fazendo exercícios da classe). Então,
quando lidamos com o jovem, é importante
ter uma variedade de ofertas para haver
adequação ao interesse de cada um.
Há relação direta entre o
9
atividade da pesquisa para os cientistas
conseguirem se dedicar de maneira mais
focalizada, sem distrações, de tal modo que
consigam produzir resultados que tenham
mais impacto mundial.
Mais da metade do dinheiro aplicado em
pesquisa no estado de São Paulo é dinheiro
de empresas, no total de gastos, enquanto
no Brasil o percentual é mais perto de 25%,
30%, pois é mais difícil ter essa relação.
E quanto ao futuro, as previsões são
otimistas?
Previsões podem ser otimistas, mas são
difíceis de fazer. Tem uma pessoa muito
sabida que disse que ‘é muito difícil fazer
previsões, principalmente sobre o futuro’. No
Brasil, há uma quantidade razoável de apoio
para atividades de pesquisa. No estado de
São Paulo, particularmente, há um apoio
especialmente bom para atividades de
pesquisa porque em São Paulo existe não só
a Fapesp, além dos financiamentos federais,
mas também há universidades muito boas e
muito bem organizadas, como USP, Unicamp,
Unesp, Federal de São Carlos, Unifesp,
Federal do ABC e ITA, que são lugares muito
bons para as pessoas fazerem pesquisas
– sejam professores ou estudantes de pósgraduação. Então dá para a gente supor um
desenvolvimento importante no futuro, e
acho que dá para ser otimista sim.
em
Em entrevista à revista
2005, o senhor criticou o sistema de cotas
nas universidades brasileiras, apesar de
defender outras formas de inclusão social.
Passados oito anos, o senhor realmente
acha que as cotas foram um equívoco?
Continuo com a mesma opinião. É preciso
diferenciar o objetivo da maneira pela qual
se quer alcançar o objetivo. O objetivo, que
acho muito importante, é ter mais inclusão
social nas melhores universidades. Ou seja:
ter um corpo de estudantes que represente
melhor a população brasileira. Não ter só
uma fatia representando os mais ricos, e sim
gente representando todos, pois tem gente
inteligente e capaz em todas as categorias
de riqueza da população brasileira. Esse é
o objetivo. Quanto à maneira de se chegar a
esse objetivo, a cota não é a melhor maneira
no meu entender. Há outras maneiras de
se fazer isso. A principal maneira, que vejo
sendo pouco usada no Brasil, é a ideia de
as universidades buscarem alunos em todas
as camadas da população, pois no Brasil as
universidades são acostumadas a ficar ali
esperando os estudantes se inscreverem
no vestibular. Nos Estados Unidos, é
completamente diferente. As universidades
têm departamentos cuja função é buscar
alunos brilhantes em qualquer escola dos
Estados Unidos e, às vezes, em outros países,
como Brasil, Inglaterra e França. Acho que
as melhores universidades estão perdendo
oportunidade de tomar ação proativa de
buscar melhores alunos, especialmente nas
camadas mais pobres da população, que
às vezes têm pessoas muito capazes, mas
que, pelo fato de viverem sempre longe dos
centros econômicos do país, acham que não
conseguiriam fazer aquele curso. Mas às
vezes conseguiriam. Então, as universidades
precisam saber identificar essas pessoas.
A Unicamp faz um pouco isso, o ITA faz
muito, porque, por exemplo, faz vestibular
no Brasil inteiro e, com isso, pega gente de
todo o país. Mas tem que fazer mais. Além
de oferecer exame, tem que ir às escolas e
convidar as pessoas. Dizer: ‘Você tirou nota
Sobre a relação entre empresas e
universidades na área de pesquisa no
Brasil, o senhor acha que falta uma
parceria maior entre elas?
No Brasil, fora do estado de São Paulo, a
interação entre empresas e universidades
parece ser mais fraca do que poderia ser.
No estado de São Paulo, a interação é
tão forte quanto em qualquer outro lugar
do mundo desenvolvido. Se for olhar
para USP, Unicamp e Unesp, a fração do
dinheiro aplicado para pesquisa que vem
de empresas tem percentual semelhante
ao das dez universidades estadunidenses
que mais recebem dinheiro das empresas.
Lá é um dos lugares onde há as melhores
relações entre empresas e universidades.
São percentuais que não são muito altos, nem
aqui nem lá, algo de 6% a 10%. Acontece que
aqui no estado de São Paulo tem atividade
de pesquisa razoavelmente intensa feita
na indústria, nas empresas, que contratam
muitos engenheiros, físicos, químicos,
biólogos. Contratam para trabalharem
na empresa sendo pesquisadores, e isso
facilita a interação com a universidade.
10
Danilo Barreto/Departamento de Audiovisual do Dante
boa em Física durante dois anos
no colégio. Não quer estudar Física
aqui na Unicamp?’. E aí convida
a pessoa. É o que os americanos
fazem, e é isso que deveríamos
fazer aqui.
Recentemente,
o
senhor
esteve em um evento sobre a
participação de pesquisadores
brasileiros nas colaborações
internacionais da Organização
Europeia
para
Pesquisa
Nuclear, o Cern. Qual é a
efetiva participação brasileira no Cern? É
relevante?
Há uma quantidade importante de cientistas
do Brasil e de São Paulo que participam dos
projetos de pesquisa no Cern, especialmente
no mais visível e recente, o Large Hadron
Collider (Grande Colisor de Hádrons). É
uma participação relevante. Inclusive, esse
seminário foi realizado na Fapesp durante
dois dias justamente para ouvir dos líderes
da pesquisa lá no Cern o que acharam da
contribuição dos pesquisadores daqui de
São Paulo. E a impressão que trouxeram
foi a melhor possível: a de que tem jovens
cientistas de São Paulo dando contribuições
muito importantes a essa pesquisa.
estroboscópica, que ilumina a molécula e vê
o que acontece naquela pequena fração de
segundo.
O senhor é um estudioso de fenômenos
ultrarrápidos na Física. Pode nos explicar
o que trabalha essa área?
Estudar fenômenos ultrarrápidos significa
estudar fenômenos que acontecem em
tempos muito, muito curtos. Quer dizer, tempo
que seja menor do que um picossegundo (1012
de segundo), que seria um milionésimo
de milionésimo de segundo. Num tempo
desse tamanho, o que acontece? Coisas,
por exemplo, com elétrons: numa molécula,
[quando um] elétron passa de [uma] ligação
para outra, acontece a isomerização dessa
molécula. Vocês aprendem lá na química
orgânica que tem moléculas isômeras, onde
a ligação do carbono pode passar de um
átomo para outro. Então esse é o assunto
ao qual me dedico. Para estudar esses
processos, a gente usa lasers que emitem
pulsos cuja duração é muito pequena. Cada
pulso do laser é como se fosse uma luz
Como uma revista de divulgação de préiniciação científica, como a InCiência,
pode ser usada em ambientes escolares
que já têm essa prática de pré-iniciação
científica ou até naqueles que não têm
esse tipo de projeto?
Acho que uma revista pode ajudar a divulgar
a ideia e o interesse pela ciência, talvez
mostrando aos leitores a experiência de
pessoas que atuam em ciência e como
chegaram a fazer isso. Acho que também
poderia ajudar mostrando aos jovens
oportunidades e coisas que eles poderiam
fazer. Chamar a atenção para oportunidades
relacionadas a feiras de ciências ou a
experimentos que podem ser montados,
como funciona determinada experiência.
Tem uma função bem importante.
O aluno Eduardo Marins, da Oficina
de jornalismo Dante em Foco,
entrevistou o cientista Brito Cruz
O senhor ainda tem tempo para se dedicar
à atividade de pesquisa, mesmo sendo
diretor da Fapesp? Tem algum grupo de
pesquisa atualmente?
Trabalho em um grupo de pesquisa na
Unicamp e tenho colaboradores muito
capazes. Tento me dedicar um dia por
semana à atividade de pesquisa. Um dia
por semana é menos do que gostaria, mas
é o quanto o trabalho na Fapesp me permite
fazer.
11
+(Tecnologia)
Sistema identifica
infratores nas vagas
de estacionamento
para deficientes
O
projeto de pré-iniciação científica
“Monitoramento eletrônico de vagas de
estacionamento para deficientes”, de
Rodrigo Barbosa Galvão, Stephanie Lopes
de Araújo e Thábita Duanna Luniere Pêgas,
é um belo exemplo de uso da tecnologia
em prol da conscientização social e da
defesa dos direitos de minorias. À época
estudantes da Fundação Nokia de Ensino –
FNE, em Manaus-AM, eles desenvolveram
um sistema denominado Meved, capaz de
identificar automaticamente os motoristas
que, embora sem licença para fazê-lo,
insistem em estacionar seus carros em
vagas reservadas a deficientes físicos.
Segundo o projeto, o carro do deficiente e
a vaga de estacionamento serão equipados
com sensores. Assim, esses dispositivos
apontarão quais pessoas efetivamente
têm o direito de estacionar naquele local.
Quando não ocorrer essa identificação,
a placa do automóvel será fotografada e
sua imagem enviada para as autoridades,
a fim de que localizem o proprietário e lhe
apliquem a multa equivalente. Aqui cabe
ressaltar que o portador de deficiência
poderá se utilizar do Meved em qualquer
veículo, pois o dispositivo transmissor é
portátil, assim como a atual credencial
usada pelos titulares do benefício (cartão
DeFis-DSV).
12
“O Meved deve ser considerado como
um aprimoramento do atual sistema de
identificação de motoristas deficientes, de
modo que será implantado um dispositivo
de baixo custo e maior precisão no carro
do deficiente. Nosso projeto busca não
só identificar um motorista infrator, mas
viabilizar a emissão de uma multa para
ele, a fim de promover uma penalização
e conscientização do motorista quanto a
uma determinação federal”, explicam os
pesquisadores.
A determinação federal à qual os estudantes
se referem está expressa no artigo 25 do
Decreto Federal n°5.296. O dispositivo legal
reserva 2% das vagas de estacionamentos,
externos ou internos, públicos ou privados,
exclusivamente
aos
portadores
de
deficiência física. Essas vagas devem ser
bem sinalizadas e localizadas em pontos
estratégicos de fácil locomoção ao motorista.
O uso indevido desses espaços especiais
caracteriza infração de trânsito, de acordo
com o art. 181, inciso XVII do Código de
Trânsito Brasileiro (CTB).
Os pesquisadores afirmam, porém, que
muitas vezes as pessoas não respeitam
esse direito dos cerca de 45,6 milhões de
brasileiros declarados portadores de algum
tipo de deficiência, segundo dados do Censo
de 2010. A precária fiscalização e o baixo
valor da multa (em torno de R$ 54) ajudam
a explicar o grande número de infrações do
tipo.
Atualmente, a identificação de carros de
portadores de deficiência física é feita por
uma credencial (cartão DeFis-DSV), que
autoriza o acesso a essas vagas. Contudo,
caso um motorista ocupe impropriamente
um desses espaços, ele só será punido se
for flagrado por um agente de trânsito – o
que exige a presença constante de um
“guarda” no local. Nessa situação, o infrator
será penalizado com a multa e perderá três
pontos na carteira de motorista.
“O Meved servirá como um meio desse
processo ser mais eficiente, pois não
necessitará mais da presença de um agente
de trânsito, e o processo da multa poderá
ser feito de forma automática a partir dos
dados coletados pelo sistema”, afirmam os
estudantes.
Além de ideias como o Meved, as
perspectivas quanto ao respeito às vagas de
estacionamento para deficientes também
podem melhorar pela força da punição
do poder público. Tramita no Congresso
Nacional (já foi aprovado pelo Senado) um
projeto de lei que transforma em infração
grave o ato de estacionar irregularmente
em vagas de deficientes, fazendo com que o
veículo possa ser apreendido.
Planejamento e materiais
O primeiro passo para a execução do Meved
foi planejar o funcionamento do protótipo,
dividindo-o em etapas. Inicialmente, previuse o cadastramento das pessoas com direito
a estacionar nesses lugares (esse processo
seria feito com o comparecimento do
beneficiário ao Detran). Os procedimentos
seguintes consistiriam na ativação do
protótipo após a detecção do carro na vaga,
bem como no envio de informações através
de um transmissor RF (radiofrequência)
instalado no veículo.
A não identificação do automóvel (uma vez
que apenas as pessoas cadastradas terão o
transmissor RF) acarretaria o acionamento
da câmera fotográfica do sensor presente
no estacionamento, que registra a placa do
carro. A imagem passaria então pela central
do local até ser encaminhada ao órgão
público responsável pela emissão da multa
ao infrator.
Quanto à estrutura física do dispositivo, os
pesquisadores escolheram os seguintes
materiais (totalizando um orçamento
de aproximadamente R$ 170): sensor
de presença e movimento com alcance
de sete metros e ângulos de até 100º
(para detectar o carro na vaga reservada
a cadeirantes); módulo RF transmissor
e receptor (responsáveis pela captação
e envio do sinal proveniente do carro
cadastrado, identificando se o veículo tem
ou não permissão para estacionar naquela
vaga); câmera fotográfica 3MP (para captar
a imagem da placa do carro não cadastrado
que parar na vaga reservada aos cadeirantes;
é acionada através do Arduino, plataforma
de hardware e software livres que facilita
a criação e prototipagem de projetos de
eletrônica, executando variadas funções);
microcontrolador Arduino Uno (que controla
todas as funções, tais como o acionamento
do módulo RF, a ativação da câmera e o
encaminhamento da imagem para a central
que identificará e multará o motorista).
Acervo pessoal dos pesquisadores
Acervo pessoal dos pesquisadores
Atualmente, violações
das vagas especiais
para deficientes podem
ser explicadas pela
precária fiscalização e
pelo baixo valor da multa
(em torno de R$ 54)
Estrutura interna do Meved
13
Dentre esses materiais, os pesquisadores
destacam o sensor de movimento como
ponto-chave para o restante do sistema. “Os
sensores ficarão ligados o tempo todo, cada
um em uma vaga de estacionamento para
deficientes. Quando um carro estacionar,
o sensor vai detectar o movimento e
acionar o sistema. Haverá ocasiões em
que o movimento detectado poderá ser de
pessoas, por exemplo. Por isso, estamos
melhorando o código para acionar o
sistema não só apenas depois de detectar
o movimento, mas também ao identificar a
permanência do objeto no local. Porém, o
atual código não causa falhas à detecção
de infratores, e sim apenas permite que o
sistema gere fotos sem utilidade no caso de
uma pessoa passar na frente do sensor, por
exemplo”, afirmam.
14
Montagem
Na montagem do protótipo, os pesquisadores deram prioridade ao sistema
de transmissão, considerado a base
de funcionamento do dispositivo. Eles
escolheram um módulo RF (RT4 e RR3), de
alcance de até 100m sem obstáculos, que
trabalha na faixa de frequência de 315MHz,
418MHz e 433,92MHz. “A frequência que
utilizamos no protótipo foi a de 315MHz.
Mas a proposta é que o sinal de cada
transmissor seja codificado de modo que
cada deficiente tenha uma sinal único, assim
como cada um tem atualmente um código
de barras em cada credencial”, explicam
os pesquisadores. Vale notar que tanto o
transmissor quanto o receptor devem estar
na mesma frequência para que haja uma
comunicação entre eles. A fim de obterem
maior estabilidade na recepção do sinal,
Rodrigo, Stephanie e Thábita utilizaram CIs
enconder e decoder para o transmissor e
para o receptor, respectivamente.
Após a confecção das placas para o trans-
Testes
Os pesquisadores fizeram testes iniciais com
um circuito transmissor colocado na parte
traseira de um carrinho de controle remoto,
que dessa forma simulava um veículo
munido do sistema de detecção. Essa etapa
serviu para que falhas fossem identificadas
e corrigidas.
Em seguida, por meio de um acordo com
a Manaustrans (Instituto Municipal de
Engenharia e Fiscalização do Trânsito de
Manaus), realizaram testes em vagas de
Wyllis Santarém/InPhocus
Acervo pessoal dos pesquisadores
Pesquisadores realizaram testes no
estacionamento de um shopping
missor e para o receptor, os pesquisadores
passaram aos testes da etapa de
sensoriamento da vaga, responsável pelo
início de toda a operação do sistema a partir
da detecção da presença do carro. A tentativa
com um resistor LDR e uma lâmpada
mostrou-se pouco eficiente, optando os
estudantes por utilizar um sensor de
presença e movimento Pic, passível de ser
conectado diretamente ao microcontrolador
Arduino, além de possuir tamanho reduzido
e possibilidade de ajustes por código de
programação.
Em seguida, desmontaram a placa da
máquina fotográfica para o acréscimo de
quatro jumpers aos botões de acionamento
(liga/desliga) e de captura da imagem
da câmera, sendo controlados pelo
microcontrolador. Já para a ligação do
Arduino com a câmera, foram utilizados dois
circuitos de acionamento por meio de relés.
Quanto à estrutura, as caixas do transmissor
e do receptor foram construídas com
poliestireno. Para dar mais mobilidade ao
circuito transmissor, montou-se um pequeno
circuito-fonte para realizar o controle da
tensão que chega (5V), apesar de a bateria
fornecer uma tensão de 9V.
No Meved, o carro do portador de deficiência
e a vaga de estacionamento serão equipados
com sensores que apontarão quais pessoas têm
efetivamente o direito de estacionar naquele local
Sobre os pesquisadores
Incomodados com o desrespeito da maioria
dos brasileiros ao direito dos deficientes
físicos a vagas de estacionamento especiais,
Rodrigo, Stephanie e Thábita tiveram a ideia
de desenvolver, como projeto de conclusão
do curso técnico na Fundação Nokia, um
aparelho capaz de fiscalizar constantemente
os infratores que param seus carros nesses
locais, viabilizando assim a geração de multas
eletrônicas.
O projeto, orientado pelo professor Marcelo
Ribeiro, foi bem-sucedido e teve seu valor
social reconhecido. Tanto que, em março de
2013, recebeu um Voto de Congratulações do
Senado Federal, emitido a pedido da senadora
Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). Além
disso, conquistou prêmios na última Febrace
(Menção Honrosa da Secretaria de Estado dos
Direitos da Pessoa com Deficiência; prêmio da
revista Inciência; e terceiro lugar na categoria
Ciências Sociais Aplicadas) e o convite para a
65ª Reunião Anual da SBPC.
Apesar de terem grande parte de seu tempo
ocupado pelas atividades universitárias
(Thábita cursa Engenharia na Universidade
maneira que cada credencial emitirá um
sinal único”, explicam os pesquisadores.
De olho no potencial econômico do projeto,
Rodrigo, Stephanie e Thábita já estudam
parcerias com o poder público (afinal, é
necessária a colaboração do órgão responsável
pela emissão da multa). A animação é tanta
que até fizeram contatos com empresas que
podem, futuramente, ajudar na fabricação
do dispositivo. Outro objetivo almejado
pelos estudantes é expandir os benefícios
do Meved às vagas reservadas a idosos.
“A importância principal do projeto seria
a devida punição aos motoristas que
imprudentemente tiram o direito dos
deficientes físicos à acessibilidade que
lhes é devida. E posteriormente, quem
sabe, criar uma conscientização geral, mais
diretamente para os motoristas, de não
estacionarem nas vagas de deficientes.
O ideal é estender essa conscientização
também para as vagas de idosos”, afirmam.
Estadual do Amazonas (UEA), enquanto
Rodrigo e Stephanie estudam, respectivamente,
Engenharia Elétrica e Engenharia de Produção
na Universidade Federal do Amazonas
(UFAM)), eles seguem desenvolvendo o
projeto, pensando até mesmo em, futuramente,
colocá-lo no mercado.
Segundo os pesquisadores, há outros projetos
parecidos com o Meved, mas este apresenta
um diferencial. “A inovação e o diferencial do
Meved ficam por conta da possibilidade de
gerenciar esses dados [sobre o estacionamento
na vaga para deficientes] e a multa ser emitida
eletronicamente, além de a fiscalização passar
a ser 24 horas em todas as vagas”, dizem.
Acervo pessoal dos pesquisadores
estacionamento destinadas a deficientes
físicos – tanto com carros autorizados
quanto com não autorizados. “Obtivemos
bons resultados. O aparelho conseguiu
identificar quando o sinal vinha do veículo
e quando não vinha também. Com isso,
conseguimos mostrar que é possível o
projeto funcionar”, afirmam os estudantes.
Entretanto, o dispositivo ainda precisa de
melhorias.
“No teste, percebemos que fatores como
bateria fraca e alcance podem desencadear
falhas no sistema. Então, como meio de
solucionar esses problemas, estamos em
processo de pesquisa para a implantação
do mecanismo de identificação por
radiofrequência (RFID), que trará dois
principais benefícios para o projeto: o
tamanho reduzido de um chip (que será
acoplado na credencial do deficiente) e
a transmissão de sinais codificados de
Stephanie, Thábita e Rodrigo receberam um Voto de
Congratulações do Senado Federal, emitido a pedido
da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM),
e uma Menção Honrosa da Secretaria de Estado
dos Direitos da Pessoa com Deficiência
15
+(Tecnologia)
Lixeira inteligente
possibilita coleta
seletiva automática
P
ara se tornarem técnicos em eletrônica
pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo,
Guilherme Castello Espósito, Rafael Venijio
Maggion e Lucas Arná Matos dos Santos
precisavam criar alguma alternativa de
resolução para um problema da capital
paulista. Decidiram, então, se dedicar a uma
questão ambiental: o acúmulo desenfreado
de resíduos sólidos na metrópole. Visando a
uma redução dessa grande quantidade de
“lixo”, os estudantes desenvolveram uma
lixeira inteligente que tem como objetivo
separar, de forma autônoma, os materiais
nela depositados conforme sua composição
(papel, metal, vidro ou plástico), otimizando,
assim, a coleta seletiva.
A lixeira consiste em uma estrutura
retangular de acrílico, com uma única
entrada, mas com quatro divisões internas
iguais (para abrigarem papel, plástico, vidro
e metal), com as respectivas saídas. Após
entrar no recipiente, o “lixo” é detectado
por sensores, que identificam a composição
do material, encaminhando-o para o devido
compartimento (a colocação dos resíduos
nos locais adequados ocorre graças à
presença de um servomotor, capaz de girar
180°).
Estimativas apresentadas no relatório
da pesquisa dão conta de um descarte
16
mundial de aproximadamente 30 bilhões
de toneladas de resíduos por ano, dos quais
730 milhões toneladas de “lixo” domiciliar.
Esses detritos urbanos causam, entre outros
danos, enchentes por meio da obstrução das
redes de drenagem artificial das cidades, a
poluição dos rios e a produção de chorume
e gás metano, substâncias prejudiciais ao
meio ambiente.
Entre os destinos atuais dos resíduos sólidos
domésticos, os principais são lixões (em
50% das cidades brasileiras, o depósito de
resíduos se dá sobre o solo, sem medidas
de proteção ao ambiente ou à saúde
pública), aterros controlados (cobertura
diária do lixo com terra, o que não impede
completamente a contaminação do solo e
das águas subterrâneas), aterros sanitários
(em 27% dos municípios do país, os resíduos
são levados para locais impermeabilizados
por uma base de argila e lona plástica,
impedindo o vazamento de chorume para
o subsolo, além de possuírem tubulações
que captam o gás metano liberado pela
decomposição da matéria orgânica) e
processos de reciclagem. Estes últimos
compreendem a separação dos resíduos
recicláveis coletados, processo realizado
geralmente por cooperativas de catadores,
que encaminham os materiais selecionados
Acervo pessoal dos pesquisadores
Nesse cenário, a lixeira inteligente surge
como uma forma tecnológica de otimizar
a coleta seletiva. O fato de realizar esse
processo de modo automático já mostra
uma vantagem do projeto em relação
aos seus eventuais concorrentes.
“As
opções disponíveis para que se realize a
coleta seletiva são, em geral, lixeiras ou
divididas em compartimentos, logo com
várias entradas, ou montadas em grupos
no mesmo local. As duas opções requerem
a separação manual do lixo, e as que vêm
em grupos de quatro ou cinco (papel, vidro,
metal, plástico e talvez orgânico) requerem
esforços ainda maiores de quem descarta
os materiais para que sejam separados”,
explicam as estudantes.
A lixeira inteligente, porém, apresenta um
custo mais alto que produtos similares (o
orçamento do projeto ficou em torno de R$
980, mas os pesquisadores acreditam que,
com o tempo, o valor de comércio possa
chegar a R$ 800). Embora os conjuntos
de quatro ou cinco lixeiras de plástico ou
lata – suspensas em estruturas de ferro ou
apoiadas no chão, com custo a partir de R$
300 – se apresentem como concorrentes
diretos, os criadores da lixeira inteligente
argumentam que o outro produto existente
pode ser ineficiente pelo fato de apresentar
entradas separadas para os diferentes
materiais, fazendo com que a maioria das
pessoas não colabore com a coleta e jogue
papel no compartimento destinado a metal,
por exemplo.
Acervo pessoal dos pesquisadores
para seu reaproveitamento na indústria
e comercialização sob a forma de novos
produtos.
A coleta de lixo está presente em 95% dos
municípios brasileiros, mas apenas em
19,5% ocorre a chamada coleta seletiva (em
que os materiais são separados segundo
sua composição) e a posterior destinação
dos resíduos para a reciclagem.
Entre outros motivos, a pequena taxa pode
ser explicada pelo custo cinco vezes maior
da coleta seletiva em relação à convencional.
“Entretanto, tal argumento não é capaz
de justificar uma possível inviabilidade
econômica da coleta seletiva, uma vez que,
associada a processos de reciclagem, esta
movimenta a economia, por meio da criação
de empregos, do recolhimento de impostos
e do desenvolvimento de um novo mercado,
estimulando outros negócios, como os
serviços e as empresas responsáveis pela
produção de maquinário necessário para
o processo de reciclagem. Além disso, o
processo de reciclagem poupa recursos
naturais, por vezes finitos, preserva os
recursos hídricos da contaminação e
possibilita uma maior conservação de
energia”, justificam os autores da pesquisa.
Nos próximos anos, porém, a tendência
é que haja uma redução do “lixo” no país.
Isso porque, em 2010, o Brasil aprovou
sua Política Nacional de Resíduos (Lei nº
12.305/10), cujas bases são a prevenção,
a diminuição e a responsabilização
compartilhada da geração de resíduos.
Montagem e ajustes do projeto: peças
de plástico acrílico foram escolhidas
como principal material do protótipo
por seu preço baixo, resistência
razoável e bom acabamento
O protótipo apresentado pelos pesquisadores possui sensores
capazes de identificar metais, papel, vidro e plástico
17
Acervo pessoal dos pesquisadores
Lixeira inteligente tem como diferencial o fato de
realizar a coleta seletiva de forma automática
Já as lixeiras convencionais, variando de
R$ 20 a R$ 250 em média, apresentamse como concorrentes indiretas, pois não
possuem compartimentos separados ou
intuito de coleta seletiva. “Apesar de ter
um preço um pouco maior do que o preço
de partida do concorrente direto, a lixeira
inteligente oferece, por uma pequena
diferença, a comodidade e a garantia da
separação automática de dejetos. Além
de ter sua capacidade completamente
customizável [ou seja, de acordo com o
sensor que for instalado, pode identificar
diferentes tipos de materiais] e oferecer
o advento da tecnologia em favor do meio
ambiente e do futuro de uma sociedade
inteira”, argumentam.
Elaboração da pesquisa
Antes de partirem para a montagem do
protótipo, os pesquisadores utilizaram a
matriz SWOT (FOFA em português) para
realizar uma análise de Força, Fraqueza,
Oportunidades e Ameaças. Destaca-se,
entre as soluções para as fraquezas, a
proposta de trocar o abastecimento à base
de energia elétrica por fontes alternativas
(como a ligação de um dínamo ao pedal
de abertura da tampa, que provocaria
uma tensão capaz de gerar energia; para
lixeiras ao ar livre, o acoplamento de painéis
fotovoltaicos aproveitando a luz do sol). O
preço, por sua vez, pode ser reduzido através
de parcerias com empresas fabricantes dos
materiais que constituem a lixeira.
Já na parte de desenvolvimento do protótipo
propriamente dito, os pesquisadores
escolheram três tipos de sensores para
identificar as composições dos resíduos:
indutivos (capazes de identificar alguns tipos
de materiais metálicos, principalmente os
mais comuns, como latas de refrigerante);
capacitivos (vidro e papel, por exemplo) e
ópticos (plástico).
Como citado anteriormente, o protótipo
possui um servomotor para posicionar
18
o
material
sobre
seu
respectivo
compartimento. Além disso, um servomotor
também é utilizado para executar a função
de abertura do alçapão para o descarte dos
resíduos.
Após o desenho da estrutura completa,
realizado no programa Solidworks, os
pesquisadores cuidaram da montagem
do protótipo. As peças de plástico acrílico,
escolhidas como principal material do
projeto por seu preço baixo, resistência
razoável e bom acabamento, foram fixadas
com “cola vinil” e cantoneiras de alumínio
de ¾ polegada x 1 mm.
Durante o desenvolvimento do protótipo,
foram efetuadas algumas mudanças em
relação ao previsto anteriormente no
desenho. Para a elaboração do trilho e dos
suportes da estrutura de seleção, substituiuse o acrílico por madeira, garantindo uma
sustentação mais segura. A disposição das
divisórias dos compartimentos que abrigam
os materiais selecionados foi alterada,
assim como a posição da roda da estrutura
de rotação, aumentando a altura dos
compartimentos reservados aos resíduos.
Com a “tabela-verdade”, os pesquisadores
testaram todas as combinações possíveis dos
estados lógicos dos sensores, possibilitando
o desenvolvimento do fluxograma da lógica
de seleção, necessário para a elaboração da
programação do microcontrolador.
A propósito: originalmente, o microcontrolador utilizado seria o 8052 (com
linguagem de programação assembly), que,
entretanto, devido a um problema durante
os testes, foi danificado, fazendo com que os
pesquisadores o substituíssem pelo Arduino,
programado com a linguagem C. Também
foram necessários ajustes nas fontes de
alimentação do sistema, utilizando-se uma
de 12V para abastecer os sensores e o motor
DC, e uma de 5V para os servomotores e
os optoacopladores (que evitam que uma
sobrecarga ou uma ligação errada danifique
algum componente).
Por fim, para resolver um problema de
captação dos sensores, optou-se pela
utilização de capacitores associados em
série com um resistor (circuito RC), a fim
de manter o sinal enviado pelo sensor por
tempo suficiente para que o optoacoplador
seja ativado. Mesmo assim, mostrou-se
necessário o controle da velocidade da
passagem dos materiais, para o que se
desenvolveu uma esteira controlada por
um motor DC, possibilitando a correta
identificação dos materiais.
“O protótipo elaborado mostrou-se capaz
de diferenciar quatro amostras distintas,
compostas, cada uma, por plástico, papel,
vidro ou metal, realizando a separação
dos materiais identificados por meio da
deposição destes em seus respectivos
compartimentos. Além disso, o protótipo
apresenta a possibilidade de expansão
de seus compartimentos conforme a
necessidade de cada local”, concluíram
Sobre os pesquisadores
Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo/Divulgação
A necessidade de elaborar um trabalho para
a disciplina de Desenvolvimento de Projetos
do curso técnico em Eletrônica, na qual foram
apresentados ao método de engenharia,
somada à preocupação com os problemas
referentes à crescente produção de resíduos
sólidos no Brasil, estudados nas aulas de
Geografia, fez com que Guilherme, Rafael e
Lucas pensassem em um mecanismo capaz de
realizar a coleta seletiva de forma autônoma.
Foi a partir daí que, orientados pelo professor
Hugo da Silva Bernardes Gonçalves, elaboraram
uma lixeira inteligente com diversos sensores.
“Por meio do protótipo, constatou-se a
possibilidade de separar materiais de forma
automática”, dizem os pesquisadores, que
receberam diversas premiações pelo trabalho,
como o primeiro lugar no Prêmio GE de
inovação e o credenciamento para a ExpoIngenieria 2013 (realizada em outubro, na
Costa Rica), entre outras feiras.
os pesquisadores, apontando fatores do
projeto que podem ser aperfeiçoados.
“Para a implementação efetiva do protótipo
em locais públicos, tal qual um produto
comercializável, seria necessária a inserção
de uma quantidade maior de sensores,
para que se torne possível a identificação
de uma gama maior de materiais por meio
do reconhecimento do padrão de sinais
sensoriais gerados pela passagem de cada
material. Assim como seria necessário o
acoplamento de uma esteira externa ao
protótipo, para que os materiais inseridos
simultaneamente possam ser colocados
em sequência e depositados individual e
espaçadamente na estrutura seletora”,
explicaram.
Hoje, Lucas Arná cursa Engenharia de Controle
e Automação na Unesp, enquanto Rafael e
Guilherme se preparam para prestar vestibular
para os cursos de Engenharia Mecatrônica e
Engenharia Naval, respectivamente.
Quanto ao projeto da lixeira inteligente,algumas
de suas partes têm sido desenvolvidas por um
grupo de alunos do terceiro ano do curso de
eletrônica do Liceu de Artes e Ofícios. “A
intenção é que o protótipo possa ser utilizado
como base para o desenvolvimento de outros
projetos pelos novos alunos, servindo de
ponto de partida ou fonte de inspiração. Os
professores também o estão utilizando para
exemplificar de forma prática alguns conceitos
vistos em aula”, explica Rafael, que, assim
como os outros pesquisadores originais, ainda
acompanha o trabalho de perto, auxiliando os
estudantes mais jovens.
“O diferencial do projeto é a possibilidade
de levar a coleta seletiva para perto dos
indivíduos, ampliando sua ação. Outro
diferencial é a combinação de diferentes
sensores, a fim de se buscar um padrão
para a identificação dos materiais. Há
a possibilidade de patentear a ideia, no
entanto, para a inserção no mercado,
é preciso ampliar a gama de materiais
passíveis de identificação pelo protótipo”,
esclarecem os pesquisadores.
Rafael (à esq) e Guilherme (centro)
prestarão vestibular para Engenharia
Mecatrônica e Naval, respectivamente;
Lucas (à dir) cursa Engenharia de
Controle e Automação na Unesp
19
+(Ciências Humanas)
Com açúcar, com afeto:
rituais alimentares
como forma de
ressocialização
O
quindim faz o albergado Joaquim pensar
em uma situação feliz vivida em sua infância,
remetendo-o, em especial, à figura de sua
mãe. Eduardo, por sua vez, tem na torta de
limão uma forte lembrança de seu primeiro e
único amor, que preparava essa iguaria para
ele. Essas são duas das histórias que vieram
à tona durante o trabalho de pré-iniciação
científica “Os rituais alimentares coletivos e
suas implicações nas relações sociais: um
estudo de caso com pessoas em situação
de rua”, em que as estudantes Thais May
Carvalho, Julia Generoso Gonzales e Flávia
Araujo de Amorim, do Colégio Giordano
Bruno, de São Paulo, buscaram analisar a
influência dos rituais alimentares coletivos
no processo de ressocialização de pessoas
em situação de rua. Para tanto, realizaram e
analisaram refeições coletivas no albergue
Centro de Acolhida Esperança.
Inicialmente, as pesquisadoras fizeram
um estudo de revisão da antropologia da
alimentação, trabalhando as mudanças
geradas nos rituais alimentares pelo modo
de vida característico da modernidade
20
(com a industrialização e a globalização),
em que se percebe uma diminuição da
socialização e a perda da identidade cultural
proporcionada anteriormente pelo momento
da refeição – isso porque comer torna-se
apenas algo utilitário, sem um ritual dotado
de significado.
Com base em especialistas, as pesquisadoras
atentaram para os valores culturais e
simbólicos que podem estar atrelados aos
alimentos. Trata-se de uma ideia segundo a
qual as práticas alimentares coletivas – no
caso, as chamadas refeições ritualizadas
– são comunicativas e transmitem, até
mesmo a outras gerações, particularidades
atribuídas a determinada comida, cabendo
a cada indivíduo acrescentar a esta novos
elementos de acordo com a situação vivida.
Por exemplo, a presença de pratos variados
apenas no almoço de domingo, dando-lhe
uma conotação de dia especial em virtude
da refeição ritualizada.
Por todos esses aspectos, as estudantes
Thais, Julia e Flávia optaram por trabalhar
com um grupo de pessoas em situação
de rua cadastradas em um albergue não
governamental. Tal escolha se baseou no
fato de que esses indivíduos geralmente
são excluídos da vida civil e também deixam
de ser reconhecidos como cidadãos. Além
disso, lançam mão de uma alimentação
extremamente
individualizada,
não
possuindo o hábito de comer em um
ambiente familiar. Outro fator essencial
é que esses moradores de rua, em sua
maioria, se desvincularam de seu círculo
afetivo – sendo mais nítidas, assim, as
mudanças proporcionadas por um eventual
processo de ressocialização.
Desse modo, as pesquisadoras formularam
a seguinte hipótese: “Se rituais alimentares
coletivos forem introduzidos em um grupo
de pessoas em situação de rua, então os
indivíduos estabelecerão laços afetivos
entre si”.
O estudo
Acertados os detalhes com o albergue Centro
de Acolhida Esperança, as pesquisadoras
iniciaram o estudo de campo, que consistiu
em rituais alimentares em que uma refeição
era servida ao final da tarde aos albergados.
Ao todo, foram 11 encontros, realizados
entre agosto e setembro de 2011.
O grupo de pesquisa costumava chegar ao
albergue por volta das 14h30 para arrumar
o local, colocando os alimentos (entrada,
prato principal e sobremesa) na mesa. Em
seguida, os albergados – 23 participantes do
sexo masculino, entre 23 e 60 anos – eram
chamados à sala de refeições, sentavam
nos bancos em torno da mesa e começavam
Julia Generoso
a comer. Enquanto eles eram filmados (com
o consentimento dado por cada um deles),
as pesquisadoras, que permaneciam no
mesmo ambiente, observavam e registravam
seus comportamentos.
Ao final de cada encontro, as estudantes
pediam a um (ou mais) dos albergados que
dissesse qual o prato gostaria de degustar
no ritual seguinte. Essa escolha deveria
ser feita seguindo uma lógica simbólica,
com o indivíduo optando por alimentos que
tivessem algum significado particular.
No começo do ritual seguinte, esse albergado
precisava expor a todos os motivos que
o levaram a escolher o prato. Foi nesse
contexto, por exemplo, que Joaquim revelou
a história de quando sua mãe comprou o
quindim que ele tanto desejava, e Eduardo
narrou seu romance com a mulher que
lhe fazia a torta de limão. “[Ao explicarem
o motivo da escolha do prato] eles iriam
compartilhar suas heranças culturais e seria
estabelecido um momento de transmissão
de elementos simbólicos à mesa. Esse traço
da pesquisa foi proposto para resgatar o
valor significativo do alimento”, explicam as
pesquisadoras.
Juntamente à pesquisa qualitativa, foi
realizado um levantamento quantitativo.
Em agosto, as pesquisadoras passaram um
questionário aos participantes (ele seria
aplicado novamente no fim da pesquisa) com
perguntas baseadas na técnica de Suporte
Social, capaz de suscitar a expressão de
sentimentos tais como o de pertencimento
a um grupo, a intimidade com demais
indivíduos e a autopercepção de que vale a
pena viver.
Para desenvolverem o projeto, as pesquisadoras promoveram 11 refeições
ritualizadas com albergados do Centro de Acolhida Esperança, em São Paulo
21
Nos rituais, as pesquisadoras puderam
constatar as mais diversas situações.
Desde pessoas que achavam inadequado
conversar durante a refeição até as mais
falantes; dos que abandonaram os encontros
até os que eram inicialmente tímidos e
depois se soltaram. O fato é que as reuniões
se mostraram eficientes como forma de
socialização, provocando mudanças na
percepção dos albergados quanto a temas
como amizade.
Assim, na análise dos dados quantitativos
da pesquisa, as estudantes se detiveram
em duas das questões que haviam
formulado, pois estas apresentaram uma
grande variação nas respostas dadas pelos
participantes nos dois questionários feitos
em momentos diferentes. Foram elas: “Os
amigos não me procuram tantas vezes
quanto eu gostaria?” e “Às vezes sinto falta
de alguém verdadeiramente íntimo que me
compreenda e com quem possa conversar
sobre coisas íntimas?”.
Aplicando às respostas obtidas para essas
duas perguntas o teste estatístico T de
Student para médias emparelhadas através
do programa IBM-SPSS, as pesquisadoras
concluíram que era possível afirmar
que houve mudanças na percepção dos
indivíduos com relação à amizade pela
realização dos rituais alimentares coletivos
(por exemplo, quanto à sensação de solidão
que sentiam; à noção de amizade e de
possuírem o que consideram amigos de
Graças à pesquisa, as alunas
participaram da Intel ISEF, nos
Estados Unidos, onde encontraram
Douglas Dean Osheroff, ganhador
do prêmio Nobel de Física de 1996
22
verdade; ao fato de serem procurados pelos
amigos quantas vezes julgavam necessário).
“Os fatores apresentados indicam que as
relações desenvolvidas influenciaram no
processo de ressocialização dos indivíduos
não necessariamente pelo fato de que
os participantes se tornaram amigos e
passaram a conversar intensamente, mas
porque essa experiência foi suficientemente
impactante para alterar a percepção de
amizade de pessoas que em algum momento
se desvincularam do seu círculo social mais
próximo.”
Já pela análise qualitativa dos rituais,
as pesquisadoras atestaram que a
ressocialização foi promovida em grande
parte pelo valor simbólico que os alimentos
apresentavam para os albergados. “Os
alimentos funcionaram como fatores
determinantes para o desencadeamento de
processos de ressocialização exatamente
porque tinham significados para os
participantes, o que mostra que eles já
estiveram inseridos em algum círculo social
anteriormente, e que apenas estão na rua, e
Nivaldo Canova
Julia Generoso
Segundo as pesquisadoras, a
ressocialização foi promovida em
grande parte pelo valor simbólico
que os alimentos apresentavam
para os albergados
não são de rua. Os indivíduos foram levados
a situações propícias para o resgate de
simbolismos de sua vida. E o ato de relembrar
esses aspectos provoca uma revalorização
da existência desses indivíduos enquanto
pessoas com identidade própria, uma
vez que, quando estão na rua, têm essa
identidade diluída na massa de pessoas na
mesma situação, que estão à margem da
sociedade”, explicam as estudantes.
“A partir dos dados obtidos, pode-se
inferir que há indícios da influência da
revalorização do ritual alimentar no
processo de ressocialização dos indivíduos.
A relevância social do projeto desenvolvido
é a validez de sua replicação em hospitais,
escolas, asilos”, definem as pesquisadoras
Thais, Julia e Flávia.
Sobre as pesquisadoras
Sob a orientação do professor Rogério
Giorgion, o trabalho ganhou 12 prêmios –
entre eles, uma bolsa de iniciação científica
júnior do CNPq, um primeiro lugar em
Ciências Humanas em Grupo na Febrace 10
(realizada em 2012) e a indicação para a Intel
ISEF 2012. Foi justamente após esta última
feira que o projeto se encerrou, uma vez que
as alunas queriam realizar novas pesquisas
em áreas diferentes.
Envolvidas agora com esses outros projetos
– ainda como bolsistas do CNPq –, as
estudantes se mostram satisfeitas com o
resultado da pesquisa sobre os rituais
alimentares. “A importância do trabalho se
dá pela abordagem humana que propusemos
para compreender os efeitos da alimentação
coletiva e simbólica na construção de laços
afetivos entre indivíduos completamente
marginalizados e esquecidos pela sociedade.
Os resultados obtidos nos deram fortes
evidências de que a aplicação do método
desenvolvido nesse estudo em asilos,
hospitais, escolas, penitenciárias também
pode trazer benefícios significantes para
tais públicos. Nossa pesquisa se diferencia
exatamente pelo fato de que, a partir das
bases teóricas, desenvolvemos um método
de ressocialização de pessoas inicialmente
marginalizadas”, afirmam, fazendo a ressalva de
que projeto ainda não foi colocado em prática
nos locais propostos.
As estudantes atualmente cursam a 3ª série
do Ensino Médio e já fazem planos para os
próximos anos: Flávia pretende ser médica,
com provável especialização em Psiquiatria,
enquanto Julia planeja estudar História.
Thais, por sua vez, sonha em trabalhar com
jornalismo vinculado à área do esporte.
Nivaldo Canova
Em 2011, diante do tema “Alimento: deciframe ou devoro-te”, proposto para a Feira
de Ciências do Colégio Giordano Bruno,
Thais, Julia e Flávia resolveram trabalhar uma
ideia que as incomodava: cada vez menos
as famílias têm realizado refeições coletivas
e, assim, acabam conversando menos,
compartilhando menos experiências. “Após
algumas leituras sobre o tema, chegamos
à ideia inicial de que refeições coletivas
auxiliam no estabelecimento de laços
afetivos e que poderiam ser utilizadas para
ressocializar indivíduos que perderam tais
laços”, esclarecem as pesquisadoras.
Julia Generoso, Flávia Amorim e Thais
May pretendem cursar, respectivamente,
História, Medicina e Jornalismo
23
+(Ciências Humanas)
Uso de materiais
manipuláveis para
facilitar o aprendizado
de matemática
D
igamos que a matemática não seja das
matérias preferidas da maioria dos alunos. Em
larga medida, essa aversão se deve à forma
pela qual os conteúdos matemáticos são
transmitidos aos estudantes. Incomodados
com essa percepção, Leonardo Duarte
Viana e Werlesson Magalhães da Costa,
alunos do Colégio Estadual Liceu Professor
Francisco Oscar Rodrigues, de Maracanaú
(CE), decidiram explorar o uso de materiais
manipuláveis para facilitar o aprendizado de
matemática. A experiência dos estudantes
está registrada no trabalho de préiniciação científica “Utilização de materiais
manipuláveis como uma inovação que
qualifica a aprendizagem em matemática”.
Na pesquisa, Leonardo e Werlesson
realizaram seis oficinas para 82 alunos do
Ensino Fundamental I da E.M.E.F. Herbert
José de Souza, no município de Maracanaú,
dividindo-os em grupo-controle (guiado pelo
método normal de aprendizagem e formado
por 22 crianças de 4º ano e 21 de 5º ano)
e grupo experimental (constituído por 20
estudantes de 4º ano e 19 de 5º ano com
dificuldades em matemática, aos quais
foram aplicados os métodos inovadores
propostos nas pesquisas). Os resultados
foram observados com a aplicação de um
pós-teste, formulado com base na Prova
Brasil e no Saeb (Sistema de Avaliação da
Educação Básica). Por fim, comparou-se o
24
desempenho dos grupos experimentais no
pós-teste ao dos grupos-controle.
“Atualmente, tem-se pensado muito
sobre a forma tradicional de educar e
o modo de transformar a aula em um
ambiente estimulante para o educando.
As dificuldades encontradas por alunos
e professores no processo ensinoaprendizagem da matemática são muitas
e conhecidas. Assim, muitos trabalhos
têm enfatizado como é importante para os
alunos iniciarem o estudo da matemática a
partir da manipulação de objetos”, afirmam
os pesquisadores.
Esses materiais manipuláveis, segundo os
autores citados na pesquisa, compreendem
objetos ou coisas que o aluno é capaz de
sentir, tocar, manipular e movimentar. Podem
ser objetos reais que têm aplicação no dia
a dia ou que são usados para representar
uma ideia. O aspecto lúdico aparece como
uma de suas vantagens, pois, quando a
atividade é um jogo, há maiores chances
de se conseguir um forte envolvimento das
crianças, mantendo-as ligadas e atentas
ao que realizam. Para Jean Piaget, um
dos especialistas utilizados na pesquisa,
“através da atividade lúdica e dos jogos, a
criança poderá formar conceitos, selecionar
ideias e estabelecer relações lógicas”.
Entretanto, os pesquisadores fazem a
Acervo pessoal dos pesquisadores
A partir do uso
de materiais
manipuláveis e de
atividades lúdicas,
alunos resolveram
cálculos
ressalva de que, ao contrário do que
pensam e esperam muitos professores do
Ensino Fundamental, a simples utilização
de materiais manipuláveis não é suficiente
por si só para amenizar as dificuldades de
aprendizado. Assim, para que essa técnica
seja eficiente, é fundamental que o docente
exerça um papel de mediador entre o aluno
e o conhecimento.
Acervo pessoal dos pesquisadores
Colocando em prática
Na escola E.M.E.F. Herbert José de Souza,
em Maracanaú-CE, os pesquisadores
realizaram a primeira oficina para o grupo
experimental. Na ocasião, Leonardo e
Werlesson explicaram o objetivo do trabalho
aos estudantes e aplicaram um pré-teste
baseado na Prova Brasil e SAEB, a fim de
analisar como as crianças estavam em
relação ao assunto abordado em sala de
aula pela professora de matemática – esse
mesmo pré-teste seria aplicado ao grupocontrole.
Já na segunda oficina do grupo experimental,
os pesquisadores procuraram trabalhar as
operações fundamentais: para o 4º ano,
adição e subtração; para a turma do 5º
ano, multiplicação e divisão. Para tanto, os
alunos, divididos em grupos, tiveram antes
que montar um “robô-mosquito” (feito a
partir de materiais recicláveis e que continha
um circuito com uma bateria de celular e o
motor de um carrinho) para ser utilizado na
próxima etapa do jogo.
Em seguida, os pesquisadores colocaram,
no chão, copos descartáveis e garrafas
pets cortadas, nos quais estavam escritos
números de 1 a 100. Na dinâmica, o robômosquito era postado entre esses materiais e
ligado, tendo um minuto para se movimentar.
À medida que o robô encostava-se em um
obstáculo, era computado o número inscrito
nesse objeto, e os alunos jogavam um dado
(que tinha os sinais de adição, subtração,
multiplicação e divisão) para definir qual
operação matemática seria efetuada.
Dessa forma, surgiam as expressões
que seriam resolvidas pelos alunos na
lousa. Por exemplo: se o robô tocasse nos
números 30, 5 e 8, e os dados jogados pelos
alunos de um dos grupos tivessem caído,
respectivamente, nos sinais de adição (+),
subtração (-) e adição (+), então a expressão
ficaria assim: +30-5+8, apresentando o
resultado de 33. Para reforçar o caráter
lúdico da atividade, havia, no dado, além
dos sinais das expressões matemáticas,
uma “careta”, que, caso fosse sorteada por
um aluno, indicaria que ele teria de pagar
uma “prenda”.
Procedimento parecido ocorreu na terceira
oficina, sendo que, desta vez, os alunos
movimentaram um carrinho de controle
remoto em um tabuleiro, cujas casas eram
numeradas. Assim, os estudantes tinham
que realizar operações (definidas novamente
com um dado) com os números das casas
percorridas pelo carrinho.
Uso de materiais manipuláveis aumenta as chances de se conseguir um forte envolvimento
das crianças, mantendo-as ligadas e atentas ao que realizam
25
26
Grupo-controle e comparação
Concomitantemente às oficinas com o grupo
experimental, os pesquisadores realizaram
aulas de reforço para os grupos-controle.
Acervo pessoal dos pesquisadores
Jogos educativos
A quarta oficina contemplou o uso de jogos
educativos para aperfeiçoar o aprendizado
de matemática. O 5º ano, por exemplo,
participou do “bingo das operações”, em que
os alunos tinham de resolver contas em cada
casa da cartela, transcrevendo, no verso, os
resultados – que então se transformavam
nos números que participariam do bingo. O
4º B, por sua vez, foi apresentado a um jogo
da velha em que cada casa continha uma
conta a ser resolvida. Para ter o direito de
colocar sua peça no espaço escolhido, o
estudante teria que acertar o cálculo.
O xadrez, conhecido por desenvolver
várias habilidades, como concentração,
julgamento, planejamento e imaginação,
entre outras, também foi praticado pelos
alunos. No jogo de cartas, por meio do
baralho, os estudantes utilizaram os
números para treinar operações de adição e
subtração. Por fim, para trabalhar as formas
geométricas, os pesquisadores levaram
peças de tangram de diferentes tamanhos
para que as crianças exercitassem a
criatividade e a curiosidade, montando
figuras como casas, pessoas etc. “Com o
tempo, observamos que os alunos estavam
bastante envolvidos com essa atividade.
Ao final da oficina, eles haviam montado
vários tipos de figuras”, afirmaram os
pesquisadores.
Na quinta oficina, foram utilizados materiais
recicláveis com ênfase na geometria.
Com o uso de caixas de leite e de fósforo,
por exemplo, os alunos fizeram protótipos
de robôs. Como parte da montagem, os
pesquisadores pediram aos estudantes
que medissem as formas geométricas para
calcular o tamanho do objeto que criariam.
Em outro momento da atividade, os alunos
elaboraram um robô movido por baterias
recicláveis à base de suco de limão.
O protótipo consistiu em um motor de
controles de video game (trazidos pelos
pesquisadores) acoplado a uma escova.
Esse “robô-escovão” era ligado entre
os obstáculos, que possuíam números
inscritos. Assim, os estudantes anotavam
a numeração e a forma geométrica do
objeto que havia sido tocado pelo robô. Com
esses dados, os pesquisadores formulavam
contas (adição e subtração para o 4º ano, e
multiplicação e divisão para o 5º ano) para
serem resolvidas pelas crianças.
Jogos educativos, como o xadrez, conhecido por
desenvolver habilidades como concentração e
planejamento, também foram usados na pesquisa
para facilitar o aprendizado de matemática
No primeiro encontro, os alunos fizeram o
mesmo pré-teste aplicado ao experimental.
Para as aulas seguintes de reforço
do 4º ano controle, os pesquisadores
elaboraram atividades que abordavam
adição e subtração. Os alunos eram
divididos em grupos, com o intuito de
promover a socialização. Também eram
passados exercícios para serem resolvidos
em casa. Com os estudantes do 5º ano,
foram trabalhadas formas geométricas e
operações de multiplicação e divisão.
Por fim, na sexta oficina, a atividade
envolveu os grupos experimental e controle.
Assim, foi aplicado um pós-teste, também
com base na Prova Brasil e no SAEB, para
as duas turmas do 5º ano e para as duas
do 4º ano. “Queríamos comparar como os
alunos estavam no começo das oficinas e
como se saíram depois das oficinas com
tudo o que nós trabalhamos com eles.
Também comparamos as notas do bimestre
anterior dos alunos com as notas do
bimestre em análise. Ao término do teste,
fizemos uma correção com comentários e
sugestões nossas sobre a prova”, afirmam
os pesquisadores.
Resultados
Por meio de gráficos, os pesquisadores
obtiveram alguns resultados a respeito
da pesquisa. Em um desses gráficos,
foram comparadas as provas do pré-teste
com as do pós-teste dos alunos do 5º ano
experimental, verificando que esse grupo
obteve um crescimento de 3,4 pontos nas
notas, ou seja, 1,17%, após a participação
nas oficinas de matemática. Já o grupo
controle do 5º ano obteve 2,5 pontos na
média de suas duas provas, com 0,23%
de acréscimo após as aulas de reforço em
matemática.
O segundo gráfico, seguindo a mesma
metodologia de comparação, mostrou
que o 4º ano experimental alcançou um
crescimento de 3,0 pontos nas suas notas,
ou 0,39%, após as oficinas de matemática,
enquanto os estudantes do 4º ano controle
obtiveram 2,4 pontos, ou seja, 0,55% de
aumento em relação ao seu desempenho
anterior.
Segundo os pesquisadores, mais do que
números, a efetividade dos materiais
manipuláveis no ensino de matemática pôde
ser constada nas reações dos estudantes.
“Quando os alunos dos grupos experimentais
viram os materiais manipuláveis sendo
introduzidos nas aulas de matemática, eles
ficaram maravilhados. Montar protótipos
com materiais reciclados despertou nos
alunos a curiosidade e o fascínio de
querer aprender matemática usando essa
nova metodologia que estávamos lhes
ensinando”, exemplificam.
Leonardo e Werlesson ainda realizaram uma
pesquisa de campo com 100 alunos da escola
E.M.E.F. Herbert José de Souza (incluindo os
estudantes que participaram das oficinas e
das aulas de reforço). Quando questionados
sobre a ideia de trabalhar com materiais
manipuláveis nas aulas de matemática, 98%
responderam que achavam ótimo. A respeito
das oficinas realizadas, 99% disseram que
elas contribuíram para o aprendizado. Para
89% dos estudantes, a relação entre o uso
de materiais manipuláveis e o aprendizado
de matemática nas aulas é ótima por motivar
o aluno a aprender e estudar cada vez
mais; 9% a consideraram boa, uma vez que
incentiva uma maior participação dos alunos
dentro da sala de aula; 2% a classificaram
como regular, alegando que a metodologia
utilizada apresenta-se inadequada para o
aprendizado.
“Pela carência das escolas no que se
refere a recursos didáticos para o ensino
de matemática, principalmente nessa área
específica das operações fundamentais,
acredita-se que os resultados do presente
estudo serão de grande importância como
suporte técnico para os professores. Os
materiais didáticos formam a base da
construção do conhecimento e possibilitam
a contextualização da teoria vista em sala
de aula com a realidade social. Observamos
que os materiais manipuláveis propiciam
aos alunos interação e socialização na
sala de aula; autonomia e segurança;
criatividade, responsabilidade e motivação,
e a matemática torna-se mais harmoniosa”,
concluem Werlesson e Leonardo.
Sobre os pesquisadores
Atualmente terminando a 3ª série do Ensino
Médio, eles já começam a prestar vestibular.
Werlesson, nadador nas horas vagas, pretende
cursar Relações Internacionais. Já o músico
Leonardo (toca violão, baixo e guitarra e
tem uma banda com colegas de escola) quer
estudar Engenharia Civil.
Acervo pessoal dos pesquisadores
Depois de apresentarem um seminário no
Colégio Estadual Liceu Professor Francisco
Oscar Rodrigues sobre o uso de materiais
manipuláveis para o aprendizado escolar,
Leonardo e Werlesson foram convidados pela
professora Maria das Graças França Sales
(que viria a ser a orientadora do projeto)
a colocar a ideia em prática em uma escola
pública. Assim surgiu o trabalho “Utilização
de materiais manipuláveis como uma inovação
que qualifica a aprendizagem em matemática”.
Amplamente
premiados
(conquistaram,
por exemplo, o primeiro lugar em Ciências
Humanas por Grupo na Febrace 2013),
seguem com o projeto, que tem, segundo eles,
três aspectos principais: social (já que facilita
o aprendizado de matemática), ambiental
(materiais são feitos de elementos recicláveis)
e econômico (materiais são de baixo custo).
Leonardo (à esq) e Werlesson (à dir)
desenvolveram a pesquisa sob a orientação da
professora Maria das Graças França Sales
27
(Ponto de vista)2
O que você precisa para
What you need to be a
Karen Merill
Q
uando eu caminho pelos corredores da
Intel ISEF ou da Mostratec, eu vejo pôsteres e
estudantes de ciências, mas, mais importante,
eu vejo o futuro. Jovens cientistas no Brasil
e ao redor do mundo possuem a chave
para resolver a multiplicidade de questões
complexas com que nos deparamos.
Fico constantemente surpresa com os
trabalhos que alunos do Ensino Médio e mesmo
do Ensino Fundamental II têm realizado. Há
dois anos, Jack Andraka, então com 15 anos,
venceu a Intel ISEF com uma solução simples e
barata para a detecção do câncer de pâncreas.
O que levou Jack a fazer essa pesquisa? Um
grande amigo da família morrera de câncer no
pâncreas. Neste ano, Eesha Khare, de 18 anos,
ficou em segundo lugar na Intel ISEF com uma
invenção que recarrega celulares em questão
de minutos. O que motivou a pesquisa de
Eesha? Ela estava cansada de ver a bateria de
seu celular sempre descarregada.
O que Jack e Eesha comprovam é que
estudantes-pesquisadores têm a chave para
importantes inovações. E eles mostram que
para desenvolver ciência:
•você não precisa de um doutorado
•você não precisa de acesso a um laboratório
sofisticado
•você não precisa viver em uma cidade grande
•você não precisa de supervisão constante
28
W
hen I walk the floors of Intel ISEF or of
Mostratec, I see science posters and science
students, but more importantly I see the
future. Young scientists in Brazil and around
the world hold the key to solving the multitude
of complex issues facing us globally.
I am constantly amazed at the work high
school and even junior high school students
are doing. Two years ago, 15-year-old Jack
Andraka won Intel ISEF with a simple and
inexpensive solution for detecting pancreatic
cancer. What prompted Jack to research?
A close family friend had died of pancreatic
cancer. This year, 18-year-old Eesha Khare
placed second at Intel ISEF with an invention
that recharges cell phones in a matter of
minutes. What prompted Eesha‘s research?
She was tired of her cell phone battery always
dying.
What Jack and Eesha prove is that student
researchers hold the key to important
innovations. And they prove that to create
important science:
•you
don’t need a doctoral degree
•you don’t need access to a sophisticated
laboratory
•you
don’t need to live in a big city
•you
don’t need constant supervision
ser um jovem cientista de sucesso
successful young scientist
Do que você precisa? Eu descobri que os
estudantes-cientistas mais bem-sucedidos
têm alguns traços em comum:
1) Paixão: o que vejo nas competições de
ciências é que a paixão leva a descobertas
surpreendentes. Assim, a primeira regra para
todo estudante de ciências deve ser pesquisar
algo por que é apaixonado. Os professores
não devem determinar temas, e os pais não
devem insistir em uma experiência específica.
O estudante de ciências tem que agir de
acordo com sua paixão. Ele aprende melhor
quando estuda algo que é importante para si
mesmo.
2) Curiosidade: o que, por que e como? Eu
ouço estudantes fazendo constantemente
essas três perguntas simples. Vejo estudantes
questionando o status quo. Isso talvez ocorra
porque eles são jovens, brilhantes e não têm
medo de desafiar o que existe hoje.
3) Confiança: estudantes de ciência bemsucedidos não deixam que dúvidas se
transformem em obstáculos. Eles não têm
medo de que algo não dê certo. Se uma coisa
não funciona, eles tentam fazer outra. Eles
têm confiança em si mesmos e acreditam na
sua capacidade de realização.
4) Persistência: de modo geral, fazer ciência
inovadora não é fácil. Eu conheci muitos
estudantes que desenvolveram todo o seu
projeto de ciências em 30 dias, mas não
conheci muitos estudantes de sucesso que
What do you need? I have found that the
most successful student scientists share
similar traits:
1) Passion
What I see at science competitions is that
passion leads to amazing discoveries. So the
first rule for every science student should be
to study something you are passionate about.
Teachers shouldn’t assign topics; parents
shouldn’t insist on a specific experiment.
Science students should follow their passion.
You learn best when you are studying
something that is important to you.
2) Curiosity
What, why and how? I hear students constantly
asking these three simple words. I see
students questioning the status quo. Perhaps it
is because they are young and bright that they
are not afraid to challenge what exists today.
3) Confidence
Successful science students don’t let doubt get
in the way. They aren’t afraid of failure. If one
thing doesn’t work, they try something else.
They believe in themselves and they believe
they can do it
4) Tenacity
Groundbreaking science usually isn’t easy. I
have met many students who have done their
entire science project in 30 days, but I haven’t
met very many successful science students who
completed their project that quickly. Sticking
29
finalizaram o seu projeto assim tão rápido.
Ater-se ao desenvolvimento do projeto
e insistir na busca de algo novo e diferente
leva tempo. Se você seguiu a regra número 1
(paixão), o tempo vai passar bem rápido.
5) Habilidades comunicativas: você pode fazer
um trabalho científico admirável, mas, se não
souber explicá-lo, seu esforço terá sido em
vão. As habilidades da escrita e da fala são,
ambas, igualmente importantes.
a. Caderno de pesquisa: registre seus esforços
e experiências. Ainda que você escreva apenas
algumas linhas de vez em quando, lembre-se
de documentá-las.
b. Pôster da pesquisa: jurados querem ver o
que o aluno fez e o que aprendeu. Eu costumo
ver nos pôsteres um excesso de informações.
Faça um cartaz simples e direto. Procure
deixá-lo atraente, tornando fácil sua leitura.
Seu pôster deve conter os destaques do
projeto; os detalhes estarão registrados no
caderno de pesquisa.
c. Comunicação verbal: falar para os jurados
pode gerar inibições. Eu conheço muitos
estudantes de ciências bem-sucedidos que se
inscreveram, na própria escola, em cursos de
teatro ou de oratória para ajudá-los na hora
da apresentação do trabalho. Assim como
os atores e atrizes precisam demonstrar
presença no palco, os estudantes de ciências
têm que demonstrar presença na frente dos
jurados.
Caso você tenha uma boa ideia, comece a
trabalhar nela imediatamente, o mais rápido
possível. Seja você o futuro. A ideia que você
busca hoje poderá, amanhã, produzir uma
mudança no mundo. Poderá levá-lo à Intel
ISEF, onde você terá a oportunidade, que
eu tive, de encontrar jovens cientistas tão
incríveis como o Jack e a Eesha.
30
with it and continuing to try something new
and different takes time. If you followed Rule
#1 (passion) the time will fly by quickly.
5) Communication skills
You can do brilliant science, but if you
can’t explain it, your efforts are wasted.
Both written and verbal communication is
important.
a. Research Notebook: Document your
experiments and efforts. Even if you just
write a few lines some days, remember to
document.
b. Poster Board: Judges want to see what a
student did and what they learned. Often I
see trying to tell too much on their poster.
Keep your poster simple and straightforward.
Be sure it is appealing to the eye and easy to
follow. Your Poster Board should contain the
highlights; your research notebook will have
the details
c. Verbal: Talking to judges can be intimidating.
I know many successful science students
who have enrolled in their school’s drama or
speech classes to help them at science fair
judging time. Just as actors and actresses
need stage presence, science students need
judge presence.
If you have a good idea, start working on it
right away, as soon as you can. Be the future.
The idea you pursue today could make a
change in the World tomorrow. It could
lead you to Intel ISEF where you can have the
opportunity that I have had to meet amazing
young scientists like Jack and Eesha.
*Diretora da Intel ISEF e iniciativas STEM
(Ponto de vista)3
Ciência sob o olhar
das crianças
*André Luís Viegas
A
rrebatadora a fala de Wendy Hawkins
(diretora executiva da Fundação Intel),
intitulada “Let them be scientists” (vídeo
disponível em http://www.ted.com/pages/
intel_wendy_hawkins). Hawkins se refere
às crianças e à capacidade que possuem
de aprender a partir da sua curiosidade,
de suas tentativas, de suas interações e
experimentações com o mundo. Até chegar
o tempo de ir à escola... Gradativamente, a
cada ano escolar, o interesse pelas ciências vai
diminuindo. E, à medida que se deixa de ser
criança, também vão ficando para trás algumas
das características mais importantes para o
aprendizado, em especial para o aprendizado
científico: a capacidade de observação, o
entusiasmo, a alegria da descoberta das coisas
e dos seres do mundo, da natureza e suas
relações.
De onde vêm os cientistas? O que os levou
a escolher esse caminho? Hawkins faz
referência à oportunidade de experimentar,
de elaborar as próprias questões e obter
as próprias respostas como alguns dos
elementos comuns aos grandes pesquisadores
do mundo. Trabalhar em um laboratório,
visitar algum museu, participar de feiras de
ciências. Eis algumas das oportunidades que
funcionam como uma centelha a reacender as
habilidades muitas vezes ocultadas – pela falta
de uso – nas atividades escolares e cotidianas.
O caminho, entretanto, não é livre de
adversidades. “Nem sempre é tão poético.
Por vezes, foi um tanto conturbado lidar
com essa junção de pesquisar e, ao mesmo
tempo, aprender a pesquisar.” Esse é o
depoimento de Tamara Gedankien, jovem
pesquisadora brasileira que integra o time
dos que descobriram na escola sua vocação
para a pesquisa, participando de feiras de
ciências, desenvolvendo projetos e, por fim,
representando o nosso país pelo mundo
afora – e sendo amplamente reconhecida.
São os momentos de dificuldade e de “não
poesia” que trazem a necessidade da presença
do professor, dos colegas, da família. O
enfrentamento e a superação dos problemas
são aprendizados para além do método
científico e dos conteúdos programáticos
da escola. Aprende-se que a construção da
ciência, ao mesmo tempo que é bela pelas
descobertas que oferece, e metódica pela sua
precisão, também é desafiadora, à medida que
busca explorar caminhos ainda desconhecidos
– portanto, incertos de resultado.
Existe receita para que a pesquisa na escola
funcione? Eis um questionamento importante.
Particularmente, não acredito. Até porque
receita traz uma ideia de algo pronto e finalizado,
de caminho único. E pesquisar é justamente
o contrário. Por mais que exija – e exige –
um roteiro, um caminho e uma organização,
a mola propulsora para a pesquisa pode
estar em qualquer inquietação que o jovem
tenha. Em qualquer problema identificado ou
olhar diferente que seja lançado ao cotidiano.
Manter o olhar atento, questionador e curioso
de uma criança são elementos importantes,
portanto. Ver a escola como espaço de criação
de conhecimentos, de identidades, e não de
mera repetição. Nesse sentido, valorizar o
desenvolvimento dos alunos por meio de
feiras, mostras e exposições cumpre o papel
de estímulo à criação e continuidade de uma
relação permanente com a forma pela qual as
coisas são descobertas.
*Coordenador da 28ª Mostratec
31
+(Saúde)
Molécula mantém
características
“tronco” de células
mesenquimais e pode
ajudar na escolha
de futuras terapias
O
conhecimento
profundo
dos
mecanismos biológicos que determinam
o destino das células é essencial para a
criação e revolução de terapias celulares,
permitindo desenvolver tratamentos mais
eficazes, seguros, precisos e personalizados
de acordo com as necessidades de cada
paciente e diagnóstico. Foi pensando
nisso que Laura Rudella Tonidandel e
Isabella B. Pinheiro, estudantes do Colégio
Dante Alighieri, desenvolveram o estudo
“Modificação da capacidade tronco das
células mesenquimais humanas: a relação
da positividade da β-catenina com a
proliferação e especialização celular”.
32
Dividido em duas partes (Isabella participou
até o início da segunda etapa, uma vez que
se mudou para a Alemanha em julho de
2012), o trabalho aponta que quanto maior
a presença da molécula β-catenina, mais
preservadas se mantêm as caraterísticas
“tronco” de células mesenquimais. Essas
células podem regular o sistema imunológico,
sendo muito eficazes na prevenção da
rejeição de órgãos transplantados e no
tratamento de doenças autoimunes, como
lúpus, esclerose múltipla, artrite reumatoide
e diabetes mellitus tipo 1 – enfermidades
que atingem, aproximadamente, de 15 a
20% da população mundial.
Acervo pessoal da pesquisadora
Segundo a pesquisa,
conforme diminui a
presença da molécula
β-catenina, a célula
vai perdendo suas
características
fundamentais de célulatronco – a indiferenciação
e autorrenovação
Quando falam em características “tronco”, as
pesquisadoras se referem à autorrenovação,
à indiferenciação e ao potencial da célula
para se transformar em outros tipos de
célula. Já as células diferenciadas são
especializadas em realizar determinada
função.
Ideia inicial
A princípio, a ideia das pesquisadoras
foi estudar o motivo pelo qual, em
laboratório, as células mesenquimais
provenientes do mesmo tecido (gordura),
mas de doadores diferentes, possuíam
comportamentos distintos. A hipótese
alentada pelas estudantes era a de que
algumas características dos doadores
podiam influenciar o desenvolvimento e
a taxa de proliferação in vitro das células
mesenquimais derivadas de tecido adiposo.
Assim, o objetivo do trabalho era verificar se
havia, efetivamente, essa correlação entre
as características dos doadores de tecido
adiposo (proveniente de lipoaspirações) e
o desenvolvimento celular in vitro. Caso ela
existisse, a caracterização dos doadores
e da escolha inicial poderia melhorar a
aplicação clínica.
No desenvolvimento da pesquisa, as
estudantes
criaram
dois
desenhos
experimentais. Os procedimentos de
acompanhamento e testes das células,
bem como as devidas anotações dos
dados referentes à tabela foram feitos
no Laboratório de Imunologia do InCor
(Instituto do Coração), sob orientação da
bióloga e professora Carolina Lavini Ramos
e supervisão da médica e pesquisadora
Verônica Coelho. Uma segunda etapa
consistiu na comparação e na análise das
informações coletadas.
Diante de inúmeros testes, as estudantes
concluíram que há uma possível correlação
entre o IMC (índice de massa corpórea) dos
sujeitos de pesquisa do sexo feminino e a
razão de células por ml de gordura (mulheres
com um maior IMC poderiam fornecer um
maior número de células mesenquimais por
ml de gordura doado). O segundo resultado
foi outra possível correlação entre o IMC
dos sujeitos de pesquisa do sexo feminino
e a taxa de desenvolvimento celular in vitro
(quanto maior o IMC do sujeito de pesquisa,
menor é a taxa de crescimento celular in
vitro).
Dessas conclusões, as pesquisadoras
33
tiraram a ideia para continuar o trabalho:
compreender
mecanismos
celulares
possivelmente ligados à diferenciação e
à proliferação celular. Esse conhecimento
poderia melhorar as terapias celulares com
células-tronco mesenquimais, tornando-as
mais rápidas e eficazes.
As pesquisadoras atentaram para o fato de
que a β-catenina já havia sido relacionada com
a proliferação celular em estudos anteriores
conduzidos com outros tipos celulares.
Assim, consideraram que a porcentagem
de positividade (presença) dessa proteína
poderia explicar os distintos resultados
observados quanto ao potencial proliferativo
das AdMSC (células mesenquimais do
tecido adiposo) provenientes de diferentes
doadores.
Com o ponto central do trabalho definido,
as pesquisadoras realizaram
ensaios
de
padronização
para estabelecer as melhores
condições para os testes. Nesse
período, ocorreu a mudança de
Isabella para a Alemanha, e Laura
assumiu o trabalho todo.
O
primeiro
procedimento
que coube à estudante foi a
metodologia de análise da
positividade de β-catenina nas
células com distintas capacidades
proliferativas. A técnica aí aplicada
foi a citometria de fluxo, que
34
Na Intel Isef 2013, Laura
foi premiada com uma
bolsa de estudos da
Arizona State University e
US$ 2.500 para pesquisa
permite a detecção de proteínas existentes
na superfície ou no interior de cada célula
por meio de reagentes marcados com um
fluorófulo.
Em seguida, Laura testou a hipótese segundo
a qual as células mesenquimais de tecido
adiposo com maior potencial proliferativo
e menor intensidade de fluorescência da
β-catenina estariam em estágios mais
avançados de diferenciação, perdendo seu
potencial tronco.
Após a elaboração de gráficos e a realização
de todas as análises necessárias, a
pesquisadora observou que, quanto mais a
célula proliferava, menos β-catenina fazia-se
nela notar. Assim, a conclusão foi a de que há
uma relação inversamente proporcional entre
a proliferação celular e o nível de β-catenina.
Mais do que isso, conforme a positividade
para a molécula diminui, menos tronco a
célula é, pois perde suas características
fundamentais de célula-tronco – a
indiferenciação e autorrenovação. Logo,
pode-se dizer que a β-catenina deve estar
envolvida nos mecanismos de proliferação
e de manutenção das características tronco
das células mesenquimais.
Acervo pessoal da pesquisadora
Acervo pessoal da pesquisadora
As conclusões proporcionadas pela pesquisa
de Laura podem melhorar as terapias
celulares com células-tronco mesenquimais,
tornando-as mais rápidas e eficazes
Na prática, pensando-se em futuros
tratamentos com as células mesenquimais,
a β-catenina poderia se apresentar como
um indicativo de quais seriam as melhores
células-tronco
para
um
tratamento
adequado, isto é, quais seriam aquelas
com maior potencial de indiferenciação
e autorrenovação para regenerar tecidos
danificados.
“Esse tipo de conhecimento biológico
proporciona um novo dado às ciências
médicas e, portanto, pode gerar novas
terapias celulares ou revolucionar as terapias
celulares baseadas em estudos com células
mesenquimais, já que a compreensão dos
mecanismos que interferem no destino das
células é imprescindível para a aplicação
clínica segura e eficaz dessas células. Isso
aumenta as esperanças de melhora na
qualidade de vida de muitos pacientes que
dependem de terapias com células-tronco
mesenquimais”, conclui a pesquisadora
Laura Tonidandel.
Sobre a pesquisadora
O esforço de Laura não demorou a ser
A ciência para Laura Tonidandel vem de
reconhecido. Desde 2011, ela acumula uma
berço. Filha da bióloga Sandra Tonidandel,
lista notável de prêmios concedidos nas
coordenadora do Departamento de Ciências
principais feiras de pré-iniciação científica,
da Natureza e Biologia e do programa
entre os quais se destacam: 1º lugar em
Cientista Aprendiz do Colégio Dante Alighieri,
Ciências da Saúde; 3º lugar em Rigor Científico;
a estudante cresceu em meio a projetos de
e Certificado American Society for In Vitro
pesquisa e feiras de ciências. “Eu via os alunos
Biology na Febrace 2013; na Intel ISEF 2013,
da minha mãe indo para feiras e tinha muita
conquistou uma bolsa de estudos na Arizona
vontade de participar de uma”, diz.
State University e US$ 2.500 para pesquisa; e
Laura tinha especial interesse por células1º lugar na Mostratec 2012 (categoria Biologia
tronco e, ao assistir a uma palestra de Carolina
Celular e Molecular).
Lavini, ex-aluna do Dante, sobre o assunto, foi
Laura pretende seguir com o trabalho sobre
convidada a visitar o laboratório. Lá, a estudante
células mesenquimais até o fim do Ensino
observou que algumas células mesenquimais
Médio, em novembro de 2013. Em seguida,
provenientes
de
diferentes
doadores
planeja se formar em Psicologia com ênfase
proliferavam de uma forma diferente.“Quando
em Neurociência.
sabemos quais os processos pelos quais as
células adquirem os destinos específicos,
Sobre sua pesquisa, Laura
fica mais seguro fazer a terapia
Acervo pessoal da pesquisadora
ressalta a importância que o
celular. Então decidi fazer esta
trabalho pode ter para o futuro
pesquisa”, explica.
da ciência. “Essa descoberta
serve como base para outros
Sob a orientação de Carolina
estudos. Dá para trabalhar com
Lavini e a coorientação de
isso e descobrir várias outras
Sandra Tonidandel , no início em
coisas a respeito das células”, diz
parceria com Isabella Pinheiro,
a estudante, que nos momentos
e depois independentemente,
de lazer gosta muito de ler, tocar
Laura descobriu um mecanismo
violão, cantar e escrever músicas.
dentro das células mesenquimais
que controla a proliferação e
a manutenção da capacidade
tronco dessas células. De acordo
com a pesquisadora, essa é a
Laura pretende se formar
grande inovação do seu trabalho.
em Psicologia e trabalhar
com Neurociência
35
+(Saúde)
Complexos de inclusão
entre ciclodextrina
e antifúngicos
melhoram eficiência
de medicamentos
Por Carolina Lavini Ramos
A
s propriedades de moléculas chamadas
ciclodextrinas (CD) têm sido exploradas pela
indústria farmacêutica com o objetivo de
melhorar a eficiência de medicamentos para
terapias. A intenção, mais precisamente, é
aperfeiçoar a solubilidade, a estabilidade e a
biodisponibilidade do fármaco no organismo.
Esse composto de carboidrato pode ainda
mascarar odores e sabores desagradáveis
de certos medicamentos, além de reduzir
e eliminar irritações gastrointestinais.
Pensando nisso, as alunas Camila Bahia
Soares e Nayara André Araújo, do curso
técnico de Farmácia do Instituto Nacional
de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio
de Janeiro (IFRJ), desenvolveram o trabalho
de pré-iniciação científica “Preparação e
avaliação de complexos de inclusão entre
ciclodextrina e antifúngicos”, no qual
propuseram estratégias para melhorar a
solubilidade e estabilidade de fármacos
antifúngicos.
36
As ciclodextrinas podem formar compostos
chamados complexos de inclusão. Isso se
dá devido à sua conformação estrutural,
que se comporta como uma cavidade
capaz de receber uma grande variedade
de moléculas. A formulação desses
complexos não é nenhuma novidade na
indústria farmacêutica. No entanto, as
alunas pretendiam fazer a preparação
e
caracterização
físico-química
da
formação de complexos de inclusão entre
ciclodextrinas (β-ciclodextrina e hidroxipropilβ-ciclodextrina) e fármacos antifúngicos já
conhecidos no mercado, como tiabendazol,
tioconazol, fluconazol e metronidazol.
Mas qual é a finalidade de se formarem
complexos entre fármacos e uma molécula
como a ciclodextrina? Este açúcar possui
uma estrutura molecular, como uma cápsula,
que envolve os fármacos permitindo que
alguns desses compostos, antes insolúveis,
Acervo pessoal das pesquisadoras
Na pesquisa, Camila
e Nayara propuseram
estratégias
para melhorar
a solubilidade e
estabilidade de
fármacos antifúngicos
passem, com o complexo, a ter uma maior
solubilidade na água, melhorando, assim,
sua biodisponibilidade. Ficando mais
solúveis, pode haver um aperfeiçoamento
das características físicas e de compressão
dos fármacos na forma de comprimido, o
que melhora a estabilidade e a absorção,
e propicia a diminuição de alguns efeitos
colaterais, entre outras vantagens para o
organismo.
Desenvolvimento da pesquisa
As alunas iniciaram o trabalho com a
preparação de complexos de inclusão de
fármacos antifúngicos em ciclodextrinas
utilizando diferentes meios. Além disso,
cada fármaco foi adicionado em excesso a
várias concentrações de ciclodextrina.
Após agitação e filtração, a concentração
do
fármaco
foi
determinada
por
espectofotometria (UV) para encontrar o
melhor percentual de inclusão das amostras.
As pesquisadoras constataram que a água
se apresentou como o melhor meio para a
obtenção dos complexos de inclusão, pois,
além de dispensar o preparo de soluções, foi
o meio em que os fármacos apresentaram
melhor solubilidade.
Na presença de beta-CD, ocorreu inicialmente
um aumento da quantidade de tiabendazol
e, ao atingir o limite de solubilidade (acima
de 80 mM de ciclodextrina), se deu a
precipitação, diminuindo a concentração.
Como para os demais fármacos testados
não foi observado um padrão semelhante
quando comparado ao tiabendazol, as
alunas acreditam que a metodologia ainda
deve ser otimizada.
Dando sequência aos testes para avaliação
da cinética de formação dos complexos,
quantidades apropriadas do fármaco
antifúngico tiabendazol (0,010 g) foram
adicionadas a erlenmeyers contendo cerca
de 0,240 g de hidroxipropil-β-ciclodextrina
ou β-ciclodextrina.
Após oito horas de agitação constante, a
37°C, as amostras foram filtradas e diluídas
nos meios utilizados no ensaio até uma
concentração adequada. Essas alíquotas
foram analisadas por espectrofotometria
de UV nos comprimentos de onda de
absorção máxima em função do tempo. As
pesquisadoras observaram que, tanto com
as amostras diluídas no tampão quanto em
água, houve um aumento dos valores de
absorbância em função do tempo, tendendo
a um equilíbrio após três horas de ensaio.
As pesquisadoras, então, liofilizaram (ou
seja, realizaram algo como se fosse uma
desidratação) as soluções com os complexos
37
Acervo pessoal das pesquisadoras
As propriedades de moléculas chamadas ciclodextrinas (CD) têm sido exploradas pela indústria
farmacêutica com o objetivo de melhorar a eficiência de medicamentos para terapias
Acervo pessoal das pesquisadoras
formados, a fim de obter o complexo na
forma de pó para posterior caracterização e
emprego nos ensaios de liberação.
Essa caracterização do complexo de inclusão
(fármaco:CD) liofilizado por infravermelho
(FTRI) é importante, pois o deslocamento
e a intensidade do pico de absorção no
infravermelho do fármaco e da ciclodextrina
pode fornecer informações sobre o complexo
de inclusão formado. A análise mostrou que
o método de escolha para a complexação
do tiabendazol estava adequado, porém a
simples mistura física é insuficiente para
As pesquisadoras seguem trabalhando no
projeto: uma nova fase será iniciada para
investigar o mecanismo de liberação do
fármaco em um nível de membrana
38
a formação de complexos. Sendo assim,
outras análises são importantes para a
obtenção de resultados mais conclusivos.
Posteriormente, os testes de liberação
foram realizados em sistemas de dois
compartimentos, separados por membranas
de celulose e sem o uso de membrana,
o que permite observar a liberação do
fármaco na forma livre e na complexada. A
cinética de liberação foi observada através
do percentual de fármaco dissolvido em
função do tempo.
O ensaio de liberação possibilitou às
pesquisadoras detectar que a ciclodextrina
auxilia a solubilidade do fármaco. Ou seja, o
percentual do tiobendazol dissolvido é maior
na forma complexada do que na forma da
matéria-prima pura.
Assim, as alunas ainda pretendem avançar
nas pesquisas, verificando se a ação
antifúngica do fármaco complexado é
alterada, além de analisar a estabilidade
de uma formulação líquida ou sólida de
forma que o complexo possa ser utilizado na
terapêutica.
As pesquisadoras esperam que o número
de formulações contendo esse adjuvante
se amplie, uma vez que a encapsulação
de fármacos com ciclodextrinas já tem
propiciado melhoras na biodisponibilidade
de inúmeras formulações atualmente
comercializadas.
Sobre as pesquisadoras
Acervo pessoal das pesquisadoras
Orientadas pela profª. Vivian de Almeida Silva,
as então alunas do curso técnico de Farmácia
Camila e Nayara resolveram trabalhar a
questão da solubilidade de fármacos em seu
trabalho de pré-iniciação científica. “Existem
diversos fármacos que são pouco solúveis
em água, o que acaba comprometendo a sua
biodisponibilidade e a sua eficácia”, explicam.
Em outras palavras, substâncias ativas pouco
solúveis comprometem a quantidade e a
velocidade de sua absorção pelo organismo,
afetando dessa forma o efeito desejado do
fármaco.
Após receberem três congratulações na
Febrace (uma Menção Honrosa na área de
Ciências da Saúde e os prêmios das revistas
InCiência e The Society for In Vitro Biology), as
pesquisadoras resolveram avaliar a atividade
in vitro dos complexos formados, com foco na
área microbiológica, além de preparar novas
formulações à base dos antifúngicos testados
e das ciclodextrinas.
Agora, uma nova fase será iniciada para
investigar o mecanismo de liberação do
fármaco em um nível de membrana. Enquanto
isso, Nayara cursa a faculdade de
Farmácia na UFRJ, ao passo que
Camila estuda para prestar Medicina.
“Alguns pesquisadores já avaliaram
a ligação de um dos fármacos que
estudamos com a ciclodextrina,
mas usamos técnicas diferentes,
variáveis da ciclodextrina, e focamos
na possibilidade de desenvolver
uma nova formulação farmacêutica”,
explicam as pesquisadoras. “A
importância do nosso trabalho é
otimizar formulações já existentes
no mercado e até levar a novas
formulações dos fármacos em
estudo. Há a possibilidade de patente
para as novas formulações e de
colocá-las no mercado”, concluem.
Camila (à esq) estuda para prestar Medicina, enquanto
Nayara (à dir) cursa a faculdade de Farmácia na UFRJ
39
+(Qualidade da Água)
Em busca de água
potável: bactéria
reduz custo de
dessalinização
N
o fim de 2011, a região do Vale do Rio
dos Sinos, no Rio Grande do Sul, passou por
um racionamento de água. O acontecimento
afetou diretamente Ágatha Lottermann
Selbach e Desireé de Böer Velho, moradoras
da região, e as levou a estudar um tema
de dimensão mundial: a escassez de água
potável. Assim, as então estudantes do
curso técnico em Química da Fundação
Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da
Cunha, em Novo Hamburgo, decidiram
pesquisar a possibilidade de utilização da
bactéria Pseudomonas stutzeri no processo
de dessalinização da água do mar, tornando
esse procedimento mais barato e acessível.
Em meio à pesquisa sobre a escassez de
água, Ágatha e Desireé perceberam que
não se tratava apenas de um problema
de cunho regional, mas sim planetário.
“Estimativas indicam que, até 2025, 80%
da população mundial sofrerá com sérias
ameaças hídricas. Cientistas estimam que
a única forma de evitar que falte água para
a população é através de métodos que
transformem água salgada em água doce.
Em vista desses problemas, levantamos a
hipótese de utilizar a microbiologia a nosso
favor”, explicam as pesquisadoras.
40
Foi então que elas se depararam com uma
reportagem sobre cientistas espanhóis que
utilizaram a bactéria Pseudomonas stutzeri
na redução da salinidade de afrescos de
uma igreja. Surgiu, assim, a ideia de testar
a eficácia do microrganismo no processo de
dessalinização da água do mar, dando origem
à pesquisa “Utilização da Pseudomonas
stutzeri na redução do teor de cloretos da
água do mar”.
“Resolvemos pesquisar as condições
ideais de atuação do microrganismo em
um meio altamente salino, isolando-o a
partir de um produto comercial (o aditivo
químico Gorduraklin®). Estudamos seu
comportamento em água do mar com
diferentes concentrações de nutriente. Nessa
etapa, determinamos as melhores condições
e o tempo que a bactéria levaria para atuar
(reduzir a salinidade) na água do mar. Depois
de uma série de testes, verificamos que ela
é eficiente e determinamos as melhores
condições de atuação desse microrganismo.
Feito isso, passamos para a elaboração
do processo de dessalinização da água do
mar, que envolve a destilação e a adição da
Pseudomonas stutzeri”, resumem Ágatha e
Desireé.
Acervo pessoal das pesquisadoras
Atualmente, o processo de dessalinização da água do mar tem um custo muito
alto para o consumidor final; contudo, o uso da Pseudomonas stutzeri, bactéria de
fácil obtenção e baixo custo, torna esse processo mais barato e acessível
Alto custo da dessalinização atual e
vantagens da Pseudomonas stutzeri
De modo geral, o processo de dessalinização
da água do mar tem um custo muito alto
para o consumidor final (segundo dados da
pesquisa, está orçado em R$ 5,80 por m3
de água, enquanto que, de acordo com a
Companhia de Saneamento Ambiental do
Distrito Federal [2012], o preço da água
tratada de rios pode variar entre R$ 1,42
e R$ 1,89). O procedimento mais utilizado
atualmente consiste em uma evaporação
ou destilação da água, que reduz até certo
ponto a salinidade, seguida pelo método de
osmose reversa.
O problema desse procedimento é que, além
de possuir um preço elevado, a membrana
semipermeável que retém as impurezas
e o sal da água é extremamente poluente
(devido ao fato de que, para cada litro de
água desmineralizada, são produzidos 7
litros de água com altíssima salinidade,
cujo descarte se torna problemático por não
poder entrar em contato com o solo).
Nesse aspecto, despontam as vantagens
da utilização da P. stutzeri: fácil obtenção
e baixo custo, visto que pode ser isolada
a partir dos solos. Seu cultivo na água do
mar é simples por necessitar de poucos
nutrientes, bastando uma única molécula
orgânica como fonte de carbono e nitrogênio
para seu desenvolvimento.
Na pesquisa, a redução do teor de cloretos
da amostra foi determinada através do
método argentimétrico de volumetria de
precipitação, mais precisamente pelo método
de Mohr. Além disso, também procurou-se
averiguar a diminuição da salinidade pela
medição da condutividade por meio de um
condutivímetro. Para garantir a qualidade
e confiabilidade do projeto, realizaram-se
análises em triplicata.
“Para a inativação do microrganismo
presente na água, testaram-se temperaturas
de aquecimento diferentes: 70˚C e 90˚C. A
intenção foi eliminar a bactéria com a menor
temperatura possível para que não houvesse
perda de água por evaporação e os custos
do processo com energia fossem reduzidos.
Depois de comprovada a eficiência do
microrganismo, realizaram-se testes de
qualidade da água, como cloretos, pH,
condutividade elétrica e sólidos totais. Esse
processo é simples e poderá ser utilizado em
todo o mundo”, explicam as pesquisadoras.
Metodologia
Após recolherem amostras de água do
mar em Tramandaí-RS, as pesquisadoras
dedicaram-se ao processo de isolamento
da P. stutzeri, feito a partir do produto
comercial GorduraKlin®, disponível em redes
de supermercados. Essa etapa englobou o
sequenciamento do DNA da bactéria com a
finalidade de comprovar que o microrganismo
isolado era realmente a P. stutzeri.
Na fase seguinte, as pesquisadoras
começaram a cultivar a P. stutzeri na água
do mar. Para isso, uma pequena quantidade
do microrganismo foi transferida para o
caldo Tryptic Soy Broth (TSB), onde ficou por
24 horas, período suficiente para promover
o enriquecimento da amostra.
Esse cultivo do microrganismo na água do
mar só foi possível graças à utilização de
água peptonada (solução 0,1% de peptona
de caseína) estéril como diluente, que atuou
como fonte de carbono e nitrogênio (energia)
para o metabolismo das bactérias.
A fim de padronizar a quantidade de
bactérias que seria usada nas amostras
(de forma que sempre o mesmo número de
microrganismos fosse inoculado), realizouse a padronização do grau de turbidez
41
Acervo pessoal das pesquisadoras
A ideia de utilizar a Pseudomonas stutzeri na
pesquisa surgiu de uma reportagem sobre
cientistas espanhóis que usaram a bactéria na
redução da salinidade de afrescos de uma igreja
(propriedade física que identifica a presença
de partículas em suspensão na água).
Nesse teste, as pesquisadoras utilizaram
a solução McFarland 0,5 em um método
espectrofotométrico (método de análise
óptico), ajustando a turbidez da solução que
continha P. stutzeri ao padrão.
Diluições
Com o objetivo de testar a eficiência da
bactéria em diferentes concentrações
de nutrientes e diferentes períodos de
incubação, três diluições foram feitas,
investigando a existência de uma possível
relação entre a quantidade de cloretos
na amostra e a ação microbiológica. Os
erlenmeyers, que continham água do mar
nas concentrações 10%, 20% e 40%, foram
incubados em estufa, a 35˚C, por dez dias.
A partir do segundo teste, no qual o tempo
de incubação foi reduzido para cinco
dias, além das diluições estabelecidas no
primeiro experimento, foi sistematizado um
grupo-controle com solução de cloreto de
sódio, cuja meta era identificar a possível
interferência dos demais constituintes da
água do mar na ação da bactéria.
No terceiro teste, a bactéria foi incubada
por sete dias em água do mar e solução
de cloreto de sódio. Após esse período,
as alíquotas foram filtradas, e o teor de
cloretos e a condutividade das soluções
restantes, determinados. As amostras
foram armazenadas novamente em estufa
a 35˚C até que se completassem os 14
dias de incubação. Em seguida, filtraramse as alíquotas das concentrações que
42
obtiveram os resultados mais satisfatórios,
transferindo-as para erlenmeyers limpos.
“Os resultados indicaram que, nos três
primeiros testes, a concentração de 10%
com 10 dias de inoculação obteve o melhor
resultado, favorecendo a atuação do
microrganismo P. stutzeri na redução do
teor de cloretos. Já nos dois últimos testes,
a concentração de 10% com 14 dias de
inoculação apresentou uma maior eficiência
comparada com as outras”, dizem as
pesquisadoras.
As amostras permaneceram em estufa por
dez dias, e as pesquisadoras verificaram a
ação da P. stutzeri quando adicionada em
duas etapas do processo. Um quarto teste
ainda foi realizado com a incubação por dez
dias de uma cepa de Pseudomonas.
Após a incubação, todas as soluções
estavam turvas devido à formação
da
biomassa,
característica
do
desenvolvimento de microrganismos no
meio. O primeiro tratamento garantido às
amostras foi a filtração com utilização de
membranas filtrantes de 0,45 µm e 0,2 µm,
respectivamente. O filtrado obtido era estéril,
livre de microrganismos e de qualquer sinal
de turbidez ou coloração, visto que a massa
microbiológica ficou retida nos filtros.
Resultados
Concluídos todos os testes, sabendo-se
que a bactéria tem melhor atuação em
meios com teor de cloretos inferior ao da
água do mar original e não necessita de
grandes quantidades de nutrientes, um
novo procedimento foi elaborado, composto
por destilação seguida de aplicação do
microrganismo. Para esse procedimento,
após cinco e dez dias da incubação, as
pesquisadoras determinaram cloretos,
condutividade elétrica, pH e sólidos totais
da amostra de água do mar.
Com a segunda adição de P. stutzeri,
observou-se uma diminuição de salinidade
significativa. Já com a destilação seguida
de tratamento microbiológico, obteve-se
quase 100% de redução do teor de cloretos,
proporcionando uma água que atende aos
padrões estabelecidos pela Portaria 2914
do Ministério da Saúde (segundo a qual,
para águas de abastecimento à população é
permitido 250 mg/L de cloretos; nas águas
Sobre as pesquisadoras
Alunas da Fundação Liberato Salzano Vieira
da Cunha, entidade que promove a Mostratec
(Mostra Brasileira de Ciências e Tecnologia),
uma das mais importantes do Brasil, Ágatha
e Desireé sempre estiveram próximas da
pesquisa científica. Assim, em 2011, quando
viram a região onde moram passar por
um racionamento de água, as estudantes
procuraram usar a ciência para encontrar uma
solução.
Dessa forma, sob a orientação da profª. Carla
Kereski Ruschel, desenvolveram um projeto
voltado para a dessalinização da água do mar,
a fim de torná-la potável. Propondo uma
alternativa barata e acessível, as pesquisadoras
foram premiadas com o primeiro lugar em
Ciências Biológicas na Febrace (Feira Brasileira
de Ciências e Engenharia) e em Ciências na
Genius Olympiad (nos EUA).
Ágatha, agora estudante de Engenharia
Química na Unisinos (Universidade do Vale do
Rio dos Sinos), e Desireé, que cursa Estatística
na UFRGS (Universidade Federal do Rio
Grande do Sul), seguem desenvolvendo a
pesquisa. “Estamos fazendo melhorias no
processo e simulando o que aconteceria em
um nível industrial. Temos como objetivo
determinar as etapas do processo industrial
e enquadrar a água nos parâmetros de
potabilidade estabelecidos pela Portaria 2914
do Ministério da Saúde. Há possibilidade de
patenteá-lo e colocá-lo no mercado. Para
isso estamos estudando e trabalhando no
varia em função da concentração dos sais
dissolvidos nas próprias soluções.
Conclusão
As pesquisadoras dizem ter confirmado a
hipótese formulada no início do trabalho,
visto que o microrganismo P. stutzeri foi
eficiente na redução do teor de cloretos
presentes na água do mar, promovendo
a diminuição de salinidade. “É possível
reduzir 99,02% do teor de cloretos e da
salinidade da água do mar realizando-se
uma destilação simples seguida de adição
da bactéria, diminuindo o custo do processo
existente”, explicam Ágatha e Desireé.
aperfeiçoamento do processo proposto”,
explicam as pesquisadoras, destacando o
impacto econômico e ambiental do trabalho.
“A importância desse trabalho é que ele propõe
um processo microbiológico de dessalinização
da água do mar cerca de dez vezes mais
barato do que o processo existente, e cujo
resíduo gerado não afeta o meio ambiente,
em contraste com a osmose reversa, que gera
resíduos com altíssima salinidade que não
podem ser descartados no solo.”
Acervo pessoal das pesquisadoras
potáveis com esta concentração de cloretos
pode-se perceber certo sabor salino).
Nesta etapa, ainda se verificou que as
soluções de cloreto de sódio obtiveram
resultados melhores que as soluções de
água do mar. Isso pode ter acontecido por
causa das concentrações de sais presentes
na solução, que estavam em menor
quantidade, visto que se encontravam
dissolvidos apenas Na+ e Cl-.
As pesquisadoras fizeram ainda uma tabela
comparativa atestando que em todos os
testes realizados ocorreu a redução da
condutividade elétrica das soluções, que
Ágatha, agora estudante de Engenharia
Química na Unisinos, e Desireé, que cursa
Estatística na UFRGS (Universidade Federal
do Rio Grande do Sul), ainda trabalham no
projeto para determinar as etapas do processo
em um nível industrial e enquadrar a água nos
parâmetros de potabilidade estabelecidos
pela Portaria 2914 do Ministério da Saúde
43
+(Qualidade da Água )
Lírio-do-brejo é
utilizado para tratar
águas contaminadas
E
m seu projeto de pré-iniciação científica,
a dupla de alunas Jéssica Tamires Link
e Maiara Winter, do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense,
em Rio do Sul-SC, buscou pesquisar novas
possibilidades para a descontaminação
da água. Em “Utilização de duas espécies
de plantas em wetlands construídos para
o tratamento de águas quimicamente
contaminadas”, o objetivo das estudantes
foi testar a eficácia de duas espécies de
plantas macrófitas emergentes – a taboa
(Typhia spp.) e o lírio-do-brejo (Hedychium
coronarium) – na descontaminação de
águas pelo uso de filtros em wetlands para
posterior reutilização. Dessa forma, elas
constataram um alto potencial do líriodo-brejo para se atingir a meta de remover
poluentes físicos, químicos e biológicos da
água.
Wetland é um ecossistema que fica
parcialmente ou totalmente inundado
durante épocas do ano. Como exemplo,
podem-se citar pântanos, várzeas e
manguezais. Existem também os wetlands
construídos, como o projetado na presente
pesquisa. Esses sistemas, por meio de
44
seus vegetais, proporcionam melhorias na
qualidade da água, além de ajudarem a
controlar a erosão.
Essa estratégia já vem sendo estudada
por outros grupos, mas a ideia de Jéssica e
Maiara foi viabilizar um filtro mais eficiente
e barato para o uso da população em geral.
“O propósito em construir um filtro eficaz, de
baixo custo, fácil instalação, manutenção
e, principalmente, adaptável a diferentes
realidades, é torná-lo uma alternativa de
acesso a qualquer classe social, em qualquer
residência ou localidade, possibilitando a
reutilização de águas e a diminuição da
poluição no ambiente natural”, explicam as
estudantes.
A pesquisa
Para atingirem todos os objetivos propostos
no trabalho, as pesquisadoras construíram
três filtros: um com taboa, outro com lírio-dobrejo (estes dois para identificarem aspectos
como a capacidade de adaptação das plantas
in loco e estabelecerem a quantidade de
resíduos indesejáveis presentes na água
antes e depois da filtragem) e um terceiro
Jéssica Link
Lírio-do-brejo junto aos filtros (à esq), taboa (centro) e a visão geral dos filtros (dir)
filtro-controle (apenas com camadas de caco
de telha, brita, terra e areia, sem plantas).
Já para a avaliação da qualidade da água,
as alunas estabeleceram comparações,
nos processos de filtragem, entre diferentes
parâmetros, como o de demanda bioquímica
de oxigênio (DBO), o de demanda química
de oxigênio (DQO), o de fósforo total (P-PO4),
o de nitrogênio amoniacal (NH4-N), o de pH
e o de coliformes totais – todas por meio de
análises laboratoriais.
No trabalho, as pesquisadoras abordaram
especificamente o tratamento de águas
cinza. Provenientes da lavagem de roupas,
elas apresentam alta concentração de
químicos devido aos sabões empregados,
que contêm sódio, fosfato, boro, surfactantes,
amônia e nitrogênio, podendo causar danos
ambientais e à saúde se forem lançados no
solo sem tratamento.
Outro ponto destacado pelas estudantes
diz respeito ao tipo de reuso recomendado
para a pesquisa: o não potável. “O reuso
não potável é dividido de acordo com sua
finalidade, por exemplo, para fins agrícolas,
industriais, domésticos, enquadrando-se as
águas cinza nesse processo. A água de reuso
do ponto de vista ambiental contribui para
a diminuição da captação e a consequente
redução nas vazões de lançamento de
efluentes. Entretanto, para que possa ser
utilizada, deve-se levar em conta a questão
da saúde pública, existindo padrões para
reuso definidos pela legislação sanitária
e ambiental que devem ser seguidos. O
tratamento de água para fins ‘potáveis’
é complexo e de custo elevado. Por isso,
o reuso para fins não potáveis deve ser,
preferencialmente, avaliado.”
Na montagem do sistema de wetlands, as
pesquisadoras optaram por utilizar plantas
enraizadas (macrófitas emergentes) de
fluxo descendente.
As raízes dessas
plantas oxigenam a água e transformam em
nutrientes as substâncias suspensas e a
matéria orgânica ali dissolvida. Isso porque,
ao redor das raízes, formam-se colônias de
bactérias que consumirão e transformarão
a matéria orgânica, principalmente o
nitrogênio e o fósforo. No processo, as raízes
facilitam a absorção de várias substâncias
que, quando retiradas, melhoram as
condições de uso e de qualidade da água.
Para a realização do trabalho, o wetland
foi associado a camadas sobrepostas de
pedriscos, brita, solo, casca de arroz, carvão
e outros, formando os chamados sistemas
de Despoluição Hídrica com Solos (DHS).
Construção dos filtros
Entre agosto de 2010 e agosto de 2011,
a montagem do experimento visou à
reutilização de águas cinza provenientes
de tanques e lavadoras de roupas de uma
das residências do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense
– Campus Rio do Sul.
Definidos os tipos e tamanhos de filtros e os
materiais necessários, além de como se daria
a passagem dos canos, foram construídos
os mecanismos do wetland. À caixa de saída
45
Jéssica Link
Na foto à esquerda, o processo de instalação dos filtros; ao lado, a torneira responsável pela
saída da água tratada
Conclusões
Por meio de gráficos, considerando ainda
médias, desvio padrão e coeficiente de
variação entre os dois tratamentos (com
lírio-do-brejo e com taboa), as pesquisadoras
analisaram o desempenho dos wetlands.
46
Assim, observou-se uma maior eficiência
do lírio-do-brejo para o tratamento de águas
contaminadas.
“Os objetivos [da pesquisa] foram
totalmente atingidos. As análises realizadas
demonstraram que o filtro construído com
lírio-do-brejo obteve melhor eficiência na
filtragem, observando-se os parâmetros
definidos para a presente pesquisa. As
concentrações de DBO e DQO reduziram
em ambos os filtros. Aconteceu ainda
a conversão significativa do nitrogênio
amoniacal, sendo diminuído nos dois sistemas
pesquisados. Os coliformes totais presentes
na água aumentaram [o que ocorreu devido
à interferência do clima; o predomínio de
temperaturas médias baixas relacionadas à
alta precipitação influenciou o metabolismo
fotossintético das plantas, fato que diminuiu
a absorção de nutrientes, disponibilizando
esses nutrientes aos microorganismos e
criando um ambiente propício à proliferação]
nos sistemas com lírio-do-brejo e com taboa.
Jéssica Link
das águas residuais da residência conectou-se
um cano de PVC para a remoção da água de
lavagem, distribuída uniformemente – cerca
de 50 a 60 litros para cada um dos três filtros.
Após a instalação dos canos, as
pesquisadoras plantaram as espécies de
macrófitas nos filtros (apenas o “controle”
não recebeu nenhuma planta). A água
filtrada foi recolhida atrás do filtro por meio
da conexão do cano de PVC com uma
mangueira, que, por sua vez, possuía uma
torneira a fim de regular a saída do líquido.
A partir de outubro de 2010, as águas cinza
começaram a passar pelos filtros. Durante
seis meses, as águas filtradas foram
coletadas para realização das análises
laboratoriais – de abril a agosto de 2011, as
pesquisadoras fizeram cinco desses testes,
seguindo intervalos médios de 20 dias.
Para as duas últimas coletas, além dos
parâmetros definidos no início da pesquisa
– DBO, DQO, fósforo total (P-PO4), nitrogênio
amoniacal (NH4-N), pH e coliformes totais –,
as pesquisadoras também acrescentaram
mais algumas variáveis para estudo da
matéria orgânica: sólidos totais, sólidos
suspensos e E.coli, a fim de encontrar
respostas para o aumento de coliformes
totais e conseguir um detalhamento maior
dos resultados então avaliados.
Comparação entre a água antes (à esq) e
depois do tratamento com lírio-do-brejo
Porém, houve a redução do pH após ambos
os processos de filtragem”, explicam as
pesquisadoras.
“Quando, por fim, calculam-se as taxas
de remoção, considerando a água cinza
como padrão de entrada, fica nítida a
atuação substancial do lírio-do-brejo na
implementação dos sistemas wetlands
construídos. Dessa forma, os resultados
obtidos na presente pesquisa com
relação à utilização do lírio-do-brejo em
sistemas wetlands construídos passa a
ser recomendada isoladamente ou em
associação com outras espécies, como a
própria taboa, buscando maior estabilidade
temporal no sistema”, continuam.
Segundo as estudantes Jéssica e Maiara,
diante da eficiência apresentada, o sistema
pesquisado aparece como uma alternativa
viável de baixo custo para o tratamento
de água. “Com os dados obtidos pode-se
afirmar que sistemas alternativos como
esses, implantados com taboa ou com líriodo-brejo, possuem alto potencial para o
tratamento de águas cinza em ambientes
onde não existam sistemas de captura e
tratamento disponibilizado pelas empresas
responsáveis por tais funções em cada
município. A prática do uso de pequenos
filtros com zona de raízes apresenta custo
relativamente baixo para sua construção
e manutenção, sendo essa alternativa de
rápida instalação, considerada eficiente
e de extrema adaptabilidade às diversas
realidades. Para que o tratamento seja
eficaz, aconselha-se a consorciação das
espécies pesquisadas”, concluem.
Sobre as pesquisadoras
Química na Faculdade Metropolitana de
Guaramirim-SC. Com a ida das alunas para a
faculdade, o projeto foi encerrado, mas elas
devem permanecer na área científica, já que,
mais que uma obrigação, pesquisar é uma
diversão para as duas.
“Além de leituras e prática de alguns esportes,
gostamos de pesquisar alguns assuntos
específicos, compreender mais a respeito, sua
importância, seu histórico, o que vem sendo
feito e o que se pode fazer a respeito de cada
um deles”, afirmam.
André Munzlinger
Foi na 1ª série do Ensino Médio, mais
precisamente na disciplina de Iniciação
Científica, que Jéssica e Maiara começaram
a desenvolver a pesquisa sobre wetlands.
Após obterem os primeiros resultados, as
estudantes decidiram seguir com o trabalho.
“Gostaríamos de criar um filtro eficiente, de
baixo custo, fácil instalação e adaptação, para
que um maior público pudesse aplicá-lo e
utilizá-lo. O sistema de wetlands construídos
se encaixou nessas características. Dessa
forma, queríamos ver a potencialidade de
duas espécies de plantas no tratamento de
águas contaminadas com produtos químicos”,
explicam.
Orientadas pela professora Maria Amélia
Pellizzetti (e auxiliadas por um coorientador,
o professor Lauri João Marconatto), as
estudantes atingiram o objetivo, demonstrando
um alto potencial da planta lírio-do-brejo
no tratamento de águas quimicamente
contaminadas
(águas
cinza).
Como
reconhecimento pelo trabalho, receberam
diversos prêmios e credenciamentos para
feiras de ciências (entre eles, uma segunda
colocação em Ciências Ambientais na 26ª
Mostratec).
Atualmente, Jéssica cursa Ciências Biológicas
na Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), enquanto Maiara estuda Engenharia
Atualmente, Jéssica (à esq) cursa Ciências
Biológicas na Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), enquanto Maiara (de
blusa azul) estuda Engenharia Química na
Faculdade Metropolitana de Guaramirim-SC
47
+(Agronomia)
Pesquisa testa
eficiência do extrato
do vegetal comigoninguém-pode no
combate a pragas
O
s danos causados pelos agrotóxicos
à saúde geram, há muito tempo, diversos
questionamentos a respeito de seu custo
-benefício no combate a pragas. Em busca
de alternativas ao uso desses produtos,
Guilherme de Araújo Pelissári, Leonardo
Gomes Dellaroza e Paulo Henrique Giuzio,
então estudantes do Colégio Interativa, de
Londrina-PR, se interessaram pelo ramo do
controle biológico, que se utiliza de agentes
naturais para defender plantações. Assim,
desenvolveram o projeto “Controle biológico
da Spodoptera frugiperda e Anticarsia
gemmatalis a partir de extratos vegetais”.
Nesse trabalho, testaram a eficiência do
extrato do vegetal comigo-ninguém-pode
(Dieffenbachia picta Schott) para diminuir
as pragas nas plantações de milho e de soja.
A relevância do trabalho consiste em utilizar
no combate a pragas um extrato vegetal
que não ofereça riscos à saúde e ao meio
ambiente e que tenha um custo menor
do que os agrotóxicos costumeiramente
utilizados.
48
De acordo com o Ministério da Saúde, em
2011, o Brasil apresentou 8 mil casos de
intoxicação por agrotóxico. No relatório da
pesquisa, porém, os estudantes destacam
que as estatísticas oficiais ainda estão
distantes da realidade e, provavelmente,
esse número é muito maior. “A maioria dos
trabalhadores que tem intoxicação leve não
procura o serviço de saúde com a queixa
de exposição ao agrotóxico, mas só com a
queixa do sintoma clínico”, afirmam.
A contaminação por agrotóxicos pode se dar
pelo contato direto com produtos altamente
tóxicos, exposição que traz consequências
imediatas e põe em risco a vida do indivíduo.
Não menos prejudicial é a geração de
problemas crônicos determinados pelo
contato direto ou indireto com produtos
muitas vezes de baixa toxicidade aguda,
mas por tempo prolongado. Dessa forma,
aplicadores
dos
produtos,
pessoas
que moram próximas das plantações e
consumidores dos alimentos contaminados
Acervo pessoal dos pesquisadores
Os pesquisadores afirmam que os
extratos de comigo-ninguém-pode se
mostram eficientes no combate às
lagartas S. frugiperda e A. gemmatalis
Desenvolvimento da pesquisa
A Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa) cedeu as lagartas
das espécies Spodoptera frugiperda e
Anticarsia gemmatalis para as análises,
realizadas no laboratório do Colégio
Interativa, em Londrina. Para a elaboração
dos testes de controle biológico, foram
utilizados extratos vegetais de cinco
diferentes plantas: “comigo-ninguém-pode”
(Dieffenbachia picta Schott); “espada
de São Jorge” (Sansevieria trifasciata);
“santa-bárbara” (Manihot utilíssima pohl);
“primavera” (Bouganvillea sp.) e “fumo”
(Nicotina tabacum).
Acervo pessoal dos pesquisadores
estão sujeitos aos males dos defensivos
agrícolas, podendo, por isso, apresentar
problemas respiratórios, como bronquite,
desenvolver complicações gastrointestinais
e manifestar, diante de substâncias
organofosforadas e organocloradas, distúrbios musculares tais como debilidade
motora e fraqueza.
Na pesquisa, Guilherme, Leonardo e Paulo
Henrique deram atenção especial a dois
tipos de praga: a Spodoptera frugiperda
(a lagarta-do-cartucho, que ataca o milho)
e a Anticarsia gemmatalis (a lagarta-dasoja). “Portanto, com todos os motivos e
problemas ocasionados pelo descaso com
a utilização de agrotóxicos, e
os prejuízos causados por tais
‘pragas’ às culturas de milho e
soja, a presente pesquisa tem
como objetivo criar um método
para diminuir as pragas nas
plantações de milho e de soja”,
definiram os pesquisadores.
Para a realização dos testes
de mortalidade dos animais,
utilizaram-se baterias montadas
em placas de petri com o fundo
recoberto por papel-filtro
49
Acervo pessoal dos pesquisadores
Agora, os estudantes
vão realizar os testes de
campo para verificar a
eficiência da aplicação do
extrato em larga escala
Os extratos foram inicialmente preparados
com 100 ml de água, 25 ml de álcool
e 23 gramas de cada planta. Todos os
extratos foram borrifados na alimentação
das lagartas e fornecidos a elas. Para a
realização dos testes de mortalidade dos
animais, utilizaram-se baterias montadas
em placas de petri com o fundo recoberto
por papel-filtro. Em cada uma das placas
eram colocadas uma lagarta e uma porção
de 5 gramas de alimento borrifados com os
extratos. Todas as baterias foram feitas em
replicata, contendo dez indivíduos no total –
um por placa. A título de comparação com
as condições naturais, também se fez um
teste de controle, com dez indivíduos, em
que o alimento oferecido não era exposto ao
extrato.
50
Análise dos experimentos
Com os experimentos montados, verificou-se
a mortalidade das lagartas durante quatro
dias, computando 96 horas de exposição a
cada um dos extratos. O de comigo-ninguémpode se mostrou o mais eficiente (com 25 g
de planta, 100 ml de água e 25 ml de álcool,
houve, em 96 horas, 100% de mortalidade).
O passo seguinte foi testar a capacidade
de extermínio das pragas com diferentes
concentrações do extrato.
Somente com o extrato de comigo-ninguémpode e água como solvente (100 ml), a
concentração de 25 g do vegetal se mostrou
eficiente por apresentar uma mortalidade
acima de 50% após 96 horas.
Assim, os pesquisadores concluíram que os
extratos de comigo-ninguém-pode parecem
ser eficientes no combate às lagartas S.
frugiperda e A. gemmatalis.
Contudo, na época em que o projeto recebeu
o prêmio da revista InCiência, na Febrace
2012, ainda restava uma dúvida sobre
até que ponto o álcool contribuía para a
mortalidade das pragas – visto que o grupo
-controle também apresentou uma elevada
taxa de mortalidade.
Segundo os pesquisadores, essa situação
ocorreu porque, nos testes anteriores,
foram utilizadas lagartas muito novas,
que se mostraram menos resistentes ao
álcool. Porém, são as lagartas em ínstares
mais avançados que atacam as plantações
estudadas na pesquisa.
Guilherme Pelissári, um dos pesquisadores,
conta que após a Febrace, eles realizaram
um teste de eficiência com lagartas mais
velhas, por meio de duas baterias: uma
com álcool puro, e outra com o princípio
ativo da planta. O objetivo foi verificar se
era o princípio ativo – e não o álcool – o
responsável pela mortalidade das lagartas.
“Na bateria com álcool puro, não houve
morte de lagartas. Logo, concluímos que
o responsável pela mortalidade da praga
era realmente o princípio ativo da comigoninguém-pode”, explica Guilherme Pelissári.
Os três pesquisadores deixaram o Colégio
Interativa e agora cursam a 3ª série do
Ensino Médio no Colégio Universitário. Lá,
seguem com a pesquisa. “Todos os testes
de laboratório foram finalizados. Agora,
vamos fazer os testes de campo para ver a
eficiência da aplicação do extrato em larga
escala”, afirma Guilherme.
Sobre os pesquisadores
Além do prêmio da revista InCiência, o
projeto, orientado pelo professor Murillo
Bernardi Rodrigues, foi agraciado com o
segundo lugar em Ciências Agrárias na
Febrace (Feira Brasileira de Ciências e
Engenharia) e com o prêmio Inovação na
VII Mostra de Ciências da Universidade
do Norte do Paraná (UNOPAR), em
2010.
“Desde o início, queríamos fazer
um trabalho que ajudasse a resolver
problemas da sociedade. Acreditamos
que o projeto levará benefícios a
todos. O uso do produto natural para
combater pragas, além de não prejudicar
o meio ambiente, vai diminuir o custo do
produtor e o preço do alimento, o que
também ajuda o consumidor”, afirmam
os pesquisadores, que, ao mesmo tempo
que realizam um trabalho de relevância
para a sociedade, já dão passos nas suas
áreas de interesse profissional: Guilherme
pretende cursar Zootecnia, Leonardo,
Agronomia, e Paulo, Engenharia Elétrica
ou Economia.
Guilherme, Paulo e Leonardo
conquistaram o segundo lugar em
Ciências Agrárias na Febrace 2012
Acervo pessoal dos pesquisadores
A ideia para a pesquisa “Controle biológico
da Spodoptera frugiperda e Anticarsia
gemmatalis a partir de extratos vegetais”
surgiu do convívio de Guilherme Pelissári
com o meio da produção rural. “Há uns
quatro anos, 60% da produção de milho
da fazendo do meu avô foi prejudicada
pela
lagarta-do-cartucho
(Spodoptera
frugiperda). Depois que meu avô me falou
sobre o assunto, conversei com o Leonardo
e com o Paulo (seus colegas de escola), e
surgiu a ideia de fazer um trabalho de préiniciação científica que abordasse o uso
de substâncias naturais para combater as
pragas. Assim, começamos a escolher as
plantas que utilizaríamos na pesquisa”, diz
Guilherme.
Com a pesquisa avançada – como dito, já
concluíram os testes de laboratório e agora
farão trabalhos de campo – os estudantes
pretendem patentear o extrato de comigoninguém-pode para o combate a pragas do
milho e da soja. “O processo de patente já
foi iniciado para os testes de laboratório.
Agora, estamos esperando a realização dos
testes de campo no verão”, explicam os
estudantes.
51
+(Agronomia)
Defensivo agrícola
natural atrai
praga-da-couve
e barateia alimento
orgânico
A
ideia de tornar o alimento orgânico
mais barato e, consequentemente, mais
acessível à população norteou o projeto de
pré-iniciação científica de Luciana Mayara
Mendonça de Almeida, Luana Mayara
Silva de Oliveira e Gleice Kelly Feitosa
Soares, estudantes do curso técnico de
edificações do Instituto Federal de Alagoas
(IFAL) - campus Palmeira dos Índios (PIn).
Para atingirem o objetivo, em “Alimentos
orgânicos e de baixo custo: a utilização do
muçambê como planta atrativa no controle
biológico da praga-da-couve”, as alunas
procuraram uma forma de livrar a couve da
ameaça das lagartas Ascia monuste orseis
utilizando o muçambê (Cleome spinosa)
como atrativo para a praga-da-couve.
O trabalho das pesquisadoras consistiu em
confirmar a preferência da praga-da-couve
pelo muçambê em detrimento da couve e
propor um controle biológico para a praga.
Dessa forma, os dois vegetais poderiam ser
52
plantados proximamente (o muçambê como
vegetação de bordadura, ou seja, ao redor
do cultivo de couve).
Assim, a lagarta se dirigiria ao muçambê,
que, nesse caso, ao contrário da couve,
não é uma cultura de interesse econômico.
A hipótese considerada pelas estudantes
foi a de que não seria necessário o uso de
agrotóxicos para proteger a couve em seu
cultivo, tornando, por tabela, o alimento
orgânico mais saudável, barato e acessível
à população.
“O muçambê é uma planta muito abundante
na região de caatinga no Brasil. Devido a
essa abundância, justificou-se o estudo
de sua utilização como planta atrativa de
A. monuste, abrindo a possibilidade de
realização do manejo dessa cultura, seja
como plantio associado ou pela confecção de
armadilhas, utilizando-se extratos vegetais
da planta de modo a controlar a praga-da-
couve”, explicaram as pesquisadoras no
relatório do projeto.
Além de confirmarem a preferência
alimentar da Ascia monuste pelo muçambê,
as estudantes também estabeleceram
como objetivo da pesquisa verificar o
comportamento de oviposição dos adultos
(borboletas), investigando sua preferência
pela planta hospedeira para os ovos da
espécie.
Acervo pessoal das pesquisadoras
Pesquisa
As estudantes realizaram os experimentos
do trabalho no Laboratório de Análise e
Pesquisa em Desenvolvimento Ambiental
– LAPDA. No terreno localizado ao lado
(o laboratório fica no Instituto Federal
de Alagoas – IFAL, campus Palmeira dos
Índios), elas cultivaram uma horta de
couve a fim de garantir que os alimentos
das lagartas fossem totalmente livres de
agrotóxicos e que a análise da oviposição
fosse desenvolvida. O lugar era iluminado,
arejado e próximo ao laboratório, facilitando
assim as observações. As sementes de
couve foram compradas no comércio local e
plantadas na leira, enquanto o muçambê foi
cultivado nas extremidades do canteiro.
Coletados em plantas de muçambê na
micro-região de Palmeira dos Índios, os ovos
de Ascia monuste foram acondicionados
em beckers de vidro (500 ml), forrados com
papel absorvente umedecido com água
destilada, sendo observados diariamente.
Após a eclosão (abertura natural do ovo), as
larvas foram inseridas individualmente em
beckers de vidro de 50 ml, facilitando com
isso a visualização das ocorrências diárias e
evitando o canibalismo.
No interior de cada becker, foi colocada uma
folha de couve ou de muçambê – escolha
feita de acordo com a planta onde os ovos
haviam sido encontrados – sobre o papel
absorvente umedecido com água destilada
para preservar a turgidez do alimento, uma
vez que as lagartas são muito sensíveis,
principalmente nos primeiros ínstares
(estágios larvais).
Com a segunda ecdise (troca de
exoesqueleto) e o início do terceiro ínstar, as
pesquisadoras transferiram as larvas para
beckers de vidro maiores, com capacidade
de 100 ml.
Teste de preferência alimentar
Para a realização do teste de preferência
alimentar, as lagartas de 1º ínstar
passaram por privação de comida por
aproximadamente 12 horas. Em seguida,
foram colocadas individualmente no centro
de beckers de 10 cm de diâmetro, tendo, de
um lado, folhas de muçambê, e, do outro,
folhas de couve.
Assim, em 30 minutos, as pesquisadoras
analisaram o deslocamento e a alimentação
das lagartas (ou seja, se optaram pelo
muçambê ou pela couve). Conduzidas
individualmente a beckers,
elas foram alimentadas com a
comida de sua preferência no
teste.
Na ocasião em que as lagartas
atingiram o 4º instar, os testes
foram repetidos, porém, desta
vez, em bandejas plásticas.
O alimento foi instalado nas
extremidades opostas (de um
lado, muçambê, e, de outro,
couve).
Já na fase adulta, parte das
borboletas foi agregada à
coleção
entomológica
do
Instituto Federal de Alagoas campus Palmeira dos Índios,
enquanto o restante foi solto.
Ovos de Ascia Monuste em
uma folha de muçambê
53
Acervo pessoal das pesquisadoras
Na pesquisa, também se confirmou a preferência
dos adultos da Ascia Monuste em depositar
seus ovos em plantas de muçambê
Acervo pessoal das pesquisadoras
Oviposição e resultados
Das 34 lagartas de 1º ínstar que foram
submetidas ao teste inicial, 26 (76,47%)
optaram por se alimentar de muçambê,
enquanto oito (23,53%) escolheram a couve.
Quatro lagartas morreram antes de atingir o
4º ínstar.
Assim, das 30 restantes, 25 (83,33%)
se alimentaram de muçambê, enquanto
apenas cinco (16,67%) optaram pela couve.
A sobrevivência média ao final dos testes foi
de 88,24%.
“Nos dois períodos de desenvolvimento,
pôde-se observar que as lagartas A. monuste
preferiram alimentar-se de muçambê (planta
nativa) em vez de couve (planta cultivada)”,
afirmaram as pesquisadoras.
A preferência pelo muçambê também foi
verificada quanto à oviposição. Foram
observadas, no período de agosto a outubro
de 2012, dez posturas, das quais oito no
muçambê, totalizando 312 ovos (férteis), e
duas na couve, somando 85 ovos, porém,
apenas uma postura fértil (45 ovos).
As pesquisadoras explicaram que os
cultivares são atacados apenas pelas
lagartas, que consomem o vegetal, sendo
que a borboleta tem o papel de polinizar e
pôr seus ovos. Entretanto, é fundamental
saber em que local a borboleta prefere pôr
seus ovos – por isso, foi realizado o teste de
oviposição.
“Não adiantaria a lagarta preferir alimentarse de muçambê, mas a borboleta preferir
pôr seus ovos em couve, pois, desse modo,
ao nascerem em couve, as lagartas iriam
comer couve. Por esse motivo, fizemos uma
análise diária em nossa horta e constatamos
que tanto a lagarta quanto a borboleta
preferem o muçambê. Sem esse resultado,
não estaria comprovada cientificamente a
eficácia do muçambê como planta atrativa
de A.monuste”, explicou Luciana Mendonça.
Diante desses dados, ao final do trabalho,
as pesquisadoras apresentaram a seguinte
conclusão. “Pode-se concluir que as
lagartas A. monuste preferem se alimentar
de muçambê em detrimento à couve, em
laboratório. Também foi possível concluir
que os adultos preferem depositar seus
ovos em plantas de muçambê, sendo assim
viável o uso de plantas atrativas como forma
de substituição aos agrotóxicos”, afirmaram,
especificando também os efeitos práticos
da constatação.
“A confirmação dessa preferência em
laboratório é um grande passo para
o estabelecimento de parcerias com
os produtores locais, o que trará um
grande impacto para a economia local,
principalmente
para
os
pequenos
produtores, que não dispõem de muitos
recursos no controle de pragas em suas
plantações. Esses resultados são um
Pesquisadores cultivaram uma horta de couve a fim de garantir que os alimentos das lagartas fossem
totalmente livres de agrotóxicos e que a análise da oviposição fosse desenvolvida
54
Acervo pessoal das pesquisadoras
incentivo à agricultura orgânica, fornecendo
à população alimentos de baixo custo e
livres de agrotóxicos, pois o muçambê é uma
planta comumente encontrada na região
trabalhada, além de despertar na população
o desejo de preservação de seu ambiente,
e de criar uma nova concepção acerca das
interações inseto-planta.”
Durante os experimentos, os ovos e as larvas foram
colocados em beckers para serem melhor observados
Sobre as pesquisadoras
“O grupo coletava insetos vivos e também
ovos. Em uma de nossas coletas, encontramos
ovos de Ascia monuste. Para nossa
surpresa, enquanto estudávamos,
descobrimos que ela é praga-chave
da couve. Nós encontramos os
ovos em folhas de muçambê, planta
bastante comum em nossa região.
Foi a partir desse momento que
começamos a pesquisar sobre essas
plantas e a relação com essa espécie
de borboleta”, explicam.
Apresentado pela primeira vez na Febrace
2013, o trabalho foi congratulado com o
prêmio da revista InCiência. Entretanto,
como as alunas estão em fase de conclusão
do curso técnico de edificações, precisando
cumprir estágio obrigatório, a pesquisa foi
interrompida desde então.
Porém, Luciana, que pretende cursar Ciências
Biológicas, tem planos de retomar o trabalho.
“Certamente o trabalho avançará em outro
momento. Pode ser com a inserção de novos
pesquisadores, ou se eu tiver a oportunidade
de continuá-lo quando estiver em um curso
superior”, afirmou. Já Luana quer estudar
Arquitetura ou Engenharia Civil, enquanto
Gleice se interessa pelo curso de Psicologia.
Acervo pessoal das pesquisadoras
Mesmo sendo estudantes do curso técnico
de edificações – construção civil (integrado
ao Ensino Médio), Luciana, Luana e Gleice
resolveram fazer um trabalho de pré-iniciação
científica na área ambiental. Tudo começou
quando, incentivadas pela professora de
Biologia Sheyla Ferreira Lima Coelho (que,
juntamente com o professor Abel Coelho
da Silva Neto, viria a orientar a pesquisa das
alunas), elas passaram a estudar os insetos, seu
comportamento, seu nicho, além de coletálos e identificá-los a fim de formar a coleção
entomológica do Instituto Federal de Alagoas
(IFAL) - campus Palmeira dos Índios (PIn).
Mesmo sendo estudantes do
curso técnico de edificações,
Luana, Luciana e Gleice
resolveram fazer um trabalho
de pré-iniciação científica
na área ambiental
55
+(Agronomia)
Cera de abelha
é usada para
prolongar vida
útil de frutas
pós-colheita
O
revestimento com cera de abelha e
o armazenamento refrigerado configuram
uma alternativa eficiente para prolongar a
vida útil pós-colheita de frutos como banana,
goiaba e mamão. Essa foi a conclusão obtida
por Antonio Torres Geracino, Francisco Jociel
de F. Fernandes e Huguenberg de Oliveira
Santos, alunos da Escola Estadual Profª
Maria Zenilda Gama Torres, de Apodi-RN, no
trabalho de pré-iniciação científica “Uso de
cera de abelha no revestimento de frutos”.
Frutas de origem tropical, a banana, a goiaba
e o mamão têm intensa atividade metabólica,
o que as torna altamente perecíveis. Assim,
é necessário o uso de algumas técnicas
para retardar seu amadurecimento.
56
Entre as alternativas existentes, os
pesquisadores destacam que o uso da cera
de abelha tem sido pouco estudado. Dessa
forma, o trabalho dos estudantes de Apodi
buscou avaliar o efeito da utilização de
cera de abelhas como revestimento para o
prolongamento da vida útil pós-colheita da
banana, da goiaba e do mamão.
Desde o princípio do projeto, os
pesquisadores já sabiam da existência de
duas “contraindicações” no uso da cera de
abelha: seu alto custo e os resíduos que
pode deixar na fruta. Porém, eles pensaram
em formas de amenizar esses fatores
negativos. “Para compensar, continuaremos
pesquisando uma forma de deixar o
Acervo pessoal dos pesquisadores
Frutas de origem
tropical, a
banana, a goiaba
e o mamão têm
intensa atividade
metabólica, o que
as torna altamente
perecíveis,
exigindo o uso de
algumas técnicas
para retardar seu
amadurecimento
revestimento mais fino, diminuindo, assim, o
custo. Já o resíduo pode ser tirado com água
facilmente”, explicam.
A pesquisa
Para desenvolver o trabalho, os estudantes
avaliaram as frutas revestidas e não
revestidas de cera de abelha, além de
testá-las sob temperatura ambiente e
de refrigeração, a fim de realizar uma
comparação ao final do procedimento.
A uma quantia de 60 g de cera bruta de
abelha, os pesquisadores adicionaram 440
ml de água destilada e 0,5% de óleo de coco
saponificado – este último elemento foi
aplicado para quebrar a tensão superficial
e facilitar a mistura dos componentes.
O passo seguinte consistiu em agitar e
aquecer a solução a uma temperatura de
100oC por dez minutos, com o auxílio de um
aquecedor-agitador.
Após esse período, os frutos foram imersos
na mesma solução quando esta apresentava
50oC. Depois, os pesquisadores colocaram
os alimentos em bandejas de isopor para
secar em temperatura ambiente e os
armazenaram.
Critérios de avaliação
Os estudantes adotaram os seguintes
parâmetros para realizar a avaliação dos
frutos: aparência externa, coloração da
casca e perda de massa.
Para a aparência externa, foi determinada
uma escala de notas de 1 a 5, de acordo com
a parcela do fruto que se encontrava afetada
(estragada) – o que poderia ser constatado
por incidências de manchas, infecção por
fungo, enrugamento, danos como cortes ou
pancadas, e podridão. Nessa mesma linha
de verificação, o quesito coloração recebeu
avaliação de 1 a 7 para a banana e de 0 a 5
para a goiaba e o mamão (ambas as análises
foram feitas com base na graduação das
evidências das tonalidades verde e amarela
no alimento – quanto menor o número, mais
verde estaria o fruto).
Com o uso de uma balança semianalítica,
os pesquisadores determinaram a massa
do fruto dividindo a diferença do peso inicial
e final pelo peso inicial, e multiplicando
o quociente encontrado por 100, com o
resultado expresso em porcentagem (%).
57
Acervo pessoal dos pesquisadores
aparência externa, na coloração e na perda
de massa.
A casca do mamão teve melhor coloração
nos frutos armazenados na geladeira,
independentemente de estarem revestidos
com cera ou não, confirmando a eficiência
de baixas temperaturas para essa variável.
Na aparência externa, o mamão presente
na geladeira e revestido teve desempenho
mais favorável. Por fim, a perda de massa no
mamão foi semelhante à dos demais frutos
avaliados, perdendo menor quantidade os
tratados com revestimento e armazenados
na geladeira.
Todas
essas
análises
permitiram
aos pesquisadores concluir que o
revestimento dos frutos com cera de
abelha e o armazenamento refrigerado são,
combinados, uma alternativa eficiente para
o prolongamento da vida útil do fruto após a
sua colheita.
“O projeto proporcionará benefícios em três
dimensões: econômica, social e ambiental.
Com o revestimento, o produtor perderá
menos alimentos no ato da comercialização
Acervo pessoal dos pesquisadores
Resultados
A coloração da casca da banana apresentou
melhores resultados quando revestida de
cera em ambos os tipos de armazenamento,
sendo, porém, mais eficaz a conservação
para os frutos colocados na geladeira. Tal
quadro, sugerem os pesquisadores, se
deu devido à cera reduzir as trocas de
gases com o meio ambiente, o que retarda
o amadurecimento do fruto (fator que é
expresso principalmente por sua mudança
de coloração).
Situação semelhante ocorreu com os outros
critérios de análise, uma vez que as bananas
revestidas de cera e colocadas na geladeira
apresentaram melhor aparência externa e
menor perda de massa (situação motivada
pelo fato de a cera e a baixa temperatura
reduzirem a perda de água pelo fruto para o
meio ambiente).
Seguindo o ocorrido com os experimentos
relativos à banana, as análises também
levaram os pesquisadores a afirmar que a
goiaba com revestimento e armazenada na
geladeira apresenta melhor resultado na
Para realizar a avaliação
dos frutos, os estudantes
adotaram como
parâmetros a aparência
externa, a coloração da
casca e a perda de massa
No trabalho, os estudantes avaliaram as frutas revestidas e não revestidas de cera de abelha, além de testálas sob temperatura ambiente e de refrigeração, a fim de realizar uma comparação ao final do procedimento
58
e, assim, evitará o desperdício, alimentando
mais pessoas. Quanto à questão ambiental,
não será necessário o uso de produtos
químicos nas frutas para prolongar seus
dias úteis de vida pós–colheita”, afirmam os
estudantes.
Sobre os pesquisadores
A pesquisa evoluiu, atingiu seu objetivo e foi
amplamente premiada. Ganhou honrarias
como o primeiro lugar em “Ciências
Agrárias-projeto em grupo” na
Febrace 2013 e o segundo lugar na
“Área Agrária” na Milset Brasil.
Atualmente na 3ª série do Ensino
Médio, os estudantes, sob a
orientação da professora Antonia
Gidélia da Costa e do coorientador
Wallace Edelky de Souza Freitas,
seguem desenvolvendo a pesquisa.
“No momento, estamos avaliando
a variação de temperatura para
verificar se a fruta revestida
consegue manter-se conservada, visto que
elas são transportadas para várias regiões do
Brasil. Com relação à patente, entregamos
o projeto no NIT (Núcleo de Inovação
Tecnológica da Universidade Federal Rural do
Semiárido [UFERSA]) e estamos esperando
uma resposta”, afirmam.
No que tange ao futuro profissional, Antonio
Geracino pretende cursar Engenharia da
Computação. Francisco Jociel também
gostaria de estudar Engenharia, enquanto
Huguenberg está em dúvida entre este curso
e Direito.
Acervo pessoal dos pesquisadores
Quando surgiu a oportunidade de participarem
de uma feira de ciências organizada pela
Universidade Federal Rural do Semiárido
Mossoró (UFERSA-RN), Antonio Torres
Geracino, Francisco Jociel de F. Fernandes
e Huguenberg de Oliveira Santos tiveram a
ideia de estudar a eficácia da cera de abelha
como revestimento para aumentar a vida útil
dos frutos pós-colheita. “Entramos na área
da pesquisa científica mais por curiosidade
mesmo”, dizem os estudantes.
Jociel, Huguenberg
e Geracino, sob a
orientação da professora
Gidélia Costa, seguem
trabalhando na pesquisa
59
+(Agronomia)
Abelhas são utilizadas
como detectoras
de essências
É
comum vermos em filmes de ação cães
farejadores sendo usados para a identificação
de drogas ou bombas. Mas não são só esses
animais que podem realizar esse tipo de
trabalho. Paul Isaac Laskowski Agababa
e Ephraim Luiz de Andrade França, então
alunos da escola Interativa (Londrina-PR),
por exemplo, fizeram uma pesquisa de préiniciação científica a respeito da capacidade
de abelhas detectarem essências. No caso,
os pesquisadores trabalharam com as
abelhas Scaptotrigona postica.
O objetivo de Ephraim e Paul na pesquisa
“Utilização de abelhas Scaptotrigona postica
para a detecção de essências olfativas”
era apresentar um substituto para os cães
na busca por drogas e TNT, uma vez que
os cachorros apresentam desvantagens,
como treinamento demorado, caro e que
exige pessoal especializado para ser
realizado. Abelhas farejadoras, porém, não
são propriamente uma novidade. A Apis
mellifera atualmente é utilizada para esse
tipo de condicionamento. Entretanto, ao
contrário desta última, o tipo pesquisado
pelos estudantes –Scaptotrigona postica
– não tem ferrão, o que pode significar um
diferencial positivo.
60
1
“Nas férias, assisti a um programa sobre
abelhas farejadoras de bombas e os
cachorros de Pavlov. Então, tive a ideia de
treinar abelhas indígenas brasileiras sem
ferrão. Logo após essa primeira etapa, o
Ephraim se integrou ao trabalho”, explica
Paul.
Histórico
No trabalho, os pesquisadores apontam
que os cães começaram a ser usados para
farejar substâncias ilegais no fim dos anos
1960, durante a Guerra do Vietnã (19591975), quando o consumo de heroína entre
soldados americanos tornou-se um grave
problema para o Exército dos EUA.
De acordo com um dado de Syrotuck (William
Syrotuck, na obra “Scent and the scenting
dog”, Barkleigh Productions, 2000) utilizado
na pesquisa, estima-se que o homem
tenha cinco milhões de células sensoriais,
enquanto um cão da espécie pastor-alemão
apresenta duzentos e vinte milhões. Ephraim
e Paul, citando Haarman1, apontam que os
insetos [abelhas] possuem um ótimo olfato,
que pode ser rivalizado com o dos cães.
Deborah Baker apud Timothy Haarman, “Bomb-sniffing bees strapped in”, The Seattle Times, 2006
Assim, diante das desvantagens trazidas
pelo treinamento dos cães, a utilização das
abelhas vem sendo cada vez mais estudada,
visto que apresenta um treinamento barato,
muito mais rápido e fácil de ser realizado.
O processo de condicionamento procura
fazer com que as abelhas, tão logo sintam
a presença da essência cujo aroma foram
treinadas a detectar, estiquem a sua
probóscide (apêndice bucal alongado,
localizado na cabeça).
Alimentação das abelhas
Para o desenvolvimento da pesquisa, os
estudantes obtiveram no laboratório de
estudos de abelhas indígenas da UEL
(Universidade Estadual de Londrina),
com o professor doutor Edson Proni,
uma colmeia da espécie Scaptotrigona
postica bem desenvolvida e com cerca
de 100.000 abelhas.
Essa colmeia era formada por uma
gaveta superior (a melgueira, onde
guardam o mel) e uma inferior (a
Na pesquisa, as abelhas passaram por
um condicionamento que consistiu
em contínuas apresentações da
essência desejada, alternada com
as da recompensa. Feito esse
processo com êxito, sempre que
a abelha sentir a presença da
essência, ela esticará a probóscide
maternidade, abrigo dos favos de cria). Já no
Colégio Interativa de Londrina, as abelhas
foram alimentadas artificialmente até o
início da fase experimental.
Por meio de um processo de divisão de
colônias, criou-se uma nova colmeia, para a
qual foi transferida metade dos ovos de cria
juntamente com a rainha (procedimento
usado se os favos não apresentam uma cria
real). As abelhas foram então alimentadas
com base em duas dietas: uma energética e
outra proteica.
Na energética, o açúcar cristal (100 g) era
derretido a ponto de ficar com a mesma
textura do caramelo, sendo depois acrescida
a água (100 ml) e, em seguida, o mel (seis
colheres), o que induzia as abelhas a sentir
desejo pelo alimentador. Já a proteica era
constituída por cinco colheres de proteína
de soja, sete colheres de farinha de milho,
100 ml de água e 100 ml de mel.
Para serem alimentadas, as abelhas foram
colocadas uma a uma em suportes feitos
com tubos de fornecimento de oxigênio
normalmente utilizados em aquários. Após
ser cortado longitudinalmente, cada tubo
era fechado com uma fita adesiva para
prender os insetos.
Acervo pessoal dos pesquisadores
Acervo pessoal dos pesquisadores
Para serem alimentadas,
as abelhas foram
colocadas uma a uma
em suportes feitos com
tubos de fornecimento
de oxigênio, fechados
com uma fita adesiva
para prender os insetos
61
Febrace/Divulgação
Paul (à esquerda) e Ephraim explicam a pesquisa na Febrace; o trabalho
também foi selecionado para participar do fórum de Londres (LIYSF - London
International Youth Science Forum) e da SEED Science Fair, no Equador
Condicionamento
O passo seguinte consistiu em fazer as
abelhas reconhecerem a essência. Nessa
etapa, a recompensa (água e açúcar) era
apresentada para o inseto por meio de um
palito de madeira, colocado a uma distância
de 1 mm do animal, que deveria esticar
a probóscide para alcançar o elemento
desejado.
Deu-se então o condicionamento, no qual
foram realizadas contínuas apresentações
da essência desejada, alternada com as
da recompensa – quando deve acontecer
o REP (Reflexo de Extensão da Probóscide).
Esse processo (apresentação de essênciarecompensa) é repetido até que se torne
automático: ou seja, quando ocorre o REP
com a apresentação apenas da essência.
62
Feito esse processo, sempre que a abelha
sentir a presença da essência, ela esticará
a probóscide.
Resultados
A partir dos experimentos, os pesquisadores
elaboraram tabelas com os resultados
relacionados à essência utilizada e à
recompensa recebida. Nas duas primeiras
amostras, a quantidade de abelhas que
aceitaram a recompensa foi relativamente
pequena. Tal situação levou os estudantes
a realizar alterações nas composições das
substâncias utilizadas no treinamento, o
que também não gerou grandes resultados.
Entretanto, a partir da terceira amostra,
elaborada quando os pesquisadores já
haviam adquirido alguma experiência
no treinamento de abelhas, e estavam
mais cientes dos fatores que influenciam
no condicionamento, todos os insetos
aceitaram a recompensa. Por fim, duas
amostras apresentaram bons resultados
em relação ao reconhecimento da essência
– no caso, acetona pura.
Os pesquisadores planejavam realizar
diferentes tipos de treinamento para as
abelhas, bem como criar um protocolo de
condicionamento que aumentasse o nível de
eficiência no reconhecimento das essências.
Entretanto, Paul deixou o Colégio Interativa
e a dupla foi desfeita. Paul diz, porém, que
ainda tem vontade de desenvolver mais as
pesquisas.
Para ele, a importância do trabalho
desenvolvido ao lado de Ephraim é
clara. “Este trabalho possui uma vasta
importância potencial, principalmente para
o mercado atual de segurança nacional no
ramo de detecção de explosivos ou produtos
orgânicos ilegais. Esse método pode chegar
a substituir completamente o método atual,
no qual são utilizados os cachorros para
realizar essa detecção”, diz Paul.
Sobre os pesquisadores
Foi depois de assistir a um programa de
TV sobre abelhas farejadoras de bombas
que Paul Isaac teve a ideia de realizar uma
adaptação do projeto, treinando abelhas
indígenas brasileiras sem ferrão para
detectarem essências. Juntamente com
o parceiro Ephraim, Paul transformou a
iniciativa em trabalho de pré-iniciação
científica na escola Interativa.
Segundo os estudantes, o grande
diferencial da pesquisa está na utilização
de abelhas indígenas sem ferrão e no uso
de materiais de baixo custo. “A inovação
presente no nosso trabalho é a questão
de as abelhas não possuírem ferrão,
cortando custos com segurança pessoal,
como o uso de EPIs (equipamento de
proteção individual)”, explica Ephraim.
Sob a orientação do professor Fabio
Bruschi, o trabalho foi selecionado
para participar do fórum de Londres
(LIYSF - London International Youth
Science Forum), de uma feira de ciências
no Equador (SEED Science Fair) e da
Febrace (Feira Brasileira de Ciências e
Engenharia), na qual conquistou o prêmio
da revista InCiência.
A dupla foi desfeita com a saída de Paul
do Colégio Interativa.Atualmente, os dois
alunos estão na 2ª série do Ensino Médio.
Paul pretende cursar uma universidade
nos Estados Unidos, enquanto o plano
de Ephraim é estudar Ciências Biológicas
na USP ou na UEL, para depois seguir na
área de Zoologia.
63
(Bate-papo)
Pedro Nehme, o segundo
brasileiro a viajar para o espaço
Por Equipe Dante em Foco
O
Divulgação KLM
estudante de Engenharia Elétrica da
Universidade de Brasília (UnB) Pedro Nehme
será o segundo brasileiro a ir ao espaço (em
2006, o astronauta Marcos Pontes já havia
viajado até a Estação Espacial Internacional
(EEI); assim, Pedro será o primeiro civil do
país a realizar essa aventura). Ele concorreu
com 129 mil pessoas e ganhou um concurso
organizado pela companhia aérea holandesa
KLM, que o levará a bordo para uma viagem
suborbital no início de 2014. Pedro, que já
teve uma experiência de nove meses em um
centro da NASA, além de estagiar na Agência
Espacial Brasileira, viajará em uma nave da
empresa Space Expedition Corporation (SXC).
O lançamento será em Curaçao, no Caribe.
Com duração de uma hora, o voo atingirá
uma altura aproximada de 100 quilômetros,
cruzando a chamada linha de Kármán.
A equipe da oficina de jornalismo Dante em
Foco conversou com Pedro Nehme. Confira
alguns trechos do bate-papo:
Dante em Foco: O que o levou a participar
do concurso para o voo?
Pedro Nehme: Estava vendo um vídeo no
YouTube e, antes de o vídeo começar, apareceu
o comercial dessa competição promovida
pela KLM. Achei muito interessante, pois
estavam usando algo científico (um balão
meteorológico) para uma atividade comercial
e para um fim inusitado: fazer uma viagem pelo
espaço. Entrei no site e resolvi participar sem
pretensão alguma de ganhar a competição.
Dante em Foco: Vai haver algum tipo de
treinamento para a sua viagem?
Pedro Nehme: Sim, haverá. Os treinamentos
servem para simular algumas partes críticas da
missão. Nessas partes, o corpo é submetido
a sensações novas, como acelerações de
4-g e ambiente de microgravidade. Como o
voo dura apenas 1 hora, esse treinamento é
suficiente. O treinamento é composto por
três sessões: um voo em um caça Albatroz
L-39, um voo Zero G Flight e uma sessão
no simulador da SpaceXC. A primeira
sessão serve basicamente para submeter o
corpo a acelerações de 4 g, a segunda para
experimentar o ambiente de microgravidade,
e a terceira para experimentar a sequência de
acontecimentos do voo.
Dante em Foco: Quais são as suas
expectativas para essa viagem?
Pedro ganhou um concurso realizado pela
companhia aérea holandesa KLM, que o levará a
bordo para uma viagem suborbital no início de 2014
64
Pedro Nehme: Bom, essa é uma experiência
única e poucas pessoas já viram a Terra de
cima. Ser um dos precursores do turismo
espacial, um setor em que as expectativas são
muito altas, é talvez sentir, mesmo que em
menor escala, a experiência que os primeiros
astronautas tiveram, quando orbitar a Terra
ainda era um grande desafio.
Pedro Nehme: Ainda não tenho ao certo as
consequências que essa viagem vai trazer
para minha carreira. É certo que no setor
aeroespacial o fator experiência conta
bastante. Algumas portas vão se abrir,
primeiramente no setor de turismo espacial,
em que as expectativas de crescimento para
os próximos anos são muito altas. Quanto aos
projetos da UnB, vai servir para consolidar
ainda mais todas as iniciativas do Laboratório
de Inovação e Ciências Aeroespaciais que
estão sendo implementadas. A princípio,
a espaçonave que vai me levar tem
compartimentos para experimentos em
microgravidade, que poderão ser utilizados
para testar projetos, inclusive o LAICAnSat-1,
que estou desenvolvendo na UnB.
Dante em Foco: No que consiste este
projeto de um microssatélite universitário
que você está desenvolvendo juntamente
com a equipe do Laboratório de Automação
e Robótica da Faculdade de Tecnologia
(LARA)?
Pedro Nehme: O projeto é uma mistura de
CanSat e balão meteorológico. Basicamente,
é uma estrutura cilíndrica (carga útil) de
15 cm x 30 cm que carrega uma câmera e
diversos sensores meteorológicos para medir
temperatura, pressão, umidade, nível UV.
Queremos desenvolver uma plataforma de
baixo custo para sensoriamento remoto, o
que tem implicações econômicas diretas. Essa
plataforma, por exemplo, pode ser usada para
o monitoramento de queimadas, assim como
para o controle da produção agrícola do país
etc.
Dante em Foco: Você já estagiou na NASA.
Pretende voltar aos Estados Unidos para
obter uma maior especialização na área?
Pedro Nehme: É uma das possibilidades.
Trabalhar nos EUA é uma experiência muito
enriquecedora, tanto pela experiência pessoal,
como pelas pessoas que você conhece. Penso
em voltar sim, para fazer pós-graduação ou
mesmo para trabalhar na NASA. Mas ainda
não está decidido. Considero também as
oportunidades que existem no Brasil, que
aparentemente podem ser bem interessantes.
Dante em Foco: Qual a importância de
viagens como a sua para o desenvolvimento
da educação espacial nas escolas brasileiras?
Acervo pessoal
Dante em Foco: Como essa viagem ao
espaço poderá contribuir com a sua carreira
e com seus projetos na UnB?
Pedro já teve uma experiência de nove
meses em um centro da NASA, além de
estagiar na Agência Espacial Brasileira
Pedro Nehme: Talvez essa viagem aproxime
o espaço de diversos estudantes no Brasil.
Hoje já existem diversas iniciativas para
essa aproximação, como os CanSats,
nanossatélites e picossatélites. As escolas já
podem desenvolver e lançar seus próprios
satélites, com componentes disponíveis
comercialmente. Essa aproximação é muito
importante, pois mostra que matemática,
física, química e as disciplinas STEM são
extremamente úteis e efetivamente utilizadas
por profissionais todos os dias. Uma das
grandes dificuldades hoje no Brasil é fazer essa
aproximação. Ainda mais nas gerações que
crescem envoltas por tecnologia. É preciso
tornar as aulas muito mais interessantes, e
é muito mais interessante e gratificante, por
exemplo, projetar, desenvolver e lançar algo
aplicando os conhecimentos de sala de aula.
Dante em Foco: Para finalizar, qual é a
mensagem que você deixaria para os jovens
estudantes que, assim como você, possuem
interesse pela questão espacial?
Pedro Nehme: Continuem estudando e
buscando conhecimento fora dos “padrões”.
Busquem o conhecimento além da sala de aula.
A internet proporciona isso. A quantidade de
informação acumulada na internet é muito
grande, e são informações de todas as partes
do mundo. A educação formal hoje não é
interessante e existem diversas discussões
sobre a validade disso. Entretanto, é necessário
complementar essa educação formal com
atividades práticas extraclasse, muitas vezes
por conta própria. Busquem atividades
práticas, pensem e desenvolvam projetos,
construam esses projetos. O conhecimento
existe para sustentar as atividades práticas, e
não para ficar nos livros.
65
(Institucional)
Talento de dantianos para
inovação é reconhecido em feiras
nacionais e internacionais
O
Colégio Dante Alighieri vem conferindo
à pré-iniciação científica uma crescente
valorização. Uma das grandes provas disso é
que seus alunos participaram de várias feiras
de ciências nacionais e internacionais em 2013,
inclusive recebendo importantes honrarias.
Logo em março, o GEETec (Grupo de Estudos
Experimentais em Tecnologia) conquistou o
prêmio “Solução Inovadora” na etapa nacional
da FLL Brasil (First Lego League), maior
competição de robótica do país. O projeto
premiado foi o “freeWalker”, um aplicativo
para celulares com sistema Android que busca
ajudar idosos que sofrem quedas.
Também em março, na Febrace (Feira
Brasileira de Ciências e Engenharia), o Colégio
angariou onze prêmios atribuídos aos projetos
dos alunos Renata Colla Thosi e Walter Von
Söhsten X. Lins (3 prêmios), Laura Rudella
Tonidandel (4 prêmios), Richard Roberts e
Larissa Pereira Marques (2 prêmios) e Vitor
Martes Sternlicht (2 prêmios) – todos do
programa Cientista Aprendiz.
Já em maio, o aluno Flavio Pelone, da 3ª série
do Ensino Médio, participou do I Giovani e
le Scienze 2013, a mais importante feira de
ciências do ensino básico italiano. Em Milão,
o estudante apresentou seu projeto de préiniciação científica, intitulado “Poluição indoor:
avaliação do efeito dose-resposta da exposição
da fumaça do cigarro em câmara de fumo
utilizando Tradescantia pallida”.
Conquistas nos EUA
Ainda em maio, mas em Houston (EUA),
na I-SWEEEP (International Sustainable
World Energy Engineering Environment
Project Olympiad), Vitor Martes Sternlicht,
representando o GEETec, recebeu a medalha
de prata na categoria Engenharia com o projeto
“Navegação em ambientes desconhecidos por
robô móvel autônomo baseado em plataforma
Arduino com linguagem C”.
A Intel ISEF (International Science and
Engineering Fair), uma das mais importantes
66
feiras de ciências do mundo, também foi
realizada em solo norte-americano em maio,
contando com a participação de quatro
alunos dantianos do Cientista Aprendiz: Laura
Rudella Tonidandel, Bianca Spina Papaleo,
Renata Colla Thosi e Walter Von Söhsten.
Com o projeto “Modificação da capacidade
tronco das células mesenquimais humanas: a
relação entre a positividade da beta-catenina
com a proliferação e especialização celular”,
Laura conquistou uma bolsa de estudos na
Universidade Estadual do Arizona (EUA) e
um prêmio de US$ 2.500 para realização de
pesquisa no laboratório da Universidade.
Completando as conquistas dantianas nos
EUA, em outra importante feira de ciências,
a Genius Olympiad, Richard Roberts e Larissa
Pereira Marques foram premiados com
a medalha de ouro na categoria Ecologia
Humana pelo projeto “Detecção rápida
de genes de resistência de bactérias gram
positivas: elaboração de kit para detecção dos
genes mecA, vanA e vanB a partir de um pcr
multiplex em tempo real”. No mesmo evento,
Ângela Perrone Barbosa recebeu menção
honrosa pelo projeto “Estresse canino: em
busca de uma solução”, em Ciências, na
subcategoria Biodiversidade.
Por fim, em outubro de 2013, a equipe do
Cientista Aprendiz conquistou sete prêmios
na Mostratec (Mostra Internacional de Ciência
e Tecnologia), em Novo Hamburgo-RS. Bianca
Spina Papaleo foi responsável por três deles,
enquanto o grupo formado pelas alunas Beatriz
Martins de Freitas, Clara Helena Fernandez
Marins e Paula Bononi Vertoni recebeu duas
honrarias. A dupla Ana Carolina Paixão de
Queiroz e Gabriela Pane Farias se credenciou
para a Fenecit 2014, enquanto a professora
Sandra Tonidandel foi homenageada por meio
do reconhecimento à atuação como professora
orientadora de projetos de pesquisa que
participaram na International Science and
Engineering Fair – ISEF.
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Carlos Henrique de Brito Cruz