A Visão Puritana das Escrituras
O fenômeno do falar em línguas e a profecia
Uma Análise do Capítulo de Abertura da Confissão de Fé de Westminster
Por Derek Thomas
A composição da Confissão de Fé de Westminster constitui a realização central da
Assembléia de Westminster e, provavelmente, a maior aquisição do século XVII. Ao
avaliarmos o seu valor nós consideraremos apenas o seu capítulo de abertura, DAS
SAGRADAS ESCRITURAS, que é uma avaliação extensiva e cuidadosamente redigida da
natureza das Escrituras.
B.B. Warfield escreveu certa vez sobre a importância deste capítulo:
"Certamente não há em todo o conjunto da literatura confessional nenhuma
exposição de doutrina concebida de maneira tão nobre, ou tão habilmente
trabalhada como o capítulo' Das Sagradas Escrituras', que os teólogos de Westminster
colocaram no topo da Confissão, e colocaram-no como o fundamento do seu sistema
de doutrina".[1]
Warfield cita Schaff, o historiador da Igreja que assinalou:
“Nenhum outro símbolo Protestante tem uma exposição tão clara, judiciosa, sensata
e exaustiva deste artigo fundamental do Protestantismo”.[2]
O fato de este capítulo ser colocado em primeiro lugar, antes de qualquer
consideração sobre Deus ou Cristo (como outras confissões o fizeram) não se trata de
um acidente de composição. Mas reflete a convicção dos teólogos de Westminster de
que toda teologia que sabemos de Deus é baseada naquilo que o próprio Deus
revelou-nos nas Escrituras. A Bíblia é, nas palavras de Calvino[3], nosso "guia e
mestre" em cada área da vida. O fato de a Bíblia ser a Palavra de Deus escrita forma
a pressuposição básica sobre a qual toda e qualquer outra doutrina é formulada.
Segue-se a isso que uma visão defeituosa das Escrituras leva a uma teologia
defeituosa.
O capítulo começa com uma afirmação sobre a Escritura:
"Ainda que a luz da natureza e as obras da criação e da providência manifestam de
tal modo a sabedoria e o poder de Deus, que os homens ficam inescusáveis, todavia
não são suficientes para dar aquele conhecimento de Deus e de sua vontade,
necessários à salvação; por isso foi o Senhor servido, em diversos tempos e diferentes
modos, revelar-se e declarar à sua Igreja aquela vontade; e depois, para melhor
preservação e propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e
conforto da Igreja contra a corrupção da carne e malícia de Satanás e do mundo, foi
igualmente servido fazê-la escrever toda. Isto torna a Escritura Sagrada
indispensável, tendo cessado aqueles antigos modos de Deus revelar a sua vontade ao
seu povo" (Capítulo I. p. I).
A relevância desta afirmação vai muito além de urna simples exposição escriturística.
Ela contém uma afirmação de tremendo significado sobre a revelação em geral. Todo
homem tem implantado dentro de si um conhecimento de Deus, ou como Calvino
coloca, "a semente da religião". Mesmo sem a Bíblia o homem natural está consciente
da bondade, sabedoria e poder de Deus. É isto, naturalmente, que Paulo deixa claro
no capítulo de abertura de Romanos, uma verdade que é fundamental para tudo que
ele vai dizer mais adiante. A consequência desta revelação é que o homem é
indesculpável. Se ele reconhece a real revelação de Deus é outra questão: o homem
natural se apropria da verdade em injustiça. Porém esta supressão da verdade não
invalida de modo algum a genuinidade da revelação. Todo homem sabe mais do que
está preparado para admitir. Mas a revelação geral não traz consigo a mensagem
redentora. Ela diz aos pecadores nada mais do que Adão em sua inocência sabia. Ela
não dá qualquer indicação de que Deus pode perdoar aqueles que quebram a Sua Lei.
Ela convence do pecado, porém não oferece qualquer esperança de perdão. Ela
prega a Lei, mas não o Evangelho. Por isso, Deus decidiu assegurar que sua
mensagem de perdão por meio da fé em Jesus Cristo fosse escrita na forma de um
registro permanente. A afirmação da Confissão de Fé é um testemunho de que a
Bíblia é mais do que um simples registro de revelações passadas de Deus através dos
séculos; ela é em si mesma uma revelação de Deus. Ao produzir a Bíblia, Deus estava
revelando-nos o que precisamos saber para nossa salvação.
A afirmação de abertura contém uma negação da continuação de revelações da parte
de Deus. Tudo que precisamos saber foi escrito na Bíblia, e todas as assim chamadas
revelações privadas cessaram. Isto tem relevância para um problema
contemporâneo: o fenômeno do falar em línguas e a profecia. Se profecia e línguas
são novas revelações — como elas sem dúvida são no NT — elas são rejeitadas e não
admitidas até ao ponto que concerne esta afirmação da confissão.
Inspiração e Cânon
A segunda afirmação do capítulo de abertura é uma afirmação do cânon da Escritura.
Para esclarecer melhor, uma terceira afirmação descar- ta os escritos apócrifos como
sendo Escritura. Além disso, a segunda seção acrescenta uma afirmação curta, porém
crucial no sentido de que todos os livros canônicos foram "dados por inspiração de
Deus para serem uma regra de fé e prática". A expressão "Inspiradas por Deus" (as
referências Bíblicas foram acrescentadas mais tarde como notas, na Confissão, mas
indicam as passagens das Escrituras que eles tinham em mente ao formularem esta
Confissão) traduz uma única palavra grega, theopneustos, que quer dizer "soprado
por Deus" — expirada, poderíamos dizer, e uma tradução mais acurada do que inspirada. Esta é uma referência não tanto para os escritores, mas para os seus escritos:
toda Escritura vem de Deus. Em outras palavras, o que os teólogos queriam dizer com
inspiração é que homens escreveram precisamente o que Deus queria. Ao citarem 11
Pedro 1:21 eles estavam se referindo àquela expressão, "movidos" pelo Espírito Santo
que capacitou os homens a falarem da parte de Deus e escrever de Deus. Deste
modo, as palavras das Escrituras são as próprias Palavras de Deus: elas são os
oráculos de Deus, citando a frase de Paulo (Rm. 3 :2). Segue-se também que a parte
do homem na produção das Escrituras foi meramente transmitir o que recebeu.
"Teologicamente", escreve 1. I. Packer: “... a Bíblia encara os escritores humanos
como nada tendo contribuído, e as Escrituras como sendo inteiramente a criação de
Deus”.[4]
Dois corolários emergem da inspiração. A primeira é o cânon das Escrituras: para que
um livro seja canônico ele deve ser inspirado e a tarefa da Igreja no estabelecimento
dos limites do cânon era de discernir se os escritores eram ou não inspirados. Ao
reconhecer esta qualidade, a Igreja não conferiu autoridade a escritos humanos, mas
simplesmente reconheceu a autoridade inerente ao próprio escrito. O segundo
corolário tem a ver com a autoridade, e a Confissão fornece uma exposição separada
para isso:
"A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não
depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de
Deus (a mesma verdade) que é o seu Autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é
a Palavra de Deus" (Cap. I p. IV).
A autoridade bíblica se apóia na inspiração bíblica. A autoridade das Escrituras se
apóia no fato que Ele a deu. Por que deveria eu acreditar no que a Bíblia diz e
obedecer o que ela ordena? Porque a Escritura é nada menos do que o falar de Deus a
nós dirigida: "O VT em Hebraico ... e o NT em Grego ... sendo inspiradas
imediatamente por Deus ... "[5] (Cap. I p.VIII). As palavras da Bíblia são nada menos
que "o Espírito Santo falando" (Cap. I p. X). O dobrar-se perante as Escrituras resume
a pura religião. É o Cristianismo!
Inerente a esta exposição da confissão de fé está uma crença na infalibilidade ou
inerrância da totalidade das Escrituras. A doutrina da Confissão é o dainspiração
plenária: tudo que for Escritura é inspirado. Segue-se a isso como Warfield insistiu
tão vigorosamente, que a afirmação da Confissão sobre inspiração exige a veracidade
e confiabilidade total de tudo que as Escrituras dizem. Nada nos faz concluir das
pesquisas e estudos modernos das Escrituras que a Bíblia contenha erros em algum
ponto. Essa é a pedra de toque do evangelicalismo hoje. O capítulo de abertura da
Confissão de Fé de Westminster não encontra nem um mínimo de falta neste exato
ponto.
O Testemunho Interior do Espírito
Seguindo Calvino, a Confissão enfatiza o testemunho interior do Espírito
Santo (otestimonium internum Spiritus Santi). Apesar de todas as evidências da
autoridade das Escrituras, o homem precisa da preparação interior do Espírito para
convencê-lo da sua confiabilidade: "... contudo, a nossa plena persuasão e certeza
da infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do Espírito
Santo que, pela Palavra e com a Palavra, testifica em nossos corações" (Cap. I
p.V). A razão para tal não é difícil de se achar. O pecado dentro em nós, a tendência
anti-Deus que está enraizada em cada um é um legado recebido de Adão que tem um
efeito sobre nossas mentes assim como sobre nosso comportamento: ela produz uma
insensibilidade para com a verdade; a isso a Bíblia chama de cegueira ou dureza de
coração. Assim como a luz de nada serve para um cego, a Bíblia permanece um livro
fechado até que o Espírito Santo o abra. É a verdade exposta por Paulo em I Co 1.
Nas palavras de Calvino: "Se nós desejamos providenciar o melhor caminho para
nossas consciências — para que elas não fiquem perpetuamente tomadas pela
insensibilidade da dúvida ou do vacilo, e para que elas também não hesitem diante
das menores discussões — temos que buscar nossa convicção num lugar mais elevado
de que razões, julgamentos ou conjecturas humanas, isto é, no testemunho secreto
do Espírito" (Institutas I. 4). Esta é uma ênfase que é novamente repetida no capítulo
que trata da Fé Salvadora (14). Refletindo sobre o que a Escritura nos diz de como o
coração de Lídia foi aberto para que ela cresse, a Confissão da mesma forma enfatiza
que "a graça da fé, por meio da qual os eleitos são capacitados a crer para a salvação
de suas almas, é obra do Espírito de Cristo nos seus corações...” (14.I.).
Bem no começo da Confissão, encontramos uma ênfase na obra do Espírito Santo: na
inspiração e preservação da Palavra de Deus, junto com a necessidade da obra do
Espírito em convencer o não crente da credibilidade e do significado da Bíblia. Já que
a Confissão é comumente criticada por sua omissão de um capítulo sobre o Espírito
Santo, estes pontos precisam ser trazidos na mente. Hoje em dia, a Igreja poderia
desejar da Confissão uma afirmação mais clara sobre os dons do Espírito, e
possivelmente sobre o batismo do Espírito, mas estas não eram questões de
controvérsias no século XVII. Em essência, cada aspecto da obra do Espírito é
abordado.
Suficiência
Numa outra seção (L VI), elaborando mais adiante sobre a necessidade da iluminação
interior do Espírito de Deus como necessária para o entendimento salvífico das coisas
como são re- veladas na Palavra, a Confissão acrescenta uma exposição sobre a
suficiência das Escrituras.
"Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele
e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressa- mente declarado na Escritura
ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada se acrescentará em
tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens
... " (Cap. I, p.VI).
Duas questões estão por detrás desta afirmação: primeiro, a posição de Roma em
reclamar a autoridade da Igreja em matéria de fé e vida; segundo, a tendência dos
anabatistas de citar novas revelações do Espírito como algo normativo da fé e
comportamento cristãos. A implicação desta afirmação para o fenômeno carismático
moderno dificilmente poderia ser mais relevante. Reivindicações de revelações
diretas e imediatas do Espírito não têm lugar no pensamento dos teólogos de
Westminster.
Várias questões emergem desta afirmação:
I) A Bíblia é completamente adequada para governar cada área de nossas vidas.
II) Sobre a questão da consciência cristã, nós não temos o direito de ir além do que a
Escritura claramente colocou. Trata-se de uma imposição, insistir na obediência a
qualquer lei feita pelos homens.
III) A Palavra de Deus é a única regra para nos guiar na fé e na vida. Por conseqüência
a própria Confissão não deve ser colocada ao lado, muito menos acima das Escritura;
A Confissão são padrões subordinados cuja autoridade apenas é derivada da sua
conformidade àquilo que diz a Escritura.
IV) Nem tudo que precisamos saber é achado explicitamente e afirmado nas
Escrituras. Algumas coisas devem ser inferi das por "boa e necessária conseqüência
das Escrituras. Assim as doutrinas da Trindade, batismo infantil e o direito das
mulheres de participarem no ceia do Senhor são todas deduzidas das Escrituras. A
Bíblia não nos dá descrições mínimas e detalhadas de cada detalhe da vida. No culto,
por exemplo, a Bíblia nada tem a dizer sobre horários de culto ou coisas como roupa,
ordem de culto, as versões das Escrituras a serem usadas. Aqui nós devemos usar
nossas mentes renovadas, ordenadas pelo Espírito Santo, usando tudo que a Bíblia
diz, como um guia.
Clareza
Talvez seja a doutrina da clareza da Escrituras, agora muito negligenciada, porém
ainda conservada na teologia Protestante, que parece ter um lugar de honra na
Confissão de Westminster.
"Na escritura não são todas as coisas igualmente claras em si, nem do mesmo modo
evidentes a todos; contudo, as coisas que precisam ser obedecidas, cridas e
observadas para a salvação, em uma ou outra passagem da Escritura são tão
claramente expostas e aplicadas, que não só os doutos, mas ainda os indoutos, no
devido uso dos meios ordinários, podem alcançar uma suficiente compreensão delas"
(Cap. 1. p.VII).
A razão para esta ênfase não é difícil de entender. Eles sabiam que existem partes
nas Escrituras que seriam difíceis de entender. Jesus não disse que as parábolas
seriam dadas para que aqueles que as ouvissem não pudessem entendê-las? (Marcos
4:11-12). Não foi Pedro que disse que achou alguns trechos de Paulo ininteligíveis?
(11 Pe 3: 15 -16). É verdade! Porém, os reformadores queriam afirmar algo
importante: que cada cristão tem acesso à verdade da Palavra de Deus. Em outras
palavras, por detrás desta doutrina da clareza da Escritura está a igual mente
importante verdade do período da Refor- ma: o sacerdócio de todos os santos.
Tendo exatamente derrubado o Papa do lugar de autoridade, a Igreja Protestante foi
confrontada com o dilema: "Como saber que você entendeu corretamente a
mensagem de Escritura a menos que tenha uma interpretação autorizada?". A
resposta está na clareza das Escrituras: a mensagem da Bíblia é essencialmente
clara. Ao dizer que a Bíblia é "clara", a Confissão está dando uma descrição geral de
toda a Escritura, ao invés de sua partes individuais; está falando das principais
doutrinas, mais do que da exegese de um versículo em particular. Enquanto Roma
apontava para as sucessões dos sacerdotes como intérpretes da verdade, a Igreja
Protestante apontava para a Bíblia como um livro para o povo, capaz de ser
compreendido pelas pessoas através do uso dos "meios ordinários". Isso foi, é claro,
uma "bomba"; isso queria dizer que a maneira de conhecer a Deus e viver para Ele
era dar a devida atenção à leitura da Bíblia e à pregação bíblica. Isto é parte da
própria essência da Reforma Protestante.
Transmissão
A próxima seção trata da transmissão das Escrituras. Dois pontos são desenvolvidos.
1. A inspiração das Escrituras diz respeito aos autógrafos originais e não a qualquer
tradução dos mesmos.
2. As cópias dos originais foram mantidas puras em todas as gerações pelo singular
cuida- do e providência divinos.
Esta afirmação não quer dizer que nenhum erro tenha se infiltrado em qualquer um
dos manuscritos existentes em nossa possessão. E também não quer dizer que
qualquer dos textos originais existe de forma completa e inerrante em qualquer dos
manuscritos. O que a afirmação faz referência é que Deus por meio de Seu cuidado e
providência singulares, nos proporcionou um número enorme de testemunhas (no
caso do NT mais de 5.000: alguns dos Clássicos têm apenas uma!); que existe uma
consistência assombrosa entre eles (somente uma referência em mil tem alguma
dúvida). Nas palavras de B.B. Warfield:
"Ele tinham a intenção de asseverar que as várias leituras nas várias cópias não
evitaram a presença do texto absolutamente puro na multiplicidade de cópias".
Isso quer dizer que a Igreja, pelo uso devido de comparação de manuscritos e
análise, pode chegar ao texto verdadeiro e "Admite-se em todos os lados que 98% do
texto do NT está além de qualquer disputa e os 2% onde existe algum
questionamento real não abalam a certeza de qualquer doutrina Cristã, qualquer que
seja a interpretação preferida".[1]
Um ponto importante freqüentemente esquecido é que, para os teólogos de
Westminster estava clara a obrigação da Igreja de providenciar para o povo uma
tradução "na língua vulgar de cada nação". Seguindo a descoberta de que o próprio
Novo Testamento fora escrito em grego comum, ao invés do grego clássico dos
acadêmicos, houve um ímpeto de traduzi-lo no idioma moderno daqueles dias. A
versão King James (Rei Tiago, de 1611) é baseada no exame dos manuscritos e
versões antigas à disposição naquele tempo, no entanto se deveria perceber que os
teólogos de Westminster não mencionaram a Versão Autorizada, nem o Textus
Receptus (um termo latino que significa "o texto recebido" — apesar de nunca ter
sido recebido por qualquer igreja ou reunião ecumênica, ele serve de base para o
texto da Versão Autorizada) como o único texto digno de análise. A Nova Versão King
James (NKJV) de 1983 usa os mesmos textos base que a King James, porém usa
variações de notas de rodapé de outras fontes. Também se tenta traduzi-la de forma
mais fiel ao inglês correntemente usado. Ambas as traduções tendem a uma
abordagem da "equivalência dinâmica" favorecida pela Nova Versão Internacional de
1978 (New International Version). A Confissão de Fé de Westminster, no entanto,
reflete uma convicção Protestante sobre a necessidade de se fazer traduções das
Escrituras que sejam fiéis ao original e que sejam compreensíveis por parte daqueles
que as lêem.
Uma outra verdade de grande significação emerge no capítulo de abertura: a verdade
que sublinha o princípio hermenêutico reformado que "A regra infalível de
interpretação da Escritura é a própria Escritura" (Cap. I, p. IX). Se a Bíblia é o
produto do sopro de Deus, como a Confissão insiste, e já que Deus não pode mentir
(Hb. 6: 18), segue-se daí que cada palavra por Ele expirada não contém erro (é
inerrante). Isto quer dizer que nenhuma parte da Escritura pode contradizer outra
parte da Escritura. Ao lermos a Bíblia, este princípio — de que temos o compromisso
de harmonizar o que encontramos numa passagem com o que encontramos noutra —
tem que prevalecer. "A Escritura não pode falhar", disse Jesus (Jo 10:35) —
literalmente: ela não pode ser "fragmentada" ao colocar-se uma passagem em
conflito com outra.
O que isto quer dizer é que ao lermos a Bíblia, temos que permitir que outras
passagens lancem luz sobre a passagem em mãos. Quanto mais você souber do
restante da Bíblia, mais clara se tornará a passagem corrente para você.
Freqüentemente uma passagem que, inicialmente parece obscura, pode tornar-se
mais clara porque alusões a algo semelhante são feitas em um outro trecho.
Uma Palavra Final Sobre a Autoridade da Escritura
O primeiro capítulo da Confissão termina com uma afirmação que ressalta a
autoridade das Escrituras em solucionar cada discussão teológica.
"O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser
determinadas, e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas as
opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões particulares,
o Juiz Supremo, em cuja sentença nos devemos firmar, não pode ser outro senão o
Espírito Santo falando na Escritura" (Cap. I p. X).
É uma mensagem primariamente dirigida contra Roma, mas ela pode ser igualmente
aplicada às tendências correntes no ensino evangélico. Como já notamos, clamores
de que os dons de profecia e línguas existem hoje, devem ser confrontados com o
fato de que estes dons eram formas de revelação, acompanhadas de toda autoridade
de tais revelações. Reivindicar a fórmula "Isto é o que diz o Senhor", como fazem os
carismáticos, formalmente implica numa reivindicação de uma revelação divina. "Em
princípio existe alguma diferença entre um protestante afirmar pronunciar
revelações imediatas através de profecia e línguas interpretadas, e um Católico
Romano afirmar as revelações por meio do ofício de ensino da igreja?", pergunta
Sinclair Fergunson? A aproximação entre “cristãos carismáticos” Protestantes e
Católico-Romanos sugere que esta visão é frequentemente compartilhada de forma
inconsciente.[2] Ela apenas sublinha quão continuamente relevante é o capítulo de
abertura da Confissão de Fé de Westminster no final do século vinte.
[1] Assembléia de Westminster e sua Obra. (Mack, 1972), p.155
[2] Ibid. Warfield está citando "Os Credos da Cristandade", I 877,p. 767
[3] Os teólogos de Westminster tomaram emprestado de Calvino na produção deste primeiro capítulo, vide B.B.
Warfield, Op. cit., p. 161
[4] "A Inspiração da Escritura", A origem da Bíblia, ed. P. W Confort (Tyndale, 1992), p. 33
[5] A oitava seção deste capítulo foi considerada tão importante, que uma conferência especial foi feita entre certos
membros da Câmara dos Comuns e os Teólogos da Assembléia.
[1] Rowland S. Word, A Confissão de Westminster para a Igreja Hoje (Igreja Presbiteriana do Leste da Austrália,
1992), p.21
[2] “Como a Bíblia Olha Para Si Mesma”, em Inerrância e Hermenêutica: Uma Tradição, Um Desafio, Um Debate
editado por Harvie M. Conn (Daker, 1988), p.61
http://www.ospuritanos.org/
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