LEITURA E ESCRITA PARA OS PRIVADOS DE LIBERDADE: POSSIBILIDADES SÓCIOEDUCATIVAS NO MÉTODO APAC EM SÃO JOÃO DEL–REI/MG MARIA LUCIA MONTEIRO GUIMARAES (UFSJ). Resumo As práticas desse Projeto visam o incentivo à leitura e escrita contextualizadas com temas de relevância social como recurso de práticas educativas que trabalhem o desenvolvimento da linguagem em demandas educativas que emergem em distintos ambientes, como naqueles em que se encontram os privados de liberdade e propiciam a construção de novas perspectivas pedagógicas que ultrapassam os muros da escola. Tem como metodologia a realização de oficinas pedagógicas por meio da utilização de diferentes suportes de leitura e narrativas de histórias literárias e populares articulados com temas geradores de diálogos que atribuem ao trabalho de incentivo à leitura e escrita um valor social, buscando proporcionar o desenvolvimento da oralidade e escrita, da leitura e da análise e sistematização linguística, e a realização de atividades que procuram oferecer um momento lúdico, em que as tensões cotidianas se esvaem, proporcionando aos recuperandos a oportunidade de observar a vida em seus mais diversos ângulos, substancialmente os positivos. Suas ações se pautam na troca de conhecimentos onde, o educador desempenha a função articuladora da linguagem enquanto constituinte do homem que promove a relação consigo mesmo e com o outro. O incentivo à leitura e escrita articulado com práticas dialógicas oferecem diversos elementos que constituem percepções de mundo, costumes, práticas sociais e saberes que perfazem o campo das relações entre professores e alunos envolvidos numa experiência educativa que tem a formação do senso crítico e a afirmação de presenças como princípios pedagógicos. O trabalho com a leitura e escrita podem ser desenvolvidos de maneira a suscitar identificações com a realidade pessoal e social de atores do cenário educacional e fornecer valiosos elementos geradores de diálogos, permitindo aos recuperandos conquista de sua auto–estima e valorização, facilitando sua re–inserção na sociedade. Palavras-chave: Leitura e Escrita, Literatura, Linguagem e Cidadania. LEITURA E ESCRITA PARA OS PRIVADOS DE LIBERDADE: POSSIBILIDADES SÓCIOEDUCATIVAS NO MÉTODO APAC EM SÃO JOÃO DEL-REI/MG Gabriela Cardoso (Pedagoga Voluntária) Profª. Ms. Maria Lúcia Monteiro Guimarães (Orientadora) Introdução As demandas educativas que emergem em distintos ambientes, como naqueles em que se encontram os privados de liberdade, propiciam a construção de novas perspectivas pedagógicas que ultrapassam os muros da escola. Estas procuram atentar-se àqueles que em sua trajetória de vida e escolar tropeçaram nos conceitos social e educacionalmente tidos como corretos, e, acabaram submetidos ao crivo do julgamento judicial. Num movimento contra a opressão do réu e a favor da valorização e reabilitação social do ser humano, encontram-se projetos que procuram resgatar a cidadania dos condenados. Quando a rotina social é abalada pelo infortúnio de um caso de transgressão legal, as prisões se evidenciam como solução imediata para o problema. As rebeliões, motins, fugas, massacres e as más condições de abrigo de um ser humano ilustram para sociedade o que é uma prisão. Afora esses acontecimentos, a questão penitenciária brasileira distancia-se da realidade social. Apenas julga-se o errante e manda-se cumprir a pena designada ao seu delito. Umas das questões observadas nesse trabalho é a maneira como esse condenado, que em sua trajetória nem sempre teve a felicidade de usufruir condições adequadas para o desenvolvimento de uma conduta irrepreensível, pode cumprir sua pena, pois, conforme Adorno (1991b, p.70) a despeito de propósitos reformadores e ressocializadores embutidos nas falas dos governantes e na convicção dos homens aos quais está incumbida a tarefa de administrar massas carcerárias, a prisão não consegue dissimular seu avesso: o de ser aparelho exemplarmente punitivo. Mesmo que tímidas políticas públicas penitenciárias atentem para a reabilitação desses indivíduos o que vemos, na maioria dos casos, é a utilização de meios que acabam por evidenciar a reincidência de condenados ao mundo do crime. Segundo Português (2001), no Estado democrático de direito o que possibilita o poder discricionário de punir é a finalidade de reabilitação que se atribui à prisão. Nesse sentido, pode ser observado por Castro et al, 1984, p.117) que: A prioridade conferida à ordem e à disciplina, modo pelo qual, em última instância, acredita-se poder concretizar o ideal de defesa social preconizado pelo Código Criminal, impõem barreiras intransponíveis. No dilema entre punir e recuperar vence aquilo que parece ser o termo negativo da equação: a prisão limita-se a punir. Fora das chamadas penitenciárias ou prisões, mas ainda no sistema penal, encontram-se alguns órgãos parceiros da justiça na execução penal. Destacamos para o estudo em questão a Associação de Proteção e Assistência ao Condenado - APAC, que tem como finalidade recuperar o preso, proteger a sociedade, socorrer a vítima e promover a justiça, desenvolvendo sua filosofia de “Matar o Criminoso e Salvar o Homem.” Em seu decálogo a APAC propõe o amor como caminho, o díálogo como entendimento, a disciplina com amor, o trabalho como essencial, a fraternidade e respeito como meta, responsabilidade para o soerguimento, humildade e paciência para vencer, conhecimento para ilustrar a razão, a família organizada como suporte e Deus como fonte de tudo. A APAC é filiada à Prison Fellowship International - PFI, órgão consultivo da ONU para assuntos penitenciários, e à Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados -FBAC, entidade que congrega, fiscaliza e dá suporte a todas as APAC’s do país. Há vinte anos em Minas Gerais a APAC tem entre suas parcerias o Projeto Novos Rumos na Execução Penal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). O modelo APAC foi criado em 1974, com a proposta de criar um presídio sem policiais. Com o apoio de voluntários, a Associação propicia a ressocialização do recuperando, que tem oportunidade de trabalhar dentro do presídio. Uma das vertentes do trabalho é evitar a ociosidade dos recuperandos, que freqüentam cursos supletivos e profissionais, e participam de atividades variadas. Desde julho de 2008 São João del-Rei, a APAC atende aos detentos em regimes fechado e semi – aberto com cerca de 57 recuperandos, que participam de diferente atividades educativas, laborais como tarefas de manutenção, conservação da limpeza do espaço físico da associação, entre outras. Os voluntários trabalham sob organização de um cronograma de atividades, oferecendo um trabalho que seja adequado para a demanda existente na rotina apaqueana. Nesse contexto, a Universidade Federal de São João del-Rei desenvolve um dos seus projetos de extensão, o denominado “Incentivo à Leitura e Escrita em Escola Públicas e Outros Espaços Educativos de São João del-Rei” . No planejamento das atividades do trabalho desenvolvido no projeto busca-se estabelecer discussões existentes em relação às possibilidades e limites das ações sócioeducativas no sistema prisional. Dessa forma, o projeto por meio da educação, almeja formar sujeitos, a ampliar de sua leitura de mundo, o estimular o desenvolvimento da criatividade, a participar na construção dos conhecimentos, visando novas perspectivas para suas vidas. O princípio fundamental da educação, por essência transformador, aponta para a libertação no interior prisional, visto que o indivíduo ocupa muito mais do que o lugar físico que seu corpo está, ele ocupa o espaço que seus pensamentos e atitudes alcançam outros indivíduos. Por mais que a educação deixe de alcançar todos os problemas do sistema penitenciário, acreditamos que as práticas sócioeducativas promovam a construção de uma identidade reabilitadora. Segundo Camarosano (2008, p.1-2), Os estudos sobre educação de adultos presos têm demonstrado a possibilidade de construção de escolas nas prisões como espaço diferenciado das prerrogativas carcerárias (...) A proposta educacional traçada para essas escolas, ao explicitar as concepções sobre o homem, sobre o mundo e sobre a educação e a produção de conhecimento, enfatiza que a educação, para ser válida, deve levar em conta tanto a vocação ontológica do homem (vocação de ser sujeito) quanto as condições nas quais vive (contexto) social. As ações do projeto promovem o indivíduo, e este deve transformar o mundo em que está inserido, deixando de ter o papel de se ajustar à sociedade. É preciso, pois, que ao tomar consciência de sua realidade, o homem reflita sobre ela, comprometendo-se em transformá-la. Como afirma Freire (1983), não é apenas necessário saber que é impossível haver neutralidade da educação, mas é preciso estabelecer a distinção entre os caminhos domesticadores e os humanizadores. Desenvolvimento As práticas do projeto se voltaram para o atendimento da demanda em conformidade com os objetivos do mesmo: incentivo à leitura e escrita, duas vezes por semana em oficinas com duração média de duas horas. Visando proporcionar o desenvolvimento da oralidade e escrita, da leitura e da análise e sistematização lingüística, as atividades procuram oferecer um momento lúdico, em que as tensões cotidianas se esvaem, proporcionando aos recuperandos a oportunidade de observar a vida em seus mais diversos ângulos, substancialmente os positivos. A linguagem ocupa nesse espaço uma função comunicativa em que educadores e educandos consolidam uma via de mão dupla construindo um ambiente de aprendizado em que a língua portuguesa está a serviço da demanda social. Segundo Antunes (2009, p.36) As línguas estão a serviço das pessoas, de seus propósitos interativos e reais, os mais diversificados, conforme as configurações contextuais, conforme os eventos e os estados em que os interlocutores se encontram. Daí, por que o que existe, na verdade, é a língua em função, a língua concretizada em atividades, em ações e em atuações comunicativas; isto é, a língua como modo de ação, como forma de prática social, direcionada para determinado objetivo. Na verdade existem muitas formas de se exercer a prática social. A linguagem é a apenas uma delas e se concretiza linguisticamente, por meio do discurso falado ou escrito. Inicialmente, o projeto ofereceu suportes literários para leitura nos encontros e em outros momentos em que os recuperandos estivessem ociosos, buscando na leitura uma possibilidade de lazer. A escrita nessa fase seria efetivada em um caderno em que os educandos registrariam aspectos relevantes à sua leitura respondendo questionamentos que delimitavam os assuntos. Porém, observamos que a leitura dos livros literários dificilmente se efetivava na rotina dos apaqueanos. Posterior a essa iniciativa, o oferecimento de cadernos esportivos de jornais suscitou mais interesse dos leitores em potencial, uma das manifestações desse interesse pôde ser percebida ao pedirem para levarmos exemplares do jornal local. A partir deste encaminhamento, pedimos para que anotassem em uma folha de papel a identificação dos suportes lidos (nome do jornal e seu respectivo caderno, data, local de impressão) seguida de um comentário acerca da leitura realizada. Observamos, a partir desse momento que alguns apresentavam desenvoltura na escrita, porém outros apresentavam dificuldades. A constatação de que os suportes de leitura e escrita que evidenciavam aspectos referentes a algo presente em suas rotinas, em suas conversas, em seu contexto social e instigavam o ato de ler fez com que a reformulássemos nossas práticas. Passou-se então a planejar atividades que levassem em consideração o mundo social de cada sujeito envolvido, de maneira que literário, informativo ou didático, os conteúdos de leitura e escrita conduzissem de maneira significativa algum subsídio que vinculasse as práticas a um processo de reflexão, de ensino aprendizagem capazes de revelar compatibilidade com a vida de cada leitor. No entanto, como poderíamos evidenciar essa compatibilidade existente na proposta de trabalho e naquela realidade educacional? E como aqueles que estavam impossibilitados da capacidade de decodificação iriam entender o que estava escrito? De que maneiras alguns recuperandos poderiam expressar os assuntos abordados, uma vez que a impossibilidade da decodificação existia até aquele momento? Inicialmente as práticas de leitura foram desenvolvidas coletivamente, no mesmo ambiente, porém com momentos diversificados, procurando atingir metas mais específicas dos grupos voltadas para diferentes demandas de letramento/alfabetização. Na fase atual do projeto, os alunos em fase inicial de decodificação da escrita estão estudando com uma professora alfabetizadora voluntária da APAC e participando de práticas de leiturização no momento das oficinas de leitura e escrita em uma sala de aula da associação. As aulas se alternam com as práticas coletivas das oficinas com os demais recuperandos a fim de promover uma dinâmica sócioeducativa que inclui todos os interessados no projeto. Como metodologia de trabalho optou-se pela linguagem em suas diversas expressões, mais especificamente a narrativa acompanhada de desenhos como expressão artística visual, pois estes se revelaram, no transcorrer do trabalho, como importantes aliados ao processo. Dessa forma, a arte ocupa uma função lúdica, em que todo grupo, mesmo em diferentes etapas, conseguem se expressar, individualmente ou em pequenos grupos. É notório o empenho dos mesmos para elaborarem um desenho representativo a partir de uma produção textual significativa ou vice versa. Posteriormente, diferentes suportes de textos foram utilizados tanto de maneira escrita e oral, podemos observar por meio do quadro, a grande incidência de atividades ilustrativas individuais ou coletivas de acordo com a demanda existente na situação. O quadro abaixo demonstra algumas situações de leituras que evidenciam práticas orais e gráficas presentes no projeto: 1. Quadro demonstrativo de diferentes situações de leitura Suportes de Proposta Geral Atividade oral Atividade gráfica leitura/escrita 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 Ler e ilustrar reportagens de cadernos esportivos de jornais. Promover contato com histórias literárias. Construção coletiva de um texto, a partir da leitura do filme “Escritores da Liberdade” Elaboração de livros, que contassem a história de sucesso de recuperação social. Conhecer Contos Tradicionais de São João de-Rei. Comentários a cerca das reportagens. Ilustração. Narrativa (Contador de histórias) e reconto a partir das ilustrações. Colorir as ilustrações da história. Comentários a acerca do filme. Transposição do enredo para a realidade. Escrever e ilustrar pontos marcantes da história. Revistas, folhas de cartolina. Diálogos acerca do filme Construção textual. Composição com desenhos e gravuras de revistas. Livro “contam que...”. Ilustrações apresentadas no momento da Narrativa (contador) e re-narrativa (recuperandos) do conto. Elaborar histórias em quadrinhos com os elementos apresentados na história. Jornais, folhas de papel A4. Livro Rei Artur e a Espada Excalibur. Desenhos para serem coloridos. Filme “Escritores da Liberdade”. Livro desenhado. narrativa oral. Situações de leitura: procedimentos de aquisição e apropriação da escrita Com relação ao trabalho 1.1 ao percebermos que os recuperandos se motivavam ao ler informações sobre seu times de futebol favoritos promovemos oficinas em que a leitura do caderno esportivo contribuiu significativamente para a motivação para o trabalho. Por meio de anotações e desenhos eles anotavam os aspectos que consideravam mais relevantes sobre a leitura. O trabalho 1.2 se desenvolveu a partir de diferentes situações de leitura. Na primeira etapa foi realizada uma contação resumida da história para o desenvolvimento de uma dinâmica sócioeducativa que transpunha a realidade de nossa roda de conversa para a história de um rei e sua távola redonda como espaço dialógico que promovia a democracia, a fim de promover, entre outras coisas, a aproximação e o incentivo a participação das conversas. Ao longo do trabalho a história era sempre referida, até que observamos a rotatividade dos educandos devido às tarefas e suas condições processuais. Isso revelou a necessidade de recontos diversificados da história, para evitar a repetição da mesma e para incluir os outros no discurso da távola redonda. A primeira maneira utilizada foi a narrativa oral, em que o contador, enquanto mediador entre língua e sujeito, buscou maneiras para instigar os ouvintes, como a entonação e ritmo dos fatos no momento da narrativa, bem como a descrição marcante de personagens, situações e lugares. Após esse contato, os recuperandos assistiram um filme sobre a história do Rei Arthur. Posteriormente, com um maior contato com o enredo os alunos, a partir da interlocução do educador, fizeram recortes escritos, orais e gráficos da história por meio das interpretações dos desenhos do livro e dos pontos mais significativos, segundo uma leitura compartilhada. Os recortes da história, conforme ilustração permitiram a confecção de bonecos com os personagens selecionados coletivamente, e, em seguida o reconto a partir do teatro de bonecos. Solicitamos aos alunos, em fase inicial do processo de alfabetização, para que sugerissem legendas para o trabalho e o educador serviu de escriba dos trabalhos a fim de efetivar a escrita do texto. A imagem 1.3 ilustra umas das atividades desenvolvidas a partir do filme “Escritores da Liberdade”, em que os alunos assistiram ao filme e na roda de conversa construíram textos demonstrando percepção acerca dos fatos desenvolvidos no enredo do filme. Nessa atividade, pudemos perceber que no transcorrer dos fatos no filme eles apontavam fatos similares com os da própria vida. Na figura 1.4, o que vemos é a transposição dos conceitos trabalhados no filme por meio da construção de uma “colcha de retalhos” em que os recuperando falavam e o escriba escrevia numa folha de papel grande fixado no quadro com quadrados similares aos de uma colcha de retalhos idealizando a necessidade de vários conceitos para a construção de um bom convívio social. A partir disso, em grupos de quatro pessoas eles construíram um texto contanto sobre como o personagem chegou ao sistema penal e como sua trajetória o encaminhou para a APAC. Percebemos que a utilização de personagens como fantoches onde eles manipulavam a própria realidade contribuiu para um desempenho mais efetivo na expressão textual em prosa. Logo após, os educadores dividiram os textos em quatro partes e distribuídas as folhas de cartolina (cortadas em quatro partes iguais), eles ilustram o texto com recortes e desenhos criando composições que formaram um livros com quatro páginas. Outro evento apresentado por meio de uma narrativa oral pelo contador de foi um conto advindo da tradição oral de São João del-Rei, consolidado no livro “Contam que...” distribuído em diferentes edições, uma delas datada de 1922 histórias, denominado A Missa das Almas, o conto foi sendo contado ao mesmo tempo em que gravuras eram fixadas num quadro. Em seguida, por meio das gravuras o reconto. A sugestão era que, a partir das diferentes leituras das gravuras e do reconto oral construírem histórias em quadrinhos, alguns fizeram com seis e outros com quatro quadrinhos. Pedimos para que escrevessem legendas para os desenhos, como os relatos de conhecimento sobre a estrutura da história em quadrinhos. Segundo Paulo Freire (1988), o educador propicia condições para que seus alunos possam alcançar uma instância elevada de reconhecimento de mundo. Quando a pessoa conhece e re-conhece o ambiente onde vive ela torna-se ativa sobre ele, é, portanto um ser transformador. A leitura de mundo é a percepção das coisas que nos rodeiam, sobretudo do meio em que vivemos. Ao ler o mundo o aprendiz deixa de ficar sem respostas sobre seus questionamentos, ele passa a criar suposições, torna se um ser crítico e passa a fazer novas indagações sobre si e o mundo que o rodeia. O aluno traz consigo uma bagagem de conhecimento que deve ser valorizada, pois isso proporcionará ao professor encaminhamentos para a realização de atividades interativas entre educando e educador numa construção participativa de novos conhecimentos. Considerações Finais No que diz respeito ao trabalho com suportes de linguagem escrita e falada pudemos observar que as atividades do projeto ofereceram subsídios para o acesso ao mais variados tipos de meios comunicativos. Além dos constantes diálogos, vídeos, slides, jornais, revistas, folhas de papel, cd’s, narrações são suportes de diferentes gêneros de leitura e escrita, trabalhados transversalmente ao diálogo, como meios de consolidação da proposta. Consideramos que ao oportunizar momentos de leitura e escrita com diferentes suportes e diversificados gêneros, estamos proporcionando a construção de uma identidade lingüística em que educandos são mais do que decodificadores, mas sim leitores da palavra em seus mais amplos significados e contextos sociais. Segundo Magda Soares (1999), apropriar-se da escrita não é aprender ler e escrever, e sim descobrir uma maneira de entender o que se lê e ter propriedade do que se leu. Letramento é o estado ou condição de quem se envolve nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e escrita. Em conformidade com Soares (1999, p.9) Socialmente ou culturalmente, a pessoa letrada já não é a mesma que era quando analfabeta ou iletrada, ela passa a ter uma condição social, cultural não se trata propriamente de mudar o nível de se lugar social, o seu modo de viver na sociedade, sua inserção na cultura - sua relação com os outros, com o contexto, com os bens culturais torna-se diferente. [1] Foucambert (1989) afirma que ler e escrever são atividades muito mais complexas do que a simples interpretação de símbolos gráficos, de códigos. Demanda do indivíduo a capacidade de interpretar o material lido, comparando-o e incorporando-o à sua bagagem pessoal, ou seja, requer que o indivíduo mantenha um comportamento ativo diante do que faz. Deve-se ainda, considerar a variedade textual independente da condição do educando, pois, é por meio dela que o aluno passa a perceber as diferenciações existentes na maneira de ler e escrever. Para aprender a ler o não-leitor se relaciona com os textos que leria se soubesse ler, para viver o que vive. Na fase de aprendizado, o meio deve proporcionar ao indivíduo toda a ajuda para utilizar textos verdadeiros. Para uma intervenção efetiva os educadores ajudam os educandos a tornarem-se leitores dos textos que circulam no seu contexto social e evitam limitálos à leitura de textos pedagógicos, destinados apenas para ensiná-los a ler, pois isso dificulta a prática de leitura na vida dos mesmos, em seu contexto social. É impossível tornar-se leitor sem uma contínua interação com o lugar onde as razões para ler são intensamente vividas - mas é possível ser alfabetizado sem isso. A contextualização da leitura com a realidade do aprendiz estimula a relação entre teoria e prática. O envolvimento do educando com o universo da leitura passa a ter sentido quando ele associa aquilo que lê à sua vivência. O incentivo à leitura e escrita articulado com práticas dialógicas oferecem diversos elementos que constituem percepções de mundo, costumes, práticas sociais e saberes que perfazem o campo das relações entre professores e alunos envolvidos numa experiência educativa que tem a formação do senso crítico e a afirmação de presenças como princípios pedagógicos. Se por um lado as práticas narrativas orais oferecem elementos que favorecem subsídios para o trabalho com a leitura e escrita, por outro lado, o trabalho com a leitura e escrita podem ser desenvolvidos de maneira a suscitar identificações com a realidade pessoal e social de atores do cenário educacional fornece valiosos elementos geradores de diálogos. Referências ABAURRE, Maria Bernadete Marques et al. Cenas de aquisição da escrita. Campinas, SP: Associação de Leitura do Brasil: Mercado de Letras, 1997. (Coleção Leituras no Brasil). ADORNO, Sérgio. O sistema penitenciário do Brasil. Revista USP. São Paulo, marçoabril-maio, 1991b. ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. (Série Estratégias de Ensino; 10) CAMAROSANO, Elenice Maria. Educação escolar de adultos em privação de liberdade: limites e possibilidades. GT 18 (Educação de Jovens e Adultos). 31ª Reunião da Anped. 2008. FOUCAMBERT, Jean. A leitura em questão. trad. Bruno Charles Magne. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: O nascimento da prisão. Trad. De Lígia M. Ponde Vassallo. Petrópolis: Vozes, 1977. 208p. FREIRE, Paulo. A Importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 22 ed. São Paulo: Cortez, 1988. 80 p. ___. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. ___. Pedagogia do oprimido. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1981. ___. Conscientização: teoria e prática da libertação. São Paulo: Ed. Moraes, 1980. ___. Educação e mudança. 18ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. MALORY, Thomas. O Rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda. São Paulo: Editora Scipione, 2007. PORTUGUÊS, Manoel Rodrigues. Educação e pesquisa. Educação de presos adultos. São Paulo, sn- V. 27- n.2. p. 355-374, jul/dez. 2001. PRIETO, Heloísa. CAVALCANTI, Zélia. Ler e escrever para aprender a gostar de ler e escrever. CAVALVANTI, Zélia (Org.) Alfabetizando. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 01-17. Série Escola da Vila, 4). SOARES, Magda. O que é letramento e alfabetização. Escola e Escrita. Belo Horizonte: CAPES/SMED. nº 1. p. 04-26, jul. 1999. SOBRINHO, Antônio Gaio. Retalhos de uma cidade. São João del-Rei: TBG Gráfica: 2009.104p. SOUZA, Lincol de Souza. Contam que.... São João del-Rei, Dig. 2001. ZALUAR, Alba. Cidadãos não vão ao paraíso. Campinas: Editora da Unicamp, 1994. www.apacitauna.org.br [1] Do estudo publicado em Belo Horizonte: CAPE/SMED, nº 1, p. 04-26, jul. 1999. Texto transcrito da palestra proferida em 28/07/97, no evento CEALE DEBATE promovido pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Faculdade de Educação da UFMG, proferida pela professora Titular Emérita da mesma, fundadora do CEALE/UFMG.