UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS PROGRAMA CIDADE E ALTERIDADE: CONVIVÊNCIA MULTICULTURAL E JUSTIÇA URBANA RELATÓRIO TRABALHO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA Dezembro/2014 1 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] EQUIPE DO PROJETO Coordenação Geral Profa. Dra. Miacy Barbosa de Sousa Gustin Coordenação Profa. Dra. Adriana Goulart de Sena Orsini Egidia Maria de Almeida Aiexe Orientadora de campo: Ana Paula Santos Diniz Pesquisadores de Pós-Graduação: Bruno Rodrigues Leite Ely Fernandes da Silva Isabelle Carvalho Curvo Pesquisadores de Graduação: Guilherme Eugênio Moreira Isabela Crispim Brito Furtado Mariana Crispim Caiafa EQUIPE DO PROGRAMA CIDADE E ALTERIDADE Coordenação de gestão e planejamento Fernanda de Lazari Cardoso Mundim Juliano dos Santos Calixto Coordenação de Eixos e de Projetos Aderval Costa Filho Adriana Goulart de Sena Orsini Ana Beatriz Vianna Mendes Egidia Maria de Almeida Aiexe Eloy Pereira Lemos Gregório Assagra de Almeida 2 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] LudmillaZago Andrade Márcia Helena Batista Corrêa da Costa Marcos Cristiano Zucarelli Maria Tereza Fonseca Dias Miracy Barbosa de Sousa Gustin Rennan Lanna Martins Mafra Sielen Barreto Caldas de Vilhena Orientadores de campo Ana Carolina Fernandes Luiza Bastos Lages Ana Paula Santos Diniz Larissa Pirchiner de Oliveira Vieira Carlos Joaquim Einloft Marcela Müller Eduardo Faria da Silva Marina de Oliveira Penido Felipe Bernardo Soares Raquel Portugal Nunes Juliano dos Santos Calixto Julia Christo Brandão Timo Pesquisadores de Pós-Graduação Ana Carolina Rodrigues Isabelle Carvalho Curvo Ana Flávia Brugnara Joanna Angelo Ana Flávia Nogueira Lilian Nássara Chequer Ana Luiza Rocha de Melo Santos Lívia Mara de Resende Bruno Rodrigues Leite Lucélia de Sena Alves Cecília Reis Alves dos Santos Luiz Fernando Vasconcelos Cíntia Melo Marcela Müller Clênio de Sousa Rodrigues Maria Antonieta G. dos Santos Dilson Nascimento Mariana Crispim Caiafa Eneida Criscuolo Patrícia Rodrigues Rosa Evandro AlairCamargos Alves Paula Cançado Fernando Nogueira Martins Jr. Paula Miller Grazielly de Oliveira Spínolla Paulo Alves Lins 3 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Pablo Pimenta Raquel Letícia S. Martins Raíssa de Oliveira Murta Pesquisadores de Graduação Aline Beatriz Miranda da Silva Guilherme Mendonça Del Debbio Amália Coelho de Sousa Amanda Cristina Nunes Pacífico Humberto Francisco F. C. M. Ananda Martins Carvalho Iara O. S. Freitas André Nogueira Brasil Ingrid de Paula André Penido Isabela Crispim Brito Furtado Anna Cláudia Campos e Santos Isabela Damasceno Bárbara Araújo Joana Pacheco Bárbara de Moraes Rezende João Pedro L. de Guimarães Vargas Bárbara Martinez Julia Dinardi Alves Pinto Beatriz Ribeiro Machado, Juliana da Silva Rosa Bruno Menezes Andrade Guimarães Laila Vieira Oliveira Carolina Spyer Vieira Assad Layssa Aragão Braz Carolina Sobrinho Lopes Martins Leonardo Souza Cátia Meire Resende Lívia Bastos Lages Cecília Matos Lívia Maria Dias Andrade Cláudia Regina Rossi Fantini Lucas Marcony Lino Silva Cleiton Martins Lucas Martins de Castro Eliene de Sá Farias Lucas Nasser Marques de Souza Erich Bias Remiz Lucas Thairone Cunha Andrade Fernanda Magalhães Maria Fúlvio Alvarenga Sampaio Santos Gislaine Alves Rodrigues Mariana Crispim Caiafa Giulia Volpini S. Gouvea Marina França Guilherme Abu-Jamra Marcos Mesquita Damasceno Guilherme Eugênio Moreira Marlon Marcelo Antonieta Gonçalves dos Nayara Rodrigues Medrado 4 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Paula Pimenta Gomes Sílvia Corradi Sander Patrícia Dias de Sousa Skarllett Jenniffer Andrade Rosa Pedro de Aguiar Marques Stéfane Rabelo Pereira da Costa Pedro Henrique Coffran Carvalho Taiandir Vaz Penna Rafael Goulart Tays Natalia Gomes Rayanna F. de Souza Oliveira Thaís Firmato Fortes Rebeca Borges Machado Azevedo Thaís Lopes Santana Isaías Leitão Thaila Bahiense Regiane Valentim Leite Thales Augusto Nascimento Viote Regina Fonseca Vinícius Villela Penna Silvia Carolina Maia dos Santos Yuri Alexandre dos Santos 5 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] SUMÁRIO 1 Contextualização-----------------------------------------------------------------08 2 Objetivos e metas---------------------------------------------------------------08 3 Atividades realizadas no trimestre (agosto-outubro):-------------------09 3.1 Atividades de campo desenvolvidas---------------------------------------09 3.2 Participação em atividades/eventos de formação:--------------------10 4 Relatos sobre o Trabalho de Campo---------------------------------------14 5 Considerações--------------------------------------------------------------------31 6 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 7 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Relatório 1 Contextualização A Pesquisa “TRABALHO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA” compõe o segundo projeto proposto pela Frente “Trabalho de Rua”, que integra o Eixo I do Programa Cidade e Alteridade, em convênio com a CIMOS - Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Social, do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Este Relatório contém novos textos de pesquisa de campo e fotos para a ilustração das condições encontradas em vários pontos da cidade. A foto anterior, por exemplo, mostra-nos como os moradores não só levam seus produtos de catação (trabalho que executam, hoje em dia, com certa dificuldade), mas inclusive seus próprios pertences de moradia. Portam casa e trabalho pela cidade. 2 Objetivos e metas Iniciou-se o trabalho após a constituição da equipe constituída a partir de uma amostra de dados para análise a fim de verificar se o procedimento adotado levaria ao resultado pretendido (pré-teste). Pode-se dizer que já se tem esta amostra, mas sabe-se que ao longo de qualquer pesquisa os achados vão determinando novos produtos e locais de investigação. Isto tem afetado a análise preliminar e sua amostra, estando sempre sendo acrescida de novas condutas e fontes. Novos locais e grupos de moradores de rua de Belo Horizonte estão sendo reformulados, como mostram os relatos a seguir. 8 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 3 Atividades realizadas no trimestre (agosto-outubro): No período anterior a agosto, a equipe se dedicou intensamente à pesquisa bibliográfica, à revisão de literatura e à discussão acerca do referencial teórico do Projeto de Pesquisa, bem como ao preparo e capacitações metodológicas para a pesquisa de campo. No início de outubro, a equipe se dividiu em duplas, preferencialmente homem e mulher, para iniciar a pesquisa de campo, preservando, assim, a intersubjetividade. Foi utilizada a técnica da pesquisa-ação e os procedimentos de história de vida e de observação do sujeito que trabalha na rua e que, possivelmente, está em situação de rua. Após a observação, a abordagem é feita, com o fim de conhecer a sua história de vida relacionada às vivências de trabalho. Não se esperava, de início, que o trabalho desse estrato social fosse tão diversificado, ou seja, existia uma impressão inicial que se encontraria, principalmente e primordialmente, catadores de materiais recicláveis, nada mais ou apenas pouco mais. 3.1 Atividades de campo desenvolvidas: Foram organizados os trabalhos da equipe, no período de julho até outubro, no segundo semestre de 2014. Isto ocorreu com tal retardamento por razões de espera para que o contrato do Programa entre Ministério Público e FUNDEP fosse finalizado. Em campo, além dos dados objetivos sobre o trabalho das pessoas em situação de rua, foram levantados, como previsto na metodologia enviada no Relatório Trimestral, alguns elementos subjetivos que dizem respeito ao bem-estar e ao modo de viver dos indivíduos na sua relação com o trabalho que realizam. Também os pesquisadores têm procurado responder questões acerca da organização da população em situação de rua em torno do trabalho e das razões dessa forma de organização. 9 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Quando se trabalha com coletivos ou grupos, tem se estimulado suas iniciativas, além de acompanhar este processo de organização, sempre trabalhando com suas demandas. A equipe tem levantado dados para que seja composta uma cartografia social sobre o trabalho e atividades de geração de renda (não regulamentadas), fontes de sustento e recursos utilizados, bem como a relação dessas atividades com o bem-estar desses indivíduos. No momento, a realidade dessas pessoas tem sido acompanhada nas ruas e em equipamentos sociais como o Centro de Referência da Pop. Rua. A abordagem tem sido feita por meio de conversas informais em vez de entrevistas. O resumo foi apresentado e aprovado para apresentação no Seminário. As demais reuniões pautaram-se na troca de informações e observações feitas a partir das atividades cumpridas, bem como a organização e reorganização do trabalho. 3.2 Participação em atividades/eventos de formação: Reiterando o que já foi dito no Relatório Administrativo, ao longo deste período, as atividades da equipe incluíram a participação em atividades de capacitação, visando à formação interna. A coordenadora do Projeto participou de uma Roda de Conversa e Seminário realizado na FAFICH em 21 de março com os Prof. Michel Le Ven e Michel Thiollent. Também participou, juntamente com a orientadora de campo, da primeira etapa de capacitação do Programa Cidade e Alteridade, realizada nos dias 01 e 04 de março, 28 de abril , 06 e 09 de maio/14. Após a constituição da equipe, os novos membros participaram, nos dias 6 e 12 de maio de 2014, de duas capacitações oferecidas pelo Programa Cidade e Alteridade, no Auditório do 16º andar da Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFMG. No primeiro dia, a capacitação foi primeiramente dada pelos Profa. Beatriz Mendes e Aderval, cujo tema foi a entrevista como recurso de interlocução na 10 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] pesquisa de campo. De início, foi destacado que na pesquisa de campo, a entrevista é uma relação dialógica, uma interação e não propriamente um levantamento de dados. Por isso, ainda que fosse fundamental a etapa prévia da ida ao campo pelo planejamento e treinamento do olhar do pesquisador, a entrevista é um diálogo entre iguais, que pressupõe uma construção coletiva entre entrevistador e entrevistado. É importante também o registro das falas, atos e todas as demais percepções. Foi abordada a importância do caderno de campo, a utilização de gravadores, e outras técnicas para registro. A Profa. Maria Tereza Dias falou sobre a pesquisa quantitativa. A fala inicial foi no sentido de que toda pesquisa deve estar à procura de possibilidades de emancipação dos grupos sociais, inclusive a pesquisa quantitativa que é mais usada para verificar perfis de grupos, mediar atitudes, ou realizar diagnósticos. Por isso, os dados produzidos não são simplesmente matemáticos, eles dão instrumentos para a leitura e a intervenção na realidade. No entanto, a pesquisa quantitativa tem limites, como o custo operacional, a dificuldade em generalizar os dados obtidos, entre outros. No dia 12 de maio, a capacitação foi ministrada pelo professor Gil. Ele abordou a temática da convivência com pessoas de diferentes classes sociais, e a importância de se ter uma posição de igualdade, procurando entender na pesquisa o que há na realidade do outro. Mencionou também três tipos de entrevista: fechada, semiestruturada e aberta, e discorreu sobre pesquisa quantitativa e qualitativa. Foi enfatizado o uso do diário de bordo, de outras fontes de uso (desde que haja vigilância). Por fim, foi dito que o pesquisador social precisa sempre fazer uma autocrítica das situações vivenciadas. No dia 9 de maio, a equipe foi convidada pelo Programa Pólos de Cidadania a participar da capacitação do programa, que naquela semana seria coordenada pelo GT População de Rua e teve como proposta uma roda de conversa com mulheres em situação de rua. A capacitação ocorreu no 6º andar do Prédio da Pós-graduação da Faculdade de Direito da UFMG, na sala do Programa Pólos. 11 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] As três convidadas para abrirem a Roda de Conversa com suas histórias e percursos de vida nas ruas foram: Anita Gomes dos Santos, Fárnia Michely Ferreira do Nascimento e Maria de Jesus da Silva (Zuza). Elas relataram um pouco de sua história de vida, e como foi viver a situação de rua. Iniciaram sua fala tratando de uma “vantagem” da vivência de rua, que estaria na capacidade aprendida de driblar as situações da vida. Além disso, enumeraram situações de solidariedade e humildade nas ruas. Ressaltaram, todavia, algumas das dificuldades enfrentadas por ser mulher e negra nas ruas, com a ação violenta da polícia, de ter seus filhos retirados apesar da proibição do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ao longo da atividade, ficou evidenciada a falta ou insuficiência de políticas públicas específicas para atender as necessidades das mulheres em situação de rua (albergues para casais, banheiros públicos, creches, etc.), além de proteção contra as muitas violências que sofrem. No dia 11 de setembro a equipe foi novamente convidada pelo Programa Pólos de Cidadania a participar da capacitação semanal, que seria sobre Trabalho Decente. A capacitação foi coordenada pela Prof. Sielen Caldas, e aconteceu na sala do Programa Polos, na Faculdade de Direito da UFMG. Ela apontou inicialmente a importância da afirmação da centralidade do trabalho e da dignidade do trabalhador, valores que estão expressos em nossa Constituição. O trabalho é um direito fundamental, e não e pode aceitar qualquer forma de trabalho. Ela ainda tratou da formulação da OIT sobre o “trabalho decente”, e sobre as diferentes concepções de informalidade. No dia 26 de setembro, das 9 às 12 horas, na FAFICH-UFMG, foi ministrado um Workshop sobre Metodologia da Pesquisa, ministrada pelo professor antropólogo Pablo Jaramillo da Universidade dos Andes, Bogotá, Colômbia. O título do seminário foi “A entrada em campo e a negociação do papel de observador”. A socióloga Ania Tizziani, do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais 12 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] CLACSO, de Buenos Aires, Argentina, desenvolveu o tema “A produção do conhecimento”, encerrando o seminário. Da equipe estiveram presentes os pesquisadores Ana Paula e Guilherme. Por fim, no mesmo dia, 26 de setembro, a equipe participou de uma atividade de capacitação do Programa Polos de Cidadania com o tema “História Oral”, A prática da entrevista: do encontro com o outro ao texto negociado ministrado pela professora Raquel Oiveira. Estiveram presentes: Isabela, Guilherme, Egidia e Ana Paula. O diálogo foi construído nas ideias sobre o registro das narrativas do entrevistado e como ocorre a interação entre este e o entrevistador. Ressaltou que há um duplo subjetivismo na produção dos relatos e que a construção deles é feita respeitando a aceitação do entrevistado, suas memórias e o espaço social em que ele está inserido. Há três formas de relatos: história de vida, entrevistas temáticas, trajetórias de vida. Por último, houve um esclarecimento sobre as etapas da pesquisa qualitativa com fontes orais, sua preparação, proposição do projeto e realização das entrevistas. No Fórum Aberto da População de Rua, em 09/06/2014, realizado na Praça da Rodoviária, no período da tarde, a Coordenadora do Projeto participou da preparação e apresentação do evento, que contou com apresentações culturais, manifestações de diversos segmentos, e teve ótima interação com as pessoas que frequentam o local. Foi avaliado como muito positivo por dar visibilidade às questões vividas pela População em Situação de Rua, bem como sobre a importância da organização dessas pessoas e o papel das entidades para debater e propor políticas públicas estruturantes. Em 15/07/2014, reuniu-se o Comitê de Monitoramento e Acompanhamento da Política Municipal para a População em Situação de Rua. Participação de Egidia. Pauta: a) Informes sobre episódios na Copa do Mundo. b) Avaliação dos trabalhos dos GTs das Regionais da PBH. Após acirradas discussões sobre operações de retirada de pertences realizadas pelos GTs. das Regionais, foi proposto um trabalho de formação para esses servidores, mediante uma 13 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] metodologia dialógica, participativa, que possibilite a troca de informações e experiências. Foi sugerido pelo Programa Polos a utilização das Rodas de Conversa, com duração máxima de 3 horas, nos meses de agosto e setembro (nove ao todo) e com um encontro final em outubro. A coordenadora aprovou a sugestão e sugeriu a criação de um grupo para preparar as atividades de formação, sendo pela sociedade civil o Polos, Centro de Defesa e Forum de Pop. Rua. Egidia participou de três Rodas de Conversa, nas Regionais Norte, Oeste e PMMG (Praça da Rodoviária) e da equipe que está elaborando a proposta do Encontro de fechamento para novembro. 11/08/2014 - Fórum de População de Rua - A Coordenadora do Projeto participou da reunião mensal, que teve como pauta o tema da Locação de Interesse Social, com exposição da profa. Maria de Fátima Gottschalg, da PUC, que discorreu sobre as vantagens desse tipo de política, que foge da lógica do financiamento e da propriedade privada e pode complementar os programas habitacionais com a vantagem de não inflacionar o mercado de alugueis e por tratar a moradia não como uma mercadoria, mas como um serviço público. 08/09/2014 - 14h30min às 16h30min: Fórum de População de Rua Compareceram Ely, Isabela e Guilherme, pesquisadores do Projeto. Pautas: 1) Discussão sobre o Orçamento Participativo 2015/2016; 2) Proposta de carta de apoio eleitoral a candidatos que priorizam a população em situação de rua; 3) Balanço do Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua; 4) Organização de GT Mulheres em Situação de Rua 4 Relatos sobre o Trabalho de Campo Para a fase inicial do trabalho de campo – em 29 de setembro –, a equipe foi dividida em duplas. Considerou-se gênero e área de formação como critérios para a escolha dos pares, de modo a se obter percepções mais plurais. Foi decidido que as questões que competem ao eixo seriam buscadas através da metodologia de história oral. Cada dupla, então, optou por iniciar sua pesquisa em um local do 14 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] hipercentro da cidade de Belo Horizonte. Até a data de entrega deste relatório, o grupo completou cinco semanas de idas a campo. Bruno Leite e Mariana Caiafa decidiram-se pelos entornos do Mercado Central, encaminhando-se, após indicações, à Praça Raul Soares, aonde foram quatro vezes. Com relação aos tipos de ocupação, relatada pelas pessoas em situação de rua que conheceram na praça, apontou-se: reciclagem de materiais, auxiliar de pedreiro, faxineira, cabeleireira. Atualmente, porém, a maioria enfrenta o desemprego e sustenta-se com doações de transeuntes e moradores das redondezas. Conheceram as travestis Babalu e Savana, além de Marcos, companheiro de Savana, a amiga Mariana e demais moradores e frequentadores da praça. Inicialmente, a dupla registrou a dificuldade de abordar e se apresentar como pesquisador e pesquisadora. Vínculos, porém, foram construídos, principalmente com Savana, com quem conversaram nos quatro encontros. Savana levou Mariana ao Centro de Referência da População de Rua, mas uma autorização da Prefeitura era necessária para que a pesquisadora pudesse ter acesso e conhecimento sobre o funcionamento do local. Como pode ser verificado, a pesquisa junto à População de Rua sofre de várias restrições, não somente a dispersão pela cidade como as restrições burocráticas que inúmeras vezes tentam inviabilizar a existência concreta dessa população na cidade. Paralelamente ao campo, a dupla vem comparando os relatos e as experiências vivenciadas com reportagens da imprensa belo-horizontina sobre a Praça Raul Soares e percebendo distorções no que é publicado pela mídia. A foto a seguir demonstra a falta de condições mínimas para essa população que aí está por falhas no mercado de trabalho que não aceita esses trabalhadores por falta de um endereço fixo ou por exiguidade de qualificação, entre outras inúmeras variáveis. A maior delas, o desemprego ou o subemprego, sem qualquer política que possa diminuir essas condições de subcidadania. 15 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Na Praça Raul Soares, pode-se encontrar pessoas tomando banho no chafariz e colocando suas roupas para estender. Fomos perguntar se algum deles poderia conversar com a gente e não tivemos sucesso. Depois, andando mais um pouco, 16 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] vimos duas pessoas sentadas em um pedaço de papelão conversando. Resolvemos ir até elas e perguntamos se poderíamos sentar ali para conversarmos também. Conhecemos a Savana, que disse ser travesti, tem 28 anos e é carioca. Seu nome verdadeiro, entretanto, é Evandro da Conceição Júnior; o Vitor, criança de 9 anos, que segundo contaram para gente ao longo da conversa, tinha fugido de casa há 3 dias; o Marcos, que era marido de Babalu e a Andressa, moradora de um prédio próximo da praça e que conversava com as pessoas em situação de rua ocasionalmente. Savana começou a contar sua história, disse que morava no Rio de Janeiro com a família, mas que saiu da rua muito cedo por vários problemas familiares. Sua primeira saída foi aos 9 anos. Já foi para Juiz de Fora, São Paulo, Barbacena e está há dois meses em Belo Horizonte. Savana afirmou que estava com problemas de documentação, pois, quando estava em Barbacena, foi ao Fórum pedir sua certidão de nascimento e teve que fazer contato com o Fórum do Rio de Janeiro, não obtendo sucesso. Savana disse possuir carteira de trabalho, identidade e CPF. Contou-nos também que existem mais oportunidades de emprego em BH do que no Rio, embora não pareça. Ela quer arrumar um emprego logo e recebeu uma proposta de um salão na Praça Sete, mas ainda não deu certo. Sabe colocar “megahair” e outras atividades de cabelereira. Savana falou, também, sobre a proposta que recebeu para se prostituir na Europa, entrando pela Romênia, quando tinha entre dezoito e dezenove anos. Segundo as pessoas que estavam organizando a ida dela e de outras pessoas para fora do Brasil, o ganho seria de "500 euros" por semana. O visto era válido apenas durante 3 meses, depois elas teriam que se virar para não serem pegas pela polícia. Havia um pagamento a ser feito para a cafetina toda semana, mas depois de ir quitando a dívida seria em semanas alternadas, sendo que a semana em que não se pagava a cafetina, poderia ficar com o dinheiro para si mesma. Savana tirou o visto, arrumou o cabelo, colocou megahair e silicone, mas desistiu de viajar uma semana antes da data de ida, pois a agenciadora queria dar um “doce[1]”nela. Ela disse que ajudava muito a mãe no sacolão quando morava no 17 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Rio de Janeiro. Quando chegou em Belo Horizonte pela última vez, primeiramente foi se hospedar no albergue que fica na Avenida Afonso Pena com a Espírito Santo. Explicou que se alguém mora lá, não pode ter vínculo com outro órgão da prefeitura, como o Centro de Referência. Este relato deve ser analisado meticulosamente por órgãos governamentais em razão do ilícito que se tem praticado em relação à prostituição de jovens com relação a contatos em outros países. Ele era pedreiro. Gomes me contou também sobre o albergue, disse dos conflitos e da higiene. Lá tem muito “muquirana” que é o nome dado para percevejo ou piolho branco. Ele não gosta porque, além de tudo “não entra em lugar que não tem portão”. Disse isso porque Albergue, Centro de Referência e outros, tem horário de entrada e depois que entra só sai no horário que é estabelecido para todos. Disse que o Albergue do Bairro São Paulo “só tem noiado e maconheiro, acontece muito roubo”. Gomes vai muito ao Centro de Referência, mas apenas para tomar banho. Nesse caso, ele não precisa ficar até o horário estipulado pelo local. Ele também toma banho no Ferro Velho onde vende sua reciclagem. Sobre a “muquirana” ele disse que quando “pega” tem que jogar tudo fora. Também disse sobre a família (mãe, irmãs). Elas são fervorosas com a religião evangélica. A mãe mora no Jardim América. Disse que quando vai lá falam muito que ele tem que voltar para a Igreja, rezam o tempo todo e isso o incomoda. Ele perde a paciência. Apesar disso, com a mãe ele tem uma ótima relação. Tem muitos amigos, me parece. Disse que conhece muita gente no centro, parece ter uma boa relação com o pessoal que estávamos sentados. Chama Silvia de mãe. A indignação foi grande com o fato de que a Prefeitura recolheu instrumentos de trabalho. Reciclagem dá pouco dinheiro, o mínimo para sobreviver. Quando não tem nada, tem que ir atrás pedir. Domingo, por exemplo, perto da Itambé eles são almoço. Disse que vai lutar e unir forças possíveis, que vai falar com todos que conhece. 18 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Silvia também mostrou afinidade comigo pelo fato de sermos mulheres, compartilhou as dificuldades que a rua trás. Fazer necessidades e problemas como a “muquirana”. No segundo dia, os pesquisadores da Praça Raul Soares, chegaram na praça e viram a Savana. Ela disse, no 1º dia do nosso trabalho de campo, que iria embora para o Rio. Felizmente, ela não foi e nos explicou depois os motivos. Cumprimentamos os presentes, Babalu já estava fazendo o almoço e nos convidou para almoçar com eles mais tarde. Quando chegamos ao local, notamos a presença de um adolescente de calça jeans, mochila, blusa e um boné escrito "FUNK" em dourado com as letras enormes. O nome dela[2] é Henrique e ela também parecia ser uma moradora das redondezas tendo, inclusive e em alguns momentos que não presenciamos, a companhia e o apoio da mãe. Savana disse que ela e a Henrique estavam combinando de ir no final do ano para o Rio de Janeiro acampar. Savana também contou que iria, no dia seguinte (08/10), ao Fórum pedir a certidão de nascimento dela, devido ao seu desejo de sair da rua e ter estabilidade para arrumar um emprego e, depois, estudar. Lembrou-nos do seu amigo que trabalha no Shopping DelRey na cafeteria perto do Carrefour. Iria tentar arrumar um emprego no lugar, pois eles recebiam umas setenta pessoas por dia querendo trabalhar. Queria arrumar um emprego à noite, pois é o turno no qual o salário é maior[3], na área de serviços gerais. Perguntei qual tipo de serviço ela queria dentre esses e ela disse administração. Lembrou também da proposta no salão da Praça Sete, mas disse que não gostava de trabalhar como cabeleireira. Depois de conseguir um emprego, saindo da rua, iria voltar a estudar. Disse que no Rio de Janeiro, quando tinha entre 17 e 18 anos se envolveu com um homem e eles foram para uma Instituição no bairro do Catete participar de um curso pago. Ele foi para a área de Engenharia Civil e ela decidiu ir trabalhar no zoológico limpando a área dos animais. No início, eles tiveram aula sobre as matérias em geral, como história, geografia, física e inglês. Ela contou da dificuldade que tinha em 19 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] aprender inglês e da sua saída antecipada, em virtude de um confronto físico que teve com outra pessoa dentro da instituição. Babalu também está querendo sair da rua, arrumou uma casa e vai embora na semana que vem. Depois, Savana contou que vai tentar arrumar uma carteirinha para poder conseguir fazer as refeições de graça na Aliança. O café da manhã de R$ 0,50 e o almoço é R$ 2,00. Também quer tentar conseguir o Bolsa Família, que é R$ 79,00, e o Bolsa Moradia que é R$ 500,00. Este é mais elaborado, mais difícil de conseguir, eles têm uma pessoa que fiscaliza a sua rotina durante vários meses para você conseguir o benefício. Se o carente tem que pagar um aluguel de 200,00 ou 300,00 ganha o mesmo valor de qualquer forma. Entretanto, é preciso apresentar o recibo do pagamento do aluguel referente ao mês anterior para receber a Bolsa Moradia do mês seguinte. Falou também que não tem como ir desarrumada para ir tirar alguma documentação ou para ir trabalhar. Gosta de arrumar o cabelo, colocar uma roupa boa, arrumar as unhas para ficar mais apresentável. Não gosta que as pessoas tenham uma visão negativa dela e quando se arruma os outros até pensam que ela não é moradora de rua. Hoje eles tinham ganhado pedaços de peixe que uma mulher que mora nos prédios próximos da praça Raul Soares deu para eles falando que iria perdê-lo na geladeira e que ela não iria usá-lo. Notamos também vários sacos de laranjas, doados pelo Mercado Novo em virtude do aspecto indesejável das laranjas, apesar delas estarem próprias para consumo. Ela disse que os funcionários do Mercado Novo estavam perdendo uma boa oportunidade, que eles poderiam chamar alguém e pagarem cerca de trinta reais para separar as laranjas boas das ruins, que ela fazia esse serviço no sacolão da mãe. A comida deles foi doada por um rapaz que estava passando pela praça e resolveu doar uma cesta básica com óleo, saco de feijão e arroz, farinha, fubá, nescau, entre outros. Algumas pessoas também ajudam ao dar ração para os cachorros ou dinheiro para cuidar deles. 20 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Começamos a falar sobre nosso projeto do Cidade e Alteridade, explicamos para ela nossas ideias e objetivos. Ela começou a dar dicas sobre onde poderíamos encontrar o que estávamos querendo e começou a falar sobre o Centro de Referência. Disse que iríamos encontrar várias pessoas com quem poderíamos conversar neste local, por exemplo, psicólogas. Era pra gente aparecer no centro um dia, até para ir almoçar, passar a tarde e conhecer o pessoal. Disse para irmos também na República Maria Maria[4]. Falou também da Aliança da Misericórdia na Lagoinha, espaço destinado para as realizar refeições diárias para os moradores de rua. Ela explicou que para almoçar na Aliança é preciso ter talento[5]. Savana falou sobre a reciclagem, trabalho do qual ela já participou, e disse que muitas pessoas quando passam na rua e veem alguém que trabalha nesse ramo, logo já lhe dão pequenas quantias de dinheiro. Savana também afirmou que eles recebem bastante ajuda, as pessoas juntam os materiais para entregá-los, como latinhas, papelão, etc. Entretanto, muitas vezes, os catadores são vistos como drogados, apesar de existir uma porcentagem que realmente é. Com o passar do tempo, foi-se criando uma consciência da importância do trabalho deles, pois ajudam a preservar o meio ambiente. A maioria segue sempre uma rotina de serviço, sempre vão nos mesmos lugares. Por exemplo, cada dia da semana eles estão em uma determinada região e isso faz com que eles sejam vistos pela população que já começa a reconhecê-los. Infelizmente, falta um reconhecimento do Estado, do governo quanto aos catadores de materiais recicláveis. Isso acontecendo, pode haver uma regulamentação do serviço deles. Da importância do trabalho, disse também que uma garrafa pet demora 100 anos para se decompor. Muitos alimentos orgânicos, segundo ela, servem para adubo de plantas, para dar de comida aos animais. 21 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Falando sobre reciclagem, formas de aproveitar os vários materiais, Savana contou sobre o DAMAS, um projeto no Rio de Janeiro que atende as travestis para retirá-las das ruas e inseri-las no mercado de trabalho. Ela disse que conseguiu um estágio lá e que aprendia a reaproveitar os alimentos. Aprendeu, por exemplo, a fazer bolo com casca de banana e disse que ficava uma delícia! Consequentemente, também aprendeu a cozinhar. Começamos a direcionar a conversa para saber mais sobre a rotina deles. Savana afirmou que eles dormem embaixo da marquise do prédio JK, acordam todo dia e arrumam os colchões e dobram as cobertas. Depois varrem para deixar tudo limpo, não só para eles, mas pelas pessoas que trabalham lá e já os conhecem, os cumprimentam e, às vezes, até os ajudam. Falou que ela e os outros colegas não aceitam qualquer um para dormir com eles e a Babalu comanda o lugar já tem muitos anos. Continuando no viés principal da pesquisa comecei a perguntar como eles conseguiam comida, o que eles faziam pra poder conseguir dinheiro para comprar as coisas (porque ela comenta várias vezes sobre, por exemplo, a divisão dos cigarros entre o grupo). Ela disse que cada um ajuda como pode, eles recebem várias doações, como a mulher do peixe, o homem da cesta básica e os funcionários do mercado que deram as laranjas. No grupo dela ninguém faz serviço de rotina. Por exemplo, no dia anterior Babalu tinha saído para olhar uma documentação, ela ficou vigiando os cachorros e depois foi tomar banho no Centro de Referência. Alguns saem para pedir esmolas para as pessoas, mas muitos realmente não trabalham. Ela disse que se tem tudo, eles não fazem nada e que se não tem nada, eles fazem de tudo para conseguir. Muitos ficam o dia inteiro lá na praça Raul Soares sem fazer nada. Ela, por exemplo, quando precisa vende camisinhas nos “sobe e desce” (prostíbulos) da rua Guaicurus, no centro da cidade, mas está sempre acompanhada de Babalu, porque ela não pode entrar no prostíbulo por ser travesti e Babalu sim, por ser gay. Entretanto, elas têm que vender às escondidas, porque acham que os porteiros já vendem para elas e elas vendem por um preço mais barato. Uma caixa, que ela consegue pegar no posto 22 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] de saúde do bairro Serra, contém 147 camisinhas. Vendem pelo preço de R$ 10,00. Houve uma época que tiveram um prejuízo, pois os usuários de crack estavam vendendo por R$5,00. Assim, a atividade deles é proporcional ao que eles têm no estoque. Além disso, cada um tem que contribuir na maloca, não pode chegar e usufruir dos bens deles sem colocar alguma coisa em troca na roda. Savana falou que sente liberdade vivendo na rua, disse que estava lá conversando conosco tranquilamentee e esquecia do que estava ao seu redor. O seu mundo era só aquele espaço no qual ela estava. Sabia que muita gente queria estar ali, sentada numa praça, conversando ao invés de ter horário para acordar, levar o menino na escola e fazer tantas coisas. Não tinha, então, preocupação com muita coisa e que esse era o lado bom de viver na rua. A sensação de poder fazer o que quiser é a parte boa. 3º dia Data: 09/10/2014 Local: Praça Raul Soares Horário: 12:50 às 15:00 - Conversa com Savana (Mariana foi sozinha; Bruno não compareceu) Chegaram na praça Raul Soares e Babalu estava preparando o almoço. Conheceram pessoas que nunca tinham visto anteriormente. Um deles, cujo nome não se lembram, chegou trazendo um galão de água para todos. Pedro e Henrique também estavam lá, junto com o marido de Babalu e outras pessoas. Eles receberam uma doação com várias roupas e Savana estava lá escolhendo umas para ela e outras para Pedro. Ela também tinha pegado umas caixas de camisinha. Ficamos lá mais alguns minutos e Savana foi separar as roupas dela para irmos ao Centro de Referência para ela tomar banho e eu conhecer o local. Feito isso, fomos nós duas pra lá e no caminho ela novamente perguntou qual o objetivo da nossa pesquisa. Falei que queríamos saber o que eles fazem para poder 23 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] conseguir o que comer, para poder ganhar dinheiro, quais são os recursos que eles utilizam; E que para isso tínhamos que procurar conversar com a população em situação de rua. Então, ela começou a me dizer que eles recebem muitas doações, principalmente das pessoas que moram em torno da praça Raul Soares e os conhecem um pouco. Há doações também de grupos religiosos, os espíritas predominantemente. Toda noite estes passam nos locais onde tem uma maior aglomeração de moradores de rua e doam algum alimento (ex: quentinha) ou roupas. Esse é o principal meio de sobrevivência deles e a maioria não exerce uma atividade no dia a dia. O Centro de Referência fica na Avenida dos Andradas com o final da Araguari e debaixo do viaduto lá do lado, diz a Savana, que ficam muitos moradores de rua pedindo esmola para comprar crack e que na região só tem usuários. Chegamos no Centro e, infelizmente, eu conheci pouco do local, porque precisava de uma autorização da prefeitura para ter um conhecimento mais aprofundado, segundo os funcionários. Mas deu para conhecer bem, pois o lugar não é muito grande e Savana foi me mostrando o lugar aonde alguns vão para tirar um cochilo à tarde, mostrou onde ficava a TV (eles sempre passam algum filme para as pessoas assistirem). Mostrou onde ficava o banheiro, do lado tinha uma mesa de pingpong, lá no fundo tinha uma quadra e tinham armários para guardas os pertences. Esperei ela tomar banho e fiquei observando o local e as pessoas que entravam lá... Há uma regra que as pessoas que entram lá, se saírem não podem voltar no mesmo dia, somente no outro. Savana voltou do banho e fomos embora para a praça 4º dia Data: 16/10/2014 Local: Praça Raul Soares Horário: 12:50 às 15:00 - Conversa com Savana 24 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Chegamos na praça e encontramos a Savana, seu grupo e mais dois amigos dela: Mariana e um outro cujo nome não me lembro. no local de sempre. Savana e Babalu foram para o Centro de Referência tomar banho. Ficamos conversando com o Marcos, marido[6] da Babalu, que estava sob o efeito da maconha. Ele disse que tem 24 anos, nasceu em Conselheiro Lafaiete/MG; trabalha como servente na área da construção civil por influência do pai que era armador, mas não trabalha a um mês. Marcos afirmou que ia retirar sua carteira de trabalho no UAI (Unidade de Atendimento Integrado) da Praça Sete para poder pegar um trampo[7]. Ele tem um filho de 4 anos que mora com a sua sogra em Palmital/MG, pois a sua esposa faleceu no dia 15.10.13 em virtude de falência múltipla dos órgãos decorrente de uma pneumonia dupla. A sua falecida esposa ficou internada em no hospital Eduardo de Menezes no bairro Barreiro e estava inchada e com um tubo largo na boca para respiração provavelmente. Marcos disse que visita seu filho uma vez por mês e a sua sogra trabalha próximo à Praça da Assembleia vigiando carros na rua, fato que chamou nossa atenção, pois ele afirmou que o seu filho e a sua sogra vivem em Lafaiete. Ele afirmou que invadiu um pequeno terreno em Palmital (a maioria dos terrenos na cidade são invadidos) e que passou-o para o nome do filho. Marcos afirmou que gostaria de morar no meio do mato, longe das pessoas e fumando maconha. Marcos, assim como Babalu e Savana, disse que já foi viciado em crack, mas já parou tem três anos, agora apenas bebe cachaça e fuma maconha e cigarro normal[8]. Babalu chegou sem a Savana e Marcos foi tomar banho no Centro de Referência. Babalu sentou-se e começou a conversar conosco. Ela vai fazer 35 anos em 30 de outubro, nasceu em Altamira/Pará e a sua família vive em Macapá/Amapá. Babalu deixou a sua cidade devido ao preconceito que enfrentou por ser travesti e passou por diversas cidades até chegar em Belo Horizonte, onde está a cerca de 9 anos. 25 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Ela afirmou que entrou em depressão e tentou suicídio jogando-se na frente de um ônibus; ela não conseguiu fazê-lo, pois uma mulher a puxou e lhe ofereceu crack, numa situação non sense. Babalu foi viciada em crack durante 7 anos e parou de usar regularmente ao se olhar no espelho de um motel, quando na época se prostituia, e ter uma conversa franca consigo, vendo que estava um “lixo”. Ela afirmou que o seu companheiro foi assassinado na Praça Raul Soares um mês antes, quando estava sentado em um banco debaixo da árvore próximo ao local em que o seu grupo fica. Após esse episódio, Babalu ficou dois dias sob efeito de calmante, cachaça e crack. Ela conheceu o Marcos no dia 03 de outubro. Babalu indagou se nós lemos a notícia no jornal sobre a morte do seu companheiro, nós dissemos que não e ela mostrou um leve desapontamento[9]. Procuramos a notícia na internet e não encontramos nada. Babalu afirmou que recebe o Bolsa Família no valor de R$79,00 mensais e que, após 3 anos e 6 meses de tentativas, vai receber o Bolsa Moradia no valor de R$500,00 mensais. O recebimento do valor está condicionado a apresentação do recibo de pagamento do aluguel do mês anterior e o dinheiro só começa a ser depositado em uma conta na Caixa Econômica Federal após o beneficiário indicar 6 imóveis possíveis para locação e a prefeitura enviar um arquiteto para avaliar o local que deve ter no mínimo dois cômodos. Babalu afirmou que trabalha como cozinheira – ela é a responsável por cozinhar na praça – e que não gosta de comida sem tempero, como é servida algumas vezes no restaurante popular. Com apenas 8 anos aprendeu a cozinhar, com 9 trabalhava em um restaurante e com 10 começou a fazer faxina. Também sabe mexer com cabelo muito bem e exerce essa atividade há 11 anos já. Trabalhou em vários salões e também sabe fazer unhas. Nos finais de semana, ela faz faxina na casa de uma amiga perto da Praça Raul Soares. 26 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Babalu afirmou que os policiais a conhecem e não a abordam, como fazem com outras pessoas em situação de rua na praça. Colecionamos abaixo notícias sobre a presença das pessoas em situação de rua na Praça Raul Soares que evidenciam a associação entre as pessoas em situação de rua e o consumo de drogas ilícitas, a sujeira e o cometimento de crimes. As pessoas em situação de rua não são consideradasusuárias ou frequentadoras da praça, mas invasores. Diferentemente do exposto nas duas reportagens, o relato da Babalu e da Savana não apontou para a discriminação vinda da polícia e dos comerciantes e moradores das redondezas, mas para o acolhimento e ajuda. [1]Segundo Savana, dar um doce é criar uma armadilha para alguém. [2]Savana disse que os homossexuais utilizam, entre si, artigos femininos antes de nomes masculinos, por exemplo,“a Henrique”, “a Pedro”. 27 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 28 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Já na Praça Afonso Arinos, por exemplo, as principais ocupações percebidas foram as de guardador de carros, lavador de carros e reciclagem de materiais (“catação”). Nesse espaço, realizaram seis idas e obtiveram relatos de nove pessoas em situação de rua: Edson, Edmar, Rodolfo, Silvia, Vandeir, Wender, Luciene, Pedro e Sérgio. Dessas, as oito primeiras são moradoras da praça e o último utiliza a praça apenas como ambiente de trabalho e encontro. Luciene, no oitavo mês de sua gestação, e Pedro, seu companheiro, conseguiram uma vaga no Abrigo Pompeia e estão prestes a se mudar. Egidia e Guilherme estabeleceram vínculos relativamente estáveis com o casal Silvia e Edmar e seus amigos Vandeir e Wender, com quem conversaram ao longo dos cinco últimos encontros. Banheiros públicos mais acessíveis com condições para banho e higiene pessoal e alimentação nos finais de semana e feriados foram as reivindicações apresentadas; trabalho formal foi a aspiração mais recorrente. Há também Libério, senhor que trabalha na praça há trinta e três anos, e que, mesmo não estando em situação de rua, sua entrevista é de valiosa contribuição para a compreensão da organização do trabalho no ambiente. A comunicação com Libério, todavia, ainda está sendo construída (por ser concretamente estabelecida), uma vez que se mostra muito ansioso em cumprir suas tarefas; outras horas se mostra esquivo ou instável mas interessado na pesquisa. Foi observado que, na praça, moram e trabalham, no mínimo, cinco outras pessoas que vão se aproximando à medida que vencem algumas desconfianças com relação a nós e ao nosso trabalho ali (e contatos com essas ainda serão realizados). A praça apresentou um espaço rico de formas e relações de trabalho, permeada por redes de solidariedade e alguns conflitos de convivência e sobre questões (em torno) do trabalho. A dupla pretende, na continuidade, percorrer demais praças, como, por exemplo, a Praça Rio Branco e a Praça Rui Barbosa/Praça da Estação, mantendo visitas à Praça Afonso Arinos. 29 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Isabela Furtado e Isabelle Curvo foram duas vezes a campo, optando pelo Parque Municipal, entornos da Praça Sete de Setembro e a praça da Catedral Nossa Senhora da Boa Viagem. Fizeram demoradas e profundas observações, mas depararam com dificuldades em abordar grande parte das pessoas em situação de rua que encontraram reunidas em grupos formados apenas por homens ou em pontos de consumo de drogas. Na Praça Sete, conversaram com artesãos sobre as tentativas de retirada pela Prefeitura, porém eles não estavam em situação de rua. Tiveram um contato maior com Jailton no Parque Municipal. Ele contou-lhes sobre sua trajetória, sua relação com as pessoas da cidade, com o trabalho e as instituições de auxílio. Ely Silva e Ana Paula Diniz optaram pela região do Mercado Central, Mercado Novo, Restaurante Popular e rodoviária, especialmente após as 18h das sextasfeiras. O critério levou em conta a disponibilidade da dupla e a possibilidade de poder observar o campo no horário do “rush” em início de final de semana, em uma região conhecida como “perigosa”. Até o momento foram três idas a campo; seis abordagens realizadas, sendo a primeira recusada de ser registrada e as cinco demais permitidas e, inclusive, autorizadas a prosseguir com os trabalhos de pesquisa. Na terceira semana, Isabelle acompanhou a dupla e pôde participar da abordagem feita a Cida, conforme será relatado. Um dos entrevistados é o senhor Azis, que vive debaixo do viaduto, próximo à rodoviária. Desenvolve a atividade de catação de material reciclável. Foi entrevistado duas vezes. Na terceira ida a campo, ele não se encontrava. Mas, falaram com sua amiga, Cida, que agendou com a dupla um encontro para um dia qualquer, desde que fosse mais cedo. Cida demonstrou interesse na pesquisa, falou um pouco da sua história, e está disposta a contar sobre a sua vida na rua: como criou os seus filhos vendendo balas, à época, por exemplo do Cine Tamoios. João Evangelho é um senhor que foi entrevistado próximo ao Restaurante Popular. O Sr. João veio de Rondônia para tratar de malária. No momento da abordagem, ele estava com pressa, pois já era quase 20h e ele precisava vender o seu material reciclável para o depósito, que fecharia às 20h. 30 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Caso contrário, poderiam roubar dele, como já aconteceu: ele dormiu com cinco sacos de latinhas e amanheceu sem nenhum. Alguém passou e levou tudo. Combinaram de continuar a conversa outro dia, no restaurante popular. Próximo também ao restaurante popular, entrevistaram um jovem de 34 anos, chamado Vagner, que disse ser catador de material reciclável e lavador de carro. Relatou que lavar carro é mais digno do que ser catador, pois lavar carro ganha mais e só de conversar com as pessoas já é alguma coisa. Reclamou dos equipamentos. Marcaram nova conversa em próximo dia , na rua Mato Grosso, frente à UNA. Foram lá, mas não o encontraram. Próximo ao Mercado Central, entrevistaram o senhor Fernando, que disse ser pedreiro, mas que, enquanto não aparece serviço em construção civil, faz catação. Marcaram de conversar mais vezes no restaurante popular. Uma diferença dele para os demais é que ele usa luvas, diz não fazer uso de nenhum tipo de bebida alcoólica ou drogas e tem um discurso evangélico emancipador muito forte. 5 Considerações No próximo relatório ao Programa, entende-se que este esquema agora enviado deverá ser complementado com análises teóricas mais consistentes. Não se pretende enviar apenas ocorrências e falas de campo, mas analisa-las à vista das teorias e conteúdos de políticas públicas. Isto não ocorreu neste atual relato, em razão dos atrasos da ida a campo por falta de recursos indispensáveis para pagamento de estagiários e de transporte e dos atrasos formais para início das pesquisas ligadas ao Programa. 31 ______________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]