UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
PROGRAMA CIDADE E ALTERIDADE: CONVIVÊNCIA MULTICULTURAL E
JUSTIÇA URBANA
RELATÓRIO
TRABALHO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA
Dezembro/2014
1
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
EQUIPE DO PROJETO
Coordenação Geral
Profa. Dra. Miacy Barbosa de Sousa Gustin
Coordenação
Profa. Dra. Adriana Goulart de Sena Orsini
Egidia Maria de Almeida Aiexe
Orientadora de campo:
Ana Paula Santos Diniz
Pesquisadores de Pós-Graduação:
Bruno Rodrigues Leite
Ely Fernandes da Silva
Isabelle Carvalho Curvo
Pesquisadores de Graduação:
Guilherme Eugênio Moreira
Isabela Crispim Brito Furtado
Mariana Crispim Caiafa
EQUIPE DO PROGRAMA CIDADE E ALTERIDADE
Coordenação de gestão e planejamento
Fernanda de Lazari Cardoso Mundim
Juliano dos Santos Calixto
Coordenação de Eixos e de Projetos
Aderval Costa Filho
Adriana Goulart de Sena Orsini
Ana Beatriz Vianna Mendes
Egidia Maria de Almeida Aiexe
Eloy Pereira Lemos
Gregório Assagra de Almeida
2
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
LudmillaZago Andrade
Márcia Helena Batista Corrêa da Costa
Marcos Cristiano Zucarelli
Maria Tereza Fonseca Dias
Miracy Barbosa de Sousa Gustin
Rennan Lanna Martins Mafra
Sielen Barreto Caldas de Vilhena
Orientadores de campo
Ana Carolina Fernandes
Luiza Bastos Lages
Ana Paula Santos Diniz
Larissa Pirchiner de Oliveira Vieira
Carlos Joaquim Einloft
Marcela Müller
Eduardo Faria da Silva
Marina de Oliveira Penido
Felipe Bernardo Soares
Raquel Portugal Nunes
Juliano dos Santos Calixto
Julia Christo Brandão Timo
Pesquisadores de Pós-Graduação
Ana Carolina Rodrigues
Isabelle Carvalho Curvo
Ana Flávia Brugnara
Joanna Angelo
Ana Flávia Nogueira
Lilian Nássara Chequer
Ana Luiza Rocha de Melo Santos
Lívia Mara de Resende
Bruno Rodrigues Leite
Lucélia de Sena Alves
Cecília Reis Alves dos Santos
Luiz Fernando Vasconcelos
Cíntia Melo
Marcela Müller
Clênio de Sousa Rodrigues
Maria Antonieta G. dos Santos
Dilson Nascimento
Mariana Crispim Caiafa
Eneida Criscuolo
Patrícia Rodrigues Rosa
Evandro AlairCamargos Alves
Paula Cançado
Fernando Nogueira Martins Jr.
Paula Miller
Grazielly de Oliveira Spínolla
Paulo Alves Lins
3
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
Pablo Pimenta
Raquel
Letícia
S.
Martins
Raíssa de Oliveira Murta
Pesquisadores de Graduação
Aline Beatriz Miranda da Silva
Guilherme Mendonça Del Debbio
Amália Coelho de Sousa
Amanda Cristina Nunes Pacífico
Humberto Francisco F. C. M.
Ananda Martins Carvalho
Iara O. S. Freitas
André Nogueira Brasil
Ingrid de Paula
André Penido
Isabela Crispim Brito Furtado
Anna Cláudia Campos e Santos
Isabela Damasceno
Bárbara Araújo
Joana Pacheco
Bárbara de Moraes Rezende
João Pedro L. de Guimarães Vargas
Bárbara Martinez
Julia Dinardi Alves Pinto
Beatriz Ribeiro Machado,
Juliana da Silva Rosa
Bruno Menezes Andrade Guimarães
Laila Vieira Oliveira
Carolina Spyer Vieira Assad
Layssa Aragão Braz
Carolina Sobrinho Lopes Martins
Leonardo Souza
Cátia Meire Resende
Lívia Bastos Lages
Cecília Matos
Lívia Maria Dias Andrade
Cláudia Regina Rossi Fantini
Lucas Marcony Lino Silva
Cleiton Martins
Lucas Martins de Castro
Eliene de Sá Farias
Lucas Nasser Marques de Souza
Erich Bias Remiz
Lucas Thairone Cunha Andrade
Fernanda Magalhães
Maria
Fúlvio Alvarenga Sampaio
Santos
Gislaine Alves Rodrigues
Mariana Crispim Caiafa
Giulia Volpini S. Gouvea
Marina França
Guilherme Abu-Jamra
Marcos Mesquita Damasceno
Guilherme Eugênio Moreira
Marlon Marcelo
Antonieta
Gonçalves
dos
Nayara Rodrigues Medrado
4
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
Paula Pimenta Gomes
Sílvia Corradi Sander
Patrícia Dias de Sousa
Skarllett Jenniffer Andrade Rosa
Pedro de Aguiar Marques
Stéfane Rabelo Pereira da Costa
Pedro Henrique Coffran Carvalho
Taiandir Vaz Penna
Rafael Goulart
Tays Natalia Gomes
Rayanna F. de Souza Oliveira
Thaís Firmato Fortes
Rebeca Borges Machado Azevedo
Thaís Lopes Santana Isaías
Leitão
Thaila Bahiense
Regiane Valentim Leite
Thales Augusto Nascimento Viote
Regina Fonseca
Vinícius Villela Penna
Silvia Carolina Maia dos Santos
Yuri
Alexandre
dos
Santos
5
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
SUMÁRIO
1 Contextualização-----------------------------------------------------------------08
2 Objetivos e metas---------------------------------------------------------------08
3 Atividades realizadas no trimestre (agosto-outubro):-------------------09
3.1 Atividades de campo desenvolvidas---------------------------------------09
3.2 Participação em atividades/eventos de formação:--------------------10
4 Relatos sobre o Trabalho de Campo---------------------------------------14
5 Considerações--------------------------------------------------------------------31
6
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
7
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
Relatório
1 Contextualização
A Pesquisa “TRABALHO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA” compõe o
segundo projeto proposto pela Frente “Trabalho de Rua”, que integra o Eixo I do
Programa Cidade e Alteridade, em convênio com a CIMOS - Coordenadoria de
Inclusão e Mobilização Social, do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
Este Relatório contém novos textos de pesquisa de campo e fotos para a
ilustração das condições encontradas em vários pontos da cidade.
A foto anterior, por exemplo, mostra-nos como os moradores não só levam seus
produtos de catação (trabalho que executam, hoje em dia, com certa dificuldade),
mas inclusive seus próprios pertences de moradia. Portam casa e trabalho pela
cidade.
2 Objetivos e metas
Iniciou-se o trabalho após a constituição da equipe constituída a partir de uma
amostra de dados para análise a fim de verificar se o procedimento adotado
levaria ao resultado pretendido (pré-teste). Pode-se dizer que já se tem esta
amostra, mas sabe-se que ao longo de qualquer pesquisa os achados vão
determinando novos produtos e locais de investigação. Isto tem afetado a análise
preliminar e sua amostra, estando sempre sendo acrescida de novas condutas e
fontes.
Novos locais e grupos de moradores de rua de Belo Horizonte estão sendo
reformulados, como mostram os relatos a seguir.
8
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
3 Atividades realizadas no trimestre (agosto-outubro):
No período anterior a agosto, a equipe se dedicou intensamente à pesquisa
bibliográfica, à revisão de literatura e à discussão acerca do referencial teórico do
Projeto de Pesquisa, bem como ao preparo e capacitações metodológicas para a
pesquisa de campo. No início de outubro, a equipe se dividiu em duplas,
preferencialmente homem e mulher, para iniciar a pesquisa de campo,
preservando, assim, a intersubjetividade. Foi utilizada a técnica da pesquisa-ação
e os procedimentos de história de vida e de observação do sujeito que trabalha na
rua e que, possivelmente, está em situação de rua. Após a observação, a
abordagem é feita, com o fim de conhecer a sua história de vida relacionada às
vivências de trabalho.
Não se esperava, de início, que o trabalho desse estrato social fosse tão
diversificado, ou seja, existia uma impressão inicial que se encontraria,
principalmente e primordialmente, catadores de materiais recicláveis, nada mais
ou apenas pouco mais.
3.1 Atividades de campo desenvolvidas:
Foram organizados os trabalhos da equipe, no período de julho até outubro, no
segundo semestre de 2014. Isto ocorreu com tal retardamento por razões de
espera para que o contrato do Programa entre Ministério Público e FUNDEP
fosse finalizado.
Em campo, além dos dados objetivos sobre o trabalho das pessoas em situação
de rua, foram levantados, como previsto na metodologia enviada no Relatório
Trimestral, alguns elementos subjetivos que dizem respeito ao bem-estar e ao
modo de viver dos indivíduos na sua relação com o trabalho que realizam.
Também os pesquisadores têm procurado responder questões acerca da
organização da população em situação de rua em torno do trabalho e das razões
dessa forma de organização.
9
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
Quando se trabalha com coletivos ou grupos, tem se estimulado suas iniciativas,
além de acompanhar este processo de organização, sempre trabalhando com
suas demandas. A equipe tem levantado dados para que seja composta uma
cartografia social sobre o trabalho e atividades de geração de renda (não
regulamentadas), fontes de sustento e recursos utilizados, bem como a relação
dessas atividades com o bem-estar desses indivíduos.
No momento, a realidade dessas pessoas tem sido acompanhada nas ruas e em
equipamentos sociais como o Centro de Referência da Pop. Rua. A abordagem
tem sido feita por meio de conversas informais em vez de entrevistas.
O resumo foi apresentado e aprovado para apresentação no Seminário. As
demais reuniões pautaram-se na troca de informações e observações feitas a
partir das atividades cumpridas, bem como a organização e reorganização do
trabalho.
3.2 Participação em atividades/eventos de formação:
Reiterando o que já foi dito no Relatório Administrativo, ao longo deste período, as
atividades da equipe incluíram a participação em atividades de capacitação,
visando à formação interna. A coordenadora do Projeto participou de uma Roda
de Conversa e Seminário realizado na FAFICH em 21 de março com os Prof.
Michel Le Ven e Michel Thiollent. Também participou, juntamente com a
orientadora de campo, da primeira etapa de capacitação do Programa Cidade e
Alteridade, realizada nos dias 01 e 04 de março, 28 de abril , 06 e 09 de maio/14.
Após a constituição da equipe, os novos membros participaram, nos dias 6 e 12
de maio de 2014, de duas capacitações oferecidas pelo Programa Cidade e
Alteridade, no Auditório do 16º andar da Pós-Graduação da Faculdade de Direito
da UFMG.
No primeiro dia, a capacitação foi primeiramente dada pelos Profa. Beatriz
Mendes e Aderval, cujo tema foi a entrevista como recurso de interlocução na
10
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
pesquisa de campo. De início, foi destacado que na pesquisa de campo, a
entrevista é uma relação dialógica, uma interação e não propriamente um
levantamento de dados. Por isso, ainda que fosse fundamental a etapa prévia da
ida ao campo pelo planejamento e treinamento do olhar do pesquisador, a
entrevista é um diálogo entre iguais, que pressupõe uma construção coletiva entre
entrevistador e entrevistado.
É importante também o registro das falas, atos e todas as demais percepções.
Foi abordada a importância do caderno de campo, a utilização de gravadores, e
outras técnicas para registro. A Profa. Maria Tereza Dias falou sobre a pesquisa
quantitativa. A fala inicial foi no sentido de que toda pesquisa deve estar à procura
de possibilidades de emancipação dos grupos sociais, inclusive a pesquisa
quantitativa que é mais usada para verificar perfis de grupos, mediar atitudes, ou
realizar diagnósticos. Por isso, os dados produzidos não são simplesmente
matemáticos, eles dão instrumentos para a leitura e a intervenção na realidade.
No entanto, a pesquisa quantitativa tem limites, como o custo operacional, a
dificuldade em generalizar os dados obtidos, entre outros. No dia 12 de maio, a
capacitação foi ministrada pelo professor Gil. Ele abordou a temática da
convivência com pessoas de diferentes classes sociais, e a importância de se ter
uma posição de igualdade, procurando entender na pesquisa o que há na
realidade do outro. Mencionou também três tipos de entrevista: fechada, semiestruturada e aberta, e discorreu sobre pesquisa quantitativa e qualitativa. Foi
enfatizado o uso do diário de bordo, de outras fontes de uso (desde que haja
vigilância). Por fim, foi dito que o pesquisador social precisa sempre fazer uma
autocrítica das situações vivenciadas.
No dia 9 de maio, a equipe foi convidada pelo Programa Pólos de Cidadania a
participar da capacitação do programa, que naquela semana seria coordenada
pelo GT População de Rua e teve como proposta uma roda de conversa com
mulheres em situação de rua. A capacitação ocorreu no 6º andar do Prédio da
Pós-graduação da Faculdade de Direito da UFMG, na sala do Programa Pólos.
11
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
As três convidadas para abrirem a Roda de Conversa com suas histórias e
percursos de vida nas ruas foram: Anita Gomes dos Santos, Fárnia Michely
Ferreira do Nascimento e Maria de Jesus da Silva (Zuza). Elas relataram um
pouco de sua história de vida, e como foi viver a situação de rua. Iniciaram sua
fala tratando de uma “vantagem” da vivência de rua, que estaria na capacidade
aprendida de driblar as situações da vida. Além disso, enumeraram situações de
solidariedade e humildade nas ruas.
Ressaltaram, todavia, algumas das dificuldades enfrentadas por ser mulher e
negra nas ruas, com a ação violenta da polícia, de ter seus filhos retirados apesar
da proibição do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ao longo da atividade,
ficou evidenciada a falta ou insuficiência de políticas públicas específicas para
atender as necessidades das mulheres em situação de rua (albergues para
casais, banheiros públicos, creches, etc.), além de proteção contra as muitas
violências que sofrem.
No dia 11 de setembro a equipe foi novamente convidada pelo Programa Pólos
de Cidadania a participar da capacitação semanal, que seria sobre Trabalho
Decente. A capacitação foi coordenada pela Prof. Sielen Caldas, e aconteceu na
sala do Programa Polos, na Faculdade de Direito da UFMG. Ela apontou
inicialmente a importância da afirmação da centralidade do trabalho e da
dignidade do trabalhador, valores que estão expressos em nossa Constituição. O
trabalho é um direito fundamental, e não e pode aceitar qualquer forma de
trabalho. Ela ainda tratou da formulação da OIT sobre o “trabalho decente”, e
sobre as diferentes concepções de informalidade.
No dia 26 de setembro, das 9 às 12 horas, na FAFICH-UFMG, foi ministrado um
Workshop sobre Metodologia da Pesquisa, ministrada pelo professor antropólogo
Pablo Jaramillo da Universidade dos Andes, Bogotá, Colômbia. O título do
seminário foi “A entrada em campo e a negociação do papel de observador”. A
socióloga Ania Tizziani, do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais 12
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
CLACSO, de Buenos Aires, Argentina, desenvolveu o tema “A produção do
conhecimento”, encerrando o seminário. Da equipe estiveram presentes os
pesquisadores Ana Paula e Guilherme.
Por fim, no mesmo dia, 26 de setembro, a equipe participou de uma atividade de
capacitação do Programa Polos de Cidadania com o tema “História Oral”, A
prática da entrevista: do encontro com o outro ao texto negociado ministrado pela
professora Raquel Oiveira. Estiveram presentes: Isabela, Guilherme, Egidia e Ana
Paula. O diálogo foi construído nas ideias sobre o registro das narrativas do
entrevistado e como ocorre a interação entre este e o entrevistador. Ressaltou
que há um duplo subjetivismo na produção dos relatos e que a construção deles é
feita respeitando a aceitação do entrevistado, suas memórias e o espaço social
em que ele está inserido. Há três formas de relatos: história de vida, entrevistas
temáticas, trajetórias de vida. Por último, houve um esclarecimento sobre as
etapas da pesquisa qualitativa com fontes orais, sua preparação, proposição do
projeto e realização das entrevistas.
No Fórum Aberto da População de Rua, em 09/06/2014, realizado na Praça da
Rodoviária, no período da tarde, a Coordenadora do Projeto participou da
preparação e apresentação do evento, que contou com apresentações culturais,
manifestações de diversos segmentos, e teve ótima interação com as pessoas
que frequentam o local. Foi avaliado como muito positivo por dar visibilidade às
questões vividas pela População em Situação de Rua, bem como sobre a
importância da organização dessas pessoas e o papel das entidades para debater
e propor políticas públicas estruturantes.
Em 15/07/2014, reuniu-se o Comitê de Monitoramento e Acompanhamento da
Política Municipal para a População em Situação de Rua. Participação de Egidia.
Pauta: a) Informes sobre episódios na Copa do Mundo. b) Avaliação dos
trabalhos dos GTs das Regionais da PBH. Após acirradas discussões sobre
operações de retirada de pertences realizadas pelos GTs. das Regionais, foi
proposto um trabalho de formação para esses servidores, mediante uma
13
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
metodologia dialógica, participativa, que possibilite a troca de informações e
experiências. Foi sugerido pelo Programa Polos a utilização das Rodas de
Conversa, com duração máxima de 3 horas, nos meses de agosto e setembro
(nove ao todo) e com um encontro final em outubro. A coordenadora aprovou a
sugestão e sugeriu a criação de um grupo para preparar as atividades de
formação, sendo pela sociedade civil o Polos, Centro de Defesa e Forum de Pop.
Rua. Egidia participou de três Rodas de Conversa, nas Regionais Norte, Oeste e
PMMG (Praça da Rodoviária) e da equipe que está elaborando a proposta do
Encontro de fechamento para novembro.
11/08/2014 - Fórum de População de Rua - A Coordenadora do Projeto participou
da reunião mensal, que teve como pauta o tema da Locação de Interesse Social,
com exposição da profa. Maria de Fátima Gottschalg, da PUC, que discorreu
sobre as vantagens desse tipo de política, que foge da lógica do financiamento e
da propriedade privada e pode complementar os programas habitacionais com a
vantagem de não inflacionar o mercado de alugueis e por tratar a moradia não
como uma mercadoria, mas como um serviço público.
08/09/2014 - 14h30min às 16h30min: Fórum de População de Rua
Compareceram Ely, Isabela e Guilherme, pesquisadores do Projeto.
Pautas: 1) Discussão sobre o Orçamento Participativo 2015/2016; 2) Proposta de
carta de apoio eleitoral a candidatos que priorizam a população em situação de
rua; 3) Balanço do Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua; 4)
Organização de GT Mulheres em Situação de Rua
4 Relatos sobre o Trabalho de Campo
Para a fase inicial do trabalho de campo – em 29 de setembro –, a equipe foi
dividida em duplas. Considerou-se gênero e área de formação como critérios para
a escolha dos pares, de modo a se obter percepções mais plurais. Foi decidido
que as questões que competem ao eixo seriam buscadas através da metodologia
de história oral. Cada dupla, então, optou por iniciar sua pesquisa em um local do
14
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
hipercentro da cidade de Belo Horizonte. Até a data de entrega deste relatório, o
grupo completou cinco semanas de idas a campo. Bruno Leite e Mariana Caiafa
decidiram-se pelos entornos do Mercado Central, encaminhando-se, após
indicações, à Praça Raul Soares, aonde foram quatro vezes. Com relação aos
tipos de ocupação, relatada pelas pessoas em situação de rua que conheceram
na praça, apontou-se: reciclagem de materiais, auxiliar de pedreiro, faxineira,
cabeleireira.
Atualmente, porém, a maioria enfrenta o desemprego e sustenta-se com doações
de transeuntes e moradores das redondezas. Conheceram as travestis Babalu e
Savana, além de Marcos, companheiro de Savana, a amiga Mariana e demais
moradores e frequentadores da praça. Inicialmente, a dupla registrou a dificuldade
de abordar e se apresentar como pesquisador e pesquisadora. Vínculos, porém,
foram construídos, principalmente com Savana, com quem conversaram nos
quatro encontros. Savana levou Mariana ao Centro de Referência da População
de Rua, mas uma autorização da Prefeitura era necessária para que a
pesquisadora pudesse ter acesso e conhecimento sobre o funcionamento do
local.
Como pode ser verificado, a pesquisa junto à População de Rua sofre de várias
restrições, não somente a dispersão pela cidade como as restrições burocráticas
que inúmeras vezes tentam inviabilizar a existência concreta dessa população na
cidade. Paralelamente ao campo, a dupla vem comparando os relatos e as
experiências vivenciadas com reportagens da imprensa belo-horizontina sobre a
Praça Raul Soares e percebendo distorções no que é publicado pela mídia.
A foto a seguir demonstra a falta de condições mínimas para essa população que
aí está por falhas no mercado de trabalho que não aceita esses trabalhadores por
falta de um endereço fixo ou por exiguidade de qualificação, entre outras
inúmeras variáveis. A maior delas, o desemprego ou o subemprego, sem
qualquer política que possa diminuir essas condições de subcidadania.
15
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
Na Praça Raul Soares, pode-se encontrar pessoas tomando banho no chafariz e
colocando suas roupas para estender. Fomos perguntar se algum deles poderia
conversar com a gente e não tivemos sucesso. Depois, andando mais um pouco,
16
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
vimos duas pessoas sentadas em um pedaço de papelão conversando.
Resolvemos ir até elas e perguntamos se poderíamos sentar ali para
conversarmos também. Conhecemos a Savana, que disse ser travesti, tem 28
anos e é carioca. Seu nome verdadeiro, entretanto, é Evandro da Conceição
Júnior; o Vitor, criança de 9 anos, que segundo contaram para gente ao longo da
conversa, tinha fugido de casa há 3 dias; o Marcos, que era marido de Babalu e a
Andressa, moradora de um prédio próximo da praça e que conversava com as
pessoas em situação de rua ocasionalmente.
Savana começou a contar sua história, disse que morava no Rio de Janeiro com a
família, mas que saiu da rua muito cedo por vários problemas familiares. Sua
primeira saída foi aos 9 anos. Já foi para Juiz de Fora, São Paulo, Barbacena e
está há dois meses em Belo Horizonte. Savana afirmou que estava com
problemas de documentação, pois, quando estava em Barbacena, foi ao Fórum
pedir sua certidão de nascimento e teve que fazer contato com o Fórum do Rio de
Janeiro, não obtendo sucesso. Savana disse possuir carteira de trabalho,
identidade e CPF. Contou-nos também que existem mais oportunidades de
emprego em BH do que no Rio, embora não pareça. Ela quer arrumar um
emprego logo e recebeu uma proposta de um salão na Praça Sete, mas ainda
não deu certo. Sabe colocar “megahair” e outras atividades de cabelereira.
Savana falou, também, sobre a proposta que recebeu para se prostituir na
Europa, entrando pela Romênia, quando tinha entre dezoito e dezenove anos.
Segundo as pessoas que estavam organizando a ida dela e de outras pessoas
para fora do Brasil, o ganho seria de "500 euros" por semana. O visto era válido
apenas durante 3 meses, depois elas teriam que se virar para não serem pegas
pela polícia. Havia um pagamento a ser feito para a cafetina toda semana, mas
depois de ir quitando a dívida seria em semanas alternadas, sendo que a semana
em que não se pagava a cafetina, poderia ficar com o dinheiro para si mesma.
Savana tirou o visto, arrumou o cabelo, colocou megahair e silicone, mas desistiu
de viajar uma semana antes da data de ida, pois a agenciadora queria dar um
“doce[1]”nela. Ela disse que ajudava muito a mãe no sacolão quando morava no
17
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
Rio de Janeiro. Quando chegou em Belo Horizonte pela última vez, primeiramente
foi se hospedar no albergue que fica na Avenida Afonso Pena com a Espírito
Santo. Explicou que se alguém mora lá, não pode ter vínculo com outro órgão da
prefeitura, como o Centro de Referência. Este relato deve ser analisado
meticulosamente por órgãos governamentais em razão do ilícito que se tem
praticado em relação à prostituição de jovens com relação a contatos em outros
países.
Ele era pedreiro.
Gomes me contou também sobre o albergue, disse dos conflitos e da higiene. Lá
tem muito “muquirana” que é o nome dado para percevejo ou piolho branco. Ele
não gosta porque, além de tudo “não entra em lugar que não tem portão”. Disse
isso porque Albergue, Centro de Referência e outros, tem horário de entrada e
depois que entra só sai no horário que é estabelecido para todos. Disse que o
Albergue do Bairro São Paulo “só tem noiado e maconheiro, acontece muito
roubo”.
Gomes vai muito ao Centro de Referência, mas apenas para tomar banho. Nesse
caso, ele não precisa ficar até o horário estipulado pelo local. Ele também toma
banho no Ferro Velho onde vende sua reciclagem.
Sobre a “muquirana” ele disse que quando “pega” tem que jogar tudo fora.
Também disse sobre a família (mãe, irmãs). Elas são fervorosas com a religião
evangélica. A mãe mora no Jardim América. Disse que quando vai lá falam muito
que ele tem que voltar para a Igreja, rezam o tempo todo e isso o incomoda. Ele
perde a paciência. Apesar disso, com a mãe ele tem uma ótima relação. Tem
muitos amigos, me parece. Disse que conhece muita gente no centro, parece ter
uma boa relação com o pessoal que estávamos sentados. Chama Silvia de mãe.
A indignação foi grande com o fato de que a Prefeitura recolheu instrumentos de
trabalho. Reciclagem dá pouco dinheiro, o mínimo para sobreviver. Quando não
tem nada, tem que ir atrás pedir. Domingo, por exemplo, perto da Itambé eles são
almoço. Disse que vai lutar e unir forças possíveis, que vai falar com todos que
conhece.
18
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
Silvia também mostrou afinidade comigo pelo fato de sermos mulheres,
compartilhou as dificuldades que a rua trás. Fazer necessidades e problemas
como a “muquirana”.
No segundo dia, os pesquisadores da Praça Raul Soares, chegaram na praça e
viram a Savana. Ela disse, no 1º dia do nosso trabalho de campo, que iria embora
para o Rio. Felizmente, ela não foi e nos explicou depois os motivos.
Cumprimentamos os presentes, Babalu já estava fazendo o almoço e nos
convidou para almoçar com eles mais tarde.
Quando chegamos ao local, notamos a presença de um adolescente de calça
jeans, mochila, blusa e um boné escrito "FUNK" em dourado com as letras
enormes. O nome dela[2] é Henrique e ela também parecia ser uma moradora
das redondezas tendo, inclusive e em alguns momentos que não presenciamos, a
companhia e o apoio da mãe. Savana disse que ela e a Henrique estavam
combinando de ir no final do ano para o Rio de Janeiro acampar. Savana também
contou que iria, no dia seguinte (08/10), ao Fórum pedir a certidão de nascimento
dela, devido ao seu desejo de sair da rua e ter estabilidade para arrumar um
emprego e, depois, estudar. Lembrou-nos do seu amigo que trabalha no
Shopping DelRey na cafeteria perto do Carrefour. Iria tentar arrumar um emprego
no lugar, pois eles recebiam umas setenta pessoas por dia querendo trabalhar.
Queria arrumar um emprego à noite, pois é o turno no qual o salário é maior[3], na
área de serviços gerais. Perguntei qual tipo de serviço ela queria dentre esses e
ela disse administração. Lembrou também da proposta no salão da Praça Sete,
mas disse que não gostava de trabalhar como cabeleireira. Depois de conseguir
um emprego, saindo da rua, iria voltar a estudar. Disse que no Rio de Janeiro,
quando tinha entre 17 e 18 anos se envolveu com um homem e eles foram para
uma Instituição no bairro do Catete participar de um curso pago. Ele foi para a
área de Engenharia Civil e ela decidiu ir trabalhar no zoológico limpando a área
dos animais. No início, eles tiveram aula sobre as matérias em geral, como
história, geografia, física e inglês. Ela contou da dificuldade que tinha em
19
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
aprender inglês e da sua saída antecipada, em virtude de um confronto físico que
teve com outra pessoa dentro da instituição.
Babalu também está querendo sair da rua, arrumou uma casa e vai embora na
semana que vem. Depois, Savana contou que vai tentar arrumar uma carteirinha
para poder conseguir fazer as refeições de graça na Aliança. O café da manhã de
R$ 0,50 e o almoço é R$ 2,00. Também quer tentar conseguir o Bolsa Família,
que é R$ 79,00, e o Bolsa Moradia que é R$ 500,00. Este é mais elaborado, mais
difícil de conseguir, eles têm uma pessoa que fiscaliza a sua rotina durante vários
meses para você conseguir o benefício. Se o carente tem que pagar um aluguel
de 200,00 ou 300,00 ganha o mesmo valor de qualquer forma. Entretanto, é
preciso apresentar o recibo do pagamento do aluguel referente ao mês anterior
para receber a Bolsa Moradia do mês seguinte.
Falou também que não tem como ir desarrumada para ir tirar alguma
documentação ou para ir trabalhar. Gosta de arrumar o cabelo, colocar uma roupa
boa, arrumar as unhas para ficar mais apresentável. Não gosta que as pessoas
tenham uma visão negativa dela e quando se arruma os outros até pensam que
ela não é moradora de rua.
Hoje eles tinham ganhado pedaços de peixe que uma mulher que mora nos
prédios próximos da praça Raul Soares deu para eles falando que iria perdê-lo na
geladeira e que ela não iria usá-lo. Notamos também vários sacos de laranjas,
doados pelo Mercado Novo em virtude do aspecto indesejável das laranjas,
apesar delas estarem próprias para consumo. Ela disse que os funcionários do
Mercado Novo estavam perdendo uma boa oportunidade, que eles poderiam
chamar alguém e pagarem cerca de trinta reais para separar as laranjas boas das
ruins, que ela fazia esse serviço no sacolão da mãe. A comida deles foi doada por
um rapaz que estava passando pela praça e resolveu doar uma cesta básica com
óleo, saco de feijão e arroz, farinha, fubá, nescau, entre outros. Algumas pessoas
também ajudam ao dar ração para os cachorros ou dinheiro para cuidar deles.
20
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
Começamos a falar sobre nosso projeto do Cidade e Alteridade, explicamos para
ela nossas ideias e objetivos. Ela começou a dar dicas sobre onde poderíamos
encontrar o que estávamos querendo e começou a falar sobre o Centro de
Referência. Disse que iríamos encontrar várias pessoas com quem poderíamos
conversar neste local, por exemplo, psicólogas.
Era pra gente aparecer no centro um dia, até para ir almoçar, passar a tarde e
conhecer o pessoal. Disse para irmos também na República Maria Maria[4]. Falou
também da Aliança da Misericórdia na Lagoinha, espaço destinado para as
realizar refeições diárias para os moradores de rua. Ela explicou que para
almoçar na Aliança é preciso ter talento[5].
Savana falou sobre a reciclagem, trabalho do qual ela já participou, e disse que
muitas pessoas quando passam na rua e veem alguém que trabalha nesse ramo,
logo já lhe dão pequenas quantias de dinheiro. Savana também afirmou que eles
recebem bastante ajuda, as pessoas juntam os materiais para entregá-los, como
latinhas, papelão, etc. Entretanto, muitas vezes, os catadores são vistos como
drogados, apesar de existir uma porcentagem que realmente é. Com o passar do
tempo, foi-se criando uma consciência da importância do trabalho deles, pois
ajudam a preservar o meio ambiente.
A maioria segue sempre uma rotina de serviço, sempre vão nos mesmos lugares.
Por exemplo, cada dia da semana eles estão em uma determinada região e isso
faz com que eles sejam vistos pela população que já começa a reconhecê-los.
Infelizmente, falta um reconhecimento do Estado, do governo quanto aos
catadores de materiais recicláveis. Isso acontecendo, pode haver uma
regulamentação do serviço deles. Da importância do trabalho, disse também que
uma garrafa pet demora 100 anos para se decompor.
Muitos alimentos
orgânicos, segundo ela, servem para adubo de plantas, para dar de comida aos
animais.
21
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
Falando sobre reciclagem, formas de aproveitar os vários materiais, Savana
contou sobre o DAMAS, um projeto no Rio de Janeiro que atende as travestis
para retirá-las das ruas e inseri-las no mercado de trabalho. Ela disse que
conseguiu um estágio lá e que aprendia a reaproveitar os alimentos. Aprendeu,
por exemplo, a fazer bolo com casca de banana e disse que ficava uma delícia!
Consequentemente, também aprendeu a cozinhar.
Começamos a direcionar a conversa para saber mais sobre a rotina deles.
Savana afirmou que eles dormem embaixo da marquise do prédio JK, acordam
todo dia e arrumam os colchões e dobram as cobertas. Depois varrem para deixar
tudo limpo, não só para eles, mas pelas pessoas que trabalham lá e já os
conhecem, os cumprimentam e, às vezes, até os ajudam. Falou que ela e os
outros colegas não aceitam qualquer um para dormir com eles e a Babalu
comanda o lugar já tem muitos anos.
Continuando no viés principal da pesquisa comecei a perguntar como eles
conseguiam comida, o que eles faziam pra poder conseguir dinheiro para comprar
as coisas (porque ela comenta várias vezes sobre, por exemplo, a divisão dos
cigarros entre o grupo). Ela disse que cada um ajuda como pode, eles recebem
várias doações, como a mulher do peixe, o homem da cesta básica e os
funcionários do mercado que deram as laranjas. No grupo dela ninguém faz
serviço de rotina. Por exemplo, no dia anterior Babalu tinha saído para olhar uma
documentação, ela ficou vigiando os cachorros e depois foi tomar banho no
Centro de Referência. Alguns saem para pedir esmolas para as pessoas, mas
muitos realmente não trabalham. Ela disse que se tem tudo, eles não fazem nada
e que se não tem nada, eles fazem de tudo para conseguir. Muitos ficam o dia
inteiro lá na praça Raul Soares sem fazer nada. Ela, por exemplo, quando precisa
vende camisinhas nos “sobe e desce” (prostíbulos) da rua Guaicurus, no centro
da cidade, mas está sempre acompanhada de Babalu, porque ela não pode entrar
no prostíbulo por ser travesti e Babalu sim, por ser gay. Entretanto, elas têm que
vender às escondidas, porque acham que os porteiros já vendem para elas e elas
vendem por um preço mais barato. Uma caixa, que ela consegue pegar no posto
22
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
de saúde do bairro Serra, contém 147 camisinhas. Vendem pelo preço de R$
10,00. Houve uma época que tiveram um prejuízo, pois os usuários de crack
estavam vendendo por R$5,00. Assim, a atividade deles é proporcional ao que
eles têm no estoque. Além disso, cada um tem que contribuir na maloca, não
pode chegar e usufruir dos bens deles sem colocar alguma coisa em troca na
roda.
Savana falou que sente liberdade vivendo na rua, disse que estava lá
conversando conosco tranquilamentee e esquecia do que estava ao seu redor. O
seu mundo era só aquele espaço no qual ela estava. Sabia que muita gente
queria estar ali, sentada numa praça, conversando ao invés de ter horário para
acordar, levar o menino na escola e fazer tantas coisas. Não tinha, então,
preocupação com muita coisa e que esse era o lado bom de viver na rua. A
sensação de poder fazer o que quiser é a parte boa.
3º dia
Data: 09/10/2014
Local: Praça Raul Soares
Horário: 12:50 às 15:00 - Conversa com Savana
(Mariana foi sozinha; Bruno não compareceu)
Chegaram na praça Raul Soares e Babalu estava preparando o almoço.
Conheceram pessoas que nunca tinham visto anteriormente. Um deles, cujo
nome não se lembram, chegou trazendo um galão de água para todos. Pedro e
Henrique também estavam lá, junto com o marido de Babalu e outras pessoas.
Eles receberam uma doação com várias roupas e Savana estava lá escolhendo
umas para ela e outras para Pedro. Ela também tinha pegado umas caixas de
camisinha.
Ficamos lá mais alguns minutos e Savana foi separar as roupas dela para irmos
ao Centro de Referência para ela tomar banho e eu conhecer o local. Feito isso,
fomos nós duas pra lá e no caminho ela novamente perguntou qual o objetivo da
nossa pesquisa. Falei que queríamos saber o que eles fazem para poder
23
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
conseguir o que comer, para poder ganhar dinheiro, quais são os recursos que
eles utilizam; E que para isso tínhamos que procurar conversar com a população
em situação de rua. Então, ela começou a me dizer que eles recebem muitas
doações, principalmente das pessoas que moram em torno da praça Raul Soares
e os conhecem um pouco. Há doações também de grupos religiosos, os espíritas
predominantemente. Toda noite estes passam nos locais onde tem uma maior
aglomeração de moradores de rua e doam algum alimento (ex: quentinha) ou
roupas. Esse é o principal meio de sobrevivência deles e a maioria não exerce
uma atividade no dia a dia.
O Centro de Referência fica na Avenida dos Andradas com o final da Araguari e
debaixo do viaduto lá do lado, diz a Savana, que ficam muitos moradores de rua
pedindo esmola para comprar crack e que na região só tem usuários. Chegamos
no Centro e, infelizmente, eu conheci pouco do local, porque precisava de uma
autorização da prefeitura para ter um conhecimento mais aprofundado, segundo
os funcionários. Mas deu para conhecer bem, pois o lugar não é muito grande e
Savana foi me mostrando o lugar aonde alguns vão para tirar um cochilo à tarde,
mostrou onde ficava a TV (eles sempre passam algum filme para as pessoas
assistirem). Mostrou onde ficava o banheiro, do lado tinha uma mesa de pingpong, lá no fundo tinha uma quadra e tinham armários para guardas os pertences.
Esperei ela tomar banho e fiquei observando o local e as pessoas que entravam
lá... Há uma regra que as pessoas que entram lá, se saírem não podem voltar no
mesmo dia, somente no outro. Savana voltou do banho e fomos embora para a
praça
4º dia
Data: 16/10/2014
Local: Praça Raul Soares
Horário: 12:50 às 15:00 - Conversa com Savana
24
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
Chegamos na praça e encontramos a Savana, seu grupo e mais dois amigos
dela: Mariana e um outro cujo nome não me lembro. no local de sempre. Savana
e Babalu foram para o Centro de Referência tomar banho. Ficamos conversando
com o Marcos, marido[6] da Babalu, que estava sob o efeito da maconha. Ele
disse que tem 24 anos, nasceu em Conselheiro Lafaiete/MG; trabalha como
servente na área da construção civil por influência do pai que era armador, mas
não trabalha a um mês. Marcos afirmou que ia retirar sua carteira de trabalho no
UAI (Unidade de Atendimento Integrado) da Praça Sete para poder pegar um
trampo[7].
Ele tem um filho de 4 anos que mora com a sua sogra em Palmital/MG, pois a sua
esposa faleceu no dia 15.10.13 em virtude de falência múltipla dos órgãos
decorrente de uma pneumonia dupla. A sua falecida esposa ficou internada em no
hospital Eduardo de Menezes no bairro Barreiro e estava inchada e com um tubo
largo na boca para respiração provavelmente.
Marcos disse que visita seu filho uma vez por mês e a sua sogra trabalha próximo
à Praça da Assembleia vigiando carros na rua, fato que chamou nossa atenção,
pois ele afirmou que o seu filho e a sua sogra vivem em Lafaiete. Ele afirmou que
invadiu um pequeno terreno em Palmital (a maioria dos terrenos na cidade são
invadidos) e que passou-o para o nome do filho. Marcos afirmou que gostaria de
morar no meio do mato, longe das pessoas e fumando maconha. Marcos, assim
como Babalu e Savana, disse que já foi viciado em crack, mas já parou tem três
anos, agora apenas bebe cachaça e fuma maconha e cigarro normal[8].
Babalu chegou sem a Savana e Marcos foi tomar banho no Centro de Referência.
Babalu sentou-se e começou a conversar conosco. Ela vai fazer 35 anos em 30
de outubro, nasceu em Altamira/Pará e a sua família vive em Macapá/Amapá.
Babalu deixou a sua cidade devido ao preconceito que enfrentou por ser travesti e
passou por diversas cidades até chegar em Belo Horizonte, onde está a cerca de
9 anos.
25
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
Ela afirmou que entrou em depressão e tentou suicídio jogando-se na frente de
um ônibus; ela não conseguiu fazê-lo, pois uma mulher a puxou e lhe ofereceu
crack, numa situação non sense. Babalu foi viciada em crack durante 7 anos e
parou de usar regularmente ao se olhar no espelho de um motel, quando na
época se prostituia, e ter uma conversa franca consigo, vendo que estava um
“lixo”. Ela afirmou que o seu companheiro foi assassinado na Praça Raul Soares
um mês antes, quando estava sentado em um banco debaixo da árvore próximo
ao local em que o seu grupo fica.
Após esse episódio, Babalu ficou dois dias sob efeito de calmante, cachaça e
crack. Ela conheceu o Marcos no dia 03 de outubro. Babalu indagou se nós lemos
a notícia no jornal sobre a morte do seu companheiro, nós dissemos que não e
ela mostrou um leve desapontamento[9]. Procuramos a notícia na internet e não
encontramos nada. Babalu afirmou que recebe o Bolsa Família no valor de
R$79,00 mensais e que, após 3 anos e 6 meses de tentativas, vai receber o Bolsa
Moradia no valor de R$500,00 mensais.
O recebimento do valor está condicionado a apresentação do recibo de
pagamento do aluguel do mês anterior e o dinheiro só começa a ser depositado
em uma conta na Caixa Econômica Federal após o beneficiário indicar 6 imóveis
possíveis para locação e a prefeitura enviar um arquiteto para avaliar o local que
deve ter no mínimo dois cômodos. Babalu afirmou que trabalha como cozinheira –
ela é a responsável por cozinhar na praça – e que não gosta de comida sem
tempero, como é servida algumas vezes no restaurante popular. Com apenas 8
anos aprendeu a cozinhar, com 9 trabalhava em um restaurante e com 10
começou a fazer faxina. Também sabe mexer com cabelo muito bem e exerce
essa atividade há 11 anos já. Trabalhou em vários salões e também sabe fazer
unhas. Nos finais de semana, ela faz faxina na casa de uma amiga perto da Praça
Raul Soares.
26
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
Babalu afirmou que os policiais a conhecem e não a abordam, como fazem com
outras pessoas em situação de rua na praça.
Colecionamos abaixo notícias sobre a presença das pessoas em situação de rua
na Praça Raul Soares que evidenciam a associação entre as pessoas em
situação de rua e o consumo de drogas ilícitas, a sujeira e o cometimento de
crimes. As pessoas em situação de rua não são consideradasusuárias ou
frequentadoras da praça, mas invasores. Diferentemente do exposto nas duas
reportagens, o relato da Babalu e da Savana não apontou para a discriminação
vinda da polícia e dos comerciantes e moradores das redondezas, mas para o
acolhimento e ajuda.
[1]Segundo Savana, dar um doce é criar uma armadilha para alguém.
[2]Savana disse que os homossexuais utilizam, entre si, artigos femininos antes
de nomes masculinos, por exemplo,“a Henrique”, “a Pedro”.
27
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
28
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
Já na Praça Afonso Arinos, por exemplo, as principais ocupações percebidas
foram as de guardador de carros, lavador de carros e reciclagem de materiais
(“catação”). Nesse espaço, realizaram seis idas e obtiveram relatos de nove
pessoas em situação de rua: Edson, Edmar, Rodolfo, Silvia, Vandeir, Wender,
Luciene, Pedro e Sérgio. Dessas, as oito primeiras são moradoras da praça e o
último utiliza a praça apenas como ambiente de trabalho e encontro. Luciene, no
oitavo mês de sua gestação, e Pedro, seu companheiro, conseguiram uma vaga
no Abrigo Pompeia e estão prestes a se mudar.
Egidia e Guilherme estabeleceram vínculos relativamente estáveis com o casal
Silvia e Edmar e seus amigos Vandeir e Wender, com quem conversaram ao
longo dos cinco últimos encontros. Banheiros públicos mais acessíveis com
condições para banho e higiene pessoal e alimentação nos finais de semana e
feriados foram as reivindicações apresentadas; trabalho formal foi a aspiração
mais recorrente. Há também Libério, senhor que trabalha na praça há trinta e três
anos, e que, mesmo não estando em situação de rua, sua entrevista é de valiosa
contribuição para a compreensão da organização do trabalho no ambiente. A
comunicação com Libério, todavia, ainda está sendo construída (por ser
concretamente estabelecida), uma vez que se mostra muito ansioso em cumprir
suas tarefas; outras horas se mostra esquivo ou instável mas interessado na
pesquisa.
Foi observado que, na praça, moram e trabalham, no mínimo, cinco outras
pessoas que vão se aproximando à medida que vencem algumas desconfianças
com relação a nós e ao nosso trabalho ali (e contatos com essas ainda serão
realizados). A praça apresentou um espaço rico de formas e relações de trabalho,
permeada por redes de solidariedade e alguns conflitos de convivência e sobre
questões (em torno) do trabalho. A dupla pretende, na continuidade, percorrer
demais praças, como, por exemplo, a Praça Rio Branco e a Praça Rui
Barbosa/Praça da Estação, mantendo visitas à Praça Afonso Arinos.
29
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
Isabela Furtado e Isabelle Curvo foram duas vezes a campo, optando pelo Parque
Municipal, entornos da Praça Sete de Setembro e a praça da Catedral Nossa
Senhora da Boa Viagem. Fizeram demoradas e profundas observações, mas
depararam com dificuldades em abordar grande parte das pessoas em situação
de rua que encontraram reunidas em grupos formados apenas por homens ou em
pontos de consumo de drogas. Na Praça Sete, conversaram com artesãos sobre
as tentativas de retirada pela Prefeitura, porém eles não estavam em situação de
rua. Tiveram um contato maior com Jailton no Parque Municipal. Ele contou-lhes
sobre sua trajetória, sua relação com as pessoas da cidade, com o trabalho e as
instituições de auxílio.
Ely Silva e Ana Paula Diniz optaram pela região do Mercado Central, Mercado
Novo, Restaurante Popular e rodoviária, especialmente após as 18h das sextasfeiras. O critério levou em conta a disponibilidade da dupla e a possibilidade de
poder observar o campo no horário do “rush” em início de final de semana, em
uma região conhecida como “perigosa”. Até o momento foram três idas a campo;
seis abordagens realizadas, sendo a primeira recusada de ser registrada e as
cinco demais permitidas e, inclusive, autorizadas a prosseguir com os trabalhos
de pesquisa. Na terceira semana, Isabelle acompanhou a dupla e pôde participar
da abordagem feita a Cida, conforme será relatado.
Um dos entrevistados é o senhor Azis, que vive debaixo do viaduto, próximo à
rodoviária. Desenvolve a atividade de catação de material reciclável. Foi
entrevistado duas vezes. Na terceira ida a campo, ele não se encontrava. Mas,
falaram com sua amiga, Cida, que agendou com a dupla um encontro para um dia
qualquer, desde que fosse mais cedo. Cida demonstrou interesse na pesquisa,
falou um pouco da sua história, e está disposta a contar sobre a sua vida na rua:
como criou os seus filhos vendendo balas, à época, por exemplo do Cine
Tamoios. João Evangelho é um senhor que foi entrevistado próximo ao
Restaurante Popular. O Sr. João veio de Rondônia para tratar de malária. No
momento da abordagem, ele estava com pressa, pois já era quase 20h e ele
precisava vender o seu material reciclável para o depósito, que fecharia às 20h.
30
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
Caso contrário, poderiam roubar dele, como já aconteceu: ele dormiu com cinco
sacos de latinhas e amanheceu sem nenhum. Alguém passou e levou tudo.
Combinaram de continuar a conversa outro dia, no restaurante popular.
Próximo também ao restaurante popular, entrevistaram um jovem de 34 anos,
chamado Vagner, que disse ser catador de material reciclável e lavador de carro.
Relatou que lavar carro é mais digno do que ser catador, pois lavar carro ganha
mais e só de conversar com as pessoas já é alguma coisa. Reclamou dos
equipamentos. Marcaram nova conversa em próximo dia , na rua Mato Grosso,
frente à UNA. Foram lá, mas não o encontraram. Próximo ao Mercado Central,
entrevistaram o senhor Fernando, que disse ser pedreiro, mas que, enquanto não
aparece serviço em construção civil, faz catação. Marcaram de conversar mais
vezes no restaurante popular. Uma diferença dele para os demais é que ele usa
luvas, diz não fazer uso de nenhum tipo de bebida alcoólica ou drogas e tem um
discurso evangélico emancipador muito forte.
5 Considerações
No próximo relatório ao Programa, entende-se que este esquema agora enviado
deverá ser complementado com análises teóricas mais consistentes.
Não se
pretende enviar apenas ocorrências e falas de campo, mas analisa-las à vista das
teorias e conteúdos de políticas públicas.
Isto não ocorreu neste atual relato, em razão dos atrasos da ida a campo por falta
de recursos indispensáveis para pagamento de estagiários e de transporte e dos
atrasos formais para início das pesquisas ligadas ao Programa.
31
______________________________________________________________________________
Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG /
CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]
Download

Trabalho da População em Situação de Rua