Conversando com seu filho sobre câncer 1. Introdução O período que se segue ao diagnóstico de câncer atinge a família inteira e exige uma grande adaptação por parte das pessoas que estão envolvidas com o doente. É um momento em que muitas decisões precisam ser tomadas: qual opção de tratamento escolher; como reorganizar a rotina doméstica, o orçamento familiar, a distribuição de tarefas; como lidar com os sentimentos provocados pelo conhecimento do diagnóstico, se os filhos deverão ou não saber; como, o que e quem falará com eles. Conversar com uma criança a respeito de um familiar que está com câncer tem sido uma tarefa difícil para muitos pais, por estarem tão preocupados e emocionalmente abalados que não se sentem aptos a falar com o filho e tampouco preparados para ajudá-lo a lidar com a notícia da doença. 2. Por que contar? Seu filho tem o direito de saber a respeito de qualquer assunto que afete a família da qual ele faz parte. Quando a verdade lhe é omitida, ele poderá sentir-se isolado, excluído das questões familiares. As crianças têm suas "antenas ligadas" que "captam" o clima pesado do ambiente. Mesmo que nada lhes seja dito, elas percebem que algo não vai bem. Se não sabem do que se trata, só poderão contar com a sua própria imaginação para tentar explicar o que está acontecendo. Suas fantasias podem ser ainda piores do que a realidade. Pode ser que seu filho venha a conhecer a verdade por outras pessoas, que poderão lhe passar uma versão distorcida da realidade. Ciente da verdade, seu filho terá a chance de lhe fazer perguntas sempre que surgirem dúvidas e poderá ser confortado quando sentir medo. Por mais que você queira, não há como proteger seu filho contra tristezas, mas vocês podem compartilhar os momentos tristes, apoiando-se mutuamente. Muitos pais se surpreendem ao verificar que a criança, muitas vezes, lida com a realidade com muito mais facilidade do que os adultos, que acabam sendo consolados por ela. 3. Quem deve contar? Você! Quem, senão você, conhece as características individuais do seu filho? É em você que ele confia, é com você que ele sabe que poderá sempre contar. Se, no decorrer da conversa, você chorar, não se preocupe; seu filho se sentirá à vontade para chorar também, se desejar. Não é preciso se fazer de forte; não adianta revelar a verdade e esconder seus sentimentos. Mas, se você sente que, neste momento, não está mesmo em condições de ter uma boa conversa com o seu filho, deixe esta tarefa para algum parente ou amigo em quem você e seu filho confiem e tenham uma relação próxima. 4. Quando contar? Pode parecer mais conveniente deixar esta conversa para depois. Afinal, há tantas providências a serem tomadas, que, neste momento, falar com a criança parece não ser tão importante. Procure resistir à tentação de protelar uma conversa franca e esclarecedora com o seu filho. Quanto antes ele souber o que está acontecendo, tanto melhor para todos. Logo após o diagnóstico, nem você sabe ainda o que virá pela frente; Conte o que você sabe, de forma objetiva, em uma linguagem que ele possa compreender. 5. Como Contar? Use uma linguagem simples e adequada, escolhendo palavras que já façam parte do vocabulário do seu filho. Respeite os sentimentos e opiniões da criança; incentivá-la a expressar o que está pensando e sentindo é uma das melhores maneiras de ajudá-la a enfrentar e elaborar os assuntos difíceis da vida. Responda às suas perguntas, à medida que elas forem surgindo. Seja honesto com relação àquilo que você não sabe. Procure não distorcer a verdade, com a intenção de evitar perguntas difíceis ou embaraçosas. O mais importante não é "falar tudo" ou "ter todas as respostas" e, sim, mostrar-se como uma pessoa em quem se pode confiar. Respostas falsas ou evasivas costumam desencorajar outras perguntas e podem levar a criança a imaginar algo muito pior do que a verdade. Demonstre atenção e interesse, agindo de modo que a criança perceba sua preocupação sincera com o seu bem-estar e a disposição para ajudá-la de todas as formas possíveis. Transmiti-lhe sentimentos de amor, compreensão, aceitação e respeito é tão importante quanto as palavras empregadas na comunicação. Expressar uma atitude de confiança e esperança frente à doença e seus tratamentos ajuda a criança a desenvolver essa atitude em si mesma, além de fazê-la sentir-se mais segura e apoiada. 6. Considerando a idade da criança O grau de maturidade da criança, sua idade e nível de compreensão são pontos fundamentais a serem considerados no momento de se decidir sobre a forma e a quantidade de informações que lhe serão transmitidas. Alguns aspectos do desenvolvimento infantil podem ser definidos por idade. Sabe-se, porém, que as crianças desenvolvem-se em ritmos diferentes. Por isso, é preciso considerar essa definição apenas como um ponto de referência e fazer as adaptações necessárias para cada criança. É importante lembrar que: o A descrição apresentada para uma idade pode não corresponder exatamente ao grau de maturidade do seu filho. o Uma criança pode estar descrita em mais de uma categoria. o Nenhuma categoria pode descrever satisfatoriamente uma criança. Até 2 anos de idade - A criança não é capaz de compreender uma doença como o câncer. Ela está envolvida com suas próprias sensações e com sua habilidade de controlar e interagir com os acontecimentos que a cercam. Dessa forma, mesmo que ela não compreenda o significado exato das palavras, associará os acontecimentos a um sentimento de segurança, apoio e aceitação. Quando uma criança não fala e/ou não compreende bem a linguagem, o agarrar, o tocar, o abraçar, o chorar e o se aproximar são quase que os únicos meios de ligação e comunicação disponíveis. Por esta razão, é muito importante estar atento a estes comportamentos, para poder atendê-la nos momentos em que ela estiver precisando de mais apoio, atenção e carinho. De 3 a 7 anos - a criança já é capaz de compreender o que é doença. Ela vê o mundo sob um único ponto de vista: o dela mesma - e pensa que o mundo gira à sua volta. Portanto, é muito importante que ela seja assegurada de que a doença não foi causada por algo que ela tenha feito, dito ou pensado. É preciso esclarecer que ela não é culpada pelo adoecimento de ninguém. Até os 5 anos de idade, a criança não tem noção de temporalidade. Quando falar sobre um período de tempo, recorra a exemplos concretos. De 7 a 12 anos - a criança ainda está limitada às suas próprias experiências, mas já é capaz de entender as relações entre situações. Assim, ela pode definir doença como uma combinação de sintomas. Nesta fase, a criança está menos propensa a associar a doença a algo que possa ter feito de errado. No entanto, é sempre aconselhável deixar isso claro durante as conversas. A explicação sobre o câncer já pode ser mais detalhada, devendo, sempre, incluir situações com as quais ela já esteja familiarizada. A partir de 12 anos - a criança já é capaz de entender a complexa relação entre os fatos. Seu entendimento não se limita às suas experiências, sendo-lhe possível compreender situações que ainda não tenha vivenciado. O câncer pode ser definido como uma doença em que algumas células do corpo multiplicamse desordenadamente e mais rápido do que outras, comprometendo o funcionamento normal do organismo e que o objetivo do tratamento é destruir essas células e/ou impedir que continuem crescendo. 7. Como manter a comunicação com o seu filho Para estabelecer uma boa comunicação e um bom relacionamento com a criança, sugerimos: Conversar várias vezes sobre os mesmos assuntos, pois a repetição permite à criança o esclarecimento das dúvidas, mal-entendidos, fazendo com que ela vá se acostumando à realidade que terá de enfrentar. Brincar com seu filho é uma boa maneira de observar seus sentimentos. Desenhando, brincando com bonecos ou fantoches, a criança poderá expressar seus medos e ansiedades, mostrando que precisa de mais apoio e atenção. Impor limites. Durante esse período, a criança poderá tentar desafiar os limites e as regras já estabelecidas em casa e na escola. Relaxar a disciplina poderá fazer com que a criança imagine que as coisas estão piores do que realmente estão. Procurar aceitar os sentimentos da criança, dizendo-lhe que é normal chorar, sentir tristeza, raiva e medo. Isso dará a ela a oportunidade de extravasar seus sentimentos. Encorajar a criança a falar sobre o que sente e pensa. As conversas em família são uma boa maneira de aliviar tensões e de ajudar a lidar melhor com as situações. Algumas vezes, a criança tem conhecimento de alguém que morreu de câncer. Como conseqüência, ela tem medo de perguntar se o membro da família que está doente vai sarar, pois teme a resposta. É importante que ela saiba que há diferentes tipos de câncer e que o que acontece a uma pessoa não precisa, necessariamente, acontecer à outra. Conviver com o câncer é viver na incerteza. Poderão surgir algumas questões para as quais você não terá respostas. Converse com seu filho sobre isto também. Procure fazer com que ele compreenda que situações desconhecidas e mudanças em sua rotina poderão ocorrer e que, juntos, saberão lidar com elas à medida que forem acontecendo. Por outro lado, tente fazer, na medida do possível, com que a vida da criança transcorra normalmente. Manter suas atividades sociais e escolares pode ajuda-la a entender que, apesar das adversidades, o mundo não pára. É importante lembrar que não é necessário ser um perito para falar com a criança sobre câncer. Caso ela faça uma pergunta para a qual você não tenha resposta, diga que não sabe, e convide-a para buscarem-na juntos.