SEQÜENCIAMENTO DO PROTO-ONCOGENE RET
Importância da identificação das mutações do proto-oncogene RET e sua atuação no
desenvolvimento dos diversos fenótipos das neoplasias endócrinas múltiplas tipo 2
As neoplasias endócrinas múltiplas tipo 2 (NEM 2) são síndromes de câncer, que
podem apresentar carcinoma medular da tireóide (CMT), feocromocitoma e/ou
hiperparatireoidismo (HPT), o que justifica suas classificações conforme as manifestações
clínicas presentes, em NEM 2A, NEM 2B e CMTF. (Tabela 1) A agressividade do CMT
difere entre estes subtipos, sendo que, em ordem crescente, CMTF < NEM 2A < NEM 2B.
O carcinoma medular da tireóide, responsável por 5 a 8% dos tumores malignos da
tireóide, é um tumor da crista neural derivado das células C parafoliculares, que produzem
principalmente calcitonina. O CMT pode ter origem esporádica (75 a 80%) ou hereditária
(20 a 25%), com herança autossômica dominante, sendo a primeira manifestação
neoplásica da NEM 2, devido a sua precocidade e alta penetrância (90%) e também a
principal causa de morbidade.
Tabela 1: Classificação da NEM 2 conforme as principais manifestações clínicas presentes
e suas freqüências (%) de ocorrência
NEM 2A
CMT (95%)
Feocromocitoma (30-50%)
HPT (10-20%)
NEM 2B
CMT (90%)
Feocromocitoma (50%)
Ganglioneuromatose (100%)
Hábitos marfanóides (65%)
CMTF
CMT (100%) isolado em
no mínimo 4 membros da
mesma família
A NEM 2A, forma mais comum da NEM (90% dos casos), surge freqüentemente
entre os 30 e 50 anos. Provém das mutações do RET que modulam a dimerização da
proteína tirosino quinase, cujo resultado são diferentes fenótipos. A NEM 2B consiste
numa variante extremamente agressiva (5% dos casos) e precoce, que se manifesta por
CMT em 90% dos casos, feocromocitoma em 50%, além de anormalidades de
desenvolvimento, incluindo hábitos marfanóides (dedos e extremidades longas),
ganglioneuromas na língua, lábios e olhos e distúrbios do trato gastrointestinal (diarréia,
constipação, obstrução intestinal, etc). Na NEM 2B, há alteração das propriedades
catalíticas da proteína RET. O carcinoma medular da tireóide familiar (CMTF) é
caracterizado pela presença isolada de CMT em múltiplos membros da família (quatro ou
mais). Apresenta menor agressividade e idade de manifestação mais tardia.
A GENÉTICA DA NEM 2
A NEM 2, uma síndrome autossômica dominante com penetrância dependente da
idade, está relacionada ao estado ativado do proto-oncogene RET, através de mutações
missense localizadas principalmente nos exons 10, 11, 13, 14, 15 e 16. As mutações do
RET são encontradas em 95% dos casos índices de NEM 2, quando o screening genético é
desenvolvido rigorosamente e tem sido consideradas como a causa básica da NEM 2.
A proteína RET é constituída por 3 domínios (Figura 1):
1. Domínio extracelular, constituído por regiões ricas em cisteínas, é codificado pelos
primeiros 11 exons do gene. Mutações nestas cisteínas, transcritas dos codons 609, 611,
618, 620 do exon 10 e 634 do exon 11, prejudicam as ligações intramoleculares e passam a
favorecer ligações bissulfeto intermoleculares, viabilizando a dimerização e fosforilação da
proteína tirosino quinase RET, tornando-a ativa, mesmo na ausência de ligantes.
2. Domínio transmembrana
3. Domínio intracelular, com função na fosforilação de resíduos tirosina. Mutações nos
codons 768 e 790 do exon 13 e 804, 883 e 918 dos respectivos exons 14, 15 e 16 alteram
diretamente o sítio de reconhecimento do substrato no interior do domínio tirosino quinase,
aumentando sua afinidade com o ligante ou alterando sua especificidade; o que resulta
numa variante precoce de CMT, freqüentemente fatal, quando acomete nódulos linfáticos e
órgãos à distância.
Domínio extracelular:
NEM 2A e CMTF
Domínio transmembrana
Domínio intracelular:
NEM 2B e CMTF
Figura 1: Representação esquemática dos exons 10, 11, 13, 14 e 16 do proto-oncogene
RET. Falchetti, A; Brandi, M.L. 1998.
GENÓTIPO VERSUS FENÓTIPO
As mutações codons específicas do RET têm relação direta sobre os diversos
fenótipos da NEM 2 (tabela 2), observando que a freqüência de cada mutação é estipulada
pelo background genético da população em estudo e que a agressividade do tumor
relaciona-se ao tipo de mutação apresentada. Assim, o CMT é estratificado por grau de
risco 1, 2, e 3 (tabela 3). Em adição, mutações somáticas no proto-oncogene RET,
principalmente M918T no exon 16 e S836S no exon 14, tem sido encontradas nos casos
esporádicos de CMT, enquanto mutações germinativas do RET são encontradas em 40%
dos casos de doença de Hirschsprung familiar e em 3 a 7% dos casos esporádicos desta.
Tabela 2: Mutações no Proto-oncogene RET e seus respectivos fenótipos de NEM 2.
Exon
10
Codon
609*
Aminoácido
Fenótipo
Cys para Arg
NEM 2A, CMTF
Cys para Tyr
NEM 2A
Cys para Tyr
NEM 2A
611*
Cys para Trp
NEM 2A, CMTF
Cys para Gly
CMTF
Cys para Phe
NEM 2A
618*
Cys para Ser
NEM 2A, CMTF
Cys para Ser
NEM 2A, CMTF
Cys para Gly
NEM 2A
Cys para Arg
NEM 2A, CMTF
Cys para Tyr
NEM 2A, CMTF
Cys para Stop
NEM 2A
Cys para Arg
NEM 2A, CMTF
620*
Cys para Tyr
NEM 2A
Cys para Phe
NEM 2A
Cys para Ser
NEM 2A
Cys para Gly
NEM 2A
Cys para Phe
CMTF
11
630
Cys para Tyr
NEM 2A, CMTF
634*
Cys para Arg
NEM 2A
Cys para Phe
NEM 2A, CMTF
Cys para Gly
NEM 2A
Cys para Trp
NEM 2A
Cys para Ser
NEM 2A
Cys para Ser
NEM 2A, CMTF
Glu para Asp
CMTF
13
768*
Leu para Phe
NEM 2A, CMTF
790
Leu para Phe
NEM 2A, CMTF
Tyr para Phe
CMTF
791
Val para Leu
CMTF
14
804*
Val para Met
NEM 2B
Tyr para Cys
NEM 2B
806
Ala para Phe
NEM 2B
15
883
Ser
para
Ala
CMTF
891
Met para Thr
NEM 2B
16
918*
*O símbolo representa as mutações do proto-oncogene RET, reconhecidas pelo
International RET Mutation Consortium, por estarem envolvidas na etiologia das
Síndromes de Neoplasias Endócrinas Múltiplas.
Tabela 3: Classificação do risco de desenvolvimento de NEM 2 e seus componentes,
de acordo com o genótipo RET dos pacientes portadores
Nível de risco
Codon com
Fenótipo
Conseqüências
de NEM 2
mutação
associado
609
* CMT de comportamento variável
768
* CMT de crescimento lento
1
790
NEM 2A e
* Idade mais tardia
CMTF
* Tireoidectomia total, mas não há
(Baixo)
791
804
consenso sobre a idade adequada
891
611
* Risco alto de CMT
2
618
NEM 2A e
* Tireoidectomia antes dos 5 anos de
(Alto)
620
CMTF
idade
634
883
* Maior agressividade do CMT
3
918
* Tireoidectomia nos 6 primeiros meses
(Muito alto)
922
NEM 2B
de vida com dissecção nódulo central
Fonte: Brandi et al, 2001
NEM 2 - DIAGNÓSTICO E ACOMPANHAMENTO
Baseando-se em resultados bioquímicos e genéticos, a efetuação de um diagnóstico
prematuro viabiliza a intervenção cirúrgica em tempo hábil, o que pode prevenir a evolução
de metástases do CMT e também aumentar a sobrevida do paciente. Conseqüentemente,
diferentes protocolos de acompanhamento para indivíduos portadores ou não das mutações
são utilizados. Estas melhorias ampliam-se quando a análise laboratorial pode ser somada a
uma detalhada história familiar. Por outro lado, muitas vezes é a história familiar que
desperta a iniciativa de se realizar os testes e que leva à conscientização da necessidade de
medidas preventivas.
É importante estar claro que tanto os testes genéticos quanto bioquímicos
apresentam vantagens e desvantagens e que quando desenvolvidos isoladamente não
permitem uma avaliação clínica eficaz do paciente e sua família. Na verdade, o papel de um
é complementar o outro, de forma que juntos possam fornecer informações úteis e
personalizadas na rastreabilidade, no estabelecimento do grau de risco, na prevenção, no
diagnóstico e na monitorização das famílias com membros afetados pela neoplasia
endócrina múltipla.
Testes bioquímicos
Habitualmente, o screening bioquímico é empregado para identificar manifestações
clínicas da NEM 2 em indivíduos com um risco de desenvolvê-las. Calcitonina é o
marcador mais empregado no screening bioquímico. A periodicidade da monitorização
bioquímica é ditada pelo tipo de NEM 2 presente, pelo genótipo do RET e pelas
manifestações clínicas da família.
Os testes bioquímicos apresentam importância clínica na rastreabilidade fenotípica
da doença, no acompanhamento pós-cirúrgico e na avaliação de indivíduos afetados ou não,
mas não é rara a ocorrência de resultados falso-positivos e falso-negativos, além da
interpretação de níveis de calcitonina elevada em crianças ser ainda um pouco obscura. Em
adição, estes testes não são capazes de determinar a predisposição hereditária à doença e
nem o risco de seu desenvolvimento em pacientes assintomáticos. Um resultado negativo
nos testes bioquímicos não exclui o risco de uma família afetada desenvolver a doença.
Testes genéticos
A recomendação da análise genética deve ser feita a todos indivíduos afetados e
também a seus ascendentes e descendentes diretos, caso alguma mutação esteja presente.
Isso permite a identificação de portadores de mutações no proto-oncogene RET,
previamente ao início da sintomatologia e da morbidade e relacionadas. Geralmente, o
prognóstico de pacientes NEM 2 é melhor quando o diagnóstico é precoce e há intervenção
terapêutica em tempo hábil.
Um indivíduo não portador de mutações no proto-oncogene RET, mas pertencente a
uma família com histórico de NEM 2, apresenta baixo risco de desenvolver a doença e deve
passar por monitorização bioquímica esporádica. Contudo, se um indivíduo é portador de
alguma mutação no RET, este deve ser submetido a tireoidectomia total profilática e a
análise bioquímica para feocromocitoma e HPT periodicamente, antes do aparecimento dos
sintomas e da disseminação linfática.
A recomendação de testes genéticos também se estende a CMT esporádicos, na
tentativa de excluir ou incluir a hereditariedade do tumor em casos sugestivos, mas que
envolvam famílias com poucos membros, tempo insuficiente para as manifestações do
feocromocitoma ou do HPT, história familiar desconhecida e/ou ocorrência de mutações de
novo. Portanto, em algumas situações, os resultados dos testes genéticos induzem à
reclassificação do paciente quanto ao tipo de tumor apresentado, sendo comum o encontro
de tumores hereditários entre tumores aparentemente esporádicos.
Testes genéticos: por quê fazê-los?
• Identificação e intervenção precoces
melhoram o prognóstico do CMT
• Tratamento precoce com
tireoidectomia profilática é bem
tolerada
• Maior taxa de resultados verdadeiros
positivos
• Menor taxa de falso positivos e
negativos
• 98% de casos índices de NEM 2 tem
uma ou mais mutações RET
• 1-7% dos tumores esporádicos
apresentem mutações RET
Testes genéticos: quando são indicados?
• Todos casos de CMT esporádicos
• Suspeita de CMT hereditário
• Casos índices de NEM 2 e suas famílias
• NEM 2B
• Casos de feocromocitoma familiar e
esporádico
• HPT familiar
• HSCR pediátrico
Prevenção
Apesar de ainda não existir um consenso quanto a melhor idade para a
tireoidectomia profilática, a maioria dos estudos sugerem que esta seja realizada na
infância, visando remover a glândula antes que a displasia das células C progrida para
carcinoma medular e que ocorra disseminação linfática. Há diversos centros de estudo
investigando a possibilidade de alguma relação entre mutações específicas e época mais
adequada para a cirurgia, o que pode contribuir para a diminuição das dissecções de cadeia
linfinodal central e, conseqüentemente, para um menor índice de morbidade após cirurgia e
maior taxa de cura.
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