http://dx.doi.org/10.5540/DINCON.2011.001.1.0058 227 FLUXO DE CARGA DESACOPLADO RÁPIDO CONTINUADO PARA DETERMINAÇÃO DO PONTO DE MÁXIMO CARREGAMENTO DE SISTEMAS ELÉTRICOS DE POTÊNCIA PARTE I: DESENVOLVIMENTO TEÓRICO Elisabete de Mello Magalhães 1, Alfredo Bonini Neto 2, Dilson Amancio Alves 3 1 2 UNESP - Departamento de Engenharia Elétrica, Ilha Solteira – Brasil, [email protected] UNESP - Departamento de Engenharia Elétrica, Ilha Solteira – Brasil, elisabete.magalhã[email protected] 3 UNESP - Departamento de Engenharia Elétrica, Ilha Solteira – Brasil, [email protected] Resumo: O método de fluxo de carga desacoplado rápido (FCDR) é considerado inadequado para a obtenção do ponto de máximo carregamento de sistemas elétricos de potência. No entanto, neste trabalho mostra-se, que com pequenas modificações, a versão BX do fluxo de carga desacoplado rápido torna-se adequada para a obtenção desse ponto. Palavras-Chave: Fluxo de carga desacoplado rápido, curva P-V, método da continuação. 1. INTRODUÇÃO A crescente preocupação com os problemas relacionados com a instabilidade estática de tensão se deve à sua importância para o planejamento e a operação dos sistemas elétricos de potência. Fatores como o crescente aumento da demanda de energia, a transferência de elevadas quantidades de potência para atender o consumo, aliados as exigências econômicas e ambientais têm, em geral, levado os sistemas a operarem próximos de seus limites, com reduzidas margens de carregamento, ou seja, os sistemas tornam-se vulneráveis a possíveis ocorrências de instabilidade de tensão. A margem de estabilidade é definida como o maior aumento de carga que o sistema pode ter, sem provocar o colapso de tensão. O levantamento da curva P-V é considerado o procedimento mais adequado para a determinação das margens de estabilidade estática de tensão. Assim, entre os objetivos fundamentais dos métodos de análise da estabilidade estática de tensão está a obtenção do ponto de máximo carregamento (PMC) dos sistemas de potência. Os métodos mais utilizados para o traçado das curvas PV são o fluxo de carga convencional (FC), e o fluxo de carga continuado (FCC) que associa o método de Newton a um método da continuação [1]. O primeiro, considerado robusto, converge quase sempre e com poucas iterações, mas devido à singularidade da matriz Jacobiana no PMC, este não possibilita precisar o PMC devido aos problemas numéricos que surgem em torno deste. Para carregamentos maiores que o do PMC, as equações de FC não têm solução. Por outro lado, o FCC [1-11] composto por quatro elementos básicos (o passo preditor, o passo corretor, um controle de passo e a parametrização) procura garantir através da parametrização, a não singularidade da matriz Jacobina (J) no PMC e com isso, a eliminação dos problemas numéricos que ocorrem em torno deste. Assim, possibilita-se que os mesmo algoritmos, com precisão simples, sejam usados tanto na vizinhança quanto no próprio PMC. Dessa forma, o traçado completo do perfil de tensão é efetuado variando automaticamente o valor de um determinado parâmetro do sistema, sem preocupação com as singularidades das equações do fluxo de carga. Em geral, o fluxo de carga usando o método de Newton desacoplado (FCND), derivado do FC convencional e presente na literatura [12], no qual se pode fazer uso de dois algoritmos de resolução o simultâneo e o alternado, apresenta um fraco desempenho para o traçado de curvas PV e falha na obtenção do PMC de sistemas elétricos de potência. Em [13] foi apresentado o fluxo de carga utilizando o método de Newton desacoplado continuado (FCNDC), utilizando o algoritmo alternado de resolução, propiciando a determinação do PMC de sistemas elétricos de potência sem problemas relacionados à singularidade da matriz J. Visando maior rapidez e robustez para o traçado das curvas P-V, surgem os FC desacoplado rápido (FCDR). As simplificações introduzidas na matriz Jacobiana do FC pelo método de Newton deram origem às versões BX e XB do método de FCDR [14]. O amplo uso do método de FC desacoplado rápido convencional, para cálculos de FC, é devido a suas características de velocidade de convergência e pouca necessidade de memória computacional. Em função destas vantagens, sempre há um interesse por parte das concessionárias em usá-lo nos algoritmos em geral e, particularmente, associado ao método da continuação. O intuito é o de reduzir a carga computacional exigida para o traçado das curvas P-V. Em [15] foram apresentados os métodos de FCDR parametrizados, usando Vk ou k, de uma barra k qualquer, ou como parâmetro. Neste trabalho apresenta-se o fluxo de carga desacoplado rápido continuado modificado (FCDRCM) na versão BX [16], a qual consiste na adição de uma equação de reta que passa por um ponto no plano formado pelas variáveis: tensão nodal de uma barra k (Vk) qualquer e o fator de carregamento (). O uso dessa técnica elimina a necessidade de troca de parâmetro ao longo do traçado da curva P-V, e amplia o grupo das variáveis de tensão que podem ser 228 FLUXO DE CARGA DESACOPLADO RÁPIDO CONTINUADO PARA DETERMINAÇÃO DO PONTO DE MÁXIMO CARREGAMENTO DE SISTEMAS ELÉTRICOS DE POTÊNCIA PARTE I: DESENVOLVIMENTO TEÓRICO Elisabete de Mello Magalhães, Alfredo Bonini Neto, Dilson Amancio Alves adotadas para a composição da equação da reta. Nesta metodologia o coeficiente angular da reta () será utilizado como parâmetro. O FCDRCM é utilizado no traçado das curvas P-V dos sistemas: IEEE 118 e 300 barras, e duas configurações do sistema Sul-Suldeste Brasileiro: de 638 e 787 barras. Os resultados e discussões, que são apresentados na parte II desse trabalho [17], comprovam a eficiência do método desacoplado proposto na obtenção do PMC. 2. FLUXO DE CARGA CONTINUADO Nos estudos de estabilidade estática de tensão, o sistema elétrico de potência é representado pelo seguinte conjunto de equações de FC: G ( θ , V , λ ) 0 , ou ΔP ( θ , V , λ ) λ P esp P ( θ , V ) 0 (1) ΔQ ( θ , V , λ ) λ Q esp Q ( θ , V ) 0 sendo o fator de carregamento, V o vetor das magnitudes das tensões nodais e o vetor do ângulo das tensões nodais, Pesp o vetor da diferença entre as potências ativas gerada (Pgesp) e consumida (Pcesp) para as barras de carga (PQ) e de geração (PV), e Qesp o vetor da diferença entre as potências reativas gerada (Qgesp) e consumida (Qcesp) para as barras de carga PQ. ∆P e ∆Q são denominados resíduos (mismatches) de potência ativa e reativa, respectivamente, P(θ,V) e Q(θ,V) corresponde as equações não lineares de potência ativa e reativa para cálculo dos vetores V e θ. Para uma barra k qualquer, Pk(θ,V) e Qk(θ,V) são dados por: Pk , V G k Vk2 Vk Vl g kl cosθ kl b kl senθ kl , k PQ, PV l k Q k , V B k Vk2 Vk Vl g kl senθ kl b kl cosθ kl , k PQ, l k sendo k o conjunto de todas as barras diretamente conectadas à barra k, (Yk,k=Gk+jBk) o elemento da diagonal k da matriz admitância nodal (Y), e (Ykl=gkl+jbkl) à admitância série do ramo que conecta as barras k e l. Após a definição de um padrão de variação da carga e de uma estratégia de despacho da geração, realiza-se o traçado da curva P-V por meio de sucessivas soluções de (1) utilizando um FC. Nesse procedimento, P e Q, são as variáveis independentes, enquanto que V e θ, excetuando V e θ da barra referência e as V das barras PV, são as variáveis dependentes. Com a inclusão de como variável em (1), o sistema resulta em n equações e n+1 incógnitas. Assim, qualquer uma das n+1 incógnitas pode ser definida como parâmetro. No caso em que é tratado como variável independente no processo iterativo de Newton, isto é, quando ele for usado como parâmetro e seu valor for prefixado, a linearização da equação (1) de acordo com o método de Newton fornece: P H N Q M L V J V (2) onde as submatrizes que compõem a matriz Jacobiana J são representadas por H=P/, N=P/V, M=Q/ e L=Q/V. P e Q correspondem aos mismatches de potências ativa e reativa, respectivamente, enquanto V e correspondem às correções das magnitudes e ângulos das tensões. A parametrização fornece uma forma de identificar cada solução ao longo da trajetória a ser obtida. O PMC é obtido, p.ex., através do incremento gradual de , adotado como parâmetro, a partir do caso base (=1) até um valor para o qual não mais se obtenha solução (o processo iterativo do FC não converge). Em geral, nesse ponto, realiza-se um controle de passo que consiste numa simples redução no incremento (no passo) de e a nova solução é obtida a partir da última solução convergida. O PMC é considerado como sendo o último ponto convergido, após sucessivas repetições desse procedimento. Entretanto, conforme já comentado, a divergência do FC é consequência da singularidade da matriz J de (1) no PMC e, portanto, não será possível determiná-lo precisamente. Como visto anteriormente diversos autores propuseram diferentes implementações dos conhecidos métodos da continuação para superar as dificuldades numéricas introduzidas pela singularidade da matriz J e possibilitar a determinação do PMC. Entre os muitos métodos descritos na literatura, o mais amplamente utilizado consiste de quatro elementos básicos: um procedimento de parametrização, um passo preditor, um controle de passo e um passo corretor. 3. FLUXO DE CARGA PARAMETRIZADO POR Vk CONTINUADO Para se superar as dificuldades numéricas devidas à singularidade de J no PMC, é necessária uma mudança de parâmetro de forma que a nova matriz Jacobiana não apresente singularidade no PMC, e de preferência em toda sua vizinhança. De acordo com [18], a curva P-V completa pode ser obtida considerando a magnitude da tensão como parâmetro, sendo considerado como variável dependente. Em [5] mostrou-se que os ângulos das tensões também podem ser escolhidos como parâmetro. Conforme ilustra a figura 1, na curva P-V a tensão está continuamente decrescendo à medida que o carregamento se aproxima do PMC. Assim, a tensão de uma determinada barra poderia ser prefixada e a respectiva solução determinada. Para alcançar este objetivo, conforme apresentado na [19] foi proposto a utilização da magnitude de tensão de uma barra k, Vk, como parâmetro, e nesta condição a aplicação do método de Newton à equação (1) resultaria em: P Q H M H M P esp V' L1 Q esp N' V' J V V' L' N1 (3) onde o vetor V' não contém o elemento Vk, o qual é substituído por . As submatrizes N' e L' diferem das N e L da equação (2) apenas na coluna k na qual as derivadas de P e Q com relação à Vk foram substituídas pelas derivadas 229 Tabela 1. Características dos sistemas SUL/SULDESTE. Sistema Barras Circuitos Transformadores Carga Geração 638 540 98 1221 55 787 675 112 1309 86 Os métodos FCDR parametrizados apresentados em [19] apresentaram um bom desempenho para os sistemas teste do IEEE analisados: de 14, 30, 57 e 118 barras. Por outro lado, quando avaliados para o traçado das curvas P-V de sistemas como o IEEE-300 barras e os apresentados na tabela 1, apresentaram um fraco desempenho, falhando não só na obtenção da curva P-V, mas em algumas situações até mesmo para o caso base. Nesse sentido nesse trabalho são propostas pequenas modificações visando possibilitar o traçado das curvas P-V para sistemas com as características acima mencionadas. 4. FLUXO DE CARGA DESACOPLADO RÁPIDO CONTINUADO Na metodologia proposta à técnica de parametrização utilizada é desenvolvida a partir da técnica de parametrização geométrica apresentada em [13]. Na técnica proposta acrescenta-se a (1), uma equação de reta que passa por um ponto escolhido (0, Vk0) no plano formado pelas variáveis fator de carregamento () e magnitude da tensão nodal (Vk) de uma barra k qualquer: R(Vk, , )=( Vk1- Vk0)- ( 1-0,)=0 (4) Obtém-se assim o seguinte sistema de equações: Δ P (θ, V , λ)=λP esp - P(θ, V )=0 Δ Q (θ, V , λ)=λQ esp -Q(θ, V )=0 (5) Δ R (Vk , λ)=(Vk -Vk0 )-α(λ-λ 0 )=0 sendo o coeficiente angular da reta. Com a adição de mais uma equação (R), pode ser tratado como uma variável dependente e é considerada uma variável independente, ou seja, escolhida como parâmetro da continuação (seu valor é prefixado). Assim, o número de incógnitas é igual ao de equações, isto é, a condição necessária para que se tenha solução é atendida, desde que a matriz tenha posto máximo (seja não singular). Observa-se que a prefixação do valor de corresponde à técnica de previsão trivial ou polinomial modificada de ordem zero [1]; [6]. Conforme apresentado em [13], calcula-se o valor inicial de 1 a partir das coordenadas de um ponto inicial escolhido O (0, Vk0) e dos seus respectivos valores obtidos para um caso base P (1=1, Vk1), o que pode ser observado na figura 1, 1=( Vk1- Vk0)/( 1-0). caso base P (λ1, V 141 ) 1 Tensão [p.u.] com relação à nova variável . Procedendo desta forma a nova matriz Jacobiana JV não apresentará singularidade, resultando num método mais robusto não só no ponto em questão, mas ao longo de toda a curva. Um ponto importante na avaliação dos métodos de fluxo de carga desenvolvidos é a verificação dos seus desempenhos durante a simulação de sistemas reais de grande porte, tais como é o caso das duas configurações do sistema Sul-Suldeste Brasileiro, a configuração de 638 barras e a de 787 barras. Suas principais características são apresentadas na tabela 1. 0.8 PMC 0.6 0.4 α1 ponto escolhido 0.2 0 O (λ0, V 140 ) 0 0.5 1 1.5 Fator de carregamento, λ 2 Fig. 1. Reta inicial que passa por um ponto escolhido O (0, Vk0) e o ponto do caso base P (1, Vk1) no plano λ- Vk. A partir do sistema de equações (5), a versão BX para o FCDRCM passa a ser: B' P (6) V Q B "m R em que: G B" Q iesp i Piesp B "m Bi e k (7) onde B″ é a matriz da versão BX do FCDR convencional [12]; [14] ; [19]. Gi e Bi são os elementos da diagonal das matrizes de condutância e suceptância nodal correspondente as barras PQ (i {barras PQ}), ek é um vetor com todos elementos nulos, exceto na coluna em que a variável será escolhida para determinar o plano em que se encontra o feixe de retas para o traçado da curva P-V e α que é o coeficiente angular da reta e será o parâmetro da continuação. 4.1. Procedimento Geral para Traçado da Curva P-V Em função das análises realizadas definiu-se o seguinte procedimento geral para o traçado da curva -Vk: 230 FLUXO DE CARGA DESACOPLADO RÁPIDO CONTINUADO PARA DETERMINAÇÃO DO PONTO DE MÁXIMO CARREGAMENTO DE SISTEMAS ELÉTRICOS DE POTÊNCIA PARTE I: DESENVOLVIMENTO TEÓRICO Elisabete de Mello Magalhães, Alfredo Bonini Neto, Dilson Amancio Alves 1. Obtenha o ponto "P" para o caso base utilizando o FC convencional e calcule o correspondente valor do coeficiente angular da reta (1) que passa pelo ponto escolhido "O"(Vk0=0,0 p.u., 0=0,0), e pelo ponto "P"(1=1, Vk1); 2. Obtenha os próximos pontos da curva -Vk aumentando gradualmente o valor de , i+1=i + com =0,05; 3. O PMC foi encontrado então pare o processo, caso contrário retorne para o passo (1). As coordenadas iniciais do centro do feixe de retas, ponto "O", foram escolhidas de modo a possibilitar o traçado da curva P-V de qualquer sistema desejado. As justificativas para sua escolha podem ser encontradas em [13]. Para esta metodologia foram utilizadas as coordenadas (0, 0) para o ponto “O”. Outro ponto importante do FCDRCM é manter o parâmetro α constante durante o traçado da curva P-V. A constatação de que o PMC foi alcançado é feita com base na troca de sinal da variável . 4. CONCLUSÃO Este trabalho apresentou o equacionamento do FCDRCM para o traçado completo da curva P-V utilizando como parâmetro o coeficiente angular da reta que passa por um ponto no plano formado pelas variáveis: tensão nodal de uma barra k qualquer e o fator de carregamento. O uso dessa técnica elimina a necessidade de troca de parâmetro ao longo do traçado da curva P-V, e amplia o grupo das variáveis de tensão que podem ser adotadas para a composição da equação da reta. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem o apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). REFERÊNCIAS [1] R. Seydel, "From Equilibrium to Chaos: Practical Bifurcation and Stability Analysis", 2ª ed., New York: Springer-Verlag, p. 407, 1994. [2] P. Kundur, “Power System Stability and Control”. New York: McGraw-Hill, 1993, 1176p. [3] T. Van Cutsen, e C. Vournas. “Voltage Stability of Eletric Power System”, Kluwer Academic Publishers, Boston, 1998. [4]DOI C.A.Cañizares,F. L. Alvarado, C. L. DeMARCO, I. Dobson, W. F. Long, “Point of Collapse Methods Applied to AC/DC Power Systems”. IEEE Trans. on Power Systems, v. 7, n. 2, p. 673-683, 1992. [5]DOI V.A.Ajjarapu, C.Christy, “The Continuation Power Flow: a Tool for Steady State Voltage Stability Analysis”. IEEE Trans. on Power Systems, v. 7, n. 1, 1992, p.416-423. 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