ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DOS CRÉDITOS TRABALHISTAS Sergio Pinto Martins SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Histórico. 3 Denominação. 4 Atualização Monetária dos Débitos Trabalhistas. 5 Conclusão. 1 Introdução A finalidade do presente artigo é verificar se a atualização monetária para débitos trabalhistas, prevista no art. 39 da Lei nº 8.177/91, que estabelece a correção monetária com base na variação da TRD, ainda é válida. 2 Histórico O art. 193 da Constituição de 1946 permitia o reajuste salarial dos funcionários públicos inativos na ocorrência de perda do poder aquisitivo da moeda. A Lei nº 4.357, de 16 de julho de 1964, instituiu a atualização monetária de débitos fiscais, em razão das variações do poder aquisitivo da moeda nacional (art. 7º). Objetivava-se que os contribuintes fossem pontuais no pagamento dos tributos. Previa o § 1º do art. 7º que “o Conselho Nacional de Economia fará publicar no Diário Oficial no segundo mês de cada trimestre civil a tabela de coeficientes de atualização a vigorar durante o trimestre civil seguinte, e a correção prevista neste artigo será feita com base na tabela em vigor na data em que for efetivamente liquidado o crédito fiscal”. Afirmou Francisco de Castro Neves: “tenho para mim que jamais teria ocorrido, em nosso país, fato social de tal relevo, no que respeita ao comportamento dos cidadãos perante o Poder Público, pois estivemos, na verdade, diante de um curioso ato público de constrição coletiva, envolvendo dezenas de milhares de contribuintes, em uma quase alucinante corrida aos cofres públicos, 1 para a liquidação de obrigações fiscais”1. O Decreto-Lei nº 1.281/73 deu nova redação ao § 1º do art. 7º: “O Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, de acordo com o art. 7º, da Lei nº 5.334, de 12 de outubro de 1967, fará publicar, mensalmente, no Diário Oficial, a atualização dos coeficientes de variação do poder aquisitivo da moeda nacional, e a correção prevista neste artigo será feita com base no coeficiente em vigor na data em que for efetivamente liquidado e crédito fiscal”. O Decreto-Lei nº 75, de 21 de novembro de 1966, dispôs sobre a correção monetária dos débitos de natureza trabalhista. Os débitos de salários, indenizações e outras quantias devidas a qualquer título pelas empresas abrangidas pela Consolidação das Leis do Trabalho e pelo Estatuto do Trabalhador Rural, aos seus empregados, quando não liquidados no prazo de 90 dias contados das épocas próprias, ficam sujeitas à correção monetária, segundo os índices fixados trimestralmente pelo Conselho Nacional de Economia (art. 1º). Naquele momento, considerava-se como época própria: I – quanto aos salários, até o décimo dia do mês subsequente ao vencido, quando o pagamento for mensal; até o quinto dia subsequente, quando semanal ou quinzenal; II – quanto às indenizações correspondentes a rescisão do contrato de trabalho, sem justa causa, o dia em que aquela se verificar ou for declarada por sentença; III – quanto a outras quantias devidas aos empregados, até o décimo dia subsequente à data em se tornarem legalmente exigíveis (art. 2º). Com o advento do Decreto-Lei nº 2.322/87, o cálculo da correção monetária passou a ser feito com base na variação das Obrigações do Tesouro Nacional (OTN), conforme § 1º do art. 3º. A partir de fevereiro de 1989, serão atualizados monetariamente pelos mesmos índices que forem utilizados para atualização dos saldos dos depósitos de poupança os débitos decorrentes da legislação do trabalho não pagos no dia do vencimento (art. 6º, V, da Lei nº 7.738/89). 1 NEVES, Francisco de Castro. Aspectos legais da correção monetária. Problemas brasileiros, São Paulo, n. 25, p. 2. 2 A jurisprudência dos Tribunais de Justiça foi estabelecendo a correção monetária dos débitos judiciais em razão da inflação, até que foi editada a Lei nº 6.899/81. O objetivo da correção monetária é recompor o valor da moeda em decorrência da inflação, preservando seu poder de compra. Dispõe o art. 39 da Lei nº 8.177/91 que “os débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo empregador nas épocas próprias assim definidas em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual sofrerão juros de mora equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento”. A Lei nº 8.177/91 revogou o Decreto-Lei nº 75/66 (art. 44). Pouco importa se da sentença constou ou não que o pagamento será feito com correção monetária ou juros. Mesmo não havendo pedido e não constando da sentença, é possível a execução de juros e correção monetária (Súmula nº 211 do TST). O § 1º do art. 39 da Lei nº 8.177/91 corroborou o entendimento jurisprudencial, determinando da mesma forma2. A partir de 1º de maio de 1993, a Taxa Referencial Diária – TRD de que trata o art. 2º da Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991, fica extinta (art. 2º da Lei nº 8.660/93). O § 6º do art. 27 da Lei nº 9.069/95 determina que “continua aplicável aos débitos trabalhistas o disposto no art. 39 da Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991”. Reza o art. 15 da Lei nº 10.192/01 que “permanecem em vigor as disposições legais relativas a correção monetária de débitos trabalhistas, de débitos resultantes de decisão judicial, de débitos relativos a ressarcimento em virtude de inadimplemento de obrigações contratuais e do passivo de empresas e instituições sob os regimes de concordata, falência, intervenção e liquidação extrajudicial”. 2 MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 746. 3 A Lei nº 12.703/12 alterou a remuneração da poupança: “o saldo dos depósitos de poupança efetuados até a data de entrada em vigor da Medida Provisória nº 567, de 3 de maio de 2012, será remunerado, em cada período de rendimento, pela Taxa Referencial – TR, relativa à data de seu aniversário, acrescida de juros de 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, observado o disposto nos §§ 1º, 2º, 3º e 4º do art. 12 da Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991” (art. 2º). 3 Denominação Bernardo Ribeiro de Moraes critica a expressão correção monetária sob o fundamento de que a correção da moeda só poderia ser feita com a mudança do valor nominal da moeda, alterando-se a unidade monetária3. 4 Atualização Monetária dos Débitos Trabalhistas O art. 1º da Lei nº 8.177/91 mostrava que a TRD era taxa de remuneração, isto é, média aritmética de taxas de juros. No mesmo sentido o art. 12, ao fazer referência a remuneração de depósitos de poupança. O cálculo da TR era feito com base na taxa média dos CDBs prefixados, de 30 a 35 dias, oferecidos pelos 30 maiores bancos. A correção monetária tem por função atualizar o valor da moeda em razão da inflação. O juro é remuneração do capital, e não critério de correção monetária. São diferentes as funções dos referidos institutos. Trata-se, portanto, de índice inadequado para corrigir débitos trabalhistas4. Não é possível que o empregado, depois de vários anos discutindo seu direito na Justiça do Trabalho, receba o seu crédito no valor original, sem qualquer correção monetária ou com atualização monetária segundo índices que não reflitam a inflação. 3 MORAES, Bernardo Ribeiro. Correção monetária de débitos fiscais. São Paulo: Max Limonad, 1966. No mesmo sentido: ALMEIDA, Amador Paes. A impropriedade da utilização da TR – Taxa Referencial – como fator de correção monetária. Suplemento Trabalhista LTr, 103/92, p. 645. 4 4 Leciona Alcides Jorge Costa que “se a TR, segundo a lei, utiliza-se como taxa de juro, que na verdade é, e como índice de correção do valor nominal de obrigações pecuniárias, tem duas funções que não se coadunam”5. Afirma Keyler de Carvalho que a “TR e a TRD não são boas proxis da taxa inflacionária e que sua utilização como indexador tributário, trabalhista e falimentar como determina a Lei nº 8.177/91 é totalmente imprópria e inadequada. Com efeito, o que se pretende ao utilizar um indexador para corrigir o valor monetário é que se restabeleça o valor aquisitivo da moeda, perdido com a inflação ocorrida no período. Não se pode usar a TR ou a TRD, pois haverá o risco de excesso, já que incorporam, como demonstrado, parte das taxas de juros e riscos não excluídos e refletem a política monetária praticada pelo Banco Central do Brasil”6. A partir de 1º de maio de 1993, com a extinção da TRD (art. 2º da Lei nº 8.660/93), a Justiça do Trabalho passou a usar a TR (Taxa Referencial de Juros), que substituiu a TRD para os negócios jurídicos celebrados antes de 1º de maio de 1993 e que também servia de correção monetária dos depósitos da caderneta de poupança. Entre os meses de setembro de 2012 a junho de 2013 a TR foi fixada em 0,00%. Isso significa que em junho de 2013 o pagamento do débito trabalhista pode ser feito com base em valor de setembro de 2012, sem qualquer correção monetária. A inflação medida pelo IPCA foi de 5,84, em 2012, e 5,91, em 2013. Evidente, portanto, o prejuízo na correção dos créditos trabalhistas. O STF, no julgamento da ADIn 493/DF, afirmou que “a taxa referencial (TR) não é índice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda. (...) Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 18, caput e §§ 1º e 4º, 20, 21 e parágrafo único, 23 e parágrafos e 24 e parágrafos, todos da Lei nº 8.177, de 1º 5 COSTA, Alcides Jorge. TR e princípio da anterioridade. Repertório IOB de Jurisprudência n. 12/91, 2ª quinzena de junho de 1991, texto 1/4261, p. 216. 6 ROCHA, Keyler de Carvalho. Revista dos Tribunais, n. 667, São Paulo, maio 1991. 5 de maio de 1991. A TR não reflete a perda de poder aquisitivo da moeda” (j. 25.06.92, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 04.09.92, RTJ 143, p. 724). O STF declarou na ADIn 4.425/DF a inconstitucionalidade do § 12 do art. 100 da Constituição, ao estabelecer que a correção dos precatórios pelos mesmos índices de remuneração da poupança, que era a TR utilizada para correção trabalhista. Afirmou o Ministro Ayres Britto: “a correção monetária é instrumento de preservação do valor real de um determinado bem, constitucionalmente protegido e redutível à pecúnia. Valor real a preservar que é sinônimo de poder de compra ou poder aquisitivo, tal como se vê na redação do inciso IV do art. 7º da CF, atinente ao instituto do salário-mínimo”. Afirmou, ainda, o Ministro Ayres Brito: “Na medida em que a fixação da remuneração básica da caderneta de poupança como índice de correção monetária dos valores inscritos em precatório implica indevida, é intolerável constrição à eficácia da atividade jurisdicional. Uma afronta à garantia da coisa julgada e, por reverberação, ao protoprincípio da separação dos Poderes. (...) Se há um direito subjetivo à correção monetária de determinado crédito, direito que, como visto, não difere do crédito originário, fica evidente que o reajuste há de corresponder ao preciso índice de desvalorização da moeda, ao cabo de um certo período; quer dizer, conhecido que seja o índice de depreciação do valor real da moeda – a cada período legalmente estabelecido para a respectiva medição –, é ele que por inteiro vai recair sobre a expressão financeira do instituto jurídico protegido com a cláusula de permanente atualização monetária. É o mesmo que dizer: medido que seja o tamanho da inflação num dado período, tem-se, naturalmente, o percentual de defasagem ou de efetiva perda de poder aquisitivo da moeda que vai servir de critério matemático para a necessária preservação do valor real do bem ou direito constitucionalmente protegido”. No mesmo julgamento em conjunto com a ADIn 4.357/DF, em 14.03.2013, declarou o STF a inconstitucionalidade das expressões “independentemente de sua natureza” (para efeito de correção monetária) e “índices oficiais de remuneração básica”, contidos no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação da Lei nº 11.960/09. Se os dispositivos mencionados da Lei nº 8.177/91 foram considerados inconstitucionais pelo STF, também é inconstitucional o art. 39 da mesma norma, que utiliza índice de remuneração de capital, e não de atualização monetária, além do que não reflete o valor da inflação. 6 O Código Civil de 2002 tem diversos artigos estabelecendo a necessidade da correção monetária da dívida. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado (art. 389). Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado (art. 395). As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional (art. 404). Logo, um crédito determinado em juízo não pode ficar sem correção monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos. Após a vigência do Código Civil, os créditos trabalhistas também devem ser corrigidos por índices que reflitam a variação da inflação. Assevera Noberto Bobbio que “o fato de uma norma ser universalmente seguida não demonstra sua justiça”7. Uma norma pode estar em vigor, por não ter sido revogada expressa ou tacitamente por outra norma, mas não quer dizer que seja justa. É exatamente o caso do art. 39 da Lei nº 8.177/91, ao estabelecer o critério de correção monetária dos débitos trabalhistas, que não mais reflete a variação da inflação. Nenhum ordenamento jurídico é perfeito; ele contém lacunas. Entre o direito e a realidade pode existir uma grande distância. Lacuna axiológica, segundo Maria Helena Diniz, é quando “existe a norma, mas ela se revela injusta, isto é, existe um preceito normativo, mas se for aplicado, a 7 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Bauru: Edipro, 2001. p. 50. 7 solução do caso será insatisfatória ou injusta”8. É justamente o que ocorre na aplicação da TR para o cálculo da correção monetária dos débitos trabalhistas. A norma existe, mas é injusta. O art. 41-A da Lei nº 8.213 prevê a utilização do INPC, apurado pelo IBGE, para efeito do cálculo do reajuste dos benefícios previdenciários. Os reajustes para a preservação do poder aquisitivo do salário-mínimo a vigorar entre 2012 a 2015 corresponderão à variação do INPC (§ 1º do art. 2º da Lei nº 12.382/2011). O mesmo índice poderia ser utilizado para efeito do cálculo da correção monetária dos débitos trabalhistas. 5 Conclusão A TR não serve, portanto, para a atualização dos créditos trabalhistas, pois não reflete a inflação e a perda do poder aquisitivo da moeda9. É urgente que seja editada lei ou medida provisória para determinar que a correção monetária dos débitos trabalhistas seja feita de acordo com índices que reflitam a inflação. O prejuízo tem sido notório para o trabalhador. 8 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 437. 9 No mesmo sentido já entenderam João Ghisleni Filho e Luiz Alberto de Vargas (A atualização monetária dos créditos trabalhistas após a extinção da TR, Suplemento Trabalhista LTr, 119/13, p. 641), e César Reinaldo Offa Basile (A [des] atualização monetária do crédito na Justiça do Trabalho, Revista LTr, 77-07/807). 8