Ensaios de Permeabilidade In Situ em Solos Saturados Patricia Helena Azevedo Fantinatti, Franchel Pereira Fantinatti Neto, Sérgio Tibana e Frederico Terra de Almeida. Laboratório de Engenharia Civil, Universidade Estadual do Norte Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. RESUMO: O presente estudo tem como principal objetivo apresentar uma breve descrição de ensaios de permeabilidade in situ, e, também, apresentar os resultados dos ensaios de carga variável executados em camadas de solo saturadas. Os estudos apresentados neste trabalho fazem parte de um projeto de pesquisa que vem sendo desenvolvido pelo Laboratório de Engenharia Civil da UENF, na área de disposição final de resíduos sólidos da cidade de Campos dos Goytacazes/RJ. Os ensaios foram executados nos piezômetros instalados na área de estudo em profundidades pré-estabelecidas de acordo com a programação dos estudos. Os dados foram analisados e o coeficiente de permeabilidade, foi calculado considerando a metodologia proposta por Hvorslev (1949). PALAVRAS-CHAVE: Coeficiente de permeabilidade; Carga variável; Piezômetro. 1 INTRODUÇÃO O coeficiente de permeabilidade de solos é um parâmetro que apresenta uma faixa de variação bastante ampla, podendo variar de 1,00 x 10-3 m/s, solos considerados permeáveis como, por exemplo, os pedregulhos, até valores abaixo de 1,00 x 10-10m/s, solos considerados impermeáveis, as argilas (LAMBE e WHITMAN, 1976). Sabe-se que este parâmetro é dependente de diversos fatores como, por exemplo; o índice de vazios ou porosidade, o peso específico aparente seco, o teor de umidade saturado e não saturado do solo, o grau de saturação, a estrutura do solo, a composição química e mineralógica, o fluído percolante, a densidade e viscosidade deste, e, finalmente, a temperatura. A direção de fluxo imposta nos ensaios de laboratório constitui um fator determinante nos casos de solo com forte anisotropia. Nos dias atuais existem diversas metodologias e propostas para se determinar o coeficiente de permeabilidade seja em condições de laboratório ou in situ. Muitos trabalhos (OLSON e DANIEL, 1981) discutem as metodologias comparando-as, apresentando as vantagens e desvantagens de cada uma delas. Em linhas gerais, pode-se observar que os ensaios de laboratório apresentam como grande vantagem ter as condições de contorno bem controladas. Como desvantagem, defendem os pesquisadores de campo, que as características dos corpos de prova nem sempre são mantidas durante a extração e transporte da amostra, e moldagem do corpo de prova. Os ensaios podem ser de carga variável ou de carga constante. Nestes experimentos, normalmente, determina-se a vazão, para então, através da Lei de Darcy, calcular o valor do coeficiente de permeabilidade. Os pesquisadores de ensaios de campo defendem que os resultados destes ensaios são mais representativos tendo em vista os experimentos serem executados in situ, conservando propriedades do solo que não seriam preservadas quando retirados para os ensaios de laboratório. Da mesma forma que os ensaios de laboratório, os ensaios podem ser de carga constante ou variável, e o coeficiente de permeabilidade determinado com a vazão medida e as propostas na maioria das vezes empíricas. Neste contexto, apresenta-se, neste trabalho, uma breve revisão dos métodos usualmente utilizados na prática da engenharia geotécnica, e, também, resultados de ensaios de permeabilidade executados em solos saturados de origem sedimentar em condições de campo. Estes ensaios foram executados em piezômetros instalados para monitoramento da água subterrânea na área de disposição de resíduos sólidos da cidade de Campos dos Goytacazes, ao norte do estado do Rio de Janeiro. 2 ENSAIOS DE CAMPO 2.1 Classificação Pode-se dizer que os ensaios de permeabilidade in situ estão diretamente relacionados ao método de prospecção empregado, pois do ponto de vista geotécnico, tais ensaios serão classificados de acordo com os procedimentos de execução e o diferencial de carga aplicada ao aqüífero. A Tabela 1, a seguir, apresenta as formas de realização de ensaios de campo segundo Oliveira e Corrêa Filho (1996). Tabela 1. Ensaios in situ para a determinação do coeficiente de permeabilidade Maneira Pressão Denominação Método de de Aplicada dos Ensaios Prospecção Utilização Sondagens, Carga Infiltração poços e Nível cavas Constante Sondagens Descarga Bombeamento e poços Sondagens Carga Rebaixamento e poços Nível Variável Sondagens Descarga Recuperação e poços alimentando-se o sistema com água. Para a interpretação dos resultados é elaborado um gráfico onde são lançados os valores de vazão versus tempo, o qual possibilita a observação da estabilização da vazão (caracterizada por uma reta), onde será usada no cálculo da permeabilidade. Ensaio de bombeamento Neste caso, o aqüífero é descarregado, medindo-se a vazão bombeada, necessária para manter constante o nível rebaixado. Para a interpretação dos resultados obtidos neste ensaio é aconselhável a elaboração dos gráficos, onde no primeiro serão lançados os valores da vazão versus tempo, e no segundo serão lançados as leituras do rebaixamento versus tempo. Pois é por meio destes gráficos que será possível observar a estabilização do nível d´água e a vazão correspondente necessária para manter o rebaixamento constante, a qual será usada no cálculo da permeabilidade em relação ao rebaixamento atingido. 2.2.2 Ensaios de nível variável (Tabela 1) Apesar de ser um pouco simplista, esta classificação fornece a idéia dos vários métodos existentes. Alguns dos ensaios mais usados para a determinação da condutividade hidráulica dos solos são apresentados na sequência deste trabalho. Os ensaios de nível variável também podem ser executados determinando-se o tempo necessário para o nível d´água passar por dois pontos de referência. O ensaio pode ser executado através do rebaixamento ou recuperação, sendo mais aplicados para solos de baixa permeabilidade. 2.2 Tipos de Determinação Permeabilidade Ensaio de rebaixamento Ensaios In Situ para a do Coeficiente de 2.2.1 Ensaios de nível constante (Tabela 1) Os ensaios a nível constante são executados mantendo-se o nível d´água constante durante todo o período de medição. Estes ensaios são recomendados para solos permeáveis. O nível d´água pode ser mantido de duas formas que são descritas a seguir: Ensaio de infiltração Neste caso, a carga é mantida constante No ensaio de carga variável por rebaixamento a carga inicial é maior do que a carga de referência. A variável tempo é determinada após o nível d’água passar pelo ponto inicial e pelo ponto final ou de referência do ensaio. Ensaio de recuperação No ensaio de carga variável por recuperação a carga inicial é menor do que a carga de referência ou final do ensaio. Neste caso, a variável tempo também é registrada para o cálculo do coeficiente de permeabilidade. 3 3.1 METODOLOGIA APLICADA que consistiu em adaptar um tubo de PVC com uma mangueira de nível colada por fora do mesmo (detalhe na Figura 2). Permeâmetro de Carga Variável Os ensaios de permeabilidade foram executados em piezômetros instalados abaixo do nível d’água. Os piezômetros foram confeccionados com tubos de PVC de 75 e 50 mm de diâmetro. Os mesmos foram instalados em furos a trado de 3” e 4” de diâmetro. A instalação foi executada com cuidado para que as medidas de carga piezométrica em cada instrumento representassem as condições hidrológicas locais. Para fazer a célula de medição do piezômetro foi utilizada uma amostra de areia média que foi previamente calibrada para se ter certeza que a área de medição do tubo de PVC fosse totalmente envolvida. Acima da camada de areia foi colocado bentonita para selar a célula de medição. O restante do furo foi preenchido com o próprio solo retirado durante a execução do furo. Os piezômetros PZ 101, PZ 102, PZ 103, PZ 104, PZ 106 e PZ 108 possuem diâmetro de 75mm e os PZ 109, PZ 110 e PZ 111, diâmetro de 50mm. Um esquema do piezômetro é apresentado na Figura 1. Figura 1. Esquemático do piezômetro. Para utilizar o piezômetro como permeâmetro de carga variável foi necessária uma adaptação, Figura 2. Detalhe do acoplamento do permeâmetro no piezômetro Conforme mencionado anteriormente, o ensaio foi realizado com carga variável tendo em vista, principalmente, as condições do local. A Figura 3 apresenta de forma esquemática a forma de execução do ensaio. Figura 3. Esquema do piezômetro com o prolongamento de medição. 3.2 Cálculo Permeabilidade do Coeficiente de Os cálculos dos ensaios de permeabilidade seguiram a metodologia proposta por Hvorslev (1949). k= ( ) d 2 ln 2L D 8L(t 2 t 1 ) ln H1 H2 (1) onde: D é o diâmetro interno da célula de medição, em cm; d é o diâmetro interno do tubo em que a variação de carga é medida, em cm; H1 = carga piezométrica quando t = t1, em cm; H2 = carga piezométrica quando t = t2, em cm; L= comprimento interno da célula de medição, em cm e t2-t1 = intervalo de tempo, em s. Os resultados do coeficiente de permeabilidade obtidos nos ensaios realizados são apresentados na Tabela 2, onde se observa os parâmetros utilizados no cálculo do coeficiente de permeabilidade. Tabela 2 Ensaios de permeabilidade de carga variável Prof. d D L K (m) (cm) (cm) (cm) (cm/s) PZ101 1,68 1 10 50 1,08 x 10-2 PZ102 2,00 1 10 50 3,02 x 10-3 PZ103 1,90 1 10 50 3,80 x 10-3 PZ104 2,10 1 10 50 1,78 x 10-2 PZ106 2,20 1 10 50 1,28 x 10-2 PZ108 1,25 1 10 50 7,94 x 10-3 PZ109 5,10 1 10 15 4,65 x 10-8 PZ110 5,30 1 10 15 4,01 x 10-5 PZ111 4,70 1 7,5 15 1,05 x 10-5 4 DISCUSSÕES Na Tabela 3 são apresentados os percentuais das frações areia, silte e argila, e a classificação das parcelas de solo na qual os piezômetros foram instalados. Observa-se que os valores de permeabilidade obtidos nos piezômetros instalados acima de 2 m de profundidade (PZ101, PZ102, PZ103, PZ104, PZ106 e PZ108) não apresentaram diferenças significativas, variando de 1,78 x 10-2 cm/s a 3,20 x 10-3 cm/s. Quando comparados aos valores apresentados na literatura (Tabela 4) os valores obtidos são bastante elevados para a fração de solo predominante. Tabela 3 Ensaios de caracterização do solo nas ensaiadas Granulometria Classificação Areia Silte PZ101 Argila silto-arenosa 22% 22% PZ102 Argila silto-arenosa 27% 25% PZ103 Areia argilosa 51% 3% PZ104 Areia argilosa 47% 14% PZ106 Argila silto-arenosa 29% 29% PZ108 Areia argilosa 58% 5% PZ109 Argila arenosa 35% 13% PZ110 Argila arenosa 31% 9% PZ111 Areia argilosa 67% 6% camadas Argila 56% 48% 36% 39% 42% 37% 52% 60% 27% Tabela 4 Alguns valores típicos de coeficiente de permeabilidade segundo Pinto (2000) Argilas < 10-6 cm/s Siltes 10-3 – 10-6 cm/s Areias argilosas 10-4 cm/s Areias finas 10-2 cm/s Areias médias 10-1 cm/s Areias grossas 1 cm/s Já os resultados dos ensaios com os piezômetros instalados abaixo de 4 m de profundidade (PZ109, PZ110 e PZ111), pode-se verificar valores bem baixos, abaixo de 4,00 x 10-5 cm/s, chegando a 4,65 x 10-8 cm/s (valores calculados com a Equação 1). Como pode ser constatada, confrontando a Tabela 2 com a Tabela 3, a distribuição granulométrica pouco interferiu para os casos estudados. Os elevados valores de k e a pequena diferença dos valores de coeficiente de permeabilidade obtidos, pode ser atribuída, principalmente nos casos em que os piezômetros estão instalados próximos a superfície do terreno, a compacidade ou peso específico aparente na parcela de solo em que os piezômetros foram instalados (estrutura, índice de vazios etc). Deve-se mencionar ainda que em investigações realizadas nas proximidades da área de estudo (FANTINATTI NT. et al., 2006), observou-se em vários pontos de coleta de amostra teor de matéria orgânica bastante elevado e solo bem fofo, tendo em vista os poços situarem-se na área de inundação da bacia hidrográfica em questão. Outro aspecto importante que deve ser levado em consideração é que a área em que esses piezômetros estão instalados, possivelmente tenha sido utilizada como área de descarte de resíduos sólidos, podendo estar interferindo nos valores de permeabilidade medidos. Já os valores dos coeficientes de permeabilidade obtidos com os piezômetros PZ109 e PZ110, instalados com aproximadamente a mesma profundidade (em torno de 5m de profundidade), porém com distância superior a 500m um do outro, sugerem que a diferença pode ser atribuída a diferente mineralogia e/ou peso específico do solo. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando os dados obtidos, observa-se que os piezômetros instalados em profundidade maiores apresentaram valores de coeficiente de permeabilidade bastante baixos chegando à ordem de grandeza de 10-8 cm/s. Os resultados obtidos com piezômetros instalados próximos à superfície resultaram em valores muito elevados, discordantes da literatura quando comparado somente com o percentual das frações de solo. Na área em questão, a camada de solo abaixo de 5 m de profundidade tem funcionado como uma barreira natural de fluxo, tendo em vista os valores de permeabilidade serem bem inferiores. Desta forma o fluxo predominante deve ser o horizontal. AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de registrar os seus agradecimentos a FAPERJ pelo apoio financeiro. REFERÊNCIAS Fantinatti Nt., F.P.; Tibana, S.; Almeida, F.T.; Santos Jr., E.L.; Pessanha, A.O.; Vicente, N.O. e Campos, F.S. (2006) Estudo da Dinâmica de Fluxo Subterrâneo da Área de Disposição Final de Resíduos da Cidade de Campos dos Goytacazes/RJ, XIII COBRAMSEG Hvroslev, M. J. (1949) Time lag in the observation of ground-water levels and pressures, U.S Army Waterways Experiment Station, Vicksburg, Miss Lambe, T.W. e Whitman, R.V. (1976) Mecânica de Suelos, Instituto Tecnológico de Massachusetts, México: Editorial Limusa. Oliveira, A.M. e Corrêa Filho, D. (1996) Ensaios de Permeabilidade em Solos – Orientação para sua Execução no campo. ABGE – Associação Brasileira de Geologia de Engenharia, São Paulo (3ª Edição Revisada) Olson, R.E.; Daniel, D.E. (1981) “Measurement of the Hydraulic Conductivity of Fine-Grained Soils”, Permeability and Groundwater Contaminant Transport, ASTM STP 746, T.F. Zimmie and C.O. Riggs, Eds., American Society for Testing and Materials, pp. 18-64. Pinto, C. S. (2000) Curso básico de mecânica dos solos em 16 aulas. São Paulo: Editora Oficina de textos.