RODRIGO DA COSTA SILVA INVESTIGAÇÕES DE EXCITAÇÕES MAGNÉTICAS EM GELOS DE SPIN BIDIMENSIONAIS Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Física Aplicada, para obtenção do título de Magister Scientiae. VIÇOSA MINAS GERAIS - BRASIL 2012 Ficha catalográfica preparada pela Seção de Catalogação e Classificação da Biblioteca Central da UFV T S586i 2012 Silva, Rodrigo da Costa, 1987Investigações de excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais / Rodrigo da Costa Silva. – Viçosa, MG, 2012. xiii, 74f. : il. (algumas col.) ; 29cm. Orientador: Afranio Rofrigues Pereira. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Viçosa. Referências bibliográficas: f.65-74 1. Monopoles magnéticos. 2. Materiais nanoestruturados. 3. Física do estado sólido. 4. Magnetismo. I. Universidade Federal de Viçosa. II. Título. CDD 22. ed. 537 À minha família e meus amigos. “A percepção do desconhecido é a mais fascinante das experiências. O homem que não tem olhos abertos para os mistérios passará pela vida sem ver nada.” Albert Einstein (1879-1955) ii AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, por toda força e paciência que tive ao longo dessa caminhada. À minha família — meu pai, Raimundo, minha mãe, Maria do Carmo e meu irmão, Rogério — por todo apoio e confiança, por sempre acreditarem em mim. A minha esposa, Raniella e meu filho Arthur, por embarcarem comigo nessa viagem. Aos pais da Rani, por sempre estarem conosco, dando conselhos e nos ajudando. Ao professor Afranio, pela excelente orientação dada ao longo do mestrado, sempre apontando caminhos e acreditando que o trabalho era de garnde relevância. Não posso deixar de agradecer também o professsor Lucas Mól, por toda paciência, ajuda e confiança e ao professor Winder, por sua co-orientação. Aos amigos da pós-graduação, em especial as pessoas da sala 213: Jauzin, Jardel, Brunão, Saimon, Fabiano, André, Companheiro (Anderson), Bichão (Júlio), Angélica, Bira (Ubirajara) e Felipe, pelos vários momentos de descontração, aprendizado e a ótima convivência durante este período. Não poderia esquecer também do pessoal da salinha (sala 215). Aos amigos da república Pó de Café, sempre descontraindo o ambiente e pelas inúmeras conversas. Aprendi muita coisa com vocês. A tia Paré, pela leitura dessa dissertação, mesmo dizendo não saber nada de Física. Aos professores e funcionários do DPF. iii A todos, vai o meu muito obrigado. iv SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS ix RESUMO x ABSTRACT xii 1 Introdução e Motivação 1 2 Noções importantes sobre o magnetismo 9 2.1 Interação de Troca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 2.2 Interação Dipolar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 2.3 Anisotropia de Forma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 2.4 Superparamagnetismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 2.5 Nanomagnetismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 3 Técnicas de Simulação 3.1 3.2 20 O Método de Monte Carlo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 3.1.1 Algoritmo de Metropolis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 Soma de Ewald . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 4 Gelos de Spin 26 4.1 Frustração Geométrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 4.2 Estrutura Pirocloro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 4.3 A desordem do próton no gelo da água . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 4.4 Gelos de Spin em 3D . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 4.5 Gelos de Spin Bidimensionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 v 5 Excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais 41 5.1 Modelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 5.2 Resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 5.2.1 Sistema sem defeitos estruturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 5.2.2 Sistema com defeitos estruturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 Conclusões e Perspectivas 57 A Dedução da Soma de Ewald em duas dimensões 59 A.1 Transformada de Fourier para soma de Ewald . . . . . . . . . . . . . . REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS vi 62 65 LISTA DE FIGURAS 1.1 Esquema ilustrativo das partículas e interações descritas pelo Modelo Padrão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.1 Domínios magnéticos com paredes de domínio formando (a)180◦ e (b)90◦ . Figura extraída e adaptada da referência [31]. . . . . . . . . . . 2.2 3 16 Curva de magnetização versus campo magnético aplicado em um monodomínio. A probabilidade de girar o momento magnético é proporcional a exp(−∆E/kB T ), em que ∆E é a variação de enegia entre os estados final e inicial [35]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.1 Exemplos de redes com geometrias diferentes, na qual são dispostos spins do tipo Ising, acoplados antiferromagneticamente. . . . . . . . . . . . . 4.2 17 28 Representação do comportamento do inverso da susceptibilidade magnética, 1/χ, como função da temperatura em (esquerda) magnetos sem frustração (direita) magnetos com frustração. Figura extraída da referência [72]. 4.3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Rede de pirocloro, sendo ocupada por íons de Dy 3+ e Ho3+ nos materiais Dy2 T i2 O7 , Ho2 T i2 O7 . Figura estraída da referência [79]. . . . . . . . . 4.4 30 Spins arranjados sobre dois tetraedros adjacentes, satisfazendo a regra do gelo “two-in, two-out” [85]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.5 29 33 Primeiro estado excitado do sistema: uma simples inversão de um dipolo leva a criação de um par de cargas magnéticas. A esfera azul representa uma carga magnética positiva, enquanto, a vermelha representa uma carga magnética negativa [87]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . vii 36 4.6 Esquema ilustrativo da separação de um par de cargas através de uma inversão sucessiva de dipolos [87]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 4.7 Imagens do gelo de spin produzido artificialmentte por Wang et al [17]. 38 4.8 Configurações favoráveis e desfavoráreis do ponto de vista energético 4.9 entre pares de spin [17]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 16 possíveis configurações sobre um vértice de quatro ilhas [17]. . . . . 39 4.10 Estatística da percentagem observada dos diferentes tipos de configurações como função do parâmetro de rede [17]. . . . . . . . . . . . . . . . 40 5.1 Configuração do estado fundamental obtida para uma rede L = 6a. . . 43 5.2 Quatro topologias distintas para a configuração de quatro momentos magnéticos em um dado vértice. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 5.3 Processo de criação de um par de cargas. . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 5.4 Cordas utilizadas no processo de separação de cargas. . . . . . . . . . . 45 5.5 Processo de separação de cargas para uma rede de L = 10a. . . . . . . 46 5.6 Potencial de interação entre um par de cargas magnéticas como função r = R/a. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.7 Três tipos particulares de corda com comprimento X = 15a ligando um par de cargas com separação R = 7a. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.8 48 Gelo de spin artificial fabricado com um defeito. Figura extraída e adaptada de [17]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.9 46 50 Processo de separação de cargas em uma rede com uma vacância em uma rede de tamanho L = 6a. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 5.10 Potencial de interação obtido em uma rede de tamanho L = 80a com uma vacância. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 5.11 Potencial de interação carga-corda-vacância . . . . . . . . . . . . . . . 53 5.12 Potencial de interação carga-corda-vacância. . . . . . . . . . . . . . . . 53 5.13 Potencial de interação carga-corda-vacância, utilizando uma corda do tipo (esquerda) I, (direita) II. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . viii 54 RESUMO SILVA, Rodrigo da Costa, M. Sc., Universidade Federal de Viçosa, fevereiro, 2012 Investigações de excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais. Orientador: Afranio Rodrigues Pereira. Coorientadores: Lucas Alvares de Silva Mól e Winder Alexander de Moura Melo. Nós estudamos as excitações magnéticas que surgem nos gelos de spin bidimensionais, por meio de simulações computacionais em redes quadradas. Esses materiais são produzidos artificialmente, através de técnicas litográficas utilizando nanopartículas ferromagnéticas arranjadas em uma rede especialmente organizada, de modo que a geometria da rede juntamente com a interação dipolo-dipolo leva a uma frustração intríseca do sistema. A análise, baseada somente na interação dipolar entre as nanoilhas, reproduz corretamente o estado fundamental recentemente observado experimentalmente. Foi verificado a emergência de excitações magnéticas que se comportam como monopolo magnético, carregando carga magnética isolada. Essas quasi-partículas interagem via potencial coulombiano adicionado a um potencial confinante linear, atribuído ao aparecimento de excitações do tipo corda, que conectam o par monopolo-antimonopolo. Contudo, verificamos que a corda possui uma entropia configuracional, de modo que a tensão da corda pode diminuir à medida em que a temperatura é aumentada, fazendo com que os monopolos magnéticos possam ser encontrados livres nos gelos de spin bidimensionais em uma temperatura crítica. Também estudamos o caso em que o gelo de spin é construído com uma única ilha faltante em uma dada posição da rede. Foi visto que o defeito pertuba o potencial obtido em uma rede normal. A vacância se comporta como um par de cargas opostas carregando metade da carga do monopolo magnético ix usual. Nossos cálculos mostram que quando a menor distância entre uma carga e a vacância é maior que 2a (a é o espaçamento de rede), a interação entre a corda e o defeito é negligenciável. Contudo, para distâncias menores que 2a, a corda interage mais apreciavelmente com o defeito, de uma forma muito complicada que depende de seu tamanho e forma. Os resultados indicam que em cada vértice por onde a corda passa, existe um momento de quadrupolo magnético adicional, de forma que o campo criado pela corda decai muito rapidamente. x ABSTRACT SILVA, Rodrigo da Costa, M. Sc., Universidade Federal de Viçosa, February, 2012 Investigations of magnetic excitations in two-dimensional spin ice. Adviser: Afranio Rodrigues Pereira. Co-advisers: Lucas Alvares de Silva Mól and Winder Alexander de Moura Melo. We study the magnetic excitations in two-dimensional spin ices on square lattices, by means of computer simulations. These materials are artificially produced by lithographic techniques, using ferromegnetic nano-islands arranged in a lattice especially organized in such a way, that, the lattice geometry together with the dipole-dipole interactions lead to an intrinsic frustration of the system. Our analysis, based only on the dipolar interaction between the islands, correctly reproduces the ground state experimentally observed recently. In addition, we verify the emergence of magnetic excitations that behave like magnetic monopoles, carrying isolated magnetic charge. These quasi-particles interact by means of the Coulomb potential plus a linear confining potential, which is attributed to the emergence of string-like excitations, linking the pair of opposite charges. However, we argue that the string has a configurational entropy, so that the string tension may decrease as the temperature is increased and then, free magnetic monopoles should be found in two-dimensional spin ices at a critical temperature. We also study the case where the artificial spin ice is built with missing nano-island (vacancy). For the case with only one vacancy, we found that the defect modify the potential obtained for the normal lattice. The vacancy behaves like a pair of opposite charges, carrying half charge of the usual magnetic monopole excitation. Our calculations show that when the smallest distance between the charges (or the xi string) is greater than 2a (a is the lattice spacing), the interaction of the string with the defect is negligible. However, for distances smaller than 2a, the string interacts with the defect more appreciable, in a very complicated way, which depends on the shape and size of the string. Our results indicate that, on each vertex where the string passes, there is an additional quadrupole moment and so the field created by the string decays very quickly. xii Capítulo 1 Introdução e Motivação O chamado Modelo Padrão das partículas elementares (MP) é a teoria mais correta para descrever a natureza da matéria e suas interações. Essa teoria identifica as partículas elementares da matéria, além de especificar com precisão como interagem. De acordo com o Modelo Padrão, as partículas são ditas elementares se não possuem estrutura interna, ou seja, são pontuais e indivisíveis, sendo classificadas como léptons e quarks. Essas partículas são os “blocos de construção” de todas as outras, como o próton e o neutrôn, por exemplo. O modelo descreve os seis léptons observados, divididos em três famílias, cada uma composta de um lépton com carga elétrica, e de um neutrino associado a ele. Os léptons com carga são: o elétron (e), o múon (µ) e o táuon (τ ), todos com a mesma carga e spin do elétron. No entanto, eles diferem na massa, sendo o elétron o mais leve e o táuon o mais pesado (o múon é 200 vezes mais maciço que o elétron e o táuon 3500 vezes). Os neutrinos associados são: o neutrino do elétron (νe ), o neutrino do múon (νµ ) e o neutrino do táuon (ντ ). Os léptons interagem eletromagneticamente e fracamente. Por outro lado, os quarks são classicados em seis tipos, chamados de sabores: up (u), down (d), charm (c), strange (s), top (t) e bottom (b), todos possuindo spin 1/2. Os quarks d, s e b possuem carga elétrica de −e/3 (em que e é a carga elétrica do próton) e os outros uma carga de 2e/3. Suas massas variam em grande escala. Por exemplo, a massa do quark t é cerca de 3500 vezes aquela do quark u. Cada sabor dos quarks pode existir ainda em três estados chamados de vermelho, verde e azul, resultado da interação forte que atua entre as cargas de cor. 1 1. Introdução e Motivação Assim, os quarks interagem eletromagneticamente, fracamente e fortemente. Até agora, foi visto que existem 18 tipos de quarks e 6 léptons. No entanto, cada partícula possui sua antipartícula, fazendo com que existam no total 12 léptons e 36 quarks. Da mesma maneira que descreve as partículas, o MP também descreve três dos quatro tipos de interações fundamentais: as interações eletromagnética, forte e fraca. Essas interações ocorrem devido às propriedades específicas da matéria como carga elétrica (interação eletromagnética), cor (interação forte) e carga fraca (interação fraca), ocorrendo graças à troca de partículas mediadoras. Assim, para a interação eletromagnética tem-se os fótons (γ) que são partículas sem massa e carga, enquanto na interação fraca, os mediadores são os bósons W + , W − e Z 0 , em que o índice superior indica o valor da carga elétrica. Os bósons mediadores da interação fraca possuem massas aproximadas de 100 vezes a massa do próton, o que explica o curto alcance da força. É consequência do princípio da incerteza (e de cálculos matemáticos mais precisos) que o alcance da força é inversamente proporcional a massa da partícula que a transmite. Por último, a força forte é intermediada pelos glúons. Analogamente, à força eletromagnética, a força forte é uma interação de longo alcance. Da mesma forma como um átomo é feito de constituintes carregados eletricamente e, no entanto, ele próprio é neutro, um próton ou um nêutron é formado de quarks coloridos, mas eles próprios são incolores. Todas partículas descritas pelo MP foram observadas. A figura 1.1 ilustra todos os quarks, léptons (férmions), bem como os mediadores (bósons) das interações descritas pelo modelo padrão. Essas partículas estão presentes em tudo que existe no universo e possuem, como visto anteriormente, características únicas, tornando possível sua detecção e sua consequente catalogação. No entanto, até hoje não foi observado, em nenhuma partícula conhecida, uma propriedade cuja exitência sempre pareceu evidente: uma carga magnética isolada. Essa situação gera uma certa assimetria, podendo ser observada diretamente nas equações de Maxwell. 2 1. Introdução e Motivação (a) Partículas fermiônicas (b) Partículas bosônicas Figura 1.1: Esquema ilustrativo das partículas e interações descritas pelo Modelo Padrão. ~ ·E ~ = ρ ∇ 0 ~ ·B ~ =0 ∇ ~ ~ ×E ~ + ∂B = 0 ∇ ∂t ~ ~ ×B ~ − µ0 0 ∂ E = µ0 J~ ∇ ∂t (1.1) Considerando as equações de Maxwell no vácuo, ρ = 0 e J~ = 0, observa-se uma simetria ~ eB ~ ao fazer: entre os campos E E ~ −→ ~ B B ~ −→ µ0 0 E ~ 3 (1.2) 1. Introdução e Motivação o conjunto de equações 1.1 permanecem inalteradas. Essa simetria é quebrada pela presença de carga na lei de Gauss e pelo termo de corrente na lei de Ampère. Considerando agora a existência de cargas e correntes magnéticas, as equações de Maxwell seriam escritas como: ~ ·E ~ = ρe ∇ 0 ~ ~ ∇ · B = µ0 ρ m (1.3) ~ ∂B ~ ~ ~ = µ J ∇ × E + 0 m ∂t ~ ∇ ~ ×B ~ − µ0 0 ∂ E = µ0 J~e ∂t em que ρm representa a densidade de carga magnética, ρe a densidade de carga elétrica, J~e a densidade de corrente elétrica e, por fim, J~m a densidade de corrente magnética. Ambas cargas são conservadas: ~ · J~m + ∂ρm = 0 ∇ ∂t ~ · J~e + ∂ρe ∇ ∂t (1.4) = 0 e assim, as equações de Maxwell seriam simétricas em qualquer ambiente. Entretanto, em física de partículas, não há evidências experimentais da existência de monopolos magnéticos. Mesmo assim, em 1931 um trabalho notável de Paul Adrien Maurice Dirac [1] contribuiu para o estudo, mostrando que sua existência é consistente com as equações de Maxwell somente se as cargas elétricas forem quantizadas, fato que é observado. Dirac utilizou a mecânica quântica para obter a quantização da carga elétrica. Segundo seu raciocínio, a evolução de uma partícula é dada pela função de onda ψ(~r, t), afetada por uma fator de fase imaginário, que não interfere nas medidas das grandezas observáveis daquela partícula. Dessa maneira, quando a partícula se desloca de um lugar para o outro, a diferença nos fatores de fase entre a partida e a chegada da partícula serão idênticas. Com esse argumento, Dirac obteve as equações de Maxwell 1.3 como consequência das restrições impostas àquelas variações de fatores de fase, bem como deduz-se a seguinte relação: 4 1. Introdução e Motivação qm e n = , ~c 2 (1.5) em que n = 0, ±1, ±2, · · · . Assim, para Dirac, os monopolos magnéticos existiam sendo conectdos por linhas (linhas de Dirac) não observáveis e, sua existência em qualquer parte do universo explica a quantização da carga elétrica. Extendendo o pensamento de Dirac, Yoichiro Nambu [2] propõe outra teoria, em que as cordas que ligam os monopolos magnéticos são energéticas e portanto observáveis. Segundo Nambu, o final de cada corda se comportaria como um monopolo magnético de massa m e carga g, interagindo via potencial de Yukawa: VN ambu (m, l) = − g 2 e−ml , 4π l (1.6) em que l é o comprimento da corda. A energia de cordas grandes é dominante. O potecial de Yukawa torna-se relevante apenas para pequenos valores de l. Outra característica do monopolo de Nambu é que suas cordas são orientadas, ou seja, tem um sentido de polarização intrínseco, como um ímã. Nambu fala ainda sobre a existência de soluções clássicas, do tipo halter, para o modelo de Wienberg-Salam descrevendo um par monopolo-antimonopolo ligados por uma corda [3]. Em 1974, Gerard t’Hooft e M. Polyakov [4,5], com trabalhos independentes, encontraram um tipo de sóliton topológico similar ao monopolo de Dirac. O monopolo de t’Hooft-Polyakov surge em uma teoria de Yang-Mills com grupo de calibre acoplado a um campo de Higgs , que se quebra espontaneamente para um subgrupo via o mecanismo de Higgs. Segundo essa teoria, esses monopolos devem ter massa muito maior quer a massa de qualquer partícula jamais vista ou mesmo prevista, o que é um grande empecilho para sua detecção. Além de sua massa extraordinária, não apresentam singularidades e não são partículas puntiformes. Provavelmente, os monopolos de t’Hooft-Polyakov foram de relevância no universo primitivo, sendo criados até 10−35 s após o big-bang. Acredita-se que a maioria deles escaparam da aniquilação e poderiam ser encontrados até o presente. Enfim, existem várias teorias que necessitam e/ou preveem a existência de mo5 1. Introdução e Motivação nopolos magnéticos e, no entanto, apesar de um intenso esforço experimental, essa partícula ainda não foi observada. Contudo, é bem conhecido que sistemas de física da matéria condensada apresentam excitações que carregam quantidades quantizadas de energia, momento, carga elétrica e spin, se comportando como as verdadeiras partículas elementares. Vários desses objetos surgem como resultado do comportamento coletivo dos muitos elétrons e íons, em determinado material e tal comportamento coletivo é, efetivamente, descrito em termos de frações das partículas originais. Isso faz desses sistemas um laboratório perfeito para o entendimento dos fenômenos de altas energias, estudando para isso sistemas de baixa energia que apresentem excitações que se assemelham com as partículas desejadas como, por exemplo, o monopolo magnético. A emergência dessas excitações é um exemplo de um fenômeno conhecido como fracionalização, que pode ser ilustrada, imaginando que fosse possível “quebrar” o elétron em dois objetos distintos: um carregando apenas sua carga e o outro apenas seu spin. Esse evento é frequentemente associado a defeitos topológicos sendo bastante comuns em sistemas unidimensionais [6] (nanotubos, poliacetileno, etc). Em duas dimensões espaciais, o único caso confirmado de fracionalização é o envolvimento de quasi-partículas carregando carga elétrica com valor de 1/3 da carga eletrônica no efeito Hall quântico fracionário [7–9], existindo ainda outras propostas [10,11]. Em 2008, uma possibilidade real de fracionalização em três dimensões espaciais aconteceu em sistemas chamados de gelos de spin ({Dy, Ho}2 T i2 O7 ). Castelnovo e colaboradores [12] propuseram que nesses materiais, as excitações acima de seu estado fundamental frustrado se comportariam como o famoso monopolo magnético. Essas quasi-partículas, sob certas condições, podem ser tratadas como um gás de monopolos livres, existindo, até mesmo, uma transição de fase na qual uma fina camada desse vapor de monopolos se condensa em um líquido denso. Existem vários experimentos na literatura [13–16] que reportam a medição das cargas e correntes magnéticas. Com o avanço tecnólogico das técnicas de fabricação de nanomateriais foi possível construir sistemas bidimensionais similares aos gelos de spin 3D, produzidos por Wang et al [17]. Nesse sistema, nanoilhas de permalloy alongadas são regularmente distribuídas em uma rede quadrada, de tal forma que, o eixo maior de cada ilha alterna 6 1. Introdução e Motivação sua orientação com as duas direções principais do arranjo (x e y). A anisotropia magnetocristalina do permalloy é praticamente nula, de forma que a anisotropia de forma de cada ilha força seu momento magnético a alinhar em um monodomínio, na direção do maior eixo da ilha, fazendo com que o momento magnético de cada nanoilha se comporte como um spin do tipo Ising. As excitações magnéticas nesses materiais também se comportam como o famoso monopolo magnético, só que, diferente do caso 3D, em duas dimensões espaciais os monopolos magnéticos são ligados por cordas energéticas estando, portanto, fadados a ficarem confinados, ou seja, próximos aos seus pares. Dessa forma, as excitações magnéticas que surgem nos gelos de spin bidimensionais são muito similares com as partículas descritas pela física de partículas, particularmente com o monopolo magnético proposto por Nambu [2], como apontou o professor Grigory Volovick, em uma recente conferência realizada em Grenoble, França. Outra possibilidade que surge do avanço tecnológico é a construção de sistemas bidimensionais similares aos gelos de spin, nas mais variadas geometrias: kagome [18], brickwork [19], hexagonal [20], além da quadrada. Isso possibilita o controle direto da simetria e topologia da rede, permitindo uma investigação experimental de um vasto conjunto de importantes modelos teóricos de física estatística [21]. Assim, esses compostos magnéticos artificiais podem, claramente, aumentar nossa compreensão da matéria desordenada, levando ao surgimento de novas tecnologias, sendo alvos de intensas investigações teórica e experimental [22–27]. O objetivo deste estudo foi analisar, via simulações computacionais, o aparecimento de monopolos magnéticos em gelos de spin artificiais e bidimensionais, tentando compreender como estas excitações são criadas, se são interagentes e qual o efeito de uma vacância sobre o sistema. No que se segue, esta dissertação encontra-se divida da seguinte forma: no capítulo 2 foi feita uma revisão sobre as principais interações e anisotropias magnéticas que são responsáveis pela propriedades magnéticas dos gelos de spin bidimensionais e artificiais. No capítulo 3 foi feito um apanhado geral sobre as técnicas de simulação, necessárias para o estudo computacional desses materiais e no capítulo 4, uma revisão sobre os gelos de spin, abordando tanto o caso tridimensional como sua versão bidimensional. No capítulo 5 são apresentados o modelo utilizado bem 7 1. Introdução e Motivação como os resultados obtidos em nossa pesquisa. Por fim, são apresentadas as conclusões e perspectivas do trabalho e um apêndice, em que são feitas as deduções de algumas expressões importantes, utilizadas no capítulo 3, mas que podem ser deixadas de lado, sem comprometimento direto na compreensão do texto principal. 8 Capítulo 2 Noções importantes sobre o magnetismo O magnetismo é um ramo da física que fascina e intriga as pessoas. Qual criança não fica encantada brincando com ímãs que se atraem ou repelem dependendo de suas posições relativas por meio de forças “misteriosas” que podem atravessar materiais? Até mesmo Einstein disse ter ficado maravilhado, quando criança brincando com ímãs, limalhas de ferro e bússulas. A observação de fenômenos magnéticos remonta à Antiguidade Clássica [28]. Na região da Magnésia, situada na Ásia Menor, já se falava sobre propriedades “maravilhosas” de algumas pedras ali encontradas. Os pastores perceberam que tal rocha, hoje conhecida como magnetita, atraía pedaços de ferro, como os pregos das sandálias, por exemplo. A magnetita é um minério de ferro, de fórmula F e3 O4 , que pode ser encontrada na natureza na forma magnetizada. Os materias que se comportam como a magnetita são conhecidos como ímãs. Naquela época surgia a primeira grande aplicação tecnológica do magnetismo: a invenção da bússola pelos chineses, sem a qual as grandes navegações e descobrimentos não teriam sido possíveis. A bússola funciona como instrumento de orientação. Sua agulha é um imã, que se orienta na direção norte-sul geográfica (aproximadamente), o que permitiu as viagens pelos oceanos, estabelecendo, dessa forma, as rotas marítmas. Em 1600, William Gilbert tenta entender os fenômenos magnéticos e o geomagnetismo através de experimentos bem simples, 9 2. Noções importantes sobre o magnetismo utilizando bússolas e fios que transportam corrente elétrica. Suas observações foram publicadas no livro “De Magnete”. Sabe-se hoje que o magnetismo é um fenômeno puramente relativístico, estando associado ao conceito de spin, que surge naturalmente da solução da equação de Dirac ao considerar o efeito do campo magnético no elétron. Nas seções a seguir, serão feitas revisões sobre as interações magnéticas que ocorrem nos materiais magnéticos macroscópicos, do magnetismo coletivo e do efeito de anisotropias, associadas à forma e à estrutura cristalina dos materiais. 2.1 Interação de Troca As propriedades magnéticas de materiais com momentos magnéticos localizados deve-se à interação de troca. Será considerado aqui um modelo bem simples, que consiste de dois elétrons localizados pelos vetores posição ~r1 e ~r2 . A função de onda total é composta pelo produto de estado de um único elétron ψ1 (~r1 ) e ψ2 (~r2 ). Como os elétrons são férmions, obedecem ao princípio da exclusão de Pauli, o qual afirma que num átomo nunca pode haver mais de um elétron ocupando o mesmo estado quântico. A consequência imediata de tal princípio é que a autofunção de onda total (espacial ⊕ spin) para o elétron deve ser antissimétrica. Existem quatro possíveis combinações para os spins, que serão representadas por [29], [30]: | ↑↑i, | ↑↓i, | ↓↑i, | ↓↓i em que a seta para cima representa o estado de spin up (Sz = +~/2), e a seta para baixo representa o estado de spin down (Sz = −~/2). A partir destas combinações pode-se construir três autofunções de spin simétricas (χS ) e uma antissimétrica (χA ): χS = | ↑↑i √1 2 [| ↑↓i + | ↓↑i] (2.1) | ↓↓i 1 χA = √ [| ↑↓i − | ↓↑i] . 2 10 (2.2) 2. Noções importantes sobre o magnetismo A equação 2.1 representa o caso em que os spins se encontram “paralelos”, chamado de estado tripleto, enquanto a situação descrita pela equação 2.2 denota o caso em que os spins se encontram “antiparalelos”, chamado de estado singleto. Da mesma maneira, as funções de onda espaciais podem ser simétricas e antissimétricas: 1 ψS (~r1 , ~r2 ) = √ [ψ1 (~r1 )ψ2 (~r2 ) + ψ1 (~r2 )ψ2 (~r1 )] , 2 (2.3) 1 ψS (~r1 , ~r2 ) = √ [ψ1 (~r1 )ψ2 (~r2 ) − ψ1 (~r2 )ψ2 (~r1 )] . 2 (2.4) Observe que ao se fazer ~r1 → ~r2 , ψS → 2ψ1 ψ2 , enquanto que ψA → 0. A autofunção total, como dito anteriormente, deve ser antissimétrica, sendo obtida pelo produto da função de onda espacial pela de spin. Assim, se a autofunção espacial for simétrica, a autofunção de spin deve ser antissimétrica e vice-versa. Desta forma, obtém-se: Ψtotal ψ (~r , ~r ) ⊗ χ S 1 2 A = ψ (~r , ~r ) ⊗ χ . A 1 2 (2.5) S Utilizando as autofunções dadas por 2.5, pode-se calcular a energia dos estados singleto e tripleto: Z ES = Z ET = ψS∗ HψS dV1 dV2 (2.6) ψA∗ HψA dV1 dV2 , (2.7) em que H é a hamiltoniana efetiva do sistema. Considerando o setor normalizado de spin, nota-se que: ~1 · S ~2 , ~ 2 = (S ~1 + S ~2 )2 = S ~2 + S ~ 2 + 2S S total 1 2 em que 11 (2.8) 2. Noções importantes sobre o magnetismo − 3 , para S total = 0 (singleto) 4 ~ ~ S1 · S2 = 1 , para S total = 1 (tripleto) 4 (2.9) O hamiltoniano efetivo pode ser escrito como [31]: H= 1 ~1 · S ~2 . (ES + 3ET ) − (ES − ET ) S 4 (2.10) O primeiro termo de 2.10 é constante. O segundo termo depende do spin das partículas, sendo muito importante na descrição das propriedades magnéticas dos materiais. Definindo a integral de troca como: ES − ET J= = 2 Z ψ1∗ (~r1 )ψ2∗ (~r2 )Hψ1 (~r2 )ψ2 (~r1 )dV1 dV2 , (2.11) pode-se reescrever o termo dependente do spin de 2.10 da seguinte forma: ~1 · S ~2 . Hspin = −2J S (2.12) Dessa forma, se a constante de troca J é positiva, então ES > ET e o estado de tripleto é energeticamente favorável. Por outro lado, se J é negativo, então ES < ET e o estado singleto torna-se energeticamente favorável. Conforme dito anteriormente, a situação descrita aqui envolve apenas dois elétrons. No entanto, os sistemas magnéticos possuem um número enorme de elétrons, de tal forma que resolver a equação de Schrödinger para estes sistemas se torna impraticável. Entretanto, a interação de troca tem origem na superposição de funções de ondas, o que leva a supor que essa interação seja relevante apenas em pequenas distâncias [32], isto é, em uma rede cristalina, apenas as partículas magnéticas mais próximas estão acopladas por esta interação. Essa consideração leva ao modelo de Heisenberg: Hspin = − X ~i · S ~j , Ji,j S i,j em que Jij é a constante de troca entre os spins localizados nos sítios i e j. 12 (2.13) 2. Noções importantes sobre o magnetismo 2.2 Interação Dipolar A interação dipolar tem origem puramente eletromagnética, surgindo da intera- ção entre os dipolos que compõem o material. Pode-se mostrar que o campo magnético devido a um dipolo magnético m ~ em um ponto ~r é dado por [33,34]: ~ dip (~r) = µ0 1 [3(m B ~ · r̂)r̂ − m] ~ , 4π r3 (2.14) em que r̂ é o vetor unitário que une o dipolo e o local onde se pretende calcular o campo, µ0 é a permeabilidade magnética do vácuo. Sabe-se também que a energia de ~ é dado um dipolo magnético m ~ 0 colocado em uma região com um campo magnético B ~ Assim, supondo que o material é composto de momentos magnéticos por E = −m ~ 0 · B. localizados, a energia resultante desta interação é ,então, dada por: Edip ~i·m ~ j ) − 3(m ~ i · r̂ij )(m ~ j · r̂ij ) µ0 X ( m . = 3 4π i>j rij (2.15) Observe que a energia depende da distância e orientação relativa entre os momentos de dipolos. Uma estimativa desta energia pode ser feita considerando o sistema composto por dois dipolos separados de uma distância ~r e assumindo valores típicos, como |~µ1 | = |~µ2 | = 1µB e |~r| = 2Å. Supondo ainda que µ ~ 1 seja paralelo a µ ~ 2 e que também seja paralelo a ~r, a energia é: E= µ0 µ2B = 2, 1 · 10−24 J, 4πr3 (2.16) em que µB é o magneton de Bohr. A temperatura correspondente (E = kB T , kB é a constante de Boltzmann) a esse valor de energia é um pouco menor que 1K. Entretanto, a temperatura de ordenamento em ferromagnetos (temperatura de Curie) atinge algumas centenas de Kelvins. Sendo assim, essa energia não consegue causar o ordenamento ferromagnético. 13 2. Noções importantes sobre o magnetismo 2.3 Anisotropia de Forma Anisotropia é uma tendência direcional de uma propriedade física de um mate- rial. Se uma propriedade, por exemplo, a susceptibilidade magnética não varia quando é medida ao longo de três eixos perpendiculares entre si, fala-se que a amostra é isotrópica em relação a sua suscetibilidade magnética. Caso contrário, diz-se que existe uma anisotropia de suscetibilidade magnética. O magnetismo, nos materiais, depende basicamente de três fatores: (i) da intensidade dos momentos magnéticos associados aos átomos ou íons vizinhos, (ii) da distância entre os íons vizinhos e (iii) da simetria da rede cristalina. Assim, as propriedades magnéticas da maioria dos materiais ferromagnéticos são dependentes da direção. Particularmente, a anisotropia de forma tem sua principal origem na interação dipolar entre os momentos magnéticos que compoem o material. A energia de interação dipolar, descrita na equação 2.15 decai com a distância entre os dipolos ao cubo. Dessa forma, energia dipolar total em sistema magnético diverge se o sistema for infinito, sendo fisicamente aceitável apenas em sistemas finitos. Z Edip ∝ V d3 r = r3 Z 1 dr . r (2.17) Amostras finitas exibem polos em sua superfície, levando a formação de um “campo perdido” (stray field ) fora da amostra. Por sua vez, este campo é responsável pelo surgimento de um campo no interior da amostra, conhecido como campo de ~ d , produzido pela distribuição da magnetização. Da lei de Ampère desmagnetização, H aplicada em materias magnéticos, tem-se: ~ ·H ~ d = 0. ∇ (2.18) ~ d escrito como o gradiente de um A solução de 2.18 é bem definida, sendo H potencial escalar φ: ~ d = −∇φ. ~ H 14 (2.19) 2. Noções importantes sobre o magnetismo Por outro lado, outra equação de Maxwell é: ~ ·B ~ = 0, ∇ (2.20) ~ = µ0 (H ~ +M ~ ) é o vetor de indução magnética. Substituindo a equação 2.19 em que B ~ obtém-se a equação: em 2.20 e utilizando a definição de B, ~ ·M ~, ∇2 φint = ∇ (2.21) válida no interior do material ferromagnético [37]. Comparando 2.21 com a eletrostática, pode-se identificar: ~ ·M ~. ρM = −∇ (2.22) A solução geral para φ é dado por [34]: 1 φint (~r) = − 4π Z ~0 ~ 0 ∇ · M (~r ) 3 0 dr , |~r − ~r 0 | V (2.23) em que V é o volume ocupado pelo material, ~r representa a posição no espaço onde se deseja calcular o potencial e ~r 0 é a posição de uma porção infinitesimal do material. ~ = 0, e, dessa forma, Na região externa ao material, M ∇2 φf ora = 0. (2.24) A densidade superficial de cargas é obtida a partir de 2.22, aplicando-se o teorema da divergência e assim: ~ · n̂. σM = M (2.25) Assim pode-se expressar o potencial de modo mais realístico, num caso que envolva condições de contorno superfíciais, sendo dado por: 1 φ(~r) = − 4π Z ~ 0 ~ 0 I ~ (~r 0 ) ∇ · M (~r ) 3 0 1 n̂ 0 · M d r + dS 0 . 0 0 |~r − ~r | 4π S |~r − ~r | V 15 (2.26) 2. Noções importantes sobre o magnetismo A energia magnetostática devido ao seu próprio campo é dado por: Emag 1 = 2 Z ~ ·H ~ d d3 r. µ0 M (2.27) Como pode ser notado da equação 2.27, a energia magnetostática é minimizada ~ ·M ~ = 0 e n̂ · M ~ = 0. A existência quando o material não exibe polos, isto é, ∇ de domínios magnéticos é atribuída a esta anisotropia, pois tal energia é minimizada quando se tem a subdivisão do material ferromagnético [37]. A figura 2.1 é uma representação esquemática de domínios magnéticos, que são separados pelas chamadas paredes de domínios, as quais são regiões microscópicas que têm um comprimento da ordem de 10 − 10−2 nm, dependendo do material. Figura 2.1: Domínios magnéticos com paredes de domínio formando (a)180◦ e (b)90◦ . Figura extraída e adaptada da referência [31]. 2.4 Superparamagnetismo É conhecido que as propriedades magnéticas dos materiais são oriundas dos momentos magnéticos dos elétrons em camadas incompletas dos átomos, bem como de életrons desemparelhados na banda de condução. Os materiais magnéticos são aqueles que apresentam momentos magnéticos permanentes, com ordem espôntanea de longo alcance, tendo origem na interação de troca, vista anteriormente. O comportamento magnético das partículas é, em geral, fortemente dependente das suas dimensões [35]. Por exemplo, as partículas menores que se ordenam magneticamente tendem a ser monodomínios e, as maiores serão multidomínios. As partículas também tem outras propriedades que dependem das suas dimensões como, por exemplo, 16 2. Noções importantes sobre o magnetismo a temperatura de ordenamento magnético de nanopartículas depende de uma maneira regular com o diâmetro, podendo ser visto no comportamento de nanopartículas de maghemita (γ − F e2 O3 ) [36]. Neste ambiente acontece o fenômeno do superparamagnetismo, no qual os monodomínios comportam-se da mesma forma que um paramagneto: os momentos magnéticos são praticamente não interagentes entre si, ou seja, na ausência de campo magnético a magnetização é nula, no entanto, seu momento magnético total é várias ordens de magnitude maior que aqueles dos átomos individuais. Assim, o comportamento magnético desses materiais é bem explicado pelas funções de Langevin. Os momentos de cada uma dessas partículas podem apontar ao longo de diferentes direções, definidas pelo campo cristalino. A figura 2.2 mostra uma curva de magnetização em função do campo magnético de um superparamagneto, mostrando a ausência de histerese. Abaixo de uma certa temperaura, denominada temperatura de bloqueio, as mudanças de direção, devidas à agitação térmica, ficam mais difíceis de ocorrer, ocasionado pelo grande valor do momento magnético de cada monodomínio, fazendo com os momentos magnéticos estejam aparentemente congelados. Figura 2.2: Curva de magnetização versus campo magnético aplicado em um monodomínio. A probabilidade de girar o momento magnético é proporcional a exp(−∆E/kB T ), em que ∆E é a variação de enegia entre os estados final e inicial [35]. Uma revisão mais detalhada sobre as interações e anisotropias magnéticas é encontrada nas referências [31], [37–41]. 17 2. Noções importantes sobre o magnetismo 2.5 Nanomagnetismo O nanomagnetismo é a área de pesquisa em Física que trata das propriedades magnéticas dos objetos na escala nanoscópica e mesoscópica. Ele engloba o estudo das propriedades e aplicações do magnetismo de nanopartículas isoladas, nanofios, filmes finos e multicamadas e amostras magnéticas volumosas que incorporam partículas nanoscópicas. Materiais que contém partículas, filmes e outras estruturas em escala nanoscópica são frequentemente classificados como materiais nanoestruturados. Durante os últimos vinte anos, houve um grande avanço nas técnicas de fabricação de várias estruturas em nanoescala, bem como o desenvolvimento de novas tecnologias capazes de explorar as propriedades físicas desses objetos. O nanomagnetismo tem muitas aplicações práticas, da geologia à gravação magnética, dos ferrofluidos ao transporte de drogas que podem ser direcionadas a orgãos ou tecidos específicos [42]. Esses materiais podem ser encontrados na natureza ou produzidos artificialmente. Na natureza, eles são constituídos de magnetita (F e3 O4 ), podendo ser encontrados em bactérias, insetos e alguns animais, servindo como sistema de orientação espacial [43]. Por outro lado, quando fabricados artificialmente, as nanoestruturas podem ser modeladas nas mais variadas formas geométricas, sendo que suas propriedades magnéticas são altamente dependentes da sua forma. Aplicações no âmbito nanométrico requerem alto grau de sofisticação em técnicas experimentais. A evolução tecnológica dessas aplicações foi possível devida ao aperfeiçoamento das técnicas de preparação de amostras em escalas nanométricas, além de técnicas de imagem em alta resolução. A compreensão desses materiais somente é possível entendendo as interações magnéticas e anisotropias apresentadas anteriormente. O avanço nas técnicas de produção de nanomateriais também permite construir novos materiais com propriedadades magnéticas pré-estabelecidas, além de controlar a geometria, o tamanho e simetria da rede de spins, bem como o nível de desordem nesses materiais em escala microscópica. Como exemplo, pode-se citar a fabricação de um material análogo ao gelo de spin tridimensional, construído por Wang e colabora18 2. Noções importantes sobre o magnetismo dores [17], que utilizaram nanopartículas ferromagnéticas dispostas em uma rede com uma geometria particular, permitindo estudar e entender melhor a física de sistemas frustrados. 19 Capítulo 3 Técnicas de Simulação Neste capítulo serão discutidos as técnicas computacionais utlizadas neste trabalho. Será abordado, na primeira seção, o método de Monte Carlo e alguns algoritmos utilizados para sua implementação. Em seguida, será feita uma descrição sobre a soma de Ewald, uma técnica importantíssima para este estudo. 3.1 O Método de Monte Carlo No tratamento de sistemas de muitos corpos, técnicas de simulações compu- tacionais são bastantes úteis. As propriedades termodinâmicas destes sistemas são investigados pelo famoso método de Monte Carlo (MC), o qual se aplica aos mais diversos ramos da economia, matemática, biologia e muitas outras áreas. Particularmente, na física é utilizado desde a mecânica estatística à física de partículas. Este método consiste em gerar as configurações em equilíbrio térmico mais relevantes do espaço amostral do sistema, as quais são utlizadas para calcular valores esperados das grandezas termodinâmicas, tais como energia, calor específico, magnetização, susceptibilidade magnética, etc [44]. No equilíbrio, o valor esperado de uma grandeza termodinâmica é dado por: hAi = em que Z = P σ 1 X Ai e−βEi , Z i (3.1) exp(−βEσ ) é a função de partição canônica, β = 1/kB T , kB é a 20 3. Técnicas de Simulação constante de Boltzmann e hAi i é o valor esperado da grandeza A no estado de energia Ei . O somatório em i é feito sobre todos os microestados acessíveis ao sistema e, em geral, tal soma não pode ser efetuada devido ao grande número de configurações envolvidas. O método de Monte Carlo consiste em escollher as M configurações mais relevantes do sistema em cada temperatura e calcular as quantidades físicas por meio de uma média aritmética simples, dada pela equação hAi = M 1 X Ai . M i (3.2) As M configuraçõe são obtidas através de uma cadeia de Markov, em que novos estados são gerados a partir dos estados anteriores. Ao se utilizar o método de MC em simulações independentes, a trajetória percorrida pelo sistema no espaço de fase, dificilmente será a mesma, entretanto, as médias das grandezas físicas permanecem inalteradas. Em simulações de sistemas clássicos de spin, existem diversos algoritmos de MC que podem ser utilizados, destacando-se os algoritmos de Metropólis e Wolf. A seguir será feita uma breve descrição do algoritmo de Metropolis. Uma leitura mais aprofundada no assunto é encontrada na referência [44]. 3.1.1 Algoritmo de Metropolis Este algoritmo foi criado por Nicholas Metropolis e colaboradores [45] em 1953. Este algoritmo certamente é o mais importante e utilizado para os processos de Markov, além de possuir relevância histórica no processo de divulgação da simulação computacional na física. No método de Metropolis clássico, as configurações são geradas partindo de um estado inicial e usando uma probabilidade de transição que depende da diferença entre as energias do estado inicial e final. A sucessão de estados segue um caminho ordenado de tempo interno, chamada de tempo de MC (uma medida do “tempo” de simulação). O comportamento da dependência temporal é descrito pela equação mestra: 21 3. Técnicas de Simulação X ∂Pn (t) =− Pn (t)Wn→m − Pm (t)Wm→n , ∂t n6=m (3.3) em que Pn (t) é a probabilidade do sistema se encontrar no estado n no tempo t e Wnm é a taxa de transição do estado n para o estado m. No equilíbrio, ∂Pn (t)/∂t = 0, obtendo dessa forma a condição de balanço detalhado: Pn (t)Wn→m = Pm (t)Wm→n . (3.4) A probabilidade de ocorrência de um estado n, no ensemble canônico é dado por 3.5. Pn (t) = e−βEn . Z (3.5) Em geral, esta probabilidade não é conhecida, pois envolve o conhecimento prévio da função de partição, sendo calculada analiticamente somente em alguns sistemas mais simples. A maneira encontrada para se estimar os valores esperados de grandezas termodinâmicas seria escolher um número suficientemente grande de estados seguindo a distribuição de probabilidade 3.5, podendo ser feita pelo algoritmo de Metropolis. A taxa de transição é dada por 3.6. Wn→m e−β∆E ∆E > 0 = 1 ∆E < 0 , (3.6) em que ∆E = En − Em é a diferença de energia entre as configurações n e m. Assim, o método de Metropolis pode ser implementado seguindo o algoritmo: 1. Escolha um estado inicial para o sistema (aleatório por exemplo). 2. Escolha aleatoriamente um sítio i da rede. 3. Calcule a variação de energia ∆E necessária para se modificar a direção original ~i . de S 22 3. Técnicas de Simulação 4. Gere um número aleatório r uniformemente distribuido entre 0 e 1. 5. Se Pn (t) > r inverta o spin. 6. Volte ao passo 2. Quando este procedimento é repetido N (em que N é número de sítios da rede) fala-se que um passo de MC foi dado. As primeiras configurações criadas devem ser desprezadas, pois não seguem uma distribuição de probabilidade dada por 3.5, período este chamado de tempo de termalização. A determinação do tempo de termalização é um trabalho de suma importância para que os resultados obtidos sejam confiáveis. 3.2 Soma de Ewald A interação dipolar desempenha um papel importante na determinação das propriedades de sistemas bidimensionais, podendo estabelecer ordem de longo alcance em ferromagnetos bidimensionais em temperautura finita [46–52]. É responsável pela reversão da magnetização entre as fases planares e “fora do plano” em filmes finos magnéticos [53–55]. Está associada com a formação de fases moduladas [56], através de uma competição com as forças de curto alcance, com o surgimento de faixas e bolhas em filmes finos [57], [58]. Promove também a formação de superestruturas coloidais em nanocristais [59–61]. Uma característica marcante da interação dipolar é o seu decaimento espacial lento, o qual deve ser cuidadosamente tratado nas simulações. Limitando a interação dipolar em apenas uma célula (isto é, a rede em questão), como geralmente é feito para potenciais de curto alcance, conduz a uma série de resultados imprecisos [62]. A maneira correta de trabalhar com a interação dipolar é levar em conta sua natureza de longo alcance e repetir a célula de simulação de maneira periódica no espaço, isto é, implementando condições de contorno periódicas e, assim, realizar a soma de Ewald para a energia [63–65]. A seguir, as expressões importantes para a energia encontram-se resumidas. Uma dedução formal da soma de Ewald é apresentada no Apêndice A. 23 3. Técnicas de Simulação A implementação de condições de contorno periódicas em sistemas com interação dipolar é uma tarefa não-trivial. A maneira mais fácil seria replicar o sistema em todas direções, até um determinado raio de corte nc e realizar a soma das interações dos N dipolos da célula básica (rede original) com os outros dipolos dessa célula e com suas imagens (réplicas do sistema). Assim: Hdip N nc 1 XX = 2 i,j=1 ( 0 ~ n ~i · S ~j ~i · (~rij + ~nL)][S ~j · (~rij + ~nL)] S [S − 3 |~rij + ~nL|3 |~rij + ~nL|5 ) , (3.7) em que a linha no somatório em ~n = (nx , ny , nz ) mostra que para ~n = 0, o termo i = j não é considerado e ~n indica o número de cópias do sitemas (dessa forma, ni ∈ N). Uma forma apropriada de se calcular 3.7 é obtida através da soma de Ewald. Esta técnica consiste em quebrar a interação dipolar em dois termos: um de curto alcance e o outro de longo alcance e realizar a soma deste último termo no espaço recíproco. A expressão final é dada por: HEwald = HRe + Hf ourier + Hsup + Hself , (3.8) em que Hre representa a soma dos termos de curto alcance, sendo realizada no espaço real, Hf ourier é a parte correspondente dos termos de longo alcance, efetuada na espaço recíproco (ou espaço de Fourier), Hsup considera os termos de superfície e, por fim, Hself é o termo de autointeração. A expressão para esses termos são dados por: N nc n o 1 XX 0 ~ ~ ~ ~ Hre = − B(|~rij + ~nL|)Si · Sj + C(|~rij + ~nL|)[Si · (~rij + ~nL)][Sj · (~rij + ~nL)] , 2 i,j=1 ~ n (3.9) Hf ourier = X πX ~ || (G)F ~ ∗ (G) ~ +π ~ ⊥ (G)F ~ ∗ (G) ~ , h1 (G)F h2 (G)F || ⊥ A A ~ =0 G6 ~ =0 G6 24 (3.10) 3. Técnicas de Simulação Hsup √ N 2 πα X z z = S S , A i,j=1 i j (3.11) 2α3 N Hself = − √ , 3 π (3.12) em que a linha no somatório sobre ~n = (nx , ny ) (o sistema tratado aqui é bidimensional) significa que o termo i = j é omitido quando ~n = 0, N é o número de sítios da rede e ~ = (2π/L)~n A = L2 é a área da rede (L expressa o tamanho de um lado do sistema), G é o vetor de onda e erf c(x) é a função erro complementar. Além do mais, B(r) = − erf c(αr) 2α exp(−α2 r2 ) √ − , r3 r2 π 2α erf c(αr) √ + C(r) = 3 r5 π 3 + 2α2 r2 exp(−α2 r2 ) , r2 erf c(G/2α) , G ~ =− h1 (G) 2α G G2 ~ h2 (G) = √ exp − 2 − Gerf c , 4α 2α π ~ = F|| (G) N X ~ ·S ~i )exp(iG ~ · ~ri ) , (G (3.13) (3.14) (3.15) (3.16) (3.17) i=1 ~ = F⊥ (G) N X ~ · ~ri ) . Siz exp(iG (3.18) i=1 Observe ainda a existência de um parâmetro α que regula a rapidez com que as séries (no espaço real e recíproco) convergem, de forma que ambas possam ser truncadas e ainda se obter resultados confiáveis. Para isso, este parâmetro deve ser escolhido de forma a minimizar o erro no cálculo da energia. 25 Capítulo 4 Gelos de Spin A Teoria de Landau dos Líquidos de Fermi (TLLF) [66,67] foi um dos grandes paradigmas da física da matéria condensada até o final da década de 1970. Essa teoria, elaborada por Landau em 1956, faz uma análise perturbativa sobre um tipo particular de estado fundamental, isto é, os estados obtidos a partir do preenchimento dos níveis de energia de partículas simples. Ela consegue descrever o comportamento de metais, semicondutores, isolantes, materiais magnéticos, supercondutores e superfluidos. Basicamente, a teoria prevê que toda excitação em sistemas de matéria condensada seria ou do tipo elétron, carregando suas características, momentum, spin-1/2 e carga elétrica, ou seria do tipo mágnon (quantum de energia associado a ondas de spin na matéria), carregando energia, momentum e spin−1, não possuindo, entretanto, carga elétrica. Outra teoria importante em física é a Teoria das Transições de Fase de Landau (TTFL), que está associada com transições do tipo ordem-desordem e quebra de simetria. A TTFL descreve quase todas as fases conhecidas como a sólida, superfluida, ferromagnética, supercondutora, bem como todas as transições de fases entre elas, sendo aplicável em sistemas fracamente correlacionados. Juntas, a TLLF e TTFL descreviam, de maneira satisfatória, toda física sobre fases e transições de fase até o final de 1970. No início da década de 1980 começaram a sugir novos materias que quebravam esses paradigmas, isto é, observavam-se excitações magnéticas que não se comportavam nem como elétron, nem como mágnon, ou transições de fase topológicas (como a 26 4. Gelos de Spin de Berezinskii-Kosterlitz-Thouless [68], [69]) que violam a TTFL, surgindo fenômenos novos e atraindo a atenção de muitos pesquisadores para esta área. Em 1996 foi descoberta uma nova classe de materias conhecidos como gelos de spin. Estes materias exóticos violam a TLLF, tendo como excitações emergentes no sistema, quasi-partículas que se assemelham com o monopolo magnético: uma partícula fundamental hipotética que se comporta como um ímã de um único polo. Em termos mais gerais, o monopolo magnético possuiria carga magnética isolada, sendo previsto pela física de altas energias, principalmente pelas Teorias de Grande Unificação e Supercordas [70]. Neste capítulo será feita um revisão sobre o conceito de frustração geométrica, muito importante para se começar a estudar os gelos de spin. Também será feita uma revisão sobre esses materiais em três e duas dimensões espaciais, da sua interação, do surgimento das excitações do tipo monopolo magnético e de sua estrutura cristalina. 4.1 Frustração Geométrica O conceito de frustração geométrica está associado à incapacidade do sistema de minimizar simultaneamente todas interações entre pares. Quando essa incapacidade é resultado direto da geometria da rede, ela é denominada frustração de origem geométrica, ou simplesmente, frustração geométrica [71–74]. Para ilustrar esse conceito, a figura 4.1 mostra três redes de spin com diferentes geometrias: quadrada, triangular e tetraédrica. Para mostrar os efeitos da frustração geométrica, considere spins do tipo Ising (spins com orientação restrita a apenas uma direção) arranjados nestas redes, sujeitos a interação antiferromagnética (essa interação faz com que os spins prefiram se alinhar antiparalelamente uns aos outros). Analisando a figura 4.1, observa-se que é possível posicionar todos os spins satisfazendo todas as interações entre pares simultaneamente no quadrado (figura 4.1.a), entretanto, o mesmo não é possível nas outras duas geometrias: o triângulo apresenta pelo menos uma interação frustrada e, no tetraedro, pelo menos duas interações não são satisfeitas. 27 4. Gelos de Spin Figura 4.1: Exemplos de redes com geometrias diferentes, na qual são dispostos spins do tipo Ising, acoplados antiferromagneticamente. O conceito de frustração geométrica é bastante amplo, não ficando restrito em sistemas de matéria condensada, onde é relacionado com uma grande variedade de fenômenos que vão desde a supercondutividade em altas temperaturas [75] ao comportamento de ferritas utilizadas em diversas aplicações em microeletrônica [76]. A frustração geométrica é um fenômeno importante na área de estudo de sistemas neurais, e um fator crucial em diferentes processos biológicos, como o enovelamento de proteínas, processo necessário para que elas assumam as mais diversas funcionalidades [77], [78]. Contudo, a frustração geométrica é melhor visualizada e estudada em sistemas de spins devido à relativa simplicidade dos modelos magnéticos. Grande parte dos materiais magnéticos convencionais perdem parte de sua entropia ao serem resfriados em temperaturas próximas a temperatura de Weiss, θw , sendo observadas anomalias no comportamento da susceptibilidade e/ou calor específico magnéticos. Essas anomalias são características de uma transição de fase que corresponde ao estabelecimento de uma ordem de longo alcance, resultante do fato de que as flutuações térmicas apresentam energia menor que a energia de troca entre os spins, fazendo com que o sistema seja incapaz de atingir o estado fundamental. Materiais magnéticos formados por estruturas frustradas, como as ilustradas nas figuras 4.1(b) e 4.1(c), apresentam um número grande de estados fundamentais degenerados. O triângulo, por exemplo, quando considerado isoladamente possui seis estados fundamentais degenerados,no caso de spins do tipo Ising. Uma rede macroscópica formada por uma estrutura de spins arranjados em uma geometria triangular possui uma extensa multiplicidade de estados fundamentais, o que impede o estabelecimento de uma ordem magnética de longo alcance em temperaturas muito inferiores à escala de energia 28 4. Gelos de Spin das interações entre spins. Tal situação é mostrada na figura 4.2, onde pode ser observado que o inverso da susceptibilidade magnética de um material frustrado segue a lei de Curie-Weiss até temperaturas bem abaixo de θw , apresentando ordem magnética em uma temperatura inferior TN θw . Figura 4.2: Representação do comportamento do inverso da susceptibilidade magnética, 1/χ, como função da temperatura em (esquerda) magnetos sem frustração (direita) magnetos com frustração. Figura extraída da referência [72]. A razão entre estas duas temperaturas f = θw /TN é conhecida como índice de frustração f , sendo usado para quantificar, de uma maneira bem simples, o nível de frustração do material. Em outras palavras, quanto maior o valor de f mais o sistema é frustrado. 4.2 Estrutura Pirocloro Os óxidos magnéticos de pirocloro A2 B2 O7 formam uma ampla família de ma- teriais que exibem uma grande variedade de fenômenos magnéticos e uma rica termodinâmica, embora grande parte destes fenômenos ainda não são bem compreendidos. Nestes óxidos, ambos íons, trivalentes A3+ , sendo A um elemento de terra-rara como Gd, T b, Dy, Ho, etc ou Y , ou os íons tetravalentes B 4+ (B = Ti, Sn, Mo, Mn) residem sobre duas subredes independentes e interpenetradas de pirocloro. A figura 4.3 mostra apenas uma dessas subredes, a subrede A, por exemplo. No A2 B2 O7 ou pode-se ter as 29 4. Gelos de Spin subredes A ou B ocupadas por apenas um único íon magnético, como é observado no T b2 T i2 O7 e Y2 M n2 O7 , ou ambas redes podem ser ocupados por íons magnéticos, como no T b2 M o2 O7 . Figura 4.3: Rede de pirocloro, sendo ocupada por íons de Dy 3+ e Ho3+ nos materiais Dy2 T i2 O7 , Ho2 T i2 O7 . Figura estraída da referência [79]. Como discutido por Villain et al, há trinta anos atrás [80], a rede de pirocloro é altamente frustrada quando os íons possuem spin isotrópico de Heinserberg, interagindo com seus primeiros vizinhos acoplados antiferromagneticamente. Os óxidos de pirocloro podem ser metálicos (como o N d2 M o2 O7 que exibe o fenômeno do efeito Hall anômalo) ou isolantes, como no caso das séries A2 T i2 O7 e A2 Sn2 O7 . Será abordado daqui em diante apenas as séries isolantes, com Dy ou Ho sendo os íons magnéticos representados por A. T i4+ e Sn4+ são íons não-magnéticos, de forma que, a rede de pirocloro possui apenas um íon magnético. A rede de pirocloro pode ser convenientemente descrita como uma rede cúbica de face centrada (FCC), com uma célula base tetraédrica de quatro sítios, podendo estar orientada para cima ou para baixo. Essa estrutura possui ainda uma simetria trigonal em relação a qualquer uma de suas quatro direções < 111 >, isto é, as diagonais da célula cúbica da figura 4.3. 4.3 A desordem do próton no gelo da água Outro problema com consequências importantes, que deve ser discutido aqui antes de se prosseguir no estudo dos gelos de spin, é o problema da desordem do 30 4. Gelos de Spin próton no gelo da água, que culminou no estabelecimento da regra do gelo “two-in, two-out ”, a qual é observada nos gelos de spin. O gelo da água é um exemplo de um sistema fortemente correlacionado em física da matéria condensada, violando a terceira lei da termodinâmica. No início da década de 1930, numa série de notáveis experimentos que envolviam a medição do calor específico, feito por Willian Giauque e colaboradores [81], [82], foi observado que mesmo em baixas temperaturas, os estados do gelo da água são caracterizados por uma entropia residual S0 = 0, 82 ± 0, 05 Cal/deg · mol, que difere de zero, em contraste com a terceira lei. Em um famoso artigo em 1935, Linus Pauling mostrou que devido a uma desordem configuracional do próton no gelo da água, essa possui uma entropia finita estimada em 0, 81 Cal/deg · mol [83], muito próxima do valor experimental obtido. O problema do gelo é um exemplo clássico de como a separação das escalas de energia em sistemas interagentes podem levar a alguns graus de liberdade efetivos em baixas energias, consequência de um sistema altamente frustrado, isto é, incapaz de minimizar sua energia em baixas temperaturas via processos dinâmicos locais. A energia de ligação química da molécula de água é 221 Kcal/mol, de forma que sua estrutura química é praticamente inalterada na fase sólida. Assim, o estado fundamental do gelo não pode minimizar a energia eletrostática de um ensemble neutro de íons O2− e H + . Nas fases do gelo hexagonal (“wurtzite”) e cúbica (“sphalerite”), os íons O2− organizam-se em estruturas tetraédricas abertas, de forma que o ângulo de 109◦ acomoda perfeitamente as ligações H − O − H de uma moléluca de água isolada. Na fase wurtzite, o comprimento da ligação entre os íons O2− é 2, 7Å e como a estrutura molecular da água é mantida na fase sólida, a posição de mínima energia de um próton H + não é o ponto médio entre dois íons O2− , existindo duas posições para um próton entre uma ligação O − O. Na fase de estrutura hexagonal existe este efeito para cada ligação O − O, em média. Essa restrição imposta pela organização extremamente robusta da molécula de água resulta na denominada regra do gelo, termo cunhado por Bernal e Fowler [84], o qual dita quais configurações do próton no gelo são energeticamente favoráveis. A primeira regra do gelo afirma que, em média, existe apenas um próton por ligação O − O. A segunda regra diz que para cada íon O2− , dois prótons 31 4. Gelos de Spin H + estariam mais próximos deste e dois mais distantes (regra “two-in, two-out”).De acordo com a primeira regra do gelo, Bernal e Fowler argumentaram que os hidrogênios localizavam-se na ligação O−O, entre duas moléculas H2 O vizinhas. Propuseram ainda a existência de estrutura cristalina regular para os prótons, esperando ser este o caso. Contudo, na mesma época, Giauque e colaboradores obtiveram uma forte evidência da entropia residual do gelo da água. Todos esses fatos fizeram com que Pauling propusesse, em 1935, que a estrutura aberta do tetraedro do gelo leva a muitas maneiras equivalentes de se satisfazer a regra do gelo, e dessa forma, a existência de uma entropia residual. Pauling apresentou um elegante argumento para estimar o valor dessa entropia. Primeiramente, ele considerou um mol de gelo contendo N0 íons de O2− e, portanto, 2N0 liações O − O para a estrutura hexagonal do gelo, de forma que não se podia ter dois prótons ocupando uma mesma ligação O − O. Assim, todas as ligações obedecem à primeira regra do gelo. Cada ligação entre oxigênios possui duas possíveis posições para o próton, levando a 22N0 configurações possíveis para o hidrogênio na rede como um todo. Existem ainda dezesseis possíveis arranjos para a posição do oxigênio na célula tetraédrica, entretanto dez delas são energeticamente desfavoráreis: a configuração OH42+ , 4 configurações OH3+ , 4 configurações OH − e a configuracão O2− . Dessa forma, apenas 6 configurações satisfazem a regra do gelo, podendo agora calcular um limite superior para o número de estados fundamentais, Ω0 : 2N0 Ω0 ≤ 2 6 16 N0 N0 3 = , 2 (4.1) e assim, através da equação de Boltzmann, pode-se fazer uma estimativa da entropia residual: 3 S0 = kb ln(Ω0 ) = N0 kB ln = 0, 81 Cal/deg · mol . 2 32 (4.2) 4. Gelos de Spin 4.4 Gelos de Spin em 3D Gelos de spin são caracterizados pela presença de momentos magnéticos µ ~ i re- sidindo sobre os sítios i de uma rede de pirocloro. Um aspecto importante nesses materiais é a existência de uma forte anisotropia devido ao campo cristalino, fazendo com que os spins se alinhem na direção do centro de cada tetraedro, como pode ser visto na figura 4.4. Figura 4.4: Spins arranjados sobre dois tetraedros adjacentes, satisfazendo a regra do gelo “two-in, two-out” [85]. Esse fato, aliado com uma interação ferromagnética entre spins, resulta na frustração das interações entre spins num tetraedro. A interação ferromagnética requer que para quaisquer dois pares de spins no tetraedro, um esteja apontando para seu centro e o outro para fora. Dessa forma, é impossível posicionar os spins no tetraedro satisfazendo essa condição em todos pares. Somente quatro das seis interações ferromagnéticas entre pares de spin podem ser satisfeitas, falando-se então que esta interação no tetraedro é frustrada. Pode-se fazer agora uma analogia entre a estrutura do gelo da água comum e o posicionamento dos spins no tetraedro na rede de pirocloro magnética. Esta analogia ficou ainda mais completa após a descoberta de que o valor da entropia residual dos compostos Dy2 T i2 O7 , Ho2 T i2 O7 é aproximadamente igual ao valor encontrado para o gelo da água, resultando na nomeação de gelos de spin para estes materiais [86]. Podese utilizar o mesmo argumento de Pauling para calcular a entropia residual destes 33 4. Gelos de Spin materiais em baixas temperaturas. Assumindo que os tetraedros são independentes, pode-se calcular a entropia residual a partir do número de diferentes configurações que obedecem à regra do gelo. Devido a anisotropia cristalina, cada spin possui apenas duas configurações possíveis, apontando para dentro ou para fora de cada tetraedro. Assim, em cada tetraedro têm-se dezesseis configurações, das quais, apenas seis satisfazem a regra do gelo. Portanto, a razão de configurações estáveis é 6/16 em cada tetraedro, de forma que, se o material é composto por N spins, existem N/2 tetraedros e o número de configurações que respeitam a regra do gelo é 2N (6/16)N/2 . Utilizando a relação de Boltzmann, S = kB lnΩ, a entropia residual é dada por: N2 # 3 3 R S0 = kb ln 2 , = ln 8 2 2 " N (4.3) em que R = N kB é a constante molar dos gases, N é o número de Avogadro e kB é a constante de Boltzmann. O valor experimental da entropia residual encontrada para Dy2 T i2 O7 foi feita por Ramirez e colaboradores, em um experimento similar ao de Giauque, medindo o calor específico deste composto [86]. A variação da entropia magnética entre duas temperaturas, é obtida a partir da seguinte equação: Z T2 ∆S = S(T2 ) − S(T1 ) = T1 C(T ) dT . T (4.4) No regime paramagnético, em altas temperaturas, a entropia esperada por molécula vale S(T2 ) = Rln(2), uma vez que cada spin possui somente duas configurações. Dessa forma, a entropia residual S(T1 ) é obtida a partir da subtração entre esse valor e o resultado da integração do calor específico. O valor obtido por Ramirez et al para uma amostra na forma de pó do material Dy2 T i2 O7 foi S(T1 = 0, 3 K) = 1, 86 Jmol−1 K −1 , estando de acordo com a estimativa de Pauling, 1, 68 Jmol−1 K −1 . Um dos trabalhos teóricos que motivou este estudo foram feitos por Moessner e Sondhi. Em seu trabalho, o grupo do professor Moessner [12] argumenta sobre a existência de mais um caso do fenômeno de fracionalização, mostrando que monopolos magnéticos emergem naturalmente através do comportamento coletivo dos momentos magnéticos interagentes nos gelos de spin. Os gelos de spin apresentam momentos mag34 4. Gelos de Spin néticos µ ~ i , com magnitude de aproximadamente dez magnetons de Bohr contribuindo para uma razoável energia magnetostática dipolar. Ao mesmo tempo, a interação de troca entre os elementos terras-raras é pequena, devido ao fato de que os orbitais 4f semipreenchidos são fortemente blindados pelos orbitais 5s, 5p e 5d. Por isso, ao contrário do que ocorre na maioria dos metais de transição magnéticos, a interação dipolo-dipolo não pode ser tratada perturbativamente, devendo ser incluída no hamiltoniano para descrever as interações entre os momentos de dipolo magnéticos nesses materiais. Desta forma, o hamiltoniano que descreve esses materiais é dado por: X êi · êj JX ~ ~ (êi · ~rij )(êj · ~rij ) 3 H= −3 (Si · Sj ) + Da Si Sj , 3 5 3 |~ r | |~ r | ij ij i,j (4.5) hi,ji em que D = µ0 µ2 /4πa3 é a constante de interação dipolar, a ≈ 3, 54 Å, é o espaçamento de rede e ~rij indica a posição dos spins na rede. Observe que os momentos magnéticos estão vinculados a apontar ao longo de seus respectivos eixos locais êi , podendo ser modelados como spins do tipo Ising, µ ~ i = µSi êi . Castelnovo et al [12] mostraram que parte da interação dipolar em 4.5 é equivalente a substituir todas as interações entre dipolos magnéticos por interações coulombianas entre cargas magnéticas líquidas. Assim, uma pequena deformação no hamiltoniano foi feita, trocando a energia de interação entre dipolos pela energia de interação de “halteres”, consistindo de cargas magnéticas opostas de mesma magnitude, qi , em suas extremidades. A energia de configuração dos dipolos é calculada como a energia de interação entre cargas magnéticas entre cada par em um halter, dado pela lei de Coulomb. µ qq 0 i j , i 6= j 4π |~rij | V (~rij ) = V0 q 2 , i = j i (4.6) As propriedades incomuns dos gelos de spin surgem do seu estado fundamental exótico. A energia do estado fundamental é obtida se cada sítio do tetraedro for P neutro, isto é, os halteres devem ser arranjados de forma que Qα = 4i=1 qi = 0 em 35 4. Gelos de Spin cada sítio, e tal configuração obedece à regra do gelo. Passando agora para a análise dos estados excitados, o grupo do professsor Moessner mostrou que a excitação mais simples envolve a inversão de um simples halter, de forma que em um dado sítio temse três spins entrando e dois saindo (configuração 3 − in 1 − out) do tetraedro e no tetraedro adjacente, tem-se a configuração contrária, três spins saindo e um entrando (configuração 1 − in 3 − out), gerando um momento de dipolo líquido local de 2µ, correspondente aos dois sítios vizinhos com cargas magnéticas opostas Qα = ±2µ/a. A figura 4.5 ilustra o primeiro estado excitado. Figura 4.5: Primeiro estado excitado do sistema: uma simples inversão de um dipolo leva a criação de um par de cargas magnéticas. A esfera azul representa uma carga magnética positiva, enquanto, a vermelha representa uma carga magnética negativa [87]. Um fato interessante é que um par de monopolo-antimonopolo, em sítios vizinhos, pode ser separado sem maiores violações da regra do gelo, simplesmente invertendo uma cadeia de halteres adjacentes. Dessa forma, um par de monopolos separados por uma distância ~rij , experimenta uma interação coulombiana de −µ0 Qi Qj /4π|~rij | medida por campos magnéticos monopolares. A figura 4.6 mostra um par de cargas separados pelo processo descrito acima. A cadeia de dipolos invertidos (corda de Dirac) encontra-se destacada. Estas cordas que conectam os monopolos não são energéticas, não havendo conflito com a condição de quantização da carga elétrica, pois as cordas são observáveis. Em 2009 foram realizados vários experimentos que culminaram com a observação destas quasi-partículas nos gelos de spin, confirmando, dessa forma, mais um caso do fenômeno de fracionalização em três dimensões espaciais [13], [16]. As técnicas utilizadas nos experimentos foram o espalhamento de nêutrons, que utiliza o momento de dipolo magnético do nêutron como sonda, e rotação do spin muônico de campo 36 4. Gelos de Spin Figura 4.6: Esquema ilustrativo da separação de um par de cargas através de uma inversão sucessiva de dipolos [87]. transverso, µSR (“transverse field muon spin rotation”). Esta técnica permite conhecer informações sobre os campos magnéticos locais da amostra, sendo obtido a partir do processo de decaimento do múon, fornecendo informações sobre a dependência temporal destes campos. Em ambos experimentos, foi verificado que as cargas interagem via potencial de Coulomb e que, ao se aplicar um campo externo, as cargas são aceleradas, de forma que também foram observadas correntes de cargas magnéticas. Também foi observado, através de medidas do calor específico, que a densidade de cargas magnéticas pode ser controlada pela temperatura e campo magnético aplicado. 4.5 Gelos de Spin Bidimensionais Magnetos que exibem frustração geométrica são excelentes laboratórios para o estudo do fenômeno da frustração, entretanto, para uma melhor compreensão de sistemas frustrados é interessante ter um controle completo da geometria da rede, do tamanho e simetria da rede de spins, bem como do nível e tipo de desordem nesses materiais em escala microscópica. Por outro lado, estudar o comportamento de spins individualmente nas amostras sem alterar seu estado também é uma tarefa complicada. Uma maneira de se contornar este problema encontra-se no uso de sistemas bidimensionais, formados de arranjos ferromagnéticos, construídos a partir de técnicas 37 4. Gelos de Spin litográficas [17,88,89]. Em 2006, um grupo da Universidade do Estado da Pennsylvania fabricou o gelo de spin bidimensional [17]. O material consiste de nanoilhas de permalloy (uma liga de ferro e níquel, N i0,81 F e0,19 ) arranjados em uma rede quadrada. As ilhas são alongadas, com seu eixo maior alternando sua orientação com os eixos principais do sistema (x e y), apresentando dimensões suficientemente pequenas, de forma que, os spins eletrônicos são alinhados ferromagneticamente em um domínio simples. (a) Imagem de AFM (b) Imagem de MFM Figura 4.7: Imagens do gelo de spin produzido artificialmentte por Wang et al [17]. O sistema possui parâmetro de rede variando entre 320 nm e 880 nm, com tamanho da ilha fixo (80 nm X 220 nm X 25 nm), o momento magnético de cada ilha vale aproximadamente 3 · 107 µB , o que leva uma energia de interação entre nanoilhas da ordem de 10−19 J. Na figura 4.7(a) é mostrada uma imagem topográfica obtida por um microscópio de força atômica (AFM) de uma rede construída destas partículas. Por outro lado, a identificação da direção dos momentos magnéticos individuais de cada ilha pode ser feito com o uso de um microscópio de força magnética, permitindo o estudo da influência da geometria da rede na interação magnética entre as nanoilhas (MFM), conforme é mostrado na figura 4.7(b). A frustração é intrínseca ao sistema, sendo muito similar àquela do gelo de spin tridimensional, podendo ser melhor visualizada ao se considerar um vértice contendo quatro ilhas. As configurações de pares de spins em que um aponta para o centro e o 38 4. Gelos de Spin outro para fora possuem uma energia dipolar menor do que as configurações em que os dois spins apontam para dentro ou para fora do vértice, como ilustra a figura 4.8. (a) Configurações Favoráveis (b) Configurações Desfavoráveis Figura 4.8: Configurações favoráveis e desfavoráreis do ponto de vista energético entre pares de spin [17]. Como é impossível orientar todos os momentos, de forma que todos pares de um dado vértice tenham uma configuração favorável, nota-se claramente que o sistema é frustrado: dos seis pares possíveis de spins que podem ser formados, apenas quatro podem ser minimizados simultaneamente, mostrando que a geometria da rede não acomoda a interação dipolar existente no sistema. Assim, a rede é naturalmente frustrada. Wang e colaboradoes ainda classificaram as possíveis configurações de spin sobre um dado vértice de acordo com a energia dipolar e a percentagem esperada de cada ocorrência de cada configuração, supondo uma distribuição aleatória de spins (ver figura 4.9). Figura 4.9: 16 possíveis configurações sobre um vértice de quatro ilhas [17]. Em seguida, foram construídas redes com diferentes espaçamentos de rede entre as nanoilhas, sendo feita uma estatística do número de ocorrência para cada tipo de configuração, como pode ser observado na figura 4.10. Dessa forma, quando as partículas estão mais próximas, mais de 70% das configurações observadas são aquelas 39 4. Gelos de Spin que obedecem à regra do gelo, tipos I e II. Com o aumento do espaçamento de rede, as interações entre as nanoilhas tornam-se mais fracas, e a percentagem de cada tipo tende para o valor esperado, supondo orientações aleatórias dos momentos de dipolo magnético. Figura 4.10: Estatística da percentagem observada dos diferentes tipos de configurações como função do parâmetro de rede [17]. 40 Capítulo 5 Excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais Neste capítulo serão apresentados os resultados obtidos no estudo de excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais e artificiais, através de simulações computacionais em redes quadradas de spins. Para este fim, um programa foi elaborado na linguagem de programação fortran 90. O software xmgrace foi utilizado na confecção dos gráficos e o software xmakemol foi utilizado para gerar as figuras do sistema. Foram utilizados os computadores do GISC (Grupo de Investigação de Sistemas Complexos) para a obtenção dos dado. 5.1 Modelo Considerou-se aqui uma rede similar à experimentalmente construída por Wang et al [17]. Para isto, o momento de dipolo de cada ilha foi trocado por um momento de dipolo puntiforme e centrado na mesma, de forma que em cada sítio (xi , yi ) da rede, duas varíaveis de spins foram definidas: ~h = (±1, 0, 0), localizados em ~rh = (xi + 1 , yi ); • S 2 ~v = (0, ±1, 0), localizados em ~rv = (xi , yi + 1 ). • S 2 ~h ou S ~v , de forma que em uma rede Assim, pode-se representar as ilhas por S de área L2 possui 2L2 spins. A interação entre as nanoilhas é de longo alcance, sendo 41 5. Excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais essencialmente dipolar, uma vez que o comprimento de interação de troca, no permalloy, é de apenas alguns nanometros [91] e a separação entre as nanoilhas é muito maior que esse comprimento. Dessa forma, o hamiltoniano do sistema é, então, dado por : " # X S ~i · S ~j ~i · ~rij )(S ~j · ~rij ) ( S H = Da3 , −3 3 5 |~ r |~ r ij | ij | i6=j (5.1) em que D = (µ0 µ2 /2πa3 ) é a constante de interação dipolar e a é o espaçamento de rede. A soma é feita em todos pares de spins e suas imagens, utilizando condições de contorno periódicas, de forma que a soma de Ewald, apresentada no capítulo 3, foi utilizada. 5.2 5.2.1 Resultados Sistema sem defeitos estruturais Considerou-se aqui uma rede se spins sem defeitos estruturais. O primeiro obje- tivo foi determinar o estado fundamental do sistema e em seguida estudar as excitações sobre o estado fundamental. Para isto, utilizou-se o método conhecido como Simulated Annealing [44], que consiste basicamente de um cáculo de Monte Carlo em que a temperatura do sistema é reduzida gradualmente em cada passo do processo, sendo possível determinar a configuração em que a energia é mínima. Foram feitos vários testes para diferentes tamanhos de rede (6a ≤ L ≤ 120a). A configuração final encontrada é mostrada na figura 5.1, sendo duplamente degenerada. O estado fundamento previsto nas simulações foi, muito recentemente, observado experimentalmente [93]. Foi observado ainda, a existência de quatro topologias distintas para a configuração de quatro momentos magnéticos em cada vértice (figura 5.2), concordando com os resultados experimentais encontrados na literatura. Observe que o estado fundamental obedece a regra do gelo, de forma que dos spins que se encontram em cada vértice, dois apontam para dentro e dois para fora, com energia por spin igual a Ef ≈ −7, 2 D. Note também que a topologia T2 também satisfaz esta regra, no entanto, possui energia 4 vezes maior que a topologia T1 , mos- 42 5. Excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais Figura 5.1: Configuração do estado fundamental obtida para uma rede L = 6a. Figura 5.2: Quatro topologias distintas para a configuração de quatro momentos magnéticos em um dado vértice. trando que nem toda configuração que obedece a regra do gelo é uma configuração do estado fundamental. O primeiro estado excitado é obtido fazendo uma simples inversão de um momento de dipolo, levando a, por exemplo, três momentos saindo e um entrando em um dado sítio e o oposto no sítio adjacente criando, dessa forma, um par de cargas nestes vértices, conforme é observado na figura 5.3. A energia necessária para se criar um par de cargas é Epar ≈ 29 D. O momento de dipolo destacado em azul na figura 5.3(a) terá sua orientação mudada, criando uma carga magnética positiva (polo norte) representado pelo círculo vermelho e uma carga magnética negativa (polo sul) representado pelo círculo preto na figura 5.3(b). Estas cargas podem, a princípio ser separadas continuamente, sem maiores violações da regra do gelo simplesmente flipando uma cadeia de dipolos adjacentes. Entretanto, ao começar o processo de separação de cargas magnéticas surgem no sistema excitações do tipo “cordas” (strings) de tensão não nula ligando os mono43 5. Excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais (a) Estado fundamental. (b) Primeiro estado excitado. Figura 5.3: Processo de criação de um par de cargas. polos. As cordas aparecem devido a uma mudança de topologia na região entre as cargas, passando da topologia T1 para topologia T2 , sendo evidenciado pelo aumento linear no gasto energético para separar as cargas. Assim, a energia de uma corda de comprimento X pode ser expressa da forma bX, em que b é uma constante associada com a tensão efetiva da corda. Deve-se distinguir o tamanho da corda X, da distância entre as cargas R, normalmente X ∝ R. O modelo proposto indica que o custo energético total para separar um par de cargas é dado pelo potencial coulombiano adicionado a um potencial confinante linear, que como visto anteriormente, está associado ao aparecimento de cordas energéticas ligando os pares de cargas. Assim, se R é a distância entre os pares, o potencial de interação é dado por: VN (R) = q + bX(R) + c , R (5.2) em que q está asscociado com o potencial coulombiano atrativo gerado pelo par de monopolos, sendo possível a partir de seu valor, determinar a magnitude da carga magnética carregada pelas excitações. b é uma constante associada com a tensão da corda e X é seu comprimento e, por último, c encontra-se relacionada com a energia de criação de um par de cargas. Para a obtenção das constantes da equação 5.2 foram 44 5. Excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais utilizadas vários tipos de cordas, entretanto serão apresentados dois casos particulares: cordas do tipo I e II, conforme pode ser visto na figura 5.4. Na situação 5.4(a), √ √ R = 2a, enquanto X(R = 2a) = 2a, no entanto em 5.4(b) tem-se que R = 2a e X(R = 2a) = 4a. Os resultados obtidos utilizando cordas de outros formatos são similares. (a) Tipo I. (b) Tipo II. Figura 5.4: Cordas utilizadas no processo de separação de cargas. Partindo do estado fundamental, as cargas são separadas repetindo o mesmo padrão das cordas I e II. A energia de cada passo é então calculada e em seguida subtrai-se a energia do estado fundamental, restando apenas a energia potencial de interação de cada configuração. A figura 5.5 ilustra o processo de separação de cargas usando as cordas I e II. Os spins destacados em azul indicam os locais por onde uma das cargas magnéticas passou. Os momentos de dipolos destacados em verde indicam o próximo passo do processo de separação. O potencial V (r) como função de r = R/a, é mostrado na figura 5.6, obtido para uma rede de tamanho L = 120a. O comportamento de V (r) é aparentemente linear, como pode ser visto no inset das figuras 5.6(a) e 5.6(b).Contudo, uma regressão não linear com a função fq (R) = q/R + b0 R + c (linha tracejada em azul) foi feita, sendo em seguida subtraída da regressão linear (linha contínua em vermelho), ficando evidente que o par de cargas interage através do potencial dado em 5.2. O parâmetro b da equação 5.2 não é obtido diretamente do ajuste não linear, pois antes disto é preciso determinar como X(R) varia com R, o que claramente depende da forma da corda. √ Sendo assim, para as corda da figura 5.4, tem-se que b = b0 / 2 para 5.4(a), enquanto para a corda da figura 5.4(b), b = b0 /2. Os resultados apresentam uma dependência muito pequena com a forma da 45 5. Excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais (a) Separação de cargas usando strings do tipo I. (b) Separação de cargas usando strings do tipo II. Figura 5.5: Processo de separação de cargas para uma rede de L = 10a. (a) Potencial seguindo uma corda do tipo I. (b) Potencial seguindo uma corda do tipo II. Figura 5.6: Potencial de interação entre um par de cargas magnéticas como função r = R/a. corda e o tamanho da rede, podendo ser atribuídos a efeitos de tamanho finito de rede e a limitações do modelo. Os valores encontrados para as constantes da equação 5.2 são q ≈ −4, 0 Da, b ≈ 10D/a e c ≈ 23, 4D. Considerando o potencial coulombiano gerado por um par de cargas magnéticas −µ0 Q2M /4πR, pode-se obter o valor da carga magnética neste sistema, comparando com seu análogo obtido nas simulações q/R. Dessa p forma, tem-se que |q| = µ0 Q2M /4π e assim, QM = ± 4π|q|/µ0 ≈ 2, 8 µ/a. Utilizando o parâmetro de rede da referência [17], a ≈ 320 nm, o valor da carga magnética nos gelos de spin bidimensionais é QM ≈ 2, 4 · 10−9 Cm/s, sendo da mesma ordem de grandeza 46 5. Excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais que a carga fundamental de Dirac, QD = 2π~/µ0 e ≈ 3, 29 · 10−9 Cm/s. Observe agora, as semelhanças dos monopolos magnéticos descritos aqui com os monopolos de Nambu: • Na teoria proposta por Nambu, os monopolos interagem através do potencial de Yukawa enquanto, nos gelos de spin 2D, as cargas interagem via potencial de Coulomb, um caso particular do potencial de Yukawa. • Segundo Nambu, a corda que liga o par de cargas é energética (e, portanto, observável) e orientada. Se a corda é muito grande, sua energia é dominante. Da mesma forma ocorre nos gelos de spin bidimensionais: a corda que conecta um par de cargas é energética e orientada, pois sua energia depende da forma da corda. Também foi visto que a corda contribui no potencial com um termo que cresce linearmente com a separação das cargas, de forma que se um par de cargas é separado por uma distância muito grande, este termo domina o termo de Coulomb. A tensão da corda pode ser reduzida artificialmente simplesmente construindo sistemas com o espaçamento de rede maior, uma vez que b ∝ 1/a, todavia esta alteração diminuiria a magnitude da carga magnética pois QM também é inversamente proporcional ao espaçamento de rede. No entanto, para separar um par de cargas de um espaçamento de rede é necessária uma quantidade alta de energia (≈ 10D), de forma que, em baixas temperaturas não existe energia térmica suficiente para separar as cargas de longas distâncias (e consequentimente criando cordas mais longas que conectam o par de cargas), de forma que as cargas são sempre encontradas aos pares. Por outro lado, à medida em que a temperatura é aumentada, a separação entre os pares de cargas também cresce, bem como o número de caminhos existentes para se conectar essas cargas. A figura 5.7 mostra três maneiras de se ligar um par de cargas com separação linear R = 7a e comprimento da corda X = 15a. Assim, para um par de cargas separados de uma distância R, existem muitas maneiras de se conectar uma corda de comprimento X nessas cargas (X R). Comparando este problema com o problema da caminhada aleatória (ver referência [32]) é possível afirmar que a corda 47 5. Excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais possui uma entropia configuracional, devido ao grande número de maneiras de se ligar um par de cargas. (a) (b) (c) Figura 5.7: Três tipos particulares de corda com comprimento X = 15a ligando um par de cargas com separação R = 7a. O número de configurações acessíveis para o m-ésimo passo da caminhada aleatória é N = µm , para uma rede bidimensional é igual a 3. Dessa forma, para uma corda com X R, o número de configurações acessíveis à corda (N ) pode ser aproximado X pelo resultado obtido da caminhada aleatória: N ≈ µ a . Dessa forma, utilizando a relação de Boltzmann, fica claro ver que a entropia da corda é proporcional a R. Visto que a energia de um par monopolo-antimonopolo também é proporcional a R, a energia 48 5. Excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais livre Helmholtz do sistema é dada por F = [b−ln(3)kB T /a]X e, desse modo, a entropia efetiva da corda é dada por Scorda = b − ln(3)kB T /a. Assim, esse argumento mostra que, do ponto de vista teórico, um deconfinamento de cargas é possível em duas dimensões espaciais em temperaturas acima de kB T = ba/ ln(3) ≈ 9, 1D. Contudo mais calculos e simulações são necessários para verificar a existência desse deconfinamento de cargas em 2D. 5.2.2 Sistema com defeitos estruturais Os gelos de spin bidimensionais são produzidos através de técnicas litográfi- cas, de modo que nem sempre é possível fabricar uma rede homogênia, ou seja, livre de imperfeições. É muito comum durante o processo de fabricação alguma ilha ficar deformada, devido as limitações das técnicas utilizadas, e uma descrição teórica que leva em conta esse tipo de defeito não intencional é necessária. Por outro lado, existe a possibilidade de se construir uma rede de spins em que os defeitos presentes sejam intencionais como, por exemplo, o caso em que uma nanoilha esteja ausente em um determinado sítio da rede. Em geral, o estudo de sistemas com defeitos estruturais revela uma série de novos fenômenos com reais possibilidades de aplicações tecnológicas [92,94–99]. Aqui será abordado o caso em que a rede foi construída com um defeito intencional, em que uma única nanoilha é ausente (vacância) em uma dada posição do sistema, como mostra a figura 5.8. O objetivo agora seria determinar qual o efeito da presença da vacância sobre o potencial de interação entre monopolos. O estado fundamental encontrado é o mesmo observado para uma rede normal, ilustrado na figura 5.1, sendo obtido por meio do método Simulated Annealing . No entanto, sobre os vértices em que a vacância se encontra tem-se, por exemplo, 3 spins saindo e 1 entrando e 2 entrando e 1 saindo do vértice adjacente. Nota-se agora que esta configuração não mantém a neutralidade magnética sobre estes sítios, existindo um momento magnético líquido não nulo sobre estes vértices. Existe ainda a possibilidade dos dipolos assumirem a configuração 3 entrando em um determinado sítio e 3 saindo do sítio vizinho, sendo esta configuração mais energética do que qualquer arranjo do tipo 2-in 1-out. 49 5. Excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais Figura 5.8: Gelo de spin artificial fabricado com um defeito. Figura extraída e adaptada de [17]. Considerando que o defeito apenas pertube o potencial de interação entre os monopolos magnéticos e não altere o módulo da carga magnética encontrada na rede sem defeitos, pretende-se analisar o efeito causado pelo defeito no potencial de interação entre cargas, verificando se a vacância interage com os monopolos magnéticos. O procedimento apresentado na seção anterior para calcular o potencial de interação de cargas foi utilizado aqui, ou seja, partindo do estado fundamental separou-se duas cargas criados por meio de cordas do tipo I e II, como pode ser visto na figura 5.9. Os círculos branco e cinza representam o defeito, enquanto que os círculos vermelho e preto representam um monopolo magnético positivo e negativo respectivamente. Dessa forma, foi possível determinar a energia potencial de interação, VD (R), deste sistema. A figura 5.10 mostra VD como função de r = R/a, seguindo uma corda do tipo I, em que os círculos em preto representam a energia potencial do sistema com a vacância e a linha tracejada em vermelho, a energia potencial obtida para uma rede sem defeitos estruturais. De fato, em uma primeira análise, o potencial de interação de cargas é praticamente inalterado pela presença da vacância, o que está de acordo com a suposição inicial. Para analizar o efeito da vacância no sistema, calculou-se ∆ = VD (R) − VN (R), ficando agora somente a energia de interação entre as excitações magnéticas usuais 50 5. Excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais (a) (b) Figura 5.9: Processo de separação de cargas em uma rede com uma vacância em uma rede de tamanho L = 6a. (monopolos magnéticos e cordas) e o defeito. Assumindo que a vacância se comporte como um par de cargas opostas (indicadas pelos círculos branco e cinza da figura 5.9) e que a corda não interaja com o defeito, o problema se reduz à interação entre quatro monopolos magnéticos, um par com carga (Q1 , −Q1 ) e o segundo com carga (Q2 , −Q2 ), sendo possível obter uma expressão analítica para esta interação. O raciocínio utilizado para obter tal expressão é muito simples: primeiramente calcula-se a energia necessária para se trazer uma carga magnética do infinito até uma região que possui apenas uma carga magnética, na posição ~r1 , em seguida calcula-se a energia para se trazer uma terceira e quarta carga. A expressão final é dada por: µ0 1 Q22 1 1 1 EI = Q1 Q2 + − − − , 4π |~r13 | |~r24 | |~r14 | |~r23 | |~r34 | (5.3) em que ~rij = ~ri − ~rj com i, j = 1, ..., 4 e i 6= j, indica a posição dos quatro monopolos, Q1 = QM , em que QM é o módulo da carga magnética usual, Q2 = QV , com QV sendo o módulo da carga magnética induzida pela vacância e, por fim, Q22 = Q2V o produto entre as cargas induzidas pelo defeito. Por simplicidade, a carga 2 da figura 5.9 é sempre mantida fixa e cargas 3 e 4, induzidas pelo defeito, são naturalmente fixadas uma vez que a vacância é estática. Sendo assim, a expressão 5.3 pode ser reescrita como: 51 5. Excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais Figura 5.10: Potencial de interação obtido em uma rede de tamanho L = 80a com uma vacância. EI = K1 1 1 − |~r13 | |~r14 | + K2 , (5.4) em que: µ0 Q M Q V 4π µ0 1 Q2V 1 = − QM QV − . 4π |~r24 | |~r23 | |~r34 | K1 = (5.5) K2 (5.6) Dessa forma, pode-se utilizar a expressão 5.4 para se fazer uma regressão não linear em ∆, obtendo o valor da constante K1 e consequentemente o valor do módulo da carga magnética induzida pela vacância, QV , dado por: QV = 4πK1 . µ0 QM (5.7) O potencial de interação entre do sistema como função de r = R/a é mostrado nas figuras 5.11 e 5.12, obtido para uma rede de tamanho L = 80a ( em que a é o espaçamento de rede). A linha verde representa o potencial de interação entre cargas obtido para uma rede sem defeitos (VN (r)) e a linha tracejada em azul representa o ajuste não linear utilizando a expressão 5.4. Serão apresentados primeiramente os resultados obtidos para o caso em que a menor separação entre a vacância e a carga que se move (no caso, carga 1) é δ ≥ 2a (δ = 2a, 3a, 4a, 10a). Os círculos preto e 52 5. Excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais vermelho representam os pontos obtidos na simulação. Nas figuras 5.11, os círculos em preto foram obtidos para δ = 2a e os círculos em vermelho δ = 3a. Na figura 5.12, δ = 4a para os pontos em preto e δ = 10a para os círculos em vermelho. Nas figuras 5.11(a) e 5.12(a), o processo de separação de cargas foi feito seguindo cordas do tipo I, enquanto nas figuras 5.11(b) e 5.12(b) foi utilizada uma corda do tipo II. (a) ~rvac = (35, 38), ~rvac = (31, 35), corda I. (b) ~rvac = (32, 38), ~rvac = (28, 37), corda II. Figura 5.11: Potencial de interação carga-corda-vacância (a) ~rvac = (47, 52), ~rvac = (39, 50), corda I. (b) ~rvac = (48, 36), ~rvac = (40, 30), corda II. Figura 5.12: Potencial de interação carga-corda-vacância. Observando, por exemplo os círculos em preto no gráfico 5.11(a), inicialmente existe uma pequena repulsão entre a carga 1 (ver figura 5.9) e o defeito, quando a separação entre as cargas usuais é menor que R ≈ 21a. Nesse caso, a carga 1 encontrase mais próxima da carga positiva induzida pela vacância, de forma que o potencial de interação total é repulsivo. Quando R > 21a, a carga 1 está em uma configuração 53 5. Excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais em que encontra-se muito próxima da carga negativa induzida pelo defeito, fazendo com que o potencial apresente o pico acentuado atrativo em ∆. À medida em que R aumenta, a distância entre essas cargas cresce, de forma que a intensidade da interação diminui permanecendo, no entanto, atrativa. O mesmo raciocínio pode ser estendido para 5.11(b),5.12(a) 5.12(b). Os resultados mostram que K1 ≈ 2 Da sendo possível determinar a magnitude 4µ2 da carga da vacância, QV ≈ ≈ 1, 25·10−9 Cm/s. Observe que o valor encontrado QM a2 para a carga induzida pelo defeito é de aproximadamente metade do valor de QM , sendo que a topologia do defeito é um arranjo do tipo 2 − in, 1 − out. Assim, pode-se inferir que a carga magnética induzida pela vacância transporta uma fração da carga magnética usual, faltando repetir esse procedimento para o caso em que a topologia do defeito seja 3 − in ou 3 − out. Observa-se ainda um reforço na idéia da existência de excitações magnéticas do tipo monopolo e que para δ ≥ 2a, o módulo da carga magnética encontrada em uma rede sem defeitos não é alterado. Outro ponto verificado foi que, nessas separações, a interação entre o defeito e a corda é negligenciável, de forma que pode-se assumir que exista somente a interação carga-vacância. Por outro lado, para δ = 1a nota-se que a corda interage mais fortemente com o defeito, de modo que o ajuste não linear feito com a equação 5.4 não é bom, como mostra a figura 5.13. (a) ~rvac = (35, 37). (b) ~rvac = (38, 39). Figura 5.13: Potencial de interação carga-corda-vacância, utilizando uma corda do tipo (esquerda) I, (direita) II. 54 5. Excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais Observe que para separações entre cargas R . 21a, na figura 5.13(a), os pontos obtidos na simulação estão acima do ajuste não linear. Nessa situação, a corda encontra-se muito próxima de uma das cargas induzidas pela vacância interagindo repulsivamente, o que explica o fato da regressão não linear (que não leva em conta a interação corda-defeito) estar abaixo dos pontos obtidos via simulação. Para 21a . R . 27a, nota-se um pico de repulsão no gráfico que está associado com a repulsão coulombiana entre a carga 1 e o defeito e, em seguida, para separações R & 27a tem-se uma atração coulombiana. Agora os pontos obtidos na simulação estão abaixo do regressão não linear, fato este explicado novamente pela interação atrativa entre a corda e o defeito que diminui a energia de interação do sistema quando comparada com o caso em que somente as cargas intergem com o defeito. No entanto, o que acontece no sistema quando a menor separação carga-defeito é igual a 1a? Note que há uma mudança de topologia em cada vértice por onde a corda passa, que sai da topologia T1 para a topologia T2 . Essa configuração de momentos de dipolo pode ser tratada como um quadrupolo magnético, cujo campo em um ponto ~r é dado por: i Bquad (~r) = µ0 3 r|2 (ri δjk + rj δki + rk δki ) mjk , 7 5ri rj rk − |~ 4π 2 |~r| (5.8) em que: 2 mij = 3 Z ~r × J~ rj dV , (5.9) i V sendo J~ a densidade de corrente. Dessa forma, o campo gerado por um quadrupolo ~ quad ∝ 1/r4 ), sendo apreciável magnético decai muito rapidamente com a distância (B apenas nas proximidades da fonte. Assim, como a corda pode ser vista como uma sucessão de quadrupolos magnéticos localizados, seu campo se torna mais intenso somente quando a separação entre a corda e o defeito é pequena, podendo ser desprezada em distâncias maiores que um espaçamento de rede e, todo argumento utilizado para se fazer o ajuste não linear está incompleto. Entretanto, obter uma expressão fechada para o campo magnético gerado pela corda é complicado porque o número de vértices que estão na topologia T2 depende do tamanho e da forma da corda, que em príncipio 55 5. Excitações magnéticas em gelos de spin bidimensionais são arbitrários. 56 Conclusões e Perspectivas Estudou-se aqui as excitações magnéticas presentes nos gelos de spin bidimensionais e artificiais. Foi observado que o comportamento coletivo de grandes quantidades de dipolos localizados, bem como seu arranjo em uma rede especialmente organizada leva a emergência de quasi-partículas que se comportam como o famoso monopolo magnético. Considerando uma rede normal, isto é, isenta de defeitos estruturais, verificou-se que os monopolos interagem por meio do potencial de Coulomb adicionado a um potencial confinante linear, que está associado com o aparecimento de cordas energéticas conectando os pares de cargas. Este potencial, similar ao potencial de interação entre quarks, faz com que as cargas permaneçam confinadas em alguma região do sistema, ficando sempre próximas umas às outras. A corda energética é visível e surge durante o processo de separação de cargas, pois na região por onde uma das cargas passou, observa-se uma mudança de topologia naquele vértice, que sai do estado fundamental e passa para a topologia II. Foi visto também que a corda possui uma entropia configuracional, devido ao grande número de caminhos para se ligar um par monopoloantimonopolo, de modo que, devido a efeitos entrópicos, um deconfinamento de cargas seria possível em duas dimensões espaciais. Também foi analisado o caso em que rede é construída com um defeito estrutural, como uma nanoilha faltante (vacância) em um determinado vértice. Foi observado que a vacância induz o aparecimento de um par de cargas opostas, fixas na rede, e que se a topologia do defeito tiver uma arranjo de spins do tipo 2 − in, 1 − out (ou o contrário) o defeito carrega metade da carga dos monopolos magnéticos usuais. Os resultados mostram que as cargas e a corda interagem com o defeito, de tal forma que, quando a menor distância entre a vacância e um monopolo magnético e/ou a corda é maior 57 Conclusões e Perspectivas que dois espaçamentos de rede, a interação da corda com a vacância é desprezivel e a interação cargas-vacância é puramente coulombiana. Entretanto, quando a distância entre a carga (e / ou a corda) e o defeito é menor que 2a, a corda interage mais fortemente com a vacância, de uma forma complicada, que depende do tamanho e da forma da corda. Os estudos indicam que sobre cada vértice por onde a corda passa, existe um momento de quadrupolo adicional, de forma que a corda pode ser vista como um aglomerado de quadrupolos magnéticos localizados e, sendo assim, o campo criado pela corda decai muito rapidamente, sendo apreciável apenas em pequenas distâncias. A análise do sistema com defeitos estruturais foi feita supondo que uma dada nanoilha esteja faltando na rede, entretanto pode-se estudar o caso em que a nanoilha se encontre deformada, de modo que seu momento de dipolo resultante seja menor que o de seus vizinhos. Em uma recente conversa com o professor Peter Schiffer, da Pennsylvania State University, ele disse ter um número muito grande de amostras em que algumas nanoilhas saíram deformadas, por limitações da técnica de litografia ou problemas durante a fabricação do material, e que um estudo desse tipo de sistema seria muito interessante. Outras perspectivas para trabalhos futuros seria fazer a termodinâmica do sistema normal e com defeitos, para a rede quadrada, estendendo, em seguida, o modelo para as mais variadas geometrias, podendo observar se existem quantidades que são invariantes, como por exemplo a carga magnética, sob diferentes geometrias de rede. Também pode-se tornar o modelo mais realístico, considerando agora a forma de cada ilha, de modo que seu momento possua compenentes nas três dimensões espaciais. Parte deste trabalho foi publicado no Journal of Applied Physics [90]. 58 Apêndice A Dedução da Soma de Ewald em duas dimensões Nesse apêndice será apresentada uma dedução para as expressãoes usadas nas somas de Ewald em duas dimensões espaciais [100]. Sendo assim, seja V um potencial dado por A.1. V = N ∞ qi qj 1X X0 2 i,j=1 |~rij + ~n|2m (A.1) |~ n|=0 em que m = 1/2, 3/2, . . ., ~n = L(nx î + ny ĵ), nx , ny = 0, ±1, ±2, . . . , L é o tamanho da célula de simulação e, qi será definido em um momento mais apropriado. A linha do somatório significa que o termo i = j é omitido para ~n = 0. O primeiro passo na dedução é a escolha apropriada de uma função ωm (κr) para fatorizar 1/r2m , isto é: 1 r2m = 1 − ωm (κr) ωm (κr) + r2m r2m (A.2) em que ωm (κr) vá rapidamente para um, no limite de r grande e para zero, quando r tende a zero. Assim, o primeiro termo do lado direito da equação A.2 é de curto alcance, enquanto o segundo termo é de longo alcance. Dessa forma, utilizando a expressão A.2 pode-se fatorizar a equação A.1 da seguinte maneira: V = Vc + Vl 59 (A.3) Apêndice A: Dedução da Soma de Ewald em duas dimensões em que Vc é o termo de curto alcance dado por: N ∞ 1 X X 0 qi qj [1 − ωm (κ|~rij + ~n|)] Vc = 2 i,j=1 |~rij + ~n|2m (A.4) |~ n|=0 e Vl é o termo de longo alcance, Vl = N ∞ 1 X X 0 qi qj ωm (κ|~rij + ~n|) 2 i,j=1 |~rij + ~n|2m |~ n|=0 ∞ X qi qj ωm (κ|~rij + ~n|) 1 − Vs = 2 i,j=1 |~rij + ~n|2m N X (A.5) |~ n|=0 Observe que na segunda linha da equação A.5, o termo i = j para ~n = 0 foi reincluido na soma e Vs é o termo de autointeração dado por: N Vs = 1X 2 ωm (αr) qi lim 2 i=1 r→0 r2m (A.6) que pode ser simplificado utilizando a regra de L’Hopital. Usando as seguintes relações: X ωm (κ|~rij + ~n|) Z X ωm (κr) = δ(~r − ~rij − ~n)d~r |~rij + ~n|2m r2m ~ n (A.7) ~ n X δ(~r − ~rij − ~n) = 1 X ~ · (~r − ~rij )] exp[iG L2 (A.8) ~ G ~ n ~ = (2π/L)(nx î + ny ĵ), pode-se obter a seguinte expressão: em que G Z X ωm (κ|~rij + ~n|) 1 X ωm (κr) ~ ~ · ~r)d~r = 2 exp(−iG · ~rij ) exp(iG 2m |~rij + ~n| L r2m ~ n (A.9) ~ G Para sistemas quasi-bidimensionais, uma escolha adequada para a função ωm (κr) é ωm (κr) = γ(m, κ2 r2 ) Γ(m) (A.10) em que γ(m, κ2 r2 ) e Γ(m) são as funções gama incompleta complementar e a função 60 Apêndice A: Dedução da Soma de Ewald em duas dimensões gama incompleta, respectivamente. Pode-se agora calcular a transformada de Fourier da equação A.9, dada pela equação A.11. A demonstração desse calculo juntamente com o termo de auto-interação serão feitos posteriormente. Z γ(m, α2 r2 ) ~ · ~r)d~r = π exp(iG r2m G2 4 m−1 G2 Γ −m + 1, 2 4α (A.11) Outras relações ainda são muitos úteis para simplificar as expressões obtidas: γ(m, x) = Γ(m) − Γ(m, x) √ √ Γ 21 , x = πerf c( x) (A.12) Γ(n + 1, x) = nΓ(n, x) + xn e−x Fazendo qi = Siz e m = 3/2 obtém-se as expressões para os termos de curto alcance, Vcz , longo alcance, Vlz e de autointeração, Vsz . Vcz z z N ∞ Si Sj 1X X0 2α|~rij + ~n| 2 2 √ = erf c(α|~rij + ~n|) + exp(−α |~rij + ~n| ) 2 i,j=1 |~rij + ~n| π |~ n|=0 (A.13) Vl z N π XX 2α G2 G z z ~ · ~rij ) = Si Sj √ exp − 2 − Gerf c exp(−iG L2 i,j=1 4α 2α π ~ =0 G6 √ N 2 πα X z z + S S L2 i,j=1 i j (A.14) N 2α3 X z 2 Vsz = − √ (S ) 3 π i=1 i (A.15) ~is · ∇ ~ e m = 1/2. Por último, as componentes planares são obtidas fazendo qi = S Assim, N ∞ 1X X Vcs = 2 i,j=1 ) ( 0 ~is · S ~js −C(|~rij +~n|)[S ~is ·(~rij +~n)][S ~js ·(~rij +~n)] B(|~rij +~n|)S |~ n|=0 61 (A.16) Apêndice A: Dedução da Soma de Ewald em duas dimensões em que erf c(αr) 2α exp(−α2 r2 ) √ + r3 r2 π exp(−α2 r2 ) 3erf c(αr) 2α 3 2 √ C(r) = + + 2α r5 r2 π r2 B(r) = N ∞ ~is · G)( ~ S ~js · G) ~ π X X (S s erf c Vl = 2 ~ L i,j=1 |G| ~ |G| 2α ~ =0 |G|6 (A.17) (A.18) ! ~ · ~rij ) exp(−iG (A.19) e por último, Vss = − ~ |2 2α3 |S √ is 3 π (A.20) Combinando as expressões acima obtém-se as equações da soma de Ewald apresentadas no capítulo 3. A.1 Transformada de Fourier para soma de Ewald Será feita aqui a demosntração da equação A.11: γ(m, α2 r2 ) ~ · ~r)d~r = π exp(iG r2m Z G2 4 m−1 G2 Γ −m + 1, 2 4α (A.21) Rx em que γ(m, x) = 0 e−t tm−1 dt é a função gama imcompleta complementar R∞ e Γ(m, x) = x e−t tm−1 dt é a função gama incompleta. A equação A.21 pode ser reescrita da seguinte forma: Z 0 ∞ Z π −π γ(m, κ2 r2 ) iGr cos(θ) e rdθdr = π r2m G2 4 m−1 G2 Γ −m + 1, 2 4κ (A.22) em que a parte ângular da integral A.22 foi escrita em termos das funções de Bessel Rπ de primeiro tipo, isto é, J0 (Gr) = (1/2π) −π eiGr cos θ dθ. Portanto, é preciso provar somente a seguinte transformação de Hankel: 62 Apêndice A: Dedução da Soma de Ewald em duas dimensões ∞ Z 2 0 γ(m, α2 r2 ) J0 (Gr)dr = r2m−1 G2 4 m−1 G2 Γ −m + 1, 2 4α (A.23) Sejam u = Gr, IR o lado direito da equação A.23 e, IL o lado esquerdo. Dessa forma, IL e IR são dados por: IL = 2G2(m−1) ∞ Z 2 2 γ m, αGu2 (A.24) m−1 G2 0 Γ −m + 1, 2 = G2(m−1) IR 4α (A.25) 0 IR = G2(m−1) 4m−1 0 J0 (u)du = G2(m−1) IL u2m−1 0 0 A tarefa agora se resume em mostrar que IL = IR . Para esse fim, será necessário utilizar três relações: (i) teorma relacionado com as funções gama incompletas, que pode ser encontrado na página 942, equação 8.356(4) da referência [101]: Γ(m, x) dγ(m, x) =− = xm−1 e−x dx dx (A.26) (ii) O resultado da integral A.27, que é encontrado na página 717, equação 6.631(7) da referência [101]: Z ∞ 2 xe−ax J0 (x)dx = 0 1 − 12 e 4a 2a (A.27) (iii) Dois limites para as funções gama incompleta: γ(m, x → 0) = 0 Γ(m, x → ∞) = 0 (A.28) Das equações A.24, A.26 e A.27: 0 dIL α2m = −4 2m+1 dG G ∞ Z ue− α2 u2 G2 J0 (u)du = −2 0 α2m−2 − G22 e 4α G2m−1 (A.29) Por outro lado, das equações A.25 e A.26: 0 dIR α2m−2 G2 = −2 2m−1 e− 4α2 dG G 63 (A.30) Apêndice A: Dedução da Soma de Ewald em duas dimensões 0 0 A igualdade entre as derivadas de IL e IR juntamente com a condição (iii) 0 0 0 0 fornecem as mesmas condições de contorno sobre IL e IR , de modo que IL = IR e, consequentemente à equação A.11. Outro calculo que ainda deve ser feito é: γ(m, α2 r2 ) ωm (αr) = lim r→0 Γ(m)r 2m r→0 r2m lim (A.31) Aplicando a regra de L’Hopital, tem-se: 2α2 r(α2 r2 )m−1 e−α ωm (αr) = lim lim r→0 r→0 r2m 2mΓ(m)r2m−1 2 r2 2 2 α2m r2m−1 e−α r r→0 mΓ(m)r 2m−1 α2m = mΓm = lim Dessa forma, como Γ(1/2) = √ π e Γ(1 + x) = xΓ(x), então Γ(3/2) = (A.32) √ π/2, para m = 3/2 e obtém-se o seguinte resultado: ωm (αr) 4α3 √ = r→0 r2m 3 π lim 64 (A.33) Referências Bibliográficas [1] P. A. M. Dirac; “Quantised Singularities in the Eletromagnetic Field ”; Proceedings of the Royal Society (London) A 133, 60-72 (1931). [2] Y. Nambu; “Strings, monopoles, and gauge fields”; Physical Review D 10, 4262 (1974). [3] Y. Nambu; “String-like configurations in the Wienberg-Salam theory”; Nuclear Physics B 130, 505 (1977). [4] G. t’Hooft; “Magnetic Monopole in Unified Gauge Theories”; Nuclear Physics B 79, 276-284 (1974). [5] A. M. Polyakov; “Particle Spectrum in the Quantum Field Theory”; Zh. Eksp. Teor. Fiz. Pis’ma. 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