Universidade Católica de Brasília PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Direito A TRADIÇÃO CULTURAL E A PROTEÇÃO AMBIENTAL: O CASO DA FARRA DO BOI E A COLISÃO DE PRINCÍPIOS Autora: Neslita da Costa Silva Orientador: Dr. Arnaldo Sampaio Moraes Godoy BRASÍLIA 2008 NESLITA DA COSTA SILVA A TRADIÇÃO CULTURAL E A PROTEÇÃO AMBIENTAL: O CASO DA FARRA DO BOI E A COLISÃO DE PRINCÍPIOS Monografia apresentada ao curso de Graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Dr. Arnaldo Sampaio Moraes Godoy Brasília 2008 Monografia de autoria de Neslita da Costa Silva, intitulada "A TRADIÇÃO CULTURAL E A PROTEÇÃO AMBIENTAL: O CASO DA FARRA DO BOI E A COLISÃO DE PRINCÍPIOS", apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em , defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: _______________________________________________ Dr. Arnaldo Sampaio Moraes Godoy Orientador Direito - UCB _______________________________________________ Prof. (titulação). (nome do membro da banca) (curso) - (sigla da instituição) _______________________________________________ Prof. (titulação). (nome do membro da banca) (curso) - (sigla da instituição) Brasília 2008 Dedico este trabalho ao professor Godoy. AGRADECIMENTO A todos que colaboraram em mais uma etapa de minha vida. RESUMO SILVA, Neslita da Costa. A tradição cultural e a proteção ambiental: o caso da farra do boi e a colisão de princípios. 2008. 79 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito)-Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2008. A sociedade é organizada numa estrutura de normas que rege as suas relações sociais. A estrutura de normas é o ordenamento jurídico e em seu vértice está a Constituição. Neste contexto, os direitos fundamentais fazem parte deste sistema de imbricamento com função axiológica que coaduna com os princípios. É inevitável a colisão entre os princípios. Como não há hierarquia entre os princípios, a solução mais propícia é a ponderação de interesse. Assim há permissão da coexistência simultânea dos princípios em determinadas questões fáticas que mantém a unidade da Constituição. A flexibilidade constitucional consolida sua coesão para adequação das mutações da sociedade e preservação da dignidade humana. Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Colisão de Princípios. Ponderação de Interesses. ABSTRACT SILVA, Neslita da Costa. A tradição cultural e a proteção ambiental: o caso da farra do boi e a colisão de princípios. 2008. 79 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito)-Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2008. The company is organized into a framework of rules governing their social relationships. The structure of standards is the legal system and its apex is the Constitution. In this context, fundamental rights are part of this system of overlapping with that function axiological line with the principles. It is the inevitable collision between the principles. Because there is no hierarchy among the principles, the solution is more conducive to balancing of interest. Thus there allowed the coexistence of both the principles on certain issues fáticas that maintains the unity of the Constitution. The constitutional flexibility to consolidate their cohesion adequacy of changes in society and preservation of human dignity. Keywords: Fundamental rights. Principles of collision. Balance of interest. SUMÁRIO 1 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA TRADIÇÃO CULTURAL E DO MEIO AMBIENTE ............................................................................................................8 1.1 EVOLUÇÃO DO DIREITO ..................................................................................8 1.2 PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA TRADIÇÃO CULTURAL ........................15 1. 3 PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE..................................20 2 COLISÃO DE PRINCÍPIOS .................................................................................25 2.1 A NORMA .........................................................................................................25 2.2 OS PRINCÍPIOS E REGRAS ............................................................................26 2.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA.............................................................33 2.3 POSTULADOS NORMATIVOS.........................................................................37 2.4 COLISÃO DE PRINCÍPIOS...............................................................................39 3 O CASO DA FARRA DO BOI .............................................................................62 4 CONCLUSÃO......................................................................................................74 REFERÊNCIAS.........................................................................................................76 8 1 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA TRADIÇÃO CULTURAL E DO MEIO AMBIENTE 1.1 EVOLUÇÃO DO DIREITO A Constituição é a supremacia da positivação de normas importantes que regulam uma sociedade. Na dialética histórica os direitos aperfeiçoam-se cada vez mais sem exclusão dos existentes. Vale destacar que o rol de direitos fundamentais não está restrito a tão-somente a um artigo e sim disseminado por toda Constituição. A responsabilidade de tutelar a vida é tanto do Estado como da sociedade. E assim: O avanço que o direito constitucional apresenta hoje é resultado, em boa medida, da afirmação dos direitos fundamentais como núcleo da proteção da dignidade da pessoa e da visão de que a Constituição é o local adequado para positivar as normas asseguradoras dessas pretensões. Corre paralelos no tempo o reconhecimento da Constituição como norma suprema do ordenamento jurídico e a percepção de que os valores mais raros da existência humana merecem estar resguardados em documento jurídico com força vinculativa máxima, indene às maiorias ocasionais formadas na efervescência de momentos adversos ao respeito devido ao homem. 1 É de extrema importância os direitos fundamentais, assim Daniel Sarmento assevera: “[...] os direitos fundamentais incorporam uma relevante dimensão moral à ordem jurídica, exigindo do Estado e da sociedade em geral a adoção de um tratamento digno em relação a cada pessoa humana.” 2 Os direitos fundamentais asseguram à sociedade uma especial atenção valorativa à dignidade da pessoa humana bem como restringem a atuação do Estado. O limite do poder do Estado está inserto nos direitos fundamentais e, portanto: “Assim, os direitos fundamentais surgiram para limitar o poder do Estado.” 3 Não há uma limitação específica dos direitos fundamentais, pois estão disseminados por toda a Constituição, eis como salienta Gilmar Mendes: “O catálogo 1 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Direito constitucional. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 231. 2 SARMENTO, Daniel. Colisões entre direitos fundamentais e interesses públicos. In: SARMENTO, Daniel; GALDINO, Flávio (Org.). Direitos fundamentais: estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 268. 3 COUTO, Lindajara Ostjen. Os direitos fundamentais e seus limites. Disponível em: <http://www.ostjen.com.br/conteudo.php?TID=202>. Acesso em: 4 jun. 2008. 9 dos direitos fundamentais vem-se avolumando, conforme as exigências específicas de cada momento histórico.” 4 A evolução dos direitos passou por várias etapas conforme as mutações da sociedade: [...] Os direitos fundamentais de terceira dimensão, em que, na condição de direitos de solidariedade e fraternidade, de titularidade coletiva e difusa, desprendem-se da figura do indivíduo, destinando-se à proteção de grupos humanos. 5 A evolução das constituições retrata gerações de direitos pertinentes a cada tempo em mutação e exprime-se da seguinte forma: [...] As Constituições começam a se ocupar de uma nova tipologia de direitos de natureza transindividual, relacionados à qualidade de vida do homem [...] de terceira geração, não possuem titular certo, mas pertencem a uma série indeterminada de sujeitos, caracterizando-se pela indivisibilidade do seu objeto. Entre eles avultam, pela importância, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à preservação de valores culturais e espirituais, tais como os relacionados à proteção do patrimônio cultural e artístico. 6 O foco da Constituição reflete na preservação do meio ambiente para sua própria proteção. Uma vez que sem cuidar do ambiente não estimulará a qualidade de vida. Alexandre de Moraes continua: “[...] protege-se, constitucionalmente, como direitos de terceira geração os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado.” 7 A Revolução Francesa destaca-se nas mudanças de paradigmas de direito na tríade de liberdade, igualdade e fraternidade. Com a revolução de idéias, também a o reflexo na revolução do direito. Enfatiza-se que: Em rigor, o tema revolucionário do século XVIII, [...] exprimiu em três princípios cardeais todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais, profetizando até mesmo a seqüência histórica de sua gradativa institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade. 8 4 MENDES; COELHO; GONET BRANCO, 2008, p. 236. SBROGIOBALIA, Susana. Mutações constitucionais e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 127. 6 SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p. 65. 7 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 27. 8 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 562. 5 10 O paradigma de proteção dos direitos fundamentais evoluiu como as mutações da sociedade. Nesta evolução, vale destacar, segundo a maioria da doutrina há três gerações ou dimensões. Em concordância com estas palavras: Os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e qualitativo, o qual, segundo tudo faz prever, tem por bússola uma nova universalidade: a universalidade material e concreta, em substituição da universalidade abstrata e, de certo modo, metafísica daqueles direitos [...]. Enfim, se nos deparam direitos da primeira, da segunda e da terceira gerações, a saber, os direitos da liberdade, da igualdade e da fraternidade [...]. 9 As marcas das dimensões dos direitos existentes cumulam sempre com os novos e destacam os ideais da Revolução. Corroborando esta afirmação Gilmar Mendes diz: “[...] situa a evolução dos direitos fundamentais em três gerações.” 10 Na primeira geração não há a preocupação com as diferenças sociais. Assim, para Gilmar Mendes: “[...] são direitos em que não desponta a preocupação com desigualdades sociais. O paradigma de titular desses direitos é o homem individualmente considerado.” 11 A sociedade viveu muito tempo acorrentada e com os direitos da primeira dimensão conquistou a liberdade individual. Os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade, os primeiros a contarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos [...]. Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. [...] valorizam primeiro o homem-singular, o homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista que compõe a chamada sociedade civil, da linguagem jurídica mais usual. 12 Os de segunda geração, ao contrário da primeira geração apontam a questão de igualdades sociais e conforme Gilmar Mendes: “[...] são direitos de segunda geração, por meio dos quais se intenta estabelecer uma liberdade real e igual para todos, mediante a ação corretiva dos Poderes Públicos. Dizem respeito a assistência social, saúde, educação, trabalho, lazer etc.” 13 9 BONAVIDES, 2007, p. 563. MENDES; COELHO; GONET BRANCO, 2008, p. 233. 11 MENDES; COELHO; GONET BRANCO, 2008, p. 233. 12 BONAVIDES, 2007, p. 563-564. 13 MENDES; COELHO; GONET BRANCO, 2008, p. 233. 10 11 Vale destacar, portanto, que as características marcantes dessa geração são os direitos sociais e Gilmar Mendes: frisa que: “[...] direitos sociais, não porque sejam direitos de coletividade, mas por se ligarem a reivindicações de justiça social – na maior parte dos casos, esses direitos têm por titulares indivíduos singularizados.” 14 Os direitos de segunda dimensão frisam a igualdade e os direitos sociais e em consonância com esta passagem: Os direitos de segunda geração [...] dominam o século XX do mesmo modo como os direitos da primeira geração dominaram o século passado. São direitos sociais, culturais e econômicas bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social [...]. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar [...]. [...] tão importante quanto salvaguardar o indivíduo [...] era proteger a instituição, uma realidade social muito mais rica e aberta à participação criativa e à valoração da personalidade que o quadro tradicional da solidão individualista. [...]. 15 Vale ressaltar, que com a geração de novos direitos, não significou a exclusão dos já existentes e sim a coligação aos demais alargando mais o leque da diversidade dos direitos fundamentais: Se na fase da primeira geração dos direitos fundamentais consistiam essencialmente no estabelecimento das garantias fundamentais da liberdade, a partir da segunda geração tais direitos passaram a compreender, além daquelas garantias, também os critérios objetivos de valores, bem como os princípios básicos que animam a lei maior, projetando-lhe a unidade e fazendo congruência fundamental de suas regras. 16 Os princípios da igualdade e liberdade assumem o novo papel de garantia em prol dos direitos individuais: A concepção de objetividade e de valores relativamente aos direitos fundamentais fez com que o princípio de igualdade tanto quanto o da liberdade tomassem também um sentido novo, deixando de ser mero direito individual [...] para assumir [...] uma dimensão de garantia contra atos de arbítrio do Estado. 17 Enfim, os direitos de terceira geração enfocam a coletividade como se destaca em: Já os direitos chamados de terceira geração peculiarizam-se pela titularidade difusa ou coletiva, uma vez que são concebidos para a proteção 14 MENDES; COELHO; GONET BRANCO, 2008, p. 234. BONAVIDES, 2007, p. 564. 16 BONAVIDES, 2007, p. 568. 17 BONAVIDES, 2007, p. 568-569. 15 12 não do homem isoladamente, mas da coletividade, de grupos. Tem-se, aqui, o direito à paz, ao desenvolvimento, à qualidade do meio ambiente, à conservação do patrimônio histórico e cultural. 18 Em consonância com a preservação da paz, meio ambiente e patrimônio comum com a preocupação do desenvolvimento, a globalização tem-se que: Os direitos da terceira geração [...] não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatários o gênero humano [...]. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade. 19 Em harmonia com um ambiente ecologicamente equilibrado para satisfação da proteção da coletividade, o Poder público é distribuído equitativamente entre os entes federados brasileiros e neste sentido: Consagra a nova Constituição o direito (de 3ª geração) de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida. Coloca-o sob a proteção da coletividade e do Poder Público. A este atribui numerosas incumbências, que evidentemente deverão ser exercidas dentro da esfera de competências próprias a cada um. Quer dizer, ao Poder Público federal segundo a competência federal, ao estadual segundo a competência dos Estados etc. 20 Novos direitos marcam momentos e exigências de adaptações da sociedade às novas realidades e necessidades, eis a dialética. Isto significa que os novos direitos unem-se com os já existentes, como se observa que: [...] falar em sucessão de gerações não significa dizer que os direitos previstos num momento tenham sido suplantados por aqueles surgidos em instante seguinte. Os direitos de cada geração persistem válidos juntamente com os direitos da nova geração, ainda que o significado de cada um sofra o inflluxo das concepções jurídicas e sociais prevalentes nos novos momentos. Assim, um antigo direito pode ter o seu sentido adaptado às novidades constitucionais. 21 Em síntese, os direitos adaptam-se conforme as mudanças de novos paradigmas da sociedade, Gilmar Mendes conclui: “Pode ocorrer, ainda, que alguns chamados novos direitos sejam apenas os antigos adaptados às novas exigências do momento.” 22 18 MENDES; COELHO; GONET BRANCO, 2008, p. 234. BONAVIDES, 2007, p. 569. 20 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 33. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 374. 21 MENDES; COELHO; GONET BRANCO, 2008, p. 234. 22 MENDES; COELHO; GONET BRANCO, 2008, p. 234. 19 13 O Direito ambiental coaduna com a responsabilidade de todos para preservação do homem e da vida no planeta. Assim assevera-se que: [...] direitos de solidariedade [...] estão na Lei Magna o direito ao meio ambiente [...] Estes direitos são difusos, na medida que não têm como titular pessoa singularizada, mas “todos indivisamente sem direitos pertencentes ao uma coletividade enquanto tal.” 23 A proteção ambiental enfoca a responsabilidade e consciência da coletividade com o meio ambiente equilibrado para agora e para o futuro. No que se refere aos princípios fundamentais do direito ambiental [...] a maioria dos autores converge na indicação dos seguintes: princípio do ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana, princípio da natureza pública da proteção ambiental, princípio do controle do poluidor pelo Poder Público, princípio da consideração variável ambiental no processo decisório de políticas de desenvolvimento; princípio da participação comunitária, princípio do poluidor-pagador, princípio da prevenção, princípio da função sócio-ambiental da propriedade, princípio do direito ao desenvolvimento sustentável e princípio da cooperação entre os povos. 24 (grifo do autor). Também, Gilmar Mendes frisa: ”[...] o problema ecológico tornou-se questão de consciência para a maioria dos habitantes do planeta Terra [...]” 25 A preocupação com ambiente e qualidade de vida sustentável é foco atual de todo o planeta: [...] a necessária correlação entre ambiente e qualidade de vida, preocupação de resto refletida na constitucionalização e na legalização da ecologia, do que resultou uma nova atitude diante dessa problemática, tanto no plano das ações individuais, quanto no das decisões comunitárias e no da adoção de políticas públicas, inspiradas, todas elas, nos exemplos que nos vêm das nações que despertaram mais cedo para a importância e a gravidade das questões ecológicas. 26 A possibilidade de dizimar a qualidade de vida do ser humano revelou-se na importância de protegê-la constitucionalmente e assim José Afonso da Silva destaca que: “[...] o problema da tutela jurídica do meio ambiente manifesta-se a partir do momento em que sua degradação passa a ameaçar não só o bem-estar, mas a qualidade da vida humana, se não a própria sobrevivência do ser humano.” 27 Ainda é tempo de fazer algo pela sobrevivência da vida humana que ocupa parte do espaço do ambiente e neste sentido: 23 FERREIRA FILHO, 2007, p. 315. MENDES; COELHO; GONET BRANCO, 2008, p. 1371. 25 MENDES; COELHO; GONET BRANCO, 2008, p. 1371. 26 MENDES; COELHO; GONET BRANCO, 2008, p. 1371 27 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 28. 24 14 A questão ecológica é um dos temais mais importantes de nosso século. O desenvolvimento científico e tecnológico deu aos homens enorme poder de destruição, que atinge a qualidade de vida de milhões de pessoas. [...] Como defesa da sociedade, diante dos males e ameaças provocados pelas diversas modalidades de poluição do ar, das águas, do solo, da flora, e da fauna, estão sendo elaboradas novas normas em quase todos os campo do direito. [...] Entre essas normas, ocupam lugar destacado aquelas que definem o direito das pessoas a um ambiente sadio. 28 Na evolução das constituições brasileiras a que primeiro destacou a questão ambiental foi a de 1988 e conforme José Afonso da Silva: “[...] ela é uma Constituição eminentemente ambientalista. Assumiu o tratamento da matéria em termos amplos e modernos. Traz um capítulo específico sobre o meio ambiente, inserido no título de ‘Ordem Social’ (Capítulo VI, do título VIII).” 29 Também se constata que para o homem sobreviver no planeta, ele antes de tudo precisa conservar a natureza não só no momento presente de uma geração, mas em todas as outras gerações futuras: [...] o homem não vive sem a natureza, pois esta é indispensável para a sua sobrevivência, e a percepção da própria vinculação da defesa de meio ambiente à equidade entre as gerações e à necessidade de um desenvolvimento sustentável, retira a força da posição antropocêntrica tradicional. 30 As questões ambientais refletem na economia, cultura e outros que interligados não possibilitam o desenvolvimento sustentável: [...] uma ética de aliança entre o homem e a natureza, percebe-se, atualmente, uma mudança de paradigma que tende a situar, cada vez mais, diversos problemas humanos, de cunho econômico, cultural e social como questões ambientais. Trata-se da concepção do desenvolvimento humano sustentável, que, ao enfatizar que os problemas sociais e ambientais estão interligados, serve como reforço para a idéia da interdependência entre o homem e a natureza e fundamenta a adoção de um conceito abrangente de meio ambiente. 31 Cançado Trindade refere-se ao futuro das próximas gerações com o cuidado especial em relação ao homem: “Outra inovação introduzida pela dimensão do desenvolvimento humano sustentável diz respeito à proteção dos interesses das 28 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 27. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 20. 29 SILVA, 2005, p. 46. 30 AYALA, 2001, p. 67 apud BAHIA, Carolina Medeiros. Princípio da proporcionalidade nas manifestações culturais e na proteção da fauna. Curitiba: Juruá, 2006. p. 107. 31 BAHIA, 2006, p. 107. 15 futuras gerações, o que invoca a idéia de igualdade de acesso aos recursos do planeta para todas as gerações.” 32 1.2 PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA TRADIÇÃO CULTURAL A positivação do meio ambiente cultural encontra-se respaldada no ordenamento jurídico e principalmente na Constituição e assim: A constitucionalização do patrimônio cultural está inserta no art. 216 da Constituição de 1988, verbis: Art. 216. “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações, e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. §1º O Poder Público, com colaboração da comunidade promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. §2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear a sua consulta a quantos dela necessitem. §3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais. §4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei. §5º Ficam tombados todos os documentos e sítios detentores de 33 reminiscências históricas dos antigos quilombos [...]. Não há uma única cultura que representa o Brasil com assinala Edis Milaré: “[...] diante do direito positivo, do pluralismo cultural, isto é, o reconhecimento de que a cultura brasileira não é única [...] é aquela que resulta da atuação e interação dinâmica de todos os grupos e classe sociais de todas as regiões.” 34 Carolina Medeiros Bahia, professora na União Metropolitana de Educação e Cultura - Unime e na Faculdade Ruy Barbosa bem como membro da Comissão de 32 1992, p. 55 apud BAHIA, 2006, p. 110. MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: a gestão do ambiente em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 252. 34 MILARÉ, 2007, p. 252. 33 16 Meio Ambiente da Ordem dos Advogados, seção Bahia conclui sobre a limitação de conservação da cultura que: [...] verificou-se que, apesar da Constituição acolher uma concepção abrangente de cultura, só preserva os bens e valores culturais que portem uma referência à identidade, à ação ou à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. 35 Conservar o meio ambiente cultural é de responsabilidade não só do Poder Público bem como da sociedade. A transmissão de valores na memória de um povo destaca sua história e identificação no tempo. Neste sentido: A solução, portanto, parece estar na atuação da comunidade, que deve participar da preservação do patrimônio cultural em conjunto com o Poder Público, como recomendado pelo § 1º do art. 216 da Constituição. De fato, a atuação da comunidade é fundamental, pois ela, como legitima produtora e beneficiária dos bens culturais, mais do que ninguém tem legitimidade para identificar um valor cultural [...]. 36 A competência na questão do patrimônio cultural é concorrente e agasalhada na Constituição: No plano executório ou do zelo, a matéria vem inserida no âmbito da competência comum, conforme se vê do art. 23 da Carta da República, verbis: É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico e cultural; [...]. Ainda neste sentido, Edis MILARÉ: “No plano legislativo, a matéria é considerada objeto de competência concorrente, a teor do disposto no art. 24 do mesmo Estatuto: Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; 37 [...]. Proteger o patrimônio é mais que conservá-lo, é garantir o patrimônio em valores éticos, e confirma-se no seguinte trecho: 35 BAHIA, 2006, p. 209. RODRIGUES, 2001, p. 179 apud MILARÉ, 2007, p. 254. 37 MILARÉ, 2007, p. 255. 36 17 quando a Constituição se reporta à proteção do patrimônio cultural nos art. 215 e 216, e garante o pleno exercício dos direitos culturais, o faz no sentido de resguardar práticas e manifestações condizentes com os valores éticos universais. 38 A prática de crueldade dos animais é proibida pela Constituição como confirma Edis Milaré: “Quanto às práticas que submetem os animais a crueldade, estas estão vedadas, segundo critérios do legislador infraconstitucional.” 39 A Constituição veda expressamente a submissão de animais à crueldade, portanto esta prática é inconstitucional. O significado de cruel é esmiuçado por Edis Milaré que acrescenta: “Nesses casos, o conceito de cruel condiz com a idéia de submeter o animal a um mal desnecessário.” 40 A Cultura é a forma de viver e comportar-se de um povo em sociedade que passa para gerações futuras pela memória de seus costumes e melhora-se a cada geração: [...] é o que caracteriza...o modo de ser, de viver, de se relacionar, de se comportar de determinada sociedade. Ao mesmo tempo, ela é uma herança histórica, que vai sendo aprimorada a cada nova geração. Nesse sentido costuma-se dizer que o homem é a única espécie de ser vivo que possui história: a evolução de seus costumes. A cultura é o que melhor define a nacionalidade de cada povo. 41 (grifo do autor). Os bens culturais de uma sociedade merecem ser protegidos pelo ordenamento jurídico para referência da identidade e memória de um povo na história e neste sentido: [...] os bens culturais merecedores de proteção constitucional e infraconstitucional devem [...] portar algum tipo de referência à identidade, à ação ou à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, haja vista que assim o requer o próprio Texto Maior. 42 Tutelar a natureza é apenas parte da qualidade do ambiente para garantia do equilíbrio ecológico bem como do direito à dignidade humana e em concordância com estas palavras: A proteção ambiental, abrangendo a preservação da Natureza em todos os seus elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico, visa a tutelar a qualidade do meio ambiente em função da 38 BECHARA, Erika. A proteção da fauna sob a ótica constitucional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 133. 39 MILARÉ, 2007, p. 168. 40 MILARÉ, 2007, p. 168. 41 BECHARA, 2003, p. 9. 42 BECHARA, 2003, p. 11. 18 qualidade de vida, como uma forma de direito fundamental da pessoa humana. 43 Saber viver equilibradamente com o meio ambiente trará benefícios não só para a natureza, mas principalmente para a qualidade de vida do ser humano. E Edis Milaré destaca que: “[...] a consciência de que é preciso aprender a conviver harmoniosamente com a natureza [...].” 44 A busca pelo desenvolvimento sustentável para gerações vindouras abarca fatores econômicos, sociais, culturais e políticos e Carolina Medeiros Bahia concorda e conclui que: [...] o novo paradigma tem como principais méritos: [...] (a) todos os aspectos do direito ao desenvolvimento (econômicos, sociais, culturais, civis e políticos) são indivisíveis e interdependentes, (b) [...] na busca pelo desenvolvimento econômico, cultural e social deve-se preservar os interesses das gerações vindouras e [...]. 45 A visão do grupo que defende a tradição cultural na crueldade dos animais não pode prosperar em virtude dos reflexos negativos da violência e destruição das espécies animais na memória da história de uma sociedade como bem aponta - se em: [...] percebe-se o equívoco que muitas vezes acontece, consistente em acobertar perversidades ou violências sob um manto antropocentrista, sustentado sobre o valor cultural ou recreativo que possa representar determinada atividade humana em relação aos animais. 46 Uma das conseqüências desta crueldade são o desequilíbrio no ecossistema e a possível extinção das espécies humanas e não humanas: Historicamente se sabe que o homem exerceu despotismo cruel sobre o reino animal. Os espetáculos do Coliseu Romano, as touradas, a “farra-doboi”, as brigas de galo manifestam um senso lúdico perverso. [...] A conseqüência são as espécies extintas e aquelas ameaçadas de extinção. 47 Embora os animais sejam diretamente e barbaramente afetados pela violência, a grande prejudicada desta prática é a dignidade da pessoa humana: Com efeito, as vítimas da crueldade contra animais não são, para a Lei Maior, esses seres, apesar de serem eles o “alvo” da violência física ou 43 SILVA, 2005, p. 58. MILARÉ, 2007, p. 147. 45 BAHIA, 2006, p. 111. 46 MILARÉ, 2007, p. 169. 47 MILARÉ, 2007, p. 246. 44 19 psíquica. As vítimas dessa prática, sob a ótica constitucional, são todas as pessoas integrantes da coletividade, estas sim sujeitos de direito. 48 A imagem da violência e crueldade dos animais afeta o próprio ser humano que se coloca na posição e sofrimento excessivo do animal: "[...] ao vislumbrar um bicho inofensivo ser chicoteado, o homem acaba por conjecturar que o animal está sofrendo em demasia, pois ele, ser humano, se estivesse sendo alvo da mesma investida, assim o sofreria." 49 Um bem jurídico tutelado pela norma é bastante valioso para uma sociedade, e precisa também ser garantido assim: A norma constitucional que veda a submissão dos animais à crueldade, vimos, tem por objetivo resguardar bens jurídicos por demais valiosos para a coletividade, a saber: sentimentos comuns de piedade e compaixão de afetividade para com os seres irracionais, de respeito a todos os seres vivos e de repúdio e não banalização da violência. Cultura. O que dizer, porém, quando uma determinada prática que envolva animais não ferir tais bens jurídicos?Teremos, então, por assim dizer, uma prática cultural e socialmente consentida, ou seja, uma prática que, pelas mais variadas razões não ofende o bom senso comum, não instiga a violência, enfim, não agride e nem fere valores importantes da coletividade. 50 A prática de crueldade contra os animais atinge diretamente a coletividade que repete comportamentos não saudáveis e indesejáveis uns com os outros. [...] tem-se que a submissão dos animais à crueldade estimula a violência entre as próprias pessoas, que não apenas passam a encará-la como manifestação (de conduta e sentimento) normal, mas também como manifestação (de conduta e sentimento) interessante, desejável, por que não dizer “necessária” [...]. 51 É importante não estimular a crueldade contra os animais, pois a vítima de tudo isto é o ser humano e sua dignidade humana. De acordo com isso: As práticas violentas contra os animais não podem ser enaltecidas como se práticas saudáveis fossem. O fomento, o incentivo da crueldade acaba por deturpar os valores vigentes numa sociedade, valores esses que, em nome do bem comum, devem pugnar pelo convívio pacífico entre as pessoas. 52 A cultura não pode ser de um pequeno grupo, pois não representa a totalidade de uma sociedade, portanto nas palavras de Bechara: “Não podemos 48 BECHARA, 2003, p. 77. BECHARA, 2003, p. 79. 50 BECHARA, 2003, p. 82. 51 BECHARA, 2003, p. 79. 52 BECHARA, 2003, p. 79. 49 20 dizer que é cultural ou socialmente consentido um comportamento que, de um lado, agrada a parcos grupos, mas, de outro, repugna a um número infinitamente maior de pessoas.” 53 A cultura insere-se, destarte, na dignidade da pessoa humana, o que reflete no seguinte de trecho de Bechara: “Ferir a dignidade humana em nome da integridade dos seres irracionais é subverter toda a política ambiental estabelecida ao nível principiológico e constitucional.” 54 Preservar a integridade dos animais em detrimento da dignidade humana é atacar toda a essencialidade do sistema constitucional. Apesar da divisão de responsabilidade entre as entidades autônomas, a Constituição não delimitou claramente o que cada parte faria: [...] o artigo 215 da Constituição Federal [...] em momento algum definiu os meios e critérios pelos quais os poderes públicos deverão realizar as finalidades ali estabelecidas [...] (por exemplo, apoiar e incentivar as manifestações culturais) podendo apenas ter-se como certo que não poderá em hipótese alguma, atuar no sentido contrário. 55 As entidades autônomas consistem na União, nos Estados, Municípios e Distrito Federal e como detalha José Afonso da Silva: “Os limites dessas competências encontram-se nos arts. 21 a 24 [...]” 56 1. 3 PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE A Constituição que começou aventar as questões ambientais foi a de 1988 e destaca, Edis Milaré que: “A Constituição de 1988 pode muito bem ser denominada “verde”, tal o destaque (em boa hora) que dá à proteção do meio ambiente.” 57 O tema do meio ambiente esculpe-se no artigo 5º da Constituição de 1988, como se aponta em: A primeira referência expressa ao meio ambiente ou a recursos ambientais na Constituição vem logo no art. 5º, LXXIII, que confere legitimação a 53 BECHARA, 2003, p. 82. BECHARA, 2003, p. 83. 55 SARLET, Ingo Wolfang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 311. 56 SILVA, 2005, p. 75. 57 MILARÉ, 2007, p. 147. 54 21 qualquer cidadão para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. 58 Para Anízio Pires Gavião Filho, professor-palestrante da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul e Procurador da Justiça no Ministério Público do Rio Grande do Sul, as normas de direitos fundamentais não estão adstritas apenas ao catálogo da Constituição: “[...] normas de direitos fundamentais não são apenas os enunciados das disposições de direitos fundamentais contidas no catálogo da Constituição.” 59 E mais, para Anízio Pires Gavião Filho, o direito fundamento do ambiente encontra-se especificamente no art. 225, da Constituição do Brasil: “[...] a disposição do art. 225 da Constituição é um enunciado de direito fundamental que expressa a norma do direito fundamental ao ambiente.” 60 Segundo o aresto do Supremo Tribunal Federal, a titularidade do direito ambiental é de cada um e também de todos: A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, reconhecendo o direito ao ambiente como sendo um verdadeiro direito fundamental considera o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, como um “direito de terceira geração” de “titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído não ao indivíduo identificado na sua singularidade, mas num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. 61 Portanto, é imprescindível a constitucionalização de partes do meio ambiente sem que haja a extinção de espécies animais bem como para propiciar um ambiente equilibrado não para um, mas para todos da sociedade: A Constituição da República, no afã de proporcionar um meio ambiente ecologicamente equilibrado para a coletividade, atribui ao Poder Público a incumbência, entre outros deveres, de “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais a crueldade” (art. 225, §1º, inciso VII). 62 Há na Constituição de 1988, um capítulo exclusivo do meio ambiente, embora não seja taxativo apenas exemplificativo: [...] o Direito Ambiental encontra seu núcleo normativo destacado no Capítulo VI do Título VIII, que só contém o art. 225, com seus parágrafos e 58 SILVA, 2005, p. 47. GAVIÃO FILHO, Anízio Pires. Direito fundamental ao ambiente. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 36. 60 GAVIÃO FILHO, 2005, p. 37. 61 GAVIÃO FILHO, 2005, p. 37. 62 BECHARA, 2003. p. 45. 59 22 incisos. A Constituição o tem como parte da “Ordem Social”; logo, trata-se de direito social do Homem. 63 Em concordância a este aspecto, a seguinte passagem enfatiza que todos se beneficiarão com estes cuidados: [...] ‘o bem de uso comum do povo’ gera a sua felicidade e, simultaneamente, é produzido por ele – o mesmo povo -, porquanto esse bem difuso deve ser objeto da proteção do Estado e da própria sociedade para usufruto de toda a nação. 64 Não restam dúvidas que o interesse ecológico é objetivo de todos e Edis Milaré corrobora isto: “Ora, o social constitui a grande meta de toda ação do Poder Público e da sociedade.” 65 A tutela do Estado não consiste em abarcar o meio ambiente e sim a qualidade de vida para o ser humano. Nas palavras de José Afonso da Silva: “O objeto de tutela jurídica não é tanto o meio ambiente considerado nos seus elementos constitutivos. O que o Direito visa a proteger é a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida.” 66 A competência para legislar sobre a matéria ambiental incumbe ao Poder Público, assevera-se na seguinte passagem: O art. 225 da Constituição impõe ao Poder Público o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. A ele incumbe também tomar todas as providências e medidas indicadas nos incisos do § 1º do mesmo art. 225 para assegurar a efetividade do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 67 E, ainda, há a repartição do Poder Público na responsabilidade de garantir um ambiente sadio para todos o que se demonstra no seguinte trecho: [...] uma das características do Estado Federal, como o nosso, consiste precisamente em distribuir o Poder Público por todas as entidades autônomas que o compõem, para que cada qual o exerça nos limites das competências que lhe foram outorgadas pela Constituição. 68 O espaço é único e requer especiais cuidados tanto para o ser humano, quanto para os que nele estejam. A qualidade de vida do homem é extremamente dependente das condições favoráveis dos recursos ambientais. Neste aspecto: 63 SILVA, 2005, p. 50. MILARÉ, 2007, p. 149. 65 MILARÉ, 2007, p. 149. 66 SILVA, 2005, p. 81. 67 SILVA, 2005, p. 75. 68 SILVA, 2005, p. 75 64 23 [...] o ambiente é único, indivisível e de titulares indetermináveis, devendo se justa e distributivamente acessível a todos. Quando todas as pessoas realmente compreenderem que a sua saúde e bem-estar são absolutamente dependentes da biodiversidade, das espécies vegetais e animais, da pureza do ar, dos rios e do solo, do patrimônio cultural, histórico paisagístico, enfim, dos mais variados recursos ambientais, terão mais critério e apuro quando estiverem a aplicá-las ou, principalmente, quando estiveram prestes a adotar alguma conduta que venha, por acaso, a comprometer os bens em questão. 69 A fauna é propriedade estatal, com confirma José Afonso da Silva e conceitua o termo: “[...] refere-se ao conjunto de todos os animais de uma região [...].” 70 A legislação sobre a matéria ambiental é inquestionavelmente concorrente, pois compete à União, Estados e Distrito Federal: O art. 24, VI, declara competir à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre caça, pesca e fauna. Assim, pondo fauna ao lado de caça e pesca, pode-se deduzir que quis empregar o termo no seu sentido abrangente. Do mesmo modo deve ser entendido o seu emprego nos arts. 23, VII, e 225, § 1º, VII. 71 A descentralização da legislação ambiental é característica do Brasil e, segundo Edis Milaré: “[...] o Estado brasileiro adotou um modelo de ampla descentralização administrativa, cujo espírito perpassa toda a Constituição.” 72 Os cidadãos têm legitimidade e fundamental importância para tutelar o meio ambiente das diversas agressões sofridas por diversos instrumentos como se demonstra em: Diversos instrumentos de garantia foram previstos para as hipóteses de agressões ao ambiente, impondo-se, agora, a abertura de espaço e de canais aos grupos sociais intermediários (associações civis de defesa do meio ambiente, de moradores de bairro, sindicatos etc.), para que, em constante mobilização, pudessem permitir a adequação necessária da ação dos detentores do Poder às exigências e necessidades populares. 73 A fauna como parte do meio ambiente é fator importante para manter o equilíbrio do ecossistema e da qualidade de vida. Neste ponto destaca-se que: [...] ao vedar as práticas que coloquem em risco a função ecológica tanto da fauna quanto da flora, a Constituição estende a proteção para além do ser vivo, abrangendo suas relações ecossistêmicas. E visto a extinção de espécies representa perda da biodiversidade e da qualidade das relações 69 BECHARA, 2003, p. 175 SILVA, 2005, p. 194. 71 SILVA, 2005, p. 195. 72 MILARÉ, 2007, p. 180. 73 MILARÉ, 2008, p. 184. 70 24 ecossistêmicas, a Constituição veda também as práticas potencialmente exterminadoras. 74 O art. 225 protege a fauna por ser essencial para a qualidade de vida humana. Como se aponta em: [...] o solo, a água, o ar atmosférico, a flora, a fauna, o patrimônio genético do País, o patrimônio cultural brasileiro, a saúde, as ruas, praças, áreas verdes e demais assentamentos com reflexos urbanísticos são alguns exemplos de bens ambientais. 75 Tutelar o ambiente é preservar a vida do homem. Corroborando isto está Erika Bechara, Professora de Direito Ambiental e Direito do Consumidor da Faculdade de Direito de Sorocaba, Coordenadora e professora do Curso de Introdução ao Direito Ambiental da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP e Coordenadora da especialização em Direito Ambiental quando afirma que: “[...] A qualidade de vida do homem está necessariamente atrelada ao equilíbrio ambiental, ao equilíbrio do Ecossistema.” 76 A Constituição abarcou na proteção jurídica o meio ambiente equilibrado, tendo em vista a sobrevivência do homem neste espaço. Em concordância com estas palavras, Álvaro Luiz Valery Mirra assevera que: “Não é buscada propriamente em razão deles mesmos, individualmente considerados, mas sobretudo como elementos indispensáveis à preservação do meio ambiente como um todo, em função da qualidade de vida humana.” 77 (grifo do autor). Enfim, a evolução histórica dos direitos fundamentais aprimorou mais e mais a preocupação com a dignidade humana que se retrata em partes reflexivas tanto na cultura como no meio ambiente. A degradação do espaço onde o ser humano habita é devastador para a vida e, portanto, faz-se necessária a proteção de todas as formas possíveis. 74 MILARÉ, 2007, p. 166. FIORILLO, 2002, p. 9 apud BECHARA, 2003, p. 25. 76 Bechara, Erika 2003, p. 38. 77 2002, p. 11 apud BECHARA, 2003, p. 75. 75 25 2 2.1 COLISÃO DE PRINCÍPIOS A NORMA O ordenamento jurídico é um sistema estruturado, completo, dinâmico e não permite antinomias que afetem a sua coerência e unidade. A organização da sociedade pauta-se não só por normas isoladamente e assevera Montoro: “As normas [...] regem o comportamento social dos homens [...]” 78 A norma existe para manter a convivência social entre os seres humanos e assim Montoro acrescenta mais: “A norma jurídica é, [...], uma regra de conduta social. Seu objetivo é regular a atividade dos homens em suas relações sociais.” 79 A Constituição está no ápice do ordenamento jurídico e prima por sua unidade por intermédio da coligação de suas normas: A Constituição é um corpo lógico cujos elementos (as normas de natureza constitucional) se agrupam segundo uma ordem determinada de relações. A estrutura da Constituição consiste nessa ordem abstrata de relações, que se estabelece a partir de sua existência, e princípios estruturais são aqueles que a compõem. Os elementos são o corpo físico da Constituição, a estrutura é a trama lógica correspondente à sua essência ou identidade. O sistema é o corpo lógico, composto pelos elementos e pela estrutura, e operante segundo suas funções. 80 Apesar da rigidez constitucional há normas de sentido vago e aberto com possibilidade de adaptações e neste aspecto afirma Eros Grau: “[...] As normas de direitos fundamentais são dotadas de considerável grau de abertura e dinamicidade ao se apresentarem para sua concretização social.” 81 Como a Constituição não admite imperfeições conta com a sua plasticidade e conseqüentemente dinamicidade para ajustar as normas conflitantes. Neste mesmo sentido está Sarmento: “A Lei Fundamental deve ser adotada de elasticidade material suficiente para abrigar, sob o seu manto, ideologias e cosmovisões diferentes, sem optar de modo definitivo por nenhuma delas.” 82 78 MONTORO, 2008, p. 352. MONTORO, 2008, p. 352. 80 CUNHA, 2001, p. 274. 81 GRAU, Eros Roberto; CUNHA, Sérgio Sérvulo (Org.). Estudos de direito constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 232. 82 SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p. 136. 79 26 Há uma parte essencial na Constituição em que não pode ser extirpada e Sarmento frisa: “[...] existe um conteúdo mínimo destes direitos, que não pode ser amputado [...] Assim, o núcleo essencial traduz o ‘limite dos limites’, ao demarcar um reduto inexpugnável, protegido de qualquer espécie de restrição.” 83 A norma é o gênero que se divide nas espécies princípios e regras e se confirma no seguinte trecho: [...] não há distinção entre princípios normas, os princípios são dotados de normatividade, as normas compreendem regras e princípios, a distinção relevante não é, como nos primórdios da doutrina, entre princípios e normas, mas entre regras e princípios, sendo as normas o gênero, e as regras e os princípios a espécie. 84 2.2 OS PRINCÍPIOS E REGRAS O alicerce de sustentação da Constituição encontra-se respaldado em seus princípios que refletem os valores da sociedade. As normas dividem-se em princípios e regras e em consonância com Sarmento: “[...] as normas jurídicas que compõem o ordenamento positivo podem assumir duas configurações básicas: regras (ou disposições) e princípios.” 85 Os princípios constitucionais são normas que fundamentam e sustentam o sistema jurídico constitucional, são os valores supremos e basilares do ordenamento normativo de uma dada sociedade. Não se constituem em meros programas ou linhas sugestivas da ação do Poder Público ou da iniciativa privada, mas sim vinculam e direcionam essa atividade, uma vez que dotados de eficácia jurídica vinculante. A constitucionalização dos princípios jurídicos e a consolidação de uma cultura de eficácia vinculante dos princípios constitucionais ensejam uma estruturação dos mecanismos de resolução das colisões entre os valores constitucionais, bastante correntes em uma Constituição aberta e prolixa como a brasileira, que alberga um sistema jurídico constitucional extremamente dinâmico. Os métodos clássicos de resolução de antinomias entre regras jurídicas não conseguem dar resposta às situações em que colidem dois ou mais princípios constitucionalmente válidos, já que a solução de conflitos entre princípios deve vencer o prisma da validade e alcançar a idéia de densidade e de peso dos valores em choque. A idéia de princípios está intimamente ligada à noção de fundamento, base, pressuposto teórico que orienta determinado sistema. Os princípios são linhas mestras sobre as quais se arrima todo um sistema de conhecimento humano. Os princípios constitucionais, portanto, são normas que sustentam todo o ordenamento normativo, tendo por função principal conferir 83 SARMENTO, 2003, p. 111. BONAVIDES, 2007, p. 288. 85 SARMENTO, 2003, p. 43. 84 27 racionalidade sistêmica e integralidade ao ordenamento constitucional. Podem ser expressos mediante enunciados normativos ou figurar implicitamente no texto constitucional. São, pois, orientações e mandamentos de natureza fundamental e geral, tomados a partir do sistema constitucional vigente, da racionalidade do ordenamento normativo e capazes de evidenciar a ordem jurídico-constitucional reinante em um dado momento. Os princípios jurídicos, normas impositivas de otimização, podem ser realizados ou concretizados em diferentes graus, variando segundo condições fáticas e jurídicas. O mesmo princípio, deste modo, terá diferentes graus de aplicação na resolução de situações da vida cotidiana. O valor conferido a determinado princípio, em uma dada situação fática, poderá ser diverso em outro caso, podendo até, por vezes, ter sua 86 aplicação afastada naquela situação. Na verdade os princípios estão coligados com os valores de suas normas: [...] os princípios são oxigênio das Constituições na época do póspositivismo. É graças aos princípios que os sistemas constitucionais granjeiam a unidade de sentido e auferem a valoração de sua ordem normativa. 87 A importância dos princípios insere-se na harmonia e vitalidade do ordenamento jurídico: Fazem eles a congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um sistema jurídico legítimo. Postos no ápice da pirâmide normativa, elevam-se, portanto, ao grau de norma das normas, de fonte das fontes. São qualitativamente a viga-mestra do sistema, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma Constituição. 88 Os princípios estão direcionados a um fim: Princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de <<tudo ou nada>>; impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a <<reserva de possível>>, fáctica ou jurídica. 89 Os princípios instituem não só valores bem como delineiam comportamentos de uma sociedade: [...] os princípios não apenas explicitam valores, mas, indiretamente, estabelecem espécies precisas de comportamento; e, de outro, que a instituição de condutas pelas regras também pode ser objeto de ponderação, embora o comportamento preliminarmente previsto dependa do preenchimento de algumas condições para ser superado. Com isso, 86 CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. A resolução das colisões entre princípios constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 62, fev. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3682>. Acesso em: 6 set. 2008. 87 BONAVIDES, 2007, p. 288. 88 BONAVIDES, 2007, p. 294. 89 ALEXY, 1986, p. 91 apud CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Portugal: Almedina, 2005. p. 1255. 28 ultrapassa-se tanto a mera exaltação de valores sem a instituição de comportamentos, quanto a automática aplicação de regras. Propõe-se um modelo de explicação das espécies normativas que, ademais de inserir uma ponderação estruturada no processo de aplicação, ainda inclui critérios materiais de justiça na argumentação, mediante a reconstrução analítica do uso concreto dos postulados normativos, especialmente da razoabilidade e da proporcionalidade. 90 Alexy detalhou ainda mais o conceito de princípio com base em Dworkin e apontou que sua aplicabilidade está no suporte fático: Para ele os princípios jurídicos consistem apenas em uma espécie de normas jurídicas por meio da qual são estabelecidos deveres de otimização aplicáveis em vários graus, segundo as possibilidades normativas e fáticas. [...] Alexy demonstra a relação de tensão ocorrente no caso de colisão entre os princípios: nesse caso, a solução não se resolve com a determinação imediata da prevalência de um princípio sobre outro, mas é estabelecida em função da ponderação entre os princípios colidentes, em função da qual um deles, em determinadas circunstâncias concretas, recebe a prevalência. 91 A adequação de princípios está intrinsecamente associada aos fatos e se confirma na seguinte passagem: [...] princípios como deveres de otimização aplicáveis em vários graus segundo as possibilidades normativas e fáticas; fáticas, porque o conteúdo dos princípios como normas de conduta só pode ser determinado quando diante dos fatos. Com as regras acontece algo diverso. ‘De outro lado uma regras são normas, que podem ou não podem ser realizadas. Quando uma regra vale, então é determinado fazer exatamente o que ela exige, nada mais ou nada menos.’ 92 Detalhando melhor, os princípios têm um conceito aberto amplo e buscam um fim a ser alcançado e nesta linha de pensamento: [...] o fim estabelece um estado ideal de coisas a ser a atingido, como forma geral para enquadrar os vários conteúdos de um fim. A instituição do fim é ponto de partida para a procura pelos meios. Os meios podem ser definidos como condições (objetos, situações) que causam a promoção gradual do conteúdo do fim. Por isso a idéia de que os meios e os fins são conceitos correlatos. 93 Os princípios exigem a adoção de comportamentos para que seus fins sejam atingidos, eis como afirma: Os princípios instituem o dever de adotar comportamentos necessários à realização de um estado de coisas ou, inversamente instituem o dever de efetivação de um estado de coisas para adoção de comportamentos a ele necessários. Essa perspectiva de análise evidencia que os princípios implicam comportamentos, ainda que por via indireta e regressiva. Mas, ainda, essa investigação permite verificar que os princípios, embora 90 ÁVILA, 2008, p. 25. ALEXY, 1979, p. 77 e ss apud ÁVILA, 2008, p. 37. 92 ALEXY, 1985, separata 25/21 apud ÁVILA, 2008, p. 38. 93 WEINBERG,1989, p. 283 apud ÁVILA, 2008, p. 79. 91 29 indeterminados, não o são absolutamente. Pode até haver incerteza quanto ao conteúdo do comportamento a ser adotado, mas não há quanto à sua espécie: o que for necessário para promover o fim é devido. 94 As regras são [...] como normas imediatamente descritiva, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e a abrangência para cuja aplicação exige a avaliação da correspondência entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. 95 Os princípios são normas genéricas para atingirem determinados fins e assim descreve Ávila: [...] os princípios instituem fins a realizar, os comportamentos adequados à sua realização e a própria delimitação dos seus contornos normativos dependem as regras – de atos do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e do Poder Executivo, sem os quais os princípios não adquirem normatividade. 96 O suporte das normas está nos princípios e se confirma na seguinte passagem: Os princípios representam as traves-mestras do sistema jurídico, irradiando seus efeitos sobre diferentes normas e servindo de balizamento para a interpretação e integração de todo o setor do ordenamento em que radicam. Revestem-se de um grau de generalidade e de abstração superior ao das regras, [...] menor determinabilidade do seu raio de aplicação. [...] possuem um colorido axiológico mais acentuado do que as regras, desvelando mais nitidamente os valores jurídicos e políticos que condensam. 97 Enquanto os princípios são indetermináveis, as regras são as concretizações destes e assim tem-se que: [...] outra distinção entre princípios e regras jurídicas relaciona-se ao fato dos primeiros [...] não permitirem, pela insuficiência do seu grau de concretização, a subsunção. [...] no plano de fluidez, os princípios situam-se entre os valores e as regras jurídicas. Excedem os valores, em termos de concretização, por já delinearem indicações sobre as suas conseqüências jurídicas, mas ainda não alcançam o grau de densidade normativa das regras, pois não têm delimitadas, com a precisão necessária, as respectivas hipóteses de incidência e conseqüências jurídicas. 98 E reforça estes conceitos em: As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e a abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte e nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. 94 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2008a. p. 80. 95 ÁVILA, 2008, p. 81. 96 ÁVILA, 2008, p. 78 97 SARMENTO, 2003, p. 42. 98 CANARIS, 1989, p. 86-87 apud SARMENTO, 2003, p. 43. 30 Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação demandam uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. As regras podem ser dissociadas dos princípios quanto ao modo como prescrevem o comportamento. As regras são normas imediatamente descritivas, na medida em que estabelecem obrigações, permissões e proibições mediante a descrição da conduta a ser cumprida. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, já que etabelem um estado de coisas cuja promoção gradual depende dos efeitos decorrentes da adoção de comportamentos a ela necessários. Os princípios são normas cuja qualidade frontal é, justamente, a determinação da realização de um fim juridicamente relevante, ao passo que característica dianteira das regras 99 é a previsão do comportamento. Os princípios por serem normas abstratas almejam fins determinados e para serem alcançados necessitam da configuração de comportamentos. As regras, uma sua vez que são normas de como fazer, exigem determinados comportamentos. Portanto, enquanto os princípios traçam o que deve ser, as regras ditam como deve ser feito. Os princípios têm flexibilidade enquanto as regras não e Sarmento confirma isto com as seguintes palavras: “Os princípios, pela plasticidade que lhes é inerente tem como acomodar com maior facilidade, alterações no seu sentido, o que não ocorre com as regras.” 100 A composição da Constituição é feita de normas e estas se dividem em princípios e regras. É necessária a presença de interligação das duas normas para que a Constituição exista e resista. Vale enfatizar trechos de Sarmento tais como: [...] a presença, tanto de regras como princípios, é fundamental à vitalidade da Constituição. [...] um sistema constitucional que se alicerçasse exclusivamente sobre princípios carrearia ao ordenamento uma dose inaceitável de incerteza e insegurança, já que a aplicação dos princípios opera-se do modo mais fluido e menos previsível do que a das regras. 101 [...] um modelo que se fundasse unicamente sobre regras, não daria conta da crescente complexidade das situações que a Constituição propõe-se a tutelar [...] subtraindo-lha a maleabilidade necessária à acomodação dos conflitos que naturalmente se estabelecem, em casos concretos, entre diversos interesses constitucionais concorrentes. 102 99 ÁVILA, 2008, p. 180-181. SARMENTO, 2003, p. 49. 101 SARMENTO, 2003, p. 52. 102 SARMENTO, 2003, p. 52. 100 31 Em concordância com isto está Canotilho: “[...] conseguir-se-ia um sistema de segurança, mas não haveria espaço para complementação e desenvolvimento a de um sistema, como o constitucional, que é necessariamente um sistema aberto.” 103 A estrutura da Constituição é embricada de valores atinentes a uma sociedade, como bem aponta Sarmento: “[...] A Constituição representa um sistema aberto, onde devem se refletir os valores fundamentais partilhados por determinada comunidade ao lado das decisões políticas capitais de Nação.” 104 Em concordância, Paulo Bonavides: “[...] os valores supremos ao redor dos quais gravitam os direitos, as garantias e as competências de uma sociedade constitucional.” 105 Princípios são normas imediatamente finalísticas, já que estabelecem um estado de coisas para cuja realização é necessária a adoção de determinados comportamentos – determinam a realização de um fim relevante. Princípios estabelecem um estado ideal de coisas a ser atingido. Estado de coisas é uma situação qualificada para determinadas qualidades. Transforma-se enfim quando alguém aspira conseguir, gozar ou possuir as qualidades presentes naquela situação. Possuem caráter deôntico - teleológico: deôntico, porque estipulam razões para a existência de obrigações, permissões e proibições; teleológico, porque as obrigações, permissões e proibições decorrem dos efeitos de determinado comportamento que preservam ou promovem determinado estado de coisas. São normas do que deve ser. Regras são normas mediatamente finalísticas e estabelecem indiretamente fins e maior exatidão para o comportamento devido. Daí depende menos da sua relação com outras normas. Regras são normas imediatamente descritivas que estabelecem obrigações, permissões e proibições mediante a descrição de conduta a ser adotada – há a previsão de comportamento. Possuem caráter deôntico – deontológico – deôntico porque estipula razões para a existência de obrigações, permissões ou proibições; deontológico, porque indica o que deve ser feito. São normas do que fazer. [...] princípios e regras fazem referência a fins e condutas: regras a fins devidos, princípios 106 a condutas necessárias. As regras perfilham comportamentos desejáveis para o alcance de determinado princípio e assim: Já as regras jurídicas, normas que prescrevem uma dada situação ou impõem um determinado comportamento, quando válidas, devem ser 103 1998, p. 1036 apud SARMENTO, 2003, p. 52. SARMENTO, 2003, p. 52. 105 1999, p. 254 apud SARMENTO 2003, p. 54. 106 ARAÚJO, Eugênio Rosa de. Recensão de “Teoria dos Princípios”, de Humberto Ávila. Disponível em: <www.jfrj.gov.br/Rev_SJRJ/num20/resenha/resenha.pdf>. Acesso em: 7 set. 2008. 104 32 cumpridas na exata medida de suas prescrições, não deixando margem à graduação de aplicação. 107 Os princípios são normas imediatamente finalísticas, ao contrário das regras, que são imediatamente descritivas; as regras, pois, delimitam comportamentos de maneira frontal, mas que poderão ser descumpridos em virtude da finalidade – mais adequada ao caso – que deriva de outras normas, sejam elas princípios ou regras. Explorada em demasia pela teoria jurídica das últimas três décadas, a identificação da aplicabilidade normativa dos princípios proposta com base na sua apodíctica distinção face às regras cede espaço para reformulações conceituais acerca de seu caráter argumentativo. Com efeito, a maneira como é implicado em um determinado contexto normativo consistiria em uma ponderação (Atienza, 2002: 267), por meio de um exame da proporcionalidade ou razoabilidade dos comportamentos exigidos (componente deontológico) e dos valores adotados (componente axiológico) com vista às finalidades buscadas (componente teleológico). Por outro lado, é preciso considerar a existência dos postulados normativos aplicativos, entendidos como normas estruturantes da aplicação das regras e princípios. A sua inclusão metodológica é extremamente proveitosa, levando-se em conta a atual situação do pensamento jurídico, em que o viés crítico sinaliza, cada vez mais, a necessária reformulação da idéia de norma de direito e sua interface com o discurso moral. Acertos e erros fazem parte da construção do conhecimento. Até aqui, parece que muito foi escrito sobre o tema. Com o aporte de novas concepções que redirecionam o presente debate, fica evidente que o assunto avulta incipiente. Os influxos de bases teóricas como as que foram singelamente apontadas no texto, ainda em proemial desenvolvimento, assinalarão grande propriedade para a teoria jurídica fundamental e para a dogmática hermenêutica, especialmente se conjugados com outros importantes marcos do pensamento jusfilosófico do atual quadrante evolutivo, como, à guisa de exemplo, o primado da 108 argumentação jurídica. As regras são caminhos exigíveis para determinados comportamentos definitivos e nas palavras de Alexy: “Regras [...] são normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem qualquer excepção (direito definitivo).” 109 Para entendimento do Direito é importante a compreensão da interpretação à luz dos princípios, das regras, dos postulados normativos e, sobretudo, dos critérios normativos associados ao liame dos valores de uma sociedade [...] por detrás da proposta aqui defendida está a compreensão do Direito como um conjunto composto de normas (princípios, regras) cuja interpretação e aplicação depende de postulados normativos (unidade, coerência, hierarquização, supremacia da Constituição, etc.), critérios normativos (superioridade, cronologia e especialidade), topoi (interesse público, bem comum, etc.) e valores. Todos esses elementos que se 107 CRISTOVAM, 2008. GUERRA, Gustavo Rabay. Estrutura lógica dos princípios constitucionais. Pós-positivismo jurídico e racionalidade argumentativa na reformulação conceitual da normatividade do direito. Âmbito Jurídico, Rio Grande, n. 46, 31 out. 2007. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2326>. Acesso em: 7 set. 2008. 109 1986, p. 91 apud CANOTILHO, 2005, p. 1255. 108 33 conjugam às normas possuem sua normatividade relacionada em boa medida a atos institucionais de aplicação. 110 A adoção da busca do direito da coletividade tem como conseqüência o afastamento dos direitos individuais. Normalmente, um meio é adotado para atingir uma finalidade pública relacionada ao interesse coletivo (proteção do meio ambiente, proteção dos consumidores), e sua adoção causa, como efeito colateral, restrição aos direitos fundamentais do cidadão. 111 A Constituição está encrustada e fundada em todo seu cerne em valores e entre os mais importantes deles está o da dignidade da pessoa humana e Sarmento retrata bem isto: [...] O arcabouço da ordem constitucional brasileira está alicerçado em princípios altamente abstratos, portadores de um acentuado conteúdo axiológico, como o do Estado Democrático de Direito, da dignidade da pessoa humana e da igualdade. 112 2.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA A base axiológica de toda a Constituição brasileira está primordialmente no princípio da dignidade humana. [...] o princípio da dignidade humana, é esse princípio que inspira os típicos direitos fundamentais, atendendo à exigência do respeito à vida, à liberdade, à integridade física e íntima de cada ser humano, ao postulado da igualdade em dignidade de todos os homens e à segurança. É o princípio da dignidade humana que demanda fórmulas de limitação do poder, prevenindo o arbítrio e a injustiça. 113 A parte essencial axiológica abordada na constituição brasileira está centrada na dignidade humana. A Constituição de 1988 é rígida, por não permitir mudanças de qualquer ordem, pois há um procedimento especial para isso. Ela retrata-se como forma de pirâmide onde as outras normas submetem-se ao seu crivo de validade, porém contempla a flexibilidade para determinadas situações de choques. Em outras palavras: 110 ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e redefinição do dever de proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, v. 1, n. 4, jul. 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 7 set. 2008. 111 ARAÚJO, 2008. 112 SARMENTO, 2003, p. 51. 113 MENDES; COELHO; GONET BRANCO, 2008, p. 237. 34 [...] no vértice superior, a Lei Fundamental, que condiciona a validade e permeia a interpretação de todas as demais normas jurídicas, por tal razão, é a Constituição, como fonte comum de validade de todas as normas, que confere a necessária coesão ao ordenamento jurídico. 114 Segundo Mendes, entre valores dos princípios existentes o que se destaca é do princípio da dignidade humana, eis suas palavras: “[...] não há dúvida de que, também entre nós, os valores vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana assumem peculiar relevo (CF, art. 1º, III).”115 É necessária a permanência do princípio de unidade da Constituição para que não a transforme num caos: O princípio da Constituição leva o intérprete a buscar a harmonização entre dispositivos aparentemente conflitantes de lei maior. Caso a conciliação plena não seja viável, ele deve procurar solução onde a restrição à eficácia de cada uma das normas e confronto seja a menor possível, buscando a otimização da tutela aos bens jurídicos por ela protegidos. 116 A espinha dorsal de sustentação da Constituição está no princípio da dignidade da pessoa humana como bem traça o seguinte trecho: [...] O princípio da dignidade da pessoa humana, em termos jurídicos, a máxima kantiana; segunda a qual o Homem deve sempre ser tratado como um fim em si mesmo e nunca como um meio. O ser humano precede o Direito e o Estado, que apenas se justificam em razão dele. 117 Também em consonância à importância da pessoa humana no ordenamento jurídico e nas palavras de Miguel Reale: “A pessoa humana deve ser concebida e tratada como valor-fonte do ordenamento jurídico.” 118 O princípio da dignidade humana no âmago da Constituição tem desdobramentos infinitos no ordenamento jurídico e neste aspecto: O princípio da dignidade de pessoa humana representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas também toda a miríade de relações privadas que se desenvolve no seio da sociedade civil e do mercado. 119 A dignidade não se limita a um grupo específico e sim a todos os seres humanos indistintamente e estas palavras são corroboradas em: 114 SARMENTO, 2003, p. 28. MENDES, 2007, p. 95. 116 HESSE, 1992, p. 46 apud SARMENTO, 2003, p. 29. 117 SARMENTO, 2003, p. 59. 118 1990, p. 59-69 apud SARMENTO, 2003, p. 59. 119 SARMENTO, 2003, p. 59. 115 35 A dignidade não é reconhecida apenas às pessoas de determinada classe, nacionalidade ou etnia, mas a todo e qualquer indivíduo, pelo simples fato de pertencer à espécie humana. Dela não se despe nenhuma pessoa, por mais graves que tenham sido os atos que praticou. A idéia é a de que em cada ser humano, por mais humilde e obscura que seja a sua existência, pulsa toda a Humanidade. 120 Mesmo com as mudanças das Constituições no decorrer dos tempos, o princípio de dignidade da pessoa humana nunca deixou de existir no arcabouço das mesmas e neste sentido: "O princípio da dignidade da pessoa humana, embora impregnado por inafastável carga axiológica, não é estático e perene, mas histórico, tendo variado bastante ao sabor das mudanças que afetaram a sociedade." 121 Mesmo com todas as mudanças no decorrer da história, o princípio da dignidade da pessoa humana nunca deixou de existir, mesmo com o advento de novos direitos e em concordância com esta posição: [...] as guerras quentes e frias, os genocídios e massacres, pode-se afirmar que a evolução histórica do princípio da dignidade da pessoa humana temse caracterizado, pelo menos até aqui, pela progressiva incorporação de novos direitos ao patrimônio dos povos, que se sucedem em gerações complementares e não excludentes. 122 E como destaque da evolução histórica deste princípio, segundo Gilmar Mendes: “Os direitos e garantias fundamentais, em sentido material, são, pois, pretensões que, em cada momento histórico, se descobrem a partir da perspectiva do valor da dignidade humana.” 123 O Homem como peça mais importante da Constituição não pode ser desrespeitado em sua individualidade em prol da coletividade, como bem abordado em: O ser humano é considerado um valor em si mesmo, superior ao Estado e a qualquer coletividade à qual se integre. Mas, [...] o homem que se tem em vista é um ser real e palpável, histórica e geograficamente situado, que partilha valores e tradições com seus semelhantes e que tem necessidades reais que devem ser atendidas. É o homem que não apenas vive, mas convive. 124 Qualquer ação, ato que infringir o princípio da dignidade da pessoa humana não merece tutela e assim salienta-se que: "Todo e qualquer ato normativo, administrativo ou jurisdicional que se revelar atentatório à dignidade humana será 120 SARMENTO, 2003, p. 60. SARMENTO, 2003, p. 66. 122 CASTRO, 1989, p. 103-104 apud SARMENTO, 2003, p. 67. 123 MENDES, 2008, p. 237. 124 SARMENTO, 2003, p. 69. 121 36 inválido e desprovido de eficácia jurídica, ainda que não colida frontalmente com qualquer dispositivo constitucional." 125 Não basta apenas o reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana, mas também garanti-lo e neste mesmo sentido Torres: “O Estado tem não apenas o dever de se abster de praticar atos que atentem contra a dignidade humana, como também o de promover esta dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo existencial.” 126 A base da Constituição está no princípio da dignidade da pessoa humana que perpassa o seu significado por todo seu conteúdo e neste sentido assevera-se: Como fundamento basilar da ordem constitucional, o princípio da dignidade da pessoa humana configura diretriz inafastável para a interpretação de todo o ordenamento. Na qualidade de vértice axiológico da Constituição, o cânone em pauta condensa a idéia unificadora que percorre toda a ordem jurídica, condicionando e inspirando a exegese e aplicação do direito positivo, em suas mais variadas manifestações. 127 O princípio da dignidade humana é o valor inerente à Constituição de 1988 e, para Mendes: “[...] não há dúvida de que, também entre nós, os valores vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana assumem peculiar relevo (CF, art. 1º, III).” 128 O princípio preponderante na ponderação de interesses é o da dignidade da pessoa humana que estão ligados aos valores da igualdade, liberdade, fraternidade e justiça da sociedade e nestes termos: A ponderação de interesses [...] não é apenas um procedimento de índole formal para composição das tensões entre princípios constitucionais. [...] ostenta uma irredutível dimensão substantiva, dirigindo-se à afirmação e à concretização dos valores supremos de igualdade, liberdade, fraternidade e justiça, em que se apóia todo ordenamento constitucional, e que estão condensados no princípio da dignidade da pessoa humana. 129 Decotam - se informações em que o núcleo do princípio da dignidade humana está na incolumidade do indivíduo e corrobora-se no seguinte trecho: [...] a dignidade da pessoa humana tem a autonomia e o direito de autodeterminação como elementos nucleares e que, por isso; (a) engloba, necessariamente a preservação da integridade física e corporal do indivíduo (autonomia física e corporal); (b) envolve a proteção de sua identidade pessoal (autonomia psíquica e intelectual); (c) passa pela tutela da isonomia de todos os seres humanos, que, dessa forma, não podem ser submetidos 125 SARMENTO, 2003, p. 71. 1999, p. 262-263 apud SARMENTO, 2003, p. 71. 127 SARMENTO, 2003, p. 73. 128 MENDES, 2007, p. 95. 129 SARMENTO, 2003, p. 74. 126 37 a tratamentos discriminatórios e arbitrários; (d) têm a limitação do poder como exigência diretamente decorrente e (e) também consiste na garantia de condições justas e adequadas de vida para o indivíduo e sua família. 130 Reforça-se que a constitucionalização do meio ambiente foi uma mudança bastante importante para dignidade humana, já que este princípio é o cerne de toda a constituição: [...] a consagração do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental é importante, primeiro, como forma de preservar a via e a dignidade das pessoas núcleo essencial dos direitos fundamentais e em segundo plano, como fator de “transformação social.” 131 Em consonância com a preservação do princípio da dignidade humana exigese tanto a participação do Estado e dos seres humanos para a prestigiosa colaboração da garantia da integridade da pessoa humana e nestes termos: [...] a preservação da dignidade da pessoa humana exige do Estado e dos demais integrantes da sociedade (a) tanto ações negativa, no sentido de não praticarem atos que atentem contra a integridade corporal ou psíquica do indivíduo, (b) quanto ações positivas, que assegurem o pleno desenvolvimento da personalidade individual. Por conta disso, o Estado deve se abster da prática de atos que violem a dignidade pessoal do indivíduo e, ao mesmo tempo, protegê-los dos atentados provenientes do comportamento de terceiros ou oriundos da ausência de condições materiais para o livre desenvolvimento da sua personalidade (como é o caso do não atendimento às carências sociais, econômicas e culturais ou da inexistência de condições ambientais adequadas para a sobrevivência). 132 Em suma, o princípio da dignidade humana é um princípio essencial para a base axiológica da constituição na incolumidade da integridade do ser humano. 2.3 POSTULADOS NORMATIVOS Embora haja cotejos deste conceito, os postulados são diferentes dos princípios e regras, pois se aplicam à interpretação de adequação das duas hipóteses e neste contexto: Os postulados funcionam diferentemente dos princípios e das regras. A uma, porque não se situam no mesmo nível: os princípios e as regras são normas objeto da aplicação; os postulados são normas que orientam a aplicação de outras. A duas, porque não possuem os mesmos destinatários: os princípios e as regras são primariamente dirigidos ao Poder Público e 130 SARLET, 2003, p. 110-111 apud BAHIA, 2006, p. 29. MIRRA, 1994, p. 12 apud BAHIA, 2006, p. 122. 132 BAHIA, 2006, p. 29. 131 38 aos contribuintes; os postulados são frontalmente dirigidos ao intérprete e aplicador do Direito. A três, porque não se relacionam da mesma forma com outras normas: os princípios e as regras, até porque se situam no mesmo nível do objeto, implicam-se reciprocamente, quer de modo preliminarmente complementar (princípios), quer de modo preliminarmente decisivo (regras); os postulados, justamente porque se situam num metanível, orientam a aplicação dos princípios e das regras sem conflituosidade necessária com outras formas. 133 Os postulados normativos são considerados condições específicas para solucionar conflitos, eis as seguintes palavras: [...] condições são definidas como postulados normativos aplicativos, na medida em que se aplicam para solucionar questões que surgem como a aplicação do Direito, especialmente para solucionar antinomias contingentes concretas e externas: contingentes, em vez de necessárias. 134 Os postulados normativos aplicativos não são princípios. Portanto, enquanto os princípios buscam um estado ideal, os postulados buscam estruturar a aplicabilidade das normas. A doutrina distingue-os da seguinte forma: [...] os princípios são definidos como normas imediatamente finalísticos, isto é, normas que impõem a promoção de um estado ideal de coisas por meio de prescrição indireta de comportamentos cujos efeitos são havidos como necessários àquela promoção. [...] os postulados, [...] estruturam a aplicação do dever de promover um fim. [...] não prescrevem indiretamente comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente às normas que indiretamente prescrevem comportamentos. 135 Enquanto as regras detalham comportamento, os postulados fundamentam e assim se enfatiza no seguinte trecho: “As regras, a seu turno, são normas imediatamente descritivas de comportamentos devidos ou atributivas de poder. [...] os postulados não descrevem comportamentos, mas estruturam a aplicação de normas que o fazem.” 136 Para as normas há aplicabilidade, enquanto que para os postulados aplicativos há a fixação critérios para os princípios e normas. As seguintes palavras confirmam isto: Enquanto os princípios e as regras são o objeto de aplicação, os postulados estabelecem critérios de aplicação dos princípios e das regras. E enquanto os princípios e regras servem de comandos para determinadas condutas obrigatórias, permitidas e proibidas, ou condutas cuja adoção sejam 133 ÁVILA, 2008, p. 122. PRIETO SANCHES, 2000, p. 472 apud ÁVILA, 2008, p. 134. 135 ÁVILA, 2008, p. 135. 136 ÁVILA, 2008, p. 136. 134 39 necessárias para atingir fins, os postulados servem com parâmetros para a realização de outras normas. 137 E ainda, Ávila acrescenta mais: “[...] utilização dos postulados sempre há um raciocínio de que é feito relativamente à aplicação de outras normas do ordenamento jurídico.” 138 A proporcionalidade não é um princípio porque não se trata de uma abstração e sim postulado, já que realiza em situações de fato, a restrição de um princípio por outro e assim corrobora-se no seguinte trecho: A proporcionalidade [...] não pode ser considerada uma espécie de princípio, porque não tem elevado grau de abstração e generalidade: ela dirige-se a situações determinadas (colisão entre princípios em razão da utilização de um meio cuja adoção provoca efeitos que promovem a realização de um princípio, mas restringem a realização de outro) e as pessoas determinadas (sujeitos, normalmente autoridades públicas, que adotam medidas com a pretensão de realizar determinados princípios). Também não pode ser considerada regra, pois não tem uma hipótese e uma conseqüência que permita a subsunção do conceito do fato ao conceito da norma. Em vez de uma hipótese de fato ou de definição de um efeito, a proporcionalidade estabelece uma estrutura de aplicação, algo bem 139 diverso. O postulado normativo consiste em critérios que se adéquam a situações em que os critérios usuais, de cronologia, hierarquia e especialidade não atendem eficazmente. 2.4 COLISÃO DE PRINCÍPIOS Nas colisões entre direitos fundamentais é importante buscar a harmonia entre eles para não prejudicar a unidade da Constituição e tão-pouco as pessoas. Confirma-se na seguinte passagem: "[...] uma relação de tensão entre princípios e as regras constitucionais, especialmente entre aqueles que protegem os cidadãos e aqueles que atribuem poderes ao Estado, deve ser buscado um equilíbrio entre eles." 140 A compreensão da distinção entre princípios e regras colima nas situações fáticas de choques, enquanto os princípios são humildes, permitindo o afastamento 137 ÁVILA, 2008, p. 137. ÁVILA, 2008, p. 137. 139 ÁVILA, 2008, p. 138. 140 ÁVILA, 2008, p. 145. 138 40 de um para valer o outro, coexistindo os dois. As regras são arrogantes, pois uma extingue e elimina a outra por critérios como hierarquia, cronologia e especialidade. Assim a colisão de princípios é um aparente acordo e das regras não há hipótese alguma de acordo: [...] os princípios são compreendidos e equiparados e até mesmo confundidos com os valores, sendo, na ordem constitucional dos ordenamentos jurídicos, a expressão mais alta da normatividade que fundamenta a organização do poder. As regras vigem, os princípios valem; o valor que nele se insere se exprime em graus distintos. Os princípios, enquanto valores fundamentais, governam a Constituição, o regímen, a ordem jurídica. Não são apenas a lei, mas o Direito em toda a sua extensão, substancialmente, plenitude e abrangência. 141 Os princípios miram imposições e mesmo opostos podem existir simultaneamente, já as regras prescrevem comportamentos e quando contrárias eliminam-se. Em concordância com isto destaca-se o seguinte trecho: Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem o proíbem) que é ou não é cumprida [...]; a convivência dos princípios é conflitual [...] a convivência de regras é antinômica; os princípios coexistem, as regras antinômicas excluem-se. Conseqüentemente, os princípios, ao constituírem exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem como as regras, à <<lógica do tudo ou nada>>), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exacta medida das 142 suas prescrições, nem mais nem menos. É importante distinguir regras de princípios e assim Bonavides: “[...] A distinção entre regras e princípios desponta com mais nitidez, no dizer de Alexy, é ao redor da colisão de princípios e do conflito de regras.” 143 As normas dividem-se em princípios e regras. Os primeiros podem ser ponderados, enquanto os segundos são validados ou não. Normas ou são princípios ou são regras. As regras não precisam nem podem ser objeto de ponderação; os princípios precisam e devem ser ponderados. As regras instituem deveres definitivos, independentes das possibilidades fáticas e normativas; os princípios instituem deveres preliminares, dependentes das possibilidades fáticas e normativas. Quando duas regras colidem, uma das duas é inválida, ou dever ser aberta uma exceção a uma delas para superar o conflito. Quando dois princípios 141 BONAVIDES, 2007, p. 288-289. CANOTILHO, 2005, p. 1161. 143 BONAVIDES, 2007, p. 279. 142 41 colidem, os dois ultrapassam o conflito mantendo sua validade, devendo o aplicador decidir qual deles possui maior peso. 144 Assim num conflito aparente de princípios, embora não muito pertinente estes termos, implica na primazia do princípio de unidade da Constituição. [...] devem ser levados em conta, em eventual juízo de ponderação, os valores que constituem inequívoca expressão desse princípio (inviolabilidade de pessoa humana, respeito à sua integridade física e moral, inviolabilidade do direito de imagem e da intimidade). 145 (grifo do autor). A conseqüência do conflito entre regras incompatíveis resultam na exclusão em uma delas, pois são pontos controversos e indiscutíveis e Alexy relata: “Comum a colisões e conflitos é que duas normas, cada qual aplicada de per si, conduzem a resultados entre si incompatíveis, a saber, a dois juízos concretos e contraditórios de dever-ser jurídico.” 146 A solução de conflito entre regras resolve-se com a invalidação de uma delas e assim afirma-se: Um conflito entre regras somente pode ser resolvido se uma cláusula de exceção, que remova o conflito, for introduzida numa regra ou pelo menos se uma das regras for declarada nula (ungültig). [...] uma norma vale ou não vale, e quando vale, e é aplicável a um caso, isto significa que suas conseqüências jurídicas também valem. 147 A coexistência entre dois princípios opostos é possível com o afastamento de um deles e nas palavras de Bonavides: “A colisão ocorre, p. ex., se algo é vedado por um princípio, mas permitido por outro, hipótese em que um dos princípios deve recuar.” 148 Para resguardar a unidade e a coerência do ordenamento jurídico é primordial a utilização de determinados critérios para solucionar os inevitáveis embates entre as normas. A distinção entre regras e princípios jurídicos se apresenta sumamente relevante quando da resolução das tensões que se produzem dentro do sistema normativo. Em um sistema de normas, constituído por regras e princípios constitucionais em constante e necessária transformação, que refletem uma sociedade dinâmica e heterogênea, inevitáveis são os conflitos entre as espécies normativas, situação que reclama adoção de 144 ÁVILA, 2008, p. 26. MENDES; COELHO; GONET BRANCO, 2008, p. 347. 146 1985, p. 77 apud BONAVIDES, 2007, p. 279. 147 ALEXY, 1985, p. 77 apud BONAVIDES, 277, p. 279. 148 BONAVIDES, 2007, p. 279-280. 145 42 critérios capazes de resolver o conflito e salvaguardar a unidade e a coerência do ordenamento jurídico. 149 Na doutrina existem muitas diferenças entre princípios e regras, mas não são unânimes. Enquanto o princípio é a diretriz, é o caminho a ser feito, a regra por sua vez é a determinação, concretização e o caminho a fazer. [...] duas características afastariam os princípios das regras. Em primeiro lugar, o conteúdo axiológico: os princípios, ao contrário das regras, possuiriam um conteúdo axiológico explícito e careceriam, por isso, de regras para sua concretização. Em segundo lugar, há o modo de interação com outras normas: os princípios, ao contrário das regras, receberiam seu conteúdo de sentido somente por meio de um processo dialético de complementação e limitação. 150 Enquanto as regras são descritivas e decisivas, os princípios são abstratos e finalísticos. Nestes termos os conceitos de regras e de princípios são os seguintes: As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangências, para cuja aplicação se exige a avaliação de correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhe são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. 151 (grifo do autor). Uma das distinções entre princípios e regras não pode ser firmada no tudo ou nada, já que para manter a unidade da Constituição, os princípios precisam conviver pacificamente no limite de fronteiras. As regras são invalidadas e os princípios são ponderados: A distinção entre princípios e regras – segundo Alexy – não pode ser baseada no tudo ou nada. [...] deve resumir-se, sobretudo, a dois fatores: diferença quanto à colisão, na medida em que os princípios colidentes apenas têm sua realização normativa limitada reciprocamente, ao contrário dar regras, cuja colisão é solucionada com a declaração de invalidade de uma delas ou com a abertura de uma exceção que exclua a antinomia; diferença quanto à obrigação que instituem, já que as regras instituem obrigações absolutas, não superadas por normas contrapostas, enquanto os princípios instituem obrigações prima facie, na medida e, que podem ser superadas ou derrogadas em função dos outros princípios colidentes. 152 Uma das diferenças entre regras e princípios é que a primeira é determinável, enquanto que a segunda é indeterminável e assim: 149 CRISTÓVAM, 2008. CANARIS, 1983, p. 50, 53, 55 apud ÁVILA, 2008, p. 36. 151 ÁVILA, 2008, p. 78-79. 152 ALEXY, 1985, separata 25/20 apud ÁVILA, 2008, p. 38-39. 150 43 Em primeiro lugar [...] enquanto as regras descrevem objetos determináveis (sujeitos, condutas, matérias, fontes, efeitos jurídicos, conteúdos), os princípios descrevem um estado ideal de coisas a ser promovido. Em segundo lugar, as regras diferenciam-se dos princípios pela natureza da justificação que exigem para serem aplicadas: as regras exigem um exame de correspondência entre a descrição normativa e os atos praticados ou fatos ocorridos, ao passo que os princípios exigem uma avaliação da correlação positiva entre os efeitos da conduta adotada e o estado de coisas que deve ser promovido. Em terceiro, as regras distinguem-se dos princípios pela natureza da contribuição para a solução do problema: enquanto as regras têm pretensão de decidibilidade, pois visam proporcionar uma solução provisória para um problema conhecido ou antecipável, os princípios têm pretensão de complementariedade, já que servem de razões a serem conjugadas com ouras para a solução de um 153 problema. Os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade colaboram na solução do postulado ponderação em situações conflituosas como assevera - se em: Nem a ponderação nem a concordância prática indicam [...], os critérios formais ou materiais por meio dos quais dever ser feita a promoção – das finalidades entrelaçadas. [...] são os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade que permitem estruturar a realização das normas constitucionais. 154 Para atingir finalidades, não existe um caminho sem barreiras, pois há restrições que esbarram no postulado da proibição de excesso e onde aplica-se o postulado da proporcionalidade e observa-se no seguinte trecho: A promoção de finalidades constitucionalmente postas possui, porém, um limite. Esse limite é fornecido pelo postulado da proibição de excesso. [...] denominado pelo Supremo Tribunal Federal como uma das facetas do princípio da proporcionalidade, o postulado [...] proíbe a restrição excessiva de qualquer direito fundamental. A proibição de excesso está presente em qualquer contexto em que um direito fundamental esteja sedo restringido. 155 A aplicabilidade do postulado da razoabilidade está contextualizada em casos concretos em que se procura preservar a individualidade e as normas do sistema constitucional como afirma - se em: A razoabilidade estrutura a aplicação de outras normas, princípios e regras notadamente das regras. [...] à razoabilidade, dentre tantas acepções, três se destacam. Primeiro, [...] como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto. [...] Segundo, [...] como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência. [...] Terceiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas. 156 153 ÁVILA, 2008, p. 83-84. ÁVILA, 2008, p. 145. 155 ÁVILA, 2008, p. 145. 156 ÁVILA, 2008, p. 152. 154 44 O postulado da proporcionalidade para alcançar determinados fins requer imprescindível maneiras, formas para atingi-lo e não há como o Poder público estar ausente destas circunstâncias, uma vez que tem que escolher meios suficientes para alcançar determinados objetivos e coaduna nas seguintes palavras: O postulado de proporcionalidade exige que o Poder Legislativo e o Poder Executivo escolham, para a realização de seus fins, meios adequados, necessários e proporcionais. Um meio adequado se promove o fim. Um meio é necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for o menor restritivo relativamente aos direitos fundamentais. E um meio é proporcional em sentido estrito, se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca. A aplicação da proporcionalidade exige a relação de causalidade entre meio e fim, de tal sorte que, adotando-se o meio, promove-se o fim. 157 Aplicar a razoabilidade é imprescindível a presença de uma situação concreta, real e está bem abordada em: A razoabilidade como dever de harmonização do geral com o indivíduo (dever de equidade) atua como instrumento para determinadas que as circunstâncias de fato devem ser consideradas com a presunção de estarem dentro da normalidade, ou para expressar que a aplicabilidade de regra geral depende do enquadramento do caso concreto. 158 Com a aplicabilidade da proporcionalidade não poderá haver a nulidade de um princípio pelo outro: Se a proporcionalidade em sentido estrito for compreendida como amplo dever de ponderação de bens, princípios e valores, em que a promoção de um não pode implicar a aniquilação de outro, em proibição de excesso será incluída no exame da proporcionalidade. 159 Com a ponderação de interesses é necessária, também, a utilização do postulado da proporcionalidade: Se a proporcionalidade em sentido estrito compreender a ponderação dos vários interesses em conflito, inclusive dos interesses pessoais dos titulares dos direitos fundamentais restringidos a razoabilidade como equidade será incluída no exame da proporcionalidade. 160 O postulado de proporcionalidade é usado quando existe uma situação concreta para um determinado fim e aponta-se em: Ele se aplica apenas a situações em que há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação (o meio promove o fim?), o da necessidade (dentre os meios 157 ÀVILA, 1999, RDA 215/151-199 apud ÁVILA, 2008, p. 159. ÁVILA, 2008, p. 159. 159 MENDES, 1988, p. 67 e ss apud ÁVILA, 2008, p. 160. 160 ÁVILA, 2008, p. 160. 158 45 disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não há outro meio menos restritivo do (s) direito (s) fundamentais afetados?) e o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do meio?). 161 Assim: Sua aplicabilidade depende de elementos sem os quais não pode ser aplicada. Sem um meio, um fim concreto e uma relação de causalidade entre eles não há aplicabilidade do postulado da proporcionalidade em seu caráter trifásico. 162 O postulado da proporcionalidade exige adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito de uma medida havida como meio para atingir um fim empiricamente controlável. O postulado da proporcionalidade não se identifica com o da ponderação de bens: esse último exige a atribuição de uma dimensão de importância a valores que imbricam, sem que contenha qualquer determinação quanto ao modo como dever ser feita essa ponderação. [...]. 163 Os postulados normativos são normas imediatamente metódicas, que estruturam a interpretação e aplicação de princípios e regras mediante a exigência, mais ou menos específica, de relações entre elementos com base em critérios. Alguns postulados aplicam-se sem pressupor a existência de elementos e de critérios específicos: ponderação de bens consiste num método destinado a atribuir pesos a elementos que se entrelaçam, sem referência a pontos de vista materiais que orientem esse sopesamento; a concordância prática exige a realização máxima de valores que se imbricam; a proibição de excesso proíbe que a aplicação de uma regra ou de um princípio restrinja de tal forma um direito fundamental que termine lhe retirando seu mínimo de eficácia. 164 A ponderação é a solução mais propícia da colisão entre princípios, eis que inexiste incompatibilidade de dois princípios concomitantemente e os critérios de hierarquia, cronologia e especialidade não se encaixa nestas circunstâncias e corrobora isto o seguinte trecho: Apela-se ao método de ponderação de bens como via adequada à promoção de solução justa nas colisões entre direitos fundamentais e entre estes e outros bens protegidos constitucionalmente. [...] a busca para soluções ajustadoras às colisões de direitos fundamentais perpassa pelo manuseio, concomitante, do princípio da proporcionalidade e da técnica de ponderação de bens. 165 Para solução de colisão é importante considerar o postulado da proporcionalidade como se depreende das palavras de Eros Grau: “Na análise do 161 ÁVILA, 2008, p. 161-162. ÁVILA, 2008, p. 162. 163 ÁVILA, 2008, p. 165. 164 ÁVILA, 2008, p. 181. 165 GRAU, 2003, p. 231. 162 46 princípio da proporcionalidade como critério necessário para a harmonização e adequação dos direitos fundamentais em situação de conflito.” 166 Embora Eros Graus identifique a proporcionalidade como princípio refuta-se esta idéia uma vez que não é diretriz para um fim e sim o como aplicar o princípio, portanto um postulado normativo. Entre os princípios dos direitos fundamentais são inevitáveis os choques wm que solução adequada: Os direitos fundamentais podem entrar em conflito em situações especiais: nas hipóteses de concorrência de direitos fundamentais e colisões de direitos fundamentais ou envolvendo direitos fundamentais e bens jurídicos de estatura constitucional. [...] Os conflitos dentre direitos fundamentais e bens jurídicos de estatura constitucional ocorrem quando o exercício de direito fundamental ocasiona prejuízo da um bem protegido pela Constituição. 167 Existem determinados critérios para soluções propícias entre os conflitos dos direitos fundamentais: [...] utilização do método hermenêutico constitucional concretista aliado ao princípio da proporcionalidade e ao método da ponderação de bens, como critérios necessários a oferecer solução adequada aos conflitos de direitos fundamentais ocasionados no caso concreto. 168 Embora estes autores descrevam a proporcionalidade não há aplicabilidade, pois a proporcionalidade é um critério para a ponderação de interesses. A hermenêutica constitucional está em transformação da lógica formalpositivista para o raciocínio levando em consideração a ponderação e a proporcionalidade. Vale frisar que os choques são resolvidos pela interpretação em que prevalece o preceito mais adequado. No bojo da normatividade dos princípios constitucionais, o estudo das formas de resolução dos conflitos entre princípios constitucionais ganha considerável relevância, sobretudo se analisados a partir de uma moderna teoria da argumentação jurídica. Tal empreitada exige a rediscussão e a redefinição da hermenêutica constitucional clássica, pautada pela lógica formal-positivista, avançando-se para uma nova hermenêutica constitucional, vivificada pelo raciocínio tópico e pela aplicação da máxima da proporcionalidade. Inexistem normas constitucionais inconstitucionais, o enfrentamento da questão pode vir a constatar que, ou o caso vertente implica a ocorrência de uma antinomia constitucional, e diante disso, devermos, através da equidade, buscar a sua solução dentro da própria Constituição, sem que se tenha que excluir qualquer dos dispositivos em apreço ou que, na verdade, 166 GRAU, 2003, p. 231. CARA, 1994 apud CLÉVE; FREIRE apud GRAU, 2003, p. 232-233. 168 CLÉVE; FREIRE apud GRAU, 2003, p. 234. 167 47 os artigos não são incompatíveis e, mediante uma adequada interpretação, o impasse desaparece. Em verdade, deve ser avaliado, no caso concreto, qual dos princípios em colisão tem maior peso; segundo as circunstâncias e condições da situação, qual dos direitos deve ser efetivado, em uma relação de precedência condicionada. Fica conferido ao Judiciário o dever de examinar a situação concreta e decidir se o direito efetivado não afrontou um direito que deveria prevalecer naquele caso, precedendo ao direito respaldado. Pelo princípio da ponderação dos resultados, deve-se examinar o grau de satisfação e efetivação do mandamento de otimização que a decisão procurou atender. Quanto mais alto for o grau de afetação e afronta ao princípio limitado pelo meio utilizado, maior deverá ser a satisfação do princípio que se procurou efetivar. Na resolução da colisão entre princípios constitucionais deve - se levar em consideração as circunstâncias que cercam o caso concreto, para que, pesados os aspectos específicos da situação, prepondere o preceito mais adequado. A tensão se resolve mediante uma ponderação de interesses opostos, determinando qual destes interesses, abstratamente, possui maior 169 peso no caso concreto. A doutrina e a jurisprudência optaram pela ponderação de interesses na solução de colisões. Segundo Carolina Medeiros Bahia: “A doutrina e a jurisprudência têm optado por modelos que privilegiam a ponderação de direitos, partindo da concepção de que, a priori, nenhum direito fundamental vale mais do que o outro.” 170 A oposição entre princípios não redundam em invalidade e sim em ponderação de interesses e proporcionalidade para cada situação concreta como parte dos requisitos dos postulados normativos. [...] se um princípio mostra-se incompatível com outro, ambos continuarão válidos, pois haverá apenas a ponderação de funcionalidade dos valores contrapostos, no sentido de equalizar o referencial normativo a ser empregado, de modo que toda colisão entre princípios pode expressar-se como uma colisão de valores, ao passo em que o choque de valores antagônicos também redunda em um choque de princípios (Alexy, 1998: 14). [...] Em verdade, nota-se hoje, ainda que incipientemente, uma preocupação com os rumos da principiologia, em que o enfoque crítico de autores como Ávila avulta imprescindível. Como se passa em toda teoria crítica, o caminho é despensar o modelo teórico atual, para repensá-lo (Boaventura Santos) em melhor grau conceitual. Desde Esser, passando por Larenz e Canaris, a questão dos critérios e métodos associados ao conhecimento jurídico está em visível transição de paradigmas; com os influxos da teoria da argumentação jurídica e mesmo da aproximação entre direito e linguagem, as bases compreensivas da epistemologia jurídica sofreram profunda reorientação. Mais que compreender os princípios, se faz necessário estudá-los por um prisma fenomenológico, da pré-compreensão de conteúdos particulares à metodologia de sua aplicação judicial. 169 170 CRISTÓVAM, 2008 BAHIA, 2006, p. 199. 48 É nesse contexto que a investigação de Ávila se insere: uma investigação densa, em que se privilegia o exame da estrutura lógica dos princípios, bem assim, sua aplicabilidade, especialmente no que concerne à sua fundamentação, de sorte a permitir a especificação dos comportamentos necessários à concreção dos valores por eles focalizados (Ávila, 2004: 56). A crítica formulada por Ávila ao padrão teórico predominante traz ao chão grandes laudatórios imunizantes da teoria principiológica convencional. De tal sorte, ao instituir-se uma construção teorética de maior densidade, as indagações e perplexidades conduzirão, obrigatoriamente, a uma necessária revaloração dos fundamentos qualificadores (justificantes) das decisões. [...] Sucede que, na visão de Ávila, o princípio da proporcionalidade não consiste num princípio, mas num postulado normativo aplicativo: em sua aplicação, o dever de proporcionalidade indica qual norma deverá prevalecer, a independer da situação concreta se houve ou não violação do conteúdo que representa a noção de proporcionalidade [...] Os postulados normativos, portanto, correspondem a normas articuladoras de regras e princípios, cujo funcionamento difere dessas espécies normativas, consideradas de 1º grau. São deveres estruturais de aplicabilidade das normas em geral, cuja determinabilidade consiste na própria metodologia de decisão de um caso. O problema de sua aplicação consiste exatamente na sua determinação: não se poderá especificar, em todos os casos, quais os elementos e critérios de sua utilização. Daí, a opção de Ávila em dividi-los em duas espécies: (i) postulados inespecíficos, dos quais se protraem a ‘ponderação’, a ‘concordância prática e a proibição de excessos’; e (ii) postulados específicos, tais como a ‘igualdade’, a ‘razoabilidade’ e a ‘proporcionalidade’ (Ávila, 2004: 93ss). Sem imergir no detalhamento da classificação e em seus desdobramentos lógicos, a proposta de qualificação dos postulados normativos consagra a pré-compreensão na argumentação e hermenêutica do direito, em uma ampla cobertura de inferências lógicas postas à atividade decisional; enquanto alguns postulados aplicam-se sem pressupor a existência de elementos e critérios específicos, outros dependem de certas condições e prévios acertos de finalidade, para, enfim, dirigirem-se a seu consentâneo funcionamento. [...] Assim, para além da mera dicotomização das normas jurídicas em regras e princípios, o viés argumentativo conduz a adoção de “metanormas” ou normas de segundo grau, simplesmente denominadas postulados normativos aplicativos; a terminologia – diz Ávila, pouco importará – o decisivo passa a ser a análise, fundamentação e operacionalidade desse fenômeno (Ávila, 2004: 90). Postulados normativos são tratados como normas estruturantes da aplicação de regras e princípios. A sua formulação oportuniza a identificação de três modos de aplicabilidade aos quais estaria uma norma jurídica sujeita: (i) a regra, que especifica um comportamento imediato; (ii) o princípio, que se revela como um fim adequado à situação jurídica; e (iii) o postulado normativo, enquanto método para a aplicação das espécies 171 normativas em prospecção. As situações de conflitos encontram soluções viáveis em vários critérios para equilibrar 171 o GUERRA, 2007. ordenamento jurídico que não comporta incoerências e 49 incompatibilidades entre as normas. O critério mais propício para a resolução de princípios que se encontram no mesmo nível de hierarquia é verificar o maior peso entre eles. Assim consiste na ponderação de interesses na concretização de um fato. Entre os princípios constitucionais não há conflitos e sim colisões e, portanto, é necessário sopesar o princípio mais preponderante na situação concreta em escopo e Canotilho destaca que: “[...] colisão entre direitos individuais quando se identifica conflito decorrente do exercício de direitos individuais por diferente titulares.” 172 As colisões entre princípios não são reais, já que não existem princípios inconstitucionais e Rüfner assevera que: “[...] questões tratadas como relações conflituosas de direitos individuais configuram conflitos aparentes [...]” 173 Enquanto as regras resolvem-se no plano da validade, os princípios solucionam-se no critério de sopesamento e detalhando mais: Alexy considera que os princípios jurídicos enquadram-se na condição de mandado de otimização incluindo-se na espécie das normas, uma vez que constem em proposições deônticas que encerram um “dever-ser”. Estes mandados de otimização, contudo, depende de condições reais e jurídicas, assim, serão aferidas no confronto dos princípios e regras opostos. Ao contrário, as regras não contemplam seu cumprimento em vários graus, mas contêm determinações no âmbito do que seja fática ou juridicamente possível. Portanto, em sendo válida a regra, somente pode ser cumprida ou não. Com efeito, enquanto o conflito entre regras se resolve no plano de validade, o conflito entre princípios somente poderá ser resolvido pela aferição da respectiva prevalência de um dos princípios envolvidos em meio 174 às circunstâncias reais (de fato). Na colisão de princípios há o comparativo de pesos entre eles numa determinada situação fática e nas palavras de Alexy: “[...] os princípios têm um peso diferente nos casos concretos, e que o princípio de maior peso é o que prepondera.” 175 Já a questão do conflito das regras é completamente diferente eis que uma exclui a outra e assim demonstra a seguinte passagem: [...] se desenrolam na dimensão da validade, ao passo que a colisão de princípios, visto que somente princípios válidos podem colidir, transcorre 172 1993, p. 643 apud MENDES, 2007, p. 77. 1976, v. II, p. 452 apud MENDES, 2007, p. 77. 174 ALEXY, 1997, p. 86 et-seg. apud SBROGIOBALIA, 2007, p. 132. 175 1985, p. 79 apud BONAVIDES, 2007, p. 280. 173 50 fora da dimensão da validade, ou seja, a dimensão do peso, isto é, do valor. 176 A ponderação é uma forma de solução adequada entre situações de tensão em que os critérios usuais não adéquam para a solução entre colisão de princípios e Canotilho assevera-se isto na seguinte passagem: “As idéias de ponderação (Abwägung) [...] surge em todo o lado onde haja necessidade de ‘encontrar o direito’ para resolver ‘casos de tensão’ (Ossenbühl) entre bens juridicamente protegidos.” 177 A harmonia é importante para resolução dos choques, coerência e unidade do sistema constitucional e assim Canotilho acrescenta mais: “[...] no momento de ponderação está em causa [...] equilibrar e ordenar bens conflituantes [...] num determinado caso.” 178 Ainda sobre esta questão de ponderação que busca a solução adequada para o choque existente, Canotilho afirma: “[...] a ponderação visa elaborar critérios de ordenação para, em face dos dados normativos e factuais, obter a solução justa para o conflito de bens.” 179 Portanto, a ponderação de interesses é a harmonização das colisões dentro da unidade e dinâmica da Constituição. Também sobre este aspecto, é importante salientar a flexibilidade dos princípios na Constituição que não aceita normas inconstitucionais e Canotilho afirma: “[...] a ponderação reconduz-se [...] à criação de uma hierarquia axiológica móvel entre princípios conflituantes.” 180 A ponderação como critério de solução de colisão é buscada tendo em vista que os outros critérios não se adéquam a colisões de princípios em situações reais: A ponderação se realiza entre princípios em conflito, que se encontram em uma relação de antinomia não dirimível pelos critérios usuais destinados a solução dos conflitos entre regras (quais sejam os critérios hierárquico, cronológico ou de especialidade), porquanto se tem uma superposição parcial de supostos de fato para solução da questão será necessário identificar uma hierarquia axiológica ou móvel na relação valorativa estabelecida pelo intérprete, com base em um juízo de valor. 181 Na ponderação é inevitável o afastamento de um dos princípios para solução de colisões. 176 ALEXY,1985, p. 79 apud BONAVIDES, 2007, p. 280. CANOTILHO, 2005, p. 1236-1237. 178 CANOTILHO, 2005, p. 1237. 179 CANOTILHO, 2005, p. 1237. 180 CANOTILHO, 2005, p. 1240. 181 GUASTINI, 1999, p. 167-171 apud SBROGIOBALIA, 2007, p. 156. 177 51 “O juízo de ponderação não atribui hierarquia absoluta entre um princípio sobre outro, ao contrário deve assegurar a aplicação das normas em colisão, sendo que uma delas fatalmente será preterida ou atenuada em prol da melhor justiça.” 182 Os estados de tensão momentâneos são passíveis de ser resolvidos pela ponderação de interesses. No campo da aplicação dos princípios, ao contrário, [...] por sua própria natureza, finalidade e formulação como que não se prestam a provocar conflitos, criando apenas momentâneos estados de tensão ou de mal-estar hermenêutico, que o operador jurídico prima facie verifica serem passageiros e plenamente superáveis no curso do processo de aplicação do direito. Daí esta precisa observação de Humberto Bergmann Ávila sobre a natural inapetência dos princípios para entrar em conflito quando manejados pelos seus intérpretes e aplicadores: A própria idéia de ‘conflito’ deve ser repensada. Ora, se o conteúdo normativo de um princípio ‘depende’ da complementação (positiva) e limitação (negativa) decorrente da relação dialética que mantém com outros princípios, como conceber a idéia de ‘colisão’? Tratar-se-ia de um conflito aparente e não-uniforme, já que a idéia de conflito pressupõe a identidade de hipóteses e campos materiais de aplicação entre as normas que eventualmente se contrapõem, o que no caso dos princípios é previamente inconcebível: os princípios são definidos justamente em função de não possuírem uma hipótese e uma conseqüência abstratamente determinadas. O problema que surge na aplicação reside muito mais em saber qual dos princípios será aplicado e qual a relação que 183 mantêm entre si. No caso de choques entre princípios não há nulidade de um deles tãosomente o afastamento de um deles. Existe sim a ponderação em situações fáticas. No caso de tensão ocorrente no caso de colisão entre princípios, a solução não é de prevalência de um sobre o outro, mas de ponderação entre princípios colidentes em função da qual um deles, em determinadas circunstâncias concretas, recebe a prevalência. A ponderação diz respeito tanto aos princípios quanto às regras, na medida em que qualquer norma possui um caráter provisório - decorrente do caso concreto – que poderá ser ultrapassado por razões havidas como mais relevantes pelo aplicador. O tipo de ponderação é que é diverso. 184 A doutrina é controversa em relação ao princípio da proporcionalidade quanto aos princípios e as regras e nas palavras de Ávila: “[...] a doutrina, em geral, entende haver interpretação das regras e ponderação dos princípios [...]” 185 Há não tão-somente o postulado de ponderação bem como existem outros postulados normativos aplicativos e nas palavras de Ávila: “[...] a doutrina refere-se à 182 COUTO, 2008. COELHO, Inocêncio Mártires. Repensando a interpretação constitucional. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, v. 1, n. 5, ago. 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 17 ago. 2008. 184 ARAÚJO, 2008. 185 ÁVILA, 2008, p. 26. 183 52 proporcionalidade ora como princípios, ora como regras, este trabalho critica essas concepções e, aprofundando trabalho anterior, propõe uma nova categoria dos postulados normativos aplicativos.” 186 Para garantir o princípio da segurança jurídica são necessários alguns requisitos e Ávila assevera que: “Pelo exame dos dispositivos que garantem a legalidade, a irretroatividade e a anterioridade chega-se ao princípio da segurança jurídica.” 187 A interpretação não é feita a partir do nada e sim com base em algo: [...] interpretar é construir a partir de algo, por isso significa reconstruir: a uma, porque utiliza como ponto de partida os textos normativos, que oferecem limites à construção de sentidos; a duas, porque manipula a linguagem, à qual são incorporados núcleos de sentidos, que são, por assim dizer, constituídos pelo uso, e preexistem ao processo interpretativo individual. 188 O significado do ordenamento jurídico é manter não só os valores de uma sociedade bem como a organização da mesma. Ávila diz que: “O ordenamento jurídico estabelece a realização de fins, a preservação de valores e a manutenção ou a busca de determinados bens jurídicos essenciais à realização daqueles fins e à preservação desses valores.” 189 Na colisão de princípios há o sopesamento deles e um não anula o outro. Já no caso da colisão das regras, uma é válida e a outra não. E se enfatiza estas palavras com o seguinte trecho: No caso de colisão entre regras, uma delas dever considerada inválida. Os princípios, ao contrário, não determinam absolutamente a decisão, mas somente contêm fundamentos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princípios. Daí a afirmação de que os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de peso (dimension of weight), demonstrável na hipótese de colisão entre os princípios, caso em que o princípio com peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua validade. 190 A aplicação dos princípios só acontece em virtude de situações fáticas: É só a aplicação dos princípios diante dos casos concretos que os concretiza mediante regras de colisão. Por isso, a aplicação de um princípio 186 ÁVILA, 2008, p. 27. ÁVILA, 2008, p. 31. 188 ÁVILA, 2008, p. 34. 189 ÁVILA, 2008, p. 34-35. 190 ÁVILA, 2008, p. 37. 187 53 deve ser vista sempre com uma cláusula de reserva, a ser assim definida: ‘Se no caso concreto um outro princípio não obtiver maior peso’. 191 Enquanto que no conflito de regras, há a subsunção, ou seja, uma é válida e a outra não. Na questão de colisão entre princípios não há que se verificar a validade e sim a ponderação de interesses e assim confirma-se que: Essa espécie de tensão e o modo como ela é resolvida é o que distingue os princípios das regras: enquanto no conflito entre regras é preciso verificar se a regra está dentro ou fora de determinada ordem jurídica (problema do dentro ou fora), o conflito entre princípios já se situa no interior desta mesma ordem (teorema da colisão). 192 Não há meio termo para aplicação da colisão entre as regras, pois é tudo ou nada, ou seja, não existem duas regras conflitantes vigentes, mas apenas uma. Já em relação aos princípios, na colidência entre eles é possível a existência de ambos e Ávila corrobora com as seguintes palavras: “[...] as regras são ou não aplicadas, de modo integral, enquanto os princípios podem ser aplicados mais ou menos.” 193 E em relação aos princípios há o equilíbrio a ser observado na unidade da Constituição, portanto, Ávila: “[...] não são os princípios que são aplicados de forma gradual, mais ou menos, mas é o estado de coisas que pode ser mais ou menos aproximado, dependendo da conduta adotada como meio.” 194 Para alguns autores a diferença entre princípios e regras está na funcionalidade: [...] os princípios poderiam ser distinguidos das regras pelo modo como funcionam em caso de conflito normativo. [...] a antinomia entre as regras consubstancia verdadeiro conflito, a ser solucionado com a declaração de invalidade de uma das regras ou com a criação de uma exceção, ao passo que o relacionamento entre os princípios consiste num imbricamento, a ser decidido mediante uma ponderação que atribui uma dimensão de peso a cada um deles. 195 Nas palavras de Dworkin, os princípios podem têm uma dimensão de peso nas situações fáticas e corrobora no seguinte trecho: “[...] sustenta que os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de peso que se exterioriza na hipótese de colisão, caso em que o princípio com peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua validade.” 196 191 ALEXY, 1985, p. 18 apud ÁVILA, 2008, p. 37. ALEXY, 1985, separata 1/70 apud ÁVILA, 2008, p. 38. 193 ÁVILA, 2008, p. 50. 194 ÁVILA, 2008, p. 50. 195 ÁVILA, 2008, p. 51. 196 1977, p. 26 apud ÁVILA, 2008, p. 51. 192 54 O critério mais apropriado para resolver a tensão entre princípios colidentes em situações concretas é a ponderação: No caso de colisão entre os princípios a solução não se resolve com a determinação imediata de prevalência de um princípio sobre outro, mas é estabelecida em função da ponderação entre os princípios colidentes, em função da qual um deles, em determinadas circunstâncias concretas, recebe a prevalência. Essa espécie de tensão e o modo com ela é resolvida é o que distingue os princípios das regras: enquanto no conflito entre regras é preciso verificar se a regra está dentro ou fora de determinada ordem jurídica, naquele entre princípios o conflito já se situa no interior dessa mesma ordem. 197 Decidir o peso de uma dos princípios numa situação, não é tarefa muito fácil e assim afirma Ávila: “[...] Quando o aplicador atribui uma dimensão de peso maior a um dos princípios ele se decide pela existência de razões maiores para a aplicação de um princípio em detrimento do outro, que, então, pode deixar de irradiar efeitos sobre o caso objeto da decisão.” 198 Há alternativas viáveis para solucionar conflitos entre princípios e uma delas é o sopesamento dos princípios em questões fáticas e Ávila aponta: “Na hipótese de relação entre princípios, quando dois princípios determinam a realização de fins divergentes, deve-se escolher um deles, em detrimento do outro, para a solução do caso.” 199 A proporcionalidade não é um princípio e sim um postulado e confirma-se em: [...] que define a proporcionalidade como princípio confunde a balança com os objetos que ele pesa. E ao fazê-lo, perde de vista a diferença entre o que deve ser realizado (princípio/regra) e o que serve de parâmetro para a realização (postulados). 200 Alguns critérios são adotados para a análise dos postulados normativos aplicativos, como mencionado em: Os postulados normativos estruturam a aplicação de outras normas. [...] é de todo imprescindível verificar quais normas foram aplicadas, e como o foram. Os postulados são deveres que estruturam aplicação de normas jurídicas, é importante examinar não só quais foram as normas objeto de aplicação, como, também, a fundamentação de decisão. Destaca-se em resumo que é necessário: [...] (a) verificar os elementos ou grandezas que foram manipulados; (b) encontrar os motivos que levaram os Julgadores a entender existentes ou inexistentes determinadas relações entre eles. 201 197 ALEXY, 1985, separata 25/19 e 1/70 apud ÁVILA, 2008, p. 51-52. ÁVILA, 2008, p. 55. 199 ÁVILA, 2008, p. 56. 200 ÁVILA, 2008, p. 139. 201 ÁVILA, 2008, p. 139, 140-141. 198 55 Os postulados normativos foram definidos como deveres estruturais, isto é, como deveres que estabelecem a vinculação entre elementos. O postulado da ponderação é a busca do equilíbrio entre os pesos dos princípios e o texto de Àvila destaca isto: “[...] a ponderação exige sopesamento de qualquer elemento (bens, interesses, valores, direitos, princípios e razões) e não indica como deve ser feito esse sopesamento.” 202 Para que o postulado da razoabilidade seja aplicado é necessário colisão entre geral e individual e Àvila retrata muito bem isto em: “A razoabilidade somente é aplicável em situações em que se manifeste um conflito entre o geral e o individual, entre norma e a realidade por ela regulada, e entre um critério e uma medida.” 203 Portanto, existem alguns requisitos para que este postulado seja aplicado e mostra-se nas seguintes palavras: “[...] é condicionada à existência de elementos específicos (geral e individual, norma e realidade, critério e medida).” 204 Os postulados estão divididos em inespecíficos e específicos. Entre os inespecíficos estão o de ponderação, concordância prática e proibição de excesso. A ponderação é um método de atribuir pesos aos princípios e insere-se no seguinte trecho: “A ponderação de bens consiste num método destinado a atribuir pesos a elementos que se entrelaçam sem referência a pontos de vista materiais que orientem esse sopesamento.” 205 Não há análise da ponderação sem também associar a razoabilidade e proporcionalidade reflete-se muito bem em: [...] procuram estruturar a ponderação com os postulados de razoabilidade e de proporcionalidade e direcionar a ponderação mediante utilização dos princípios constitucionais fundamentais. Para verificar a ponderação é preciso levar em consideração os elementos. Entre eles estão os bens jurídicos, interesses, valores e princípios. Os bens jurídicos são situações, estados ou propriedade essenciais à promoção dos princípios jurídicos. 206 Também, quando a ênfase é dada a um princípio em detrimento de outro significa que o destaque recai mais a um determinado valor que outro e Alexy 202 ÁVILA, 2008, p. 142. ÁVILA, 2008, p. 142. 204 ÁVILA, 2008, p. 143. 205 ÁVILA, 2008, p. 142. 206 STEINMETZ, 2001, p. 143 apud ÁVILA, 2008, p. 143. 203 56 conclui que: “Os valores constituem o espelho axiológico das normas, na medida em que indicam que algo é bom e, por isso, digno de ser buscado ou preservado.” 207 Quando um valor está em foco enfatiza o estado de coisa a ser almejado o que fica claro nas palavras de Ávila: “Os princípios constituem o aspecto deontológico dos valores, pois, além de demonstrarem que algo vale a pena ser buscado, determinam esse estado de coisas deve ser promovido.” 208 O postulado da concordância prática tem como escopo de tutelar os valores bem como direcionar a ponderação: Este postulado surge da coexistência de valores que aponta total ou parcialmente para sentidos contrários. [...] dever de harmonizar os valores de modo que eles sejam protegidos ao máximo. [...] com a finalidade que deve direcionar a ponderação: o dever de realização máxima de valores que se imbricam. 209 Não há consenso na conceituação de princípios e normas na doutrina e Manoel Gonçalves aponta que: “[...] não há acordo entre os adeptos dessa tese [...] O que ensina Dworkin não é subscrito por Alexy; o que ensina Eros Grau não é o que entende Humberto Ávila” 210 Há soluções? Vários critérios podem ser propostos: O primeiro [...] conciliação [...]. Pertinência [...]. Aponte - se mais um - o “do peso”. Entretanto presume uma valoração – qual o princípio mais importante. [...] a Constituição não estabelece tal escala. 211 Para resolver os conflitos entre os princípios existem alguns critérios que não enquadram nesta tensão, como retrata Sarmento: “[...] indagar-se se os critérios tradicionais de resolução de antinomias são suficientes para equacionamento de todas as tensões entre normas constitucionais.” 212 Os critérios mais comuns para resolver os conflitos são: o cronológico, hierárquico e de especialidade, como verifica – se em: estes critérios são o cronológico, hierárquico e de especialidade. [...] cronológico postula que, duas normas incompatíveis, deve prevalecer a posterior [...] hierárquico, [...] determina que, no confronto entre normas jurídicas inconciliáveis, deve ser aplicada a de estatura superior. [...] 207 1985, separata 25/24 apud ÁVILA, 2008, p. 144. ÁVILA, 2008, p. 144. 209 ÁVILA, 2008, p. 145. 210 FERREIRA FILHO, 2007, p. 395. 211 FERREIRA FILHO, 2007, p. 397. 212 SARMENTO, 2003, p. 29. 208 57 especialidade impõe que, na colisão entre duas normas prevaleça a mais especial, em detrimento da mais geral. 213 Para resolver a questão de colisão de princípios é necessário equilibrar o peso preponderante para determinada situação fática e se ratifica em: [...] os princípios são dotados de uma dimensão de peso. Tal característica revela-se quando dois princípios diferentes incidem sobre determinado caso concreto, entrando em colisão. [...] é solucionado levando em consideração o peso relativo assumido por cada princípio dentro das circunstâncias concretas presentes no caso, a fim de que se possa precisar em que medida cada um cederá espaço ao outro. 214 Também nas palavras de Alexy: “Não há uma hierarquia, a priori, entre os princípios, pois a prevalência de cada um deles na solução do problema jurídico dependerá das circunstâncias específicas do caso concreto.” 215 E Alexy acrescenta mais: “[...] enquanto as regras, quando incidentes sobre um determinado caso, têm de ser aplicadas, os princípios podem ser afastados em razão da sua ponderação com outros princípios.” 216 “[...] Atua o princípio da dignidade da pessoa humana como elemento inserto na atividade de ponderação [...]” 217 E ainda mais a diferença entre regras e princípios: O ponto decisivo para distinção entre regras e princípios é que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na melhor medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida de seu cumprimento depende não só das possibilidades reais mas também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostos. De outro lado, as regras são normas que só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve fazer-se o que ela exige, nem mais nem menos. Portanto, as regras contém determinações no âmbito do fático e juridicamente possível. Isto significa que a diferença entre regras e princípios é qualitativa e não de grau. Toda 218 norma ou é uma regra ou é um princípio. (grifo do autor). Dois princípios convivem pacificamente e as regras não: Enquanto os princípios coexistem e sobrevivem à solução da controvérsia, ainda que entrem em testilha de difícil ou impossível superação, a antinomia intransponível entre as regras de preceito conduz à forçosa exclusão de uma delas, pelo método da subsunção do tipo fático à norma jurídica de maior hierarquia ou mais nova pela precedência. 213 BOBBIO, 1996, p. 92 e seguintes apud SARMENTO, 2003, p. 29. SARMENTO, 2003, p. 45. 215 1993, p. 89 apud SARMENTO, 2003, p. 46. 216 1993, p. 89 apud SARMENTO, 2003, p. 47. 217 SARLET, 2001b, p. 118 apud SUSANA, 2007, p. 167. 218 ALEXY, 1993, p. 86-87 apud SARMENTO; GALDINO, 2006, p. 168-169. 214 58 Os princípios apresentam uma dimensão de peso. Isto quer dizer que, mediante uma atividade de ponderação dos interesses em questão, eles são realizados numa maior ou menor medida, conforme as possibilidades matérias do caso, e sem que um princípio exclua ou elimine outra norma congênere. Portanto, sempre que dois ou mais princípios, aplicáveis a um mesmo caso, entrem em conflito [...] um deles deverá ceder em face do outro, sem exclusões absolutas ou de índole invalidatória. Assim, na dimensão principiológica, quando duas ou mais normas de princípio entrem em rota de colisão para a regência de terminada situação fático-jurídica, o que está em jogo não é a idéia de validade, mas, sim, a idéia de valor e supervalia. 219 Os princípios só são avaliados em pesos quando em situações fáticas e como bem explicita Sarmento: “[...] só diante do caso concreto pode ser atribuído o peso específico de cada princípio, e, por conseqüência, estabelecida a solução da controvérsia, [...]” 220 A ponderação de interesses está traçada para priorizar valores de Constituição e neste contexto: Estes valores estão sintetizados no princípio da dignidade da pessoa humana, que confere unidade teleológica a todos os demais princípios e regras que compõem o ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional. 221 Passar por cima dos princípios constitucionais é o mesmo que ignorar a Constituição e assim: [...] sendo os princípios manifestação de primeira dos valores constitucionais é certo que estão carregados de sentimentos e emoções. Ignorá-los seria desconsiderar a importância simbólica da constituição e seu significado histórico enquanto projeção de expectativas de comunidade. Vai daí que é impossível uma compreensão exclusivamente intelectual dos princípios: eles também são sentidos (experimentados no plano dos afetos). 222 Não há escalonamento entre os princípios e no conflito entre eles, a solução mais adequada e viável é procurar equilibrá-los sem excluir nenhum deles. Para corroborar isto: Não há uma hierarquia formal entre princípios constitucionais, de modo que a resolução de colisões que se verifiquem em hipóteses concretas depende sempre de uma ponderação de interesses, cujo resultado poderá variar em razão das especificidades fáticas do caso. 223 219 SARMENTO; GALDINO, 2006, p. 170. SARMENTO, 2003, p. 55. 221 SARMENTO, 2003, p. 57. 222 ROTTEMGU, 1999, p. 65 apud SARMENTO, 2003, p. 59. 223 SARMENTO, 2003, p. 75. 220 59 As regras de uma sociedade estão implícitas na Constituição e em algumas situações fáticas entram em choque, contradição e neste contexto: O pluralismo de idéias existente na sociedade projeta-se na Constituição, que acolhe, através dos seus princípios, valores e interesses dos mais diversos matizes. Tais princípios [...] entram às vezes em tensão na solução de casos concretos. 224 E ainda nas palavras a seguir: A contradição principiológica é um fenômeno inevitável, na medida em que constitui reflexo natural das desarmonias que surgem numa ordem jurídica pelo facto de, na constituição desta, tomarem parte diferentes idéias fundamentais entre as quais se pode estabelecer conflito. 225 (grifo do autor). Para resolver as questões conflituosas não se podem deixar de lado as normas, como bem explica Sarmento: “[...] não pode jamais implicar na desconsideração ao dado normativo, que também se revela absolutamente vital para a resolução das tensões entre princípios constitucionais.” 226 O postulado da proporcionalidade é uma verdadeira análise entre o peso de interesses de um lado e do outro os bens jurídicos, segundo: [...] o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito convida o intérprete à realização de autêntica ponderação. Em lado da balança devem ser postos os interesses protegidos com a medida, e no outro, os bens jurídicos que serão restringidos ou sacrificados por ela. Se a balança pender para o lado dos interesses tutelados, a norma será válida, mas, se ocorrer o contrário, patente será a sua inconstitucionalidade. 227 Também detalha - se a proporcionalidade no equilíbrio de peso dos princípios: [...] é ele que permite fazer ‘sopesamento’ (Abwägung, balacing) dos princípios e direitos fundamentais, bem como dos interesses e bens jurídicos em que se expressam, quando se encontrem em estado de contradição, solucionando-a de forma que maximize o respeito de todos os envolvidos no conflito. 228 Um método a ser utilizado nestas circunstâncias é o de ponderação de interesses em que o peso de um princípio sobrepõe ao do outro tão-somente em determinada situação fática como bem expõe Sarmento: “[...] A ponderação de interesses consiste [...] no método utilizado para a resolução destes conflitos constitucionais.” 229 224 SARMENTO, 2003, p. 97. ENGLISH, 1983, p. 318 apud SARMENTO, 2003, p. 97. 226 SARMENTO, 2003, p. 97. 227 SARMENTO, 2003, p. 89. 228 GUERRA FILHO, 1999, p. 39 apud SARMENTO, 2003, p. 96. 229 SARMENTO, 2003, p. 97. 225 60 A ponderação consiste em equilibrar os pesos dos interesses contraditórios: [...] caracteriza-se pela sua preocupação com a análise do caso concreto em que eclodiu o conflito, pois as variáveis fáticas presentes no problema enfrentado afiguram-se determinantes para a atribuição do ‘peso’ específico a cada princípio em confronto, sendo, por conseqüência, essenciais à definição do resultado da ponderação. 230 A ponderação de interesses está significativamente baseada nos valores constitucionais: A ponderação de interesses constitucionais não representa uma técnica amorfa e adjetiva, já que está orientada em direção a valores substantivos. Estes valores que não são criados mas apenas reconhecidos e concretizados pela ordem constitucional (dignidade humana, liberdade, igualdade, segurança, etc.) guiam o processo de ponderação, imprimindolhe uma irrecusável dimensão axiológica. 231 A ponderação está refletida em três pontos: fato, norma e valor parafraseando Sarmento: “A ponderação de interesses [...] ostenta uma estrutura tridimensional, pois compreende os três elementos em que se compõe o fenômeno jurídico: fato, norma e valor.” 232 Só há ponderação de interesses quando existe colisão entre princípios, uma vez que os outros critérios não se enquadram para uma solução eficiente: A ponderação de interesses só se torna necessária quando, de fato, estiver caracterizada a colisão entre pelo menos dois princípios constitucionais incidentes sobre um caso concreto. [...] uma possível ponderação é a de proceder à interpretação dos cânones envolvidos, para verificar se eles efetivamente se confrontam na resolução do caso, ou se, ao contrário, é possível harmonizá-los. 233 A Constituição não é simplesmente um amontoado de normas isoladas e sem nexo, sem sentido. Seu significado é mais axiológico e faz-se necessária compreensão da parte no todo e com o todo: [...] dando cumprimento ao princípio da unidade da Constituição, que lhe demanda o esforço de buscar a conciliação entre normas constitucionais aparentemente conflitantes, evitando as antinomias e colisões. [...] A Constituição não representa um aglomerado de normas isoladas, mas um sistema orgânico, no qual cada parte tem de ser compreendida à luz das demais. 234 Ainda, em concordância, com esta tese está Canotilho: “O princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a Constituição em sua globalidade e a 230 SARMENTO, 2003, p. 97. SARMENTO, 2003, p. 98. 232 SARMENTO, 2003, p. 98-99. 233 SARMENTO, 2003, p. 99. 234 SARMENTO, 2003, p. 99. 231 61 procurar harmonizar os espaços de tensão entre as normas constitucionais a concretizar.” 235 Para que configure a colisão de princípios, é necessário que estes mesmos princípios estejam albergados constitucionalmente e assim Sarmento destaca: “determinada hipótese é de fato tutelada por dois princípios constitucionais, que apontam para soluções divergentes.” 236 E acrescenta mais: “[...] impor ‘compreensões’ recíprocas sobre os interesses protegidos pelos princípios em disputa, objetivando lograr um ponto ótimo, onde a restrição a cada interesse seja a mínima indispensável à sua convivência com o outro.” 237 O critério para harmonizar os princípios consiste na verificação de seus pesos e Sarmento considera: ”[...] o intérprete terá de comparar o peso genérico que a ordem constitucional confere, em tese, a cada uma dos interesses envolvidos.” 238 Verificar o equilíbrio dos princípios depende da situação em concreto: [...] o peso genérico é apenas indiciário do peso específico que cada princípio vai assumir na resolução do caso concreto. Este só pode ser aquilatado em face do problema a ser solucionado. Ele dependerá da intensidade com que estiverem afetados, no caso, os interesses tutelados por cada um dos princípios em confronto. [...] deve buscar um ponto de equilíbrio entre os interesses em jogo, que atenda aos seguintes imperativos: (a) a restrição a cada um dos interesses deve ser idônea para garantir a sobrevivência do outro; (b) tal restrição deve ser a menor possível para a proteção do interesse contraposto e (c) o benefício logrado com a restrição a um interesse tem de compensar o grau de sacrifício imposto ao interesse antagônico. 239 Enfim existem as normas que se dividem em princípios e regras. Estas por sua vez distinguem - se bastante, enquanto uma é a diretriz, a outra é o comportamento. Inevitável é o choque destas normas que encontram soluções viáveis na validade bem como na ponderação de interesses e a proporcionalidade onde desencadeiam respectivamente na invalidade ou sopesamento. Em todas as alternativas aventadas o que sempre deve permanecer é o princípio da dignidade humana. 235 1992, p. 232 apud SARMENTO, 2003, p. 100. SARMENTO, 2003, p. 102. 237 SARMENTO, 2003, p. 102. 238 SARMENTO, 2003, p. 103. 239 SARMENTO, 2003, p. 104. 236 62 3 O CASO DA FARRA DO BOI A farra do boi foi trazida pelos açorianos na colonização do Estado de Santa Catarina e acontece mais comumente na Semana Santa, onde o boi representa o Judas. Os açorianos estavam habituados com gados bravos e, portanto: Rituais açorianos como a “espera de gado”, onde a população espera, num local previamente reservado para o rito, a soltura de vários bois, que passam a ser objeto de várias “brincadeiras”, a “tourada à corda”, na qual o animal, amarrado pelo pescoço por uma corda, passa a ser objeto de touromaquia por parte da população; e a “festa brava”, em que o gado bravio sofre perseguições e é posteriormente sacrificado. 240 A farra do boi, praticada no sul do país, no Estado de Santa Catarina, consiste em que diversas pessoas persigam um boi, chutando-o, ferindo-o e maltratando-o, para lembrar, em data religiosa específica, a malhação de Judas. É indiscutível que o boi é violentamente agredido por um prazer insano. Assim confirma Bechara em descrição detalhada deste evento: “Nesta prática, é patente o sofrimento do animal, que se contorce todo, procura fugir, dá coices, solta mugidos, tudo isso desesperada e gritantemente.” 241 É uma história de horrores sem dimensão: [...] não podem fechar os olhos para esse esdrúxulo “espetáculo” e, mais grave ainda, não podem subtrair seus filhos da “apreciação” desse verdadeiro “show de horrores”, que acontece nas ruas, à luz do dia, num “saudável” clima de festa. 242 A farra do boi pode ser definida, ao lado do bumba-meu-boi, do boi-demamão, das vaquejadas nordestinas e dos rodeiros gaúchos, como uma manifestação folclórica pertencente à cultura do Boi no Brasil. 243 Contudo, apesar destas finalidades comuns, as práticas da cultura do boi apresentam origens e contornos bastante diferenciados, que foram sedimentados historicamente. Neste quadro, pode-se afirmar que a farra do boi distingue-se das demais, primeiro, porque, diversamente do que ocorre com os autos nordestinos, ela apresenta como traço característico o comparecimento do boi, não de forma 240 BASTOS, 1993, p. 17 apud BAHIA, 2006 p. 166. BECHARA, 2003, p. 131. 242 BECHARA, 2003, p. 134. 243 LACERDA, 1990, p. 14 apud BAHIA, 2006, p. 165. 241 63 alegórica, mas in natura 244 e segundo, por implicar num combate ou de tauromaquia 245 entre os praticantes e o animal. A farra do boi é descrita da seguinte forma: Um boi-de-campo (ou vários bois), necessariamente bravo, arisco e corredor, é escolhido e comprado por um grupo de farristas, mediante uma lista de sócios. A escolha do melhor animal subentende algumas de intensas negociações com os fazendeiros até chegar a um bom termo, i. é, o melhor preço para as partes e o boi mais bravo para os farristas. [...] Escolhido o boi, o animal é transportado para a comunidade e solto em locais previamente decididos pelos sócios. A soltada do boi reveste-se de uma euforia inigualável. São centenas de pessoas aguardando a chegada do animal, anunciada por foguetes e buzinas durante o trajeto. A partir daí, passa a ser objeto de brincadeiras – pegas, correrias, lides, procuras, ataques e fugas – em lugares os mais diversos: normalmente onde há mato, pastos, morros e praias; também se dá em áreas marcadas e cercadas (mangueirões); em bairros, praças e ruas centrais das cidades e vilarejos. Cria-se uma atmosfera imprevisível, pois a expectativa dos farristas é brincar com a fúria do boi. Atravessa-se a noite toda atrás do animal quando 246 este não se perde mato adentro [...] (grifo do autor). É abominável a crueldade empregada com o boi, pois além do desfecho ser a morte do boi, sua carne é dividida entre os sócios que contribuíram para a farra. Para que exista a farra do boi há uma verdadeira organização para tal evento. As fases para realizar esta festa são: levantamento da verba entre sócios para compra do boi, a escolha do boi em uma fazenda, a soltada do boi e por fim o sacrifício do animal. Segundo Monteiro: “Constituição da lista de sócios. [...] que se reúnem para levantar verba para aquisição do boi. [...] Após o sacrifício, a carne do animal é repartida entre o grupo de farristas.” 247 Em síntese a farra do boi consiste em algumas etapas: Primeira etapa: “Constituição da lista de sócios. A farra do boi tem início com a elaboração de uma lista de sócis, que se reúnem para levantar verba para aquisição do boi.” 248 Segunda: Escolha do boi. Elaborada a lista, um grupo de farristas dirige-se a fazendas para a escolha do animal. O boi adequado para a farra é o boi bravo, aquele que desafia os homens a enfrentá-lo, criando uma atmosfera de perigo e medo [...]. Em virtude de terem pouca intimidade com o boi, às vezes, os 244 LACERDA, 1990, p. 27 apud BAHIA, 2006, p. 165. A palavra pode ser como a arte de tourear, ou seja, de duelar com o touro. Vide: HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro Sales. Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 424, 434. 246 LACERDA, 1994, p. 27-28 apud BAHIA, 2006, p. 175. 247 1990, p. 17-18 apud BAHIA, 2006, p. 175. 248 FILHO, 1990 apud BAHIA, 2006, p. 175. 245 64 sócios são enganados pelos vendedores, levando bois mansos para o rito. 249 Terceira: Soltada. Depois de ajustado o preço e o transporte, a caravana retorna ao local da farra. Buzinas e foguetes anunciam a chegada do animal, que é recebido com festa pela comunidade. No local determinado pelos farristas, ocorre a soltada do boi [...] tornando-se alvo de correrias, pegas, lides, provocações com gritos e varas, perseguições pela mata adentro. A intenção é deixar o animal em fúria, despertando um ambiente de temor e de tensão entre os participantes. [...] 250 A quarta e última etapa afirma Bastos é o: “Sacrifício. O mais comum é que o boi seja morto no sábado à tarde, sinalizando o encerramento da farra.” 251 Em outras palavras há um rito que desencadeia na morte do animal e concordância: A morte do animal aponta para o caráter eminentemente sacrificial do rito, onde, depois de ser submetido a um processo de estranhamento e elevado ao máximo da sua fúria, tem a sua carne repartida comunitariamente, como uma espécie de hóstia sacrifeita. 252 Como se não fosse suficiente a perseguição do boi, os participantes extrapolam, extravasam e ultrapassam os limites da responsabilidade e entregam-se a todo tipo de extravagância como bem retrata Bastos: “Durante a farra, os excessos tornam-se possíveis e os farristas, pouco alimentados, entregam-se à bebida, à folia e transgressões sexuais, permanecendo em jejum e ébrios.” 253 A crueldade da população não tem escrúpulos que se utiliza de paus, pedras e facas e assevera isto da seguinte forma: Munidos de paus, pedras e facas, participam da farra homens, mulheres, velhos e crianças. Assim que o boi é solto, a multidão o persegue e o agride incessantemente. O primeiro alvo são os chifres, quebrados a pauladas. Em seguida, os olhos são perfurados. A tortura só termina quando o animal, horas depois, já com vários ossos quebrados, não tem mais forças para correr às cegas, sendo definitivamente abatido e carneado para um churrasco. 254 (grifo do autor). 249 BAHIA, 2006, p. 175. BASTOS, 1990, p. 44 apud BAHIA, 2006, p. 176; MONTEIRO FILHO, 1990, p. 20 apud BAHIA, 2006, p. 176. 251 1990, p. 44 apud CAROLINA, 2006, p. 176. 252 BASTOS, 1993, p. 23 apud BAHIA, 2006, p. 176; LACERDA, 2003, p. 110 apud BAHIA, 2006, p. 176. 253 1993, p. 23 apud BAHIA, 2006, p. 176. 254 DIAS, 2000, p. 206 apud BAHIA, 2006, p. 186. 250 65 Outro autor Lacerda: “[...] conclui que o problema central é que a farra do boi possui uma lógica dos sentidos que se contrapõem a imperativos éticos, políticos e sociais já tidos como legítimos pela sociedade envolvente.” 255 Com esta festa o que se propaga é a violência e em concordância Bastos assevera: “[...] Trata-se de uma violência que constitui o próprio rito e que muitas vezes serve para conter a agressividade disseminada no meio social." 256 Outro autor destaca: [...] a farra do boi serve como mecanismo para que a violência difusa mantenha-se em níveis irrelevante durante períodos normais da vida coletiva, na medida em que opera um deslocamento, onde um objeto substituto investido de baixo valor social e de alto poder simbólico é vitimizado em lugar de entidades que devem ser preservadas e que despontariam como evidência disto seriam os índices irrelevantes de criminalidade constatados nas comunidades que a praticam. 257 Outro aspecto a ser abordado é a aprendizagem da violência e assim assevera Bechara: “[...] a submissão dos animais à crueldade estimula a violência entre as próprias pessoas [...]” 258 E continua Bechara: “O fomento, o incentivo da crueldade acaba por deturpar valores vigentes numa sociedade, valores esses que, em nome do bem comum, devem pugnar pelo convívio pacífico entre as pessoas.” 259 O exemplo é a mola propulsora da aprendizagem: Não seria de causar espécie que [...] crianças não passassem a achar natural a aplicação de maus-tratos a seres vivos como também, guiadas pelo comportamento imitativo que lhes é peculiar na tenra idade, começassem a impingir, elas próprias, agressões ao animal indefeso. Ora, se aqueles jovens e adultos que merecem a admiração da criança e em cujas atitudes ela se baseia para formar, ainda que desavisadamente, o seu caráter, põem-se a cometer atos os mais escabrosos, é claro que vai lhe parecer que os atos escabrosos são aceitos e, porque não dizer, desejados pela sociedade. 260 A questão farra do boi foi levada ao Judiciário em 1989 pela APANDE – Associação Amigos de Petrópolis – Patrimônio, Proteção aos Animais, defesa da Ecologia), LDA (Liga de Defesa dos Animais), SOZED (Sociedade Zoológica, Educativa) e APA (Associação Protetora dos Animais) numa Ação Civil Pública. 255 2003, p. 53 apud BAHIA, 2006, p.176. 1993, p. 23 apud BAHIA, 2006, p. 177. 257 BRAGA, 1993, p. 80 apud BAHIA, 2006, p. 177. 258 BECHARA, 2003, p. 79. 259 BECHARA, 2003, p. 80. 260 BECHARA, 2003, p. 135. 256 66 O objetivo das associações era impedir a realização da farra de boi naquele ano, porém apesar ganharem a liminar com afirma Chaves: “Apesar de concedida a liminar, a decisão só foi comunicada à Secretaria de Justiça após o Domingo de Páscoa e a farra do boi ocorreu na Semana Santa de 1989 como de costume.” 261 Inconformados com a decisão, as entidades: [...] propuseram ação civil pública, requerendo a condenação do Estado de Santa Catarina na obrigação de proibir a farra de boi e as manifestações assemelhadas mediante atos e medidas práticas. Em sentença prolatada em março de 1990, [...] considerando que, naquela época, a crueldade infligida nos animais configurava contravenção penal e que a farra do boi, enquanto manifestação cultural, encontrava proteção de nível constitucional, julgou as autoras carecedoras da ação face à “manifesta impossibilidade jurídica do pedido.” 262 (grifo do autor). Mas uma fez insatisfeitos com o resultado interpuseram o recurso de apelação perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que conforme Carolina Medeiros Bahia: “[...] negou provimento ao recurso [...] o pedido deveria ser julgado improcedente em face da inexistência de omissão por parte do Estado na função de prevenir e reprimir os atentados à lei.” 263 A ementa foi assim redigida: Ação Civil Pública. Ajuizamento contra o estado de Santa Catarina. Pedido consistente na proibição da prática, nos municípios, distritos, subsdistritos e outras localidades da faixa litorânea catarinense. Da denominada farra do boi. Presença marcante do estado através da polícia civil e militar, com a finalidade de disciplinar o folguedo popular, sem maustratos aos animais. Solicitação, ademais, por parte da administração do concurso de cientistas sociais para estudo e solução do problema que se localiza apenas em segmento da população de origem açoriana. Inconfiguração de omissão do estado na área em que cumpre atuar. Indispensável, por outro lado não confundir essa tradição, de origem açoriana, conhecida sob a denominação de tourada à corda ou boi na vara, com a violência descriteriosa infligida nos próprios bois. O erro aqui praticado, configurativo de contravenção, uma vez expungido desse contexto, por meios preventivos ou repressivos, não justifica a proibição dessa manifestação popular, desde que se mantenha fiel à feição tradicional do boi na vara, sem a menor violência ou inflição de malefícios à alimária. Recurso desprovido para alterado o dispositivo da sentença, julgar 264 improcedente o pedido. (grifo nosso). 261 1992, p. 208 apud BAHIA, 2006, p.195. BAHIA, 2006, p. 198. 263 BAHIA, 2006, p. 195. 264 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 35913. Apelantes: APANDE – Associação Amigos de Petrópolis – Patrimônio, Proteção aos Animais, defesa da Ecologia, LDA – Liga de Defesa dos Animais, SOZED – Sociedade Zoológica, Educativa e APA – Associação Protetora dos Animais. Apelado: o Estado de Santa Catarina. Relator: Des. Napoleão Amarante. Florianópolis, 17.12.1991. DJJ, 19 mar. 1992. p. 12. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br/consultas/jurisprudência/jsp/jurisprudência.jsp?query=farra+do+boi>. Acesso em: 16 out. 2008. 262 67 Assim a apelação confirmou a sentença de primeira instância e assim eis as palavras que corroboram isto: “[...] partiram da premissa de que a farra do boi em si não constitui uma prática cruel e, que, apenas, em situações excepcionais, os farristas empregam meios perversos, cabendo ao Estado, nestes casos, coibir os abusos.” 265 E esta mesma autora continua: [...] consideraram a questão da crueldade contra os animais como uma questão ambiental e, por isso, julgaram a ação civil pública como via inadequada para a pretensão formulada [...]. Por conseqüência, também desconsideraram a colisão entre o direito fundamento a meio ambiente e a liberdade fundamental de ação cultural, reconhecendo, na hipótese, apenas a presença da última. 266 Mas uma vez as entidades inconformadas recorreram do resultado da apelação e interpuseram Recurso Extraordinário que foi julgado, por maioria, pela Segunda Turma do Tribunal, que conheceu do recurso e lhe deu provimento. Conforme Carolina Medeiros Bahia: A ementa do acórdão ficou da seguinte forma: Costume. Manifestação cultural. Estímulo. Razoabilidade. Preservação da fauna e da flora. Animais. Crueldade. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do inc. VII do art. 225 da Constituição Federal no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado farra do boi. 267 (grifo do autor). O Subprocurador-Geral Paulo de Tarso Braz narra o fato e se baseia na Súmula 279 para não conhecimento do recurso, eis o aresto: Em que pese a atualidade e relevância do tema, inegavelmente merecedor das mais profundas reflexões, num mundo em que a humanidade cada vez mais se conscientiza da necessidade de inibir a sua ação predatória sobre os demais elementos da natureza, o presente recurso não se mostra apto ao conhecimento, já que encontra óbice insuperável no enunciado da Súmula 279 [...] que se cristalizou no sentido de que ‘para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário’. [...] tratando-se de mera tentativa das recorrentes no sentido de que esse Colendo Tribunal, sob o pretexto de aferir suposta vulneração ao preceito do art. 225. § 1º, VII, da Carta Magna em vigor, revolva fatos e provas, concluindo, em sentido oposto ao que concluiu o E. Tribunal a quo, em primeiro lugar que a prática da ‘farra do boi’ é necessariamente cruel e 265 BAHIA, 2006, p. 196. BAHIA, 2006, p. 196. 267 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Costume. Manifestação cultural. Estímulo razoabilidade. Preservação da fauna e da flora. Animais. Crueldade. Acórdão em Recurso Extraordinário 153.531-8-SC. APANDE – Associação dos Amigos de Petrópolis – Patrimônio, Proteção aos Animais, defesa da Ecologia e outros em face do Estado de Santa Catarina. Relator: Ministro Francisco Resek. LEX: Coletânea de Legislação e Jurisprudência, São Paulo, n. 239, Nov. 1998, p. 192 apud BAHIA, 2006, p. 197. 266 68 violenta e, em segundo, que o Poder Público estadual tem sido omisso a respeito. Semelhante pretensão infelizmente não pode ser acolhida. [...] pelo não conhecimento do recurso extraordinário. [...] 268 No julgamento desta questão houve duas teses opostas defendidas: uma pelo ministro Francisco Resek, relator e a outra pelo ministro Maurício Corrêa e assim: [...] de um lado, o ministro Francisco Resek, relator do processo, defendeu posição favorável à proibição da farra do boi, negando-lhe o caráter de manifestação cultural e, de outro, o ministro Maurício Corrêa, optou pela conservação da farra do boi, compreendo-a como manifestação cultural legítima. Ao final, a primeira tese saiu vitoriosa, sendo aprovada por maioria e nos termos do voto do relator. 269 Para a análise, são especialmente relevantes os seguintes trechos do voto do Ministro Francisco Resek que reflete sobre questões filosóficas como da preocupação das entidades com os animais com problemas mais gritantes bem como a localização destas entidades: As duas tentações que podem rondar o julgador e que devem ser repelidas para um correto exame da controvérsia são, primeiro, a consideração metajurídica das prioridades: por quê, num país de dramas sociais pungentes, há pessoas preocupando-se com a integridade física ou com a sensibilidade dos animais? [...] Aqui estamos falando de outra coisa, de algo que é assumido e até chamado de “manifestação cultural”. Por isso a ação não se dirige contra marginais, mas contra o poder público, no propósito de fazê-lo honrar a Constituição [...] Há um segunda tentação metajurídica, [...] As entidades autoras são geograficamente situadas no Estado do Rio de Janeiro[...] e na proximidade imediata da “farra do boi” não faltam pessoas e instituições idôneas para reagir contra eventuais afrontas à Constituição. Também esse argumento não me convence em absoluto [...] A qualquer brasileiro, em qualquer ponto do território nacional, assiste o direito de querer ver honrada a Constituição em qualquer outro ponto do mesmo 270 território. O ministro relata que demorou a julgar o processo, pensando que esta questão se resolveria de outra forma que não precisasse da presença da justiça, mas ledo engano! Assim afirma: Tardei a submeter este caso ao julgamento da Turma, na esperança de que isso se resolvesse sem uma decisão judiciária, de que o pode público tomou providências no sentido de coibir qualquer agressiva à lei fundamental, e de que sobrou uma autêntica manifestação cultural [...]. A cada ano do 268 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 153.531. Segunda Turma. Recorrente: APANDE-Associação Amigos de Petrópolis Patrimônio Proteção aos Animais e Defesa da Ecologia e outros. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, DF, 3 jun. 1997. Diário da Justiça, 13 mar. 1998. p. 13. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(153531.NUME.%20OU %20153531.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 4 jun. 2008. 269 BRASIL, 1997. 270 BRASIL, 1997. 69 calendário a prática se caracterizou mais e mais como cronicamente violenta, e não pontilhada de abusos tópicos. 271 O ministro discorda da tese do Ministério Público e do acórdão recorrido: Não tem razão o Ministério Público cujo exame, neste caso, me pareceu não compreensivo de todos os aspectos do processo e que virtualmente se limitou a entender [...] que proíbe em recurso extraordinário o reexame de prova [...]. O Tribunal reconhece que a “manifestação cultural” conduz à crueldade dos abusos, mas o poder público está atento... [...] Não posso ver como juridicamente correta a idéia de que em prática dessa natureza a Constituição não é alvejada. Não há aqui uma manifestação cultural com abusos avulsos; há uma prática abertamente violenta e cruel para com animais, e a Constituição não deseja isso. [...] Claros os fatos, como se passam a cada ano, essa prática se caracteriza como ofensiva ao inciso VII do art. 225 da Constituição, de tal modo que a ação civil pública deveria ter sido considerada procedente para que se determinasse às 272 autoridades do Estado de Santa Catarina as providências cabíveis. [...] “[...] determinadas práticas lá correntes e não pifiamente minoritárias como a farra do boi, mas abrangentes de quase toda a sociedade, dificilmente poderiam prosseguir na sua existência, pois todos as reconhecem como práticas cronicamente violentas.” 273 O Recurso Extraordinário não foi julgado na mesma sessão, pois o ministro Maurício Corrêa pediu vista dos autos. No seu voto-vista, o ministro relata a tese das manifestações culturais assim: “[...] seria possível coibir o folclore regional “Farra do Boi” [...] É possível coibir a prática da “Farra do Boi”, quando a Carta Federal, sem seu art. 216, pontifica que “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”? Penso que não. Não há antinomia na Constituição Federal. Se por um lado é proibida a conduta que provoque a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade, por outro lado ela garante e protege as manifestações das culturas populares, que constituem patrimônio imaterial do povo brasileiro. [...] Como ressaltado pelo aresto recorrido, se há excessos na prática da “Farra do Boi”, cumpre ao Estado, através do seu poder de polícia exercer sua função repressora, ao judiciário, se a tanto for provocado em razão da inércia do Poder Público, prover a respeito, impelindo-o à prática de atos voltados a obstar o procedimento contrário a preceito constitucional, segundo o qual, resta terminantemente proibida a prática que submeta animais à crueldade (art. 225, § 1º, VII). [...] além da mobilização da Polícia Civil e da Polícia Militar, a formação de uma “Comissão de Estudos da Farra do Boi”, que leva às várias comunidades desse espetáculo já se encontrava arraigado “uma mensagem de não-violência, de auto - fiscalização e de não abolição à brincadeira”. 271 BRASIL, 1997. BRASIL, 1997. 273 BRASIL, 1997. 272 70 Essa Comissão reconheceu a “Farra do Boi” como tradição cultural de Santa Catarina e esclareceu que a violência não é característica da Farra do Boi em si, e não se constitui como regra e sim como exceção; a farra do boi organizada não constitui contravenção penal. 274 (grifo do autor). O ministro ratifica o seu voto favoravelmente à tradição cultural e também não conhece do Recurso Extraordinário: “Desta forma, como costume cultural, não há como coibir a denominada “Farra do Boi”, por ser uma legítima manifestação popular, oriunda dos povos formadores daquela comunidade catarinense. Os excessos, esses sim, devem ser reprimidos, para que não se submetam o animal a tratamento cruel. Por estes fundamentos [...] a manifestação cultural é garantida e protegida pela Constituição Federal (art. 215 e § 1º, CF) – aí sim estar-se-ia violentando a Constituição Federal, caso se provesse o apelo -, não conheço do extraordinário. 275 O ministro Marco Aurélio no começo do seu voto dá impressão que concorda com o voto-vista do ministro Maurício Corrêa, porém no discorrer do seu voto discorda veemente desta manifestação cultural e confirma o voto do relator, assim: [...] como ressaltou o eminente Ministro Maurício Corrêa, a Constituição Federal revela competir ao Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, apoiando, incentivando a valorização e a difusão das manifestações culturais – e a Constituição Federal é um grande todo -, [...]. [...] é justamente a crueldade o que constatamos ano a ano, ao acontecer o que se aponta como folguedo sazonal. A manifestação cultural deve ser estimulada, mas não a prática cruel. Admitida a chamada “farra do boi”, em que uma turba ensandecida vai atrás do animal para procedimentos que estarrecem, como vimos, não há poder de polícia que consiga coibir esse procedimento. [...] somente uma media que obstaculize terminantemente a prática pode evitar o que verificamos neste ano de 1997. O Jornal da Globo mostrou um animal ensangüentado e cortado invadindo uma residência e provocando ferimento em quem se encontrava no interior. [...] Não se trata, no caso, de uma manifestação cultural que mereça o agasalho da Carta da República. [...] cuida-se de uma prática cuja crueldade é ímpar e decorre das circunstâncias de que pessoas envolvidas por paixões condenáveis buscarem a todo custo, o próprio sacrifício do animal. [...] acompanhar o 276 Ministro-Relator Francisco Resek, conhecendo e provendo o recurso. [...] O ministro Néri da Silveira traça um paralelo entre a cultura e os princípios constitucionais bem como conhece do recurso e deu-lhe provimento, decotado do trecho do seu voto o seguinte: A cultura pressupõe desenvolvimento que contribua para a realização da dignidade da pessoa humana e da cidadania e para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Esses valores não podem estar 274 BRASI, 1997. BRASIL, 1997. 276 BRASIL, 1997. 275 71 dissociados da compreensão do exercício dos direitos culturais e do acesso às fontes da cultura nacional. [...] vertente de entendimento da matéria sob o ponto de vista constitucional. [...] 277 Há, sem dúvida, nesses dispositivos do art. 225, nítida integração com os princípios e valores dos arts. 1º e 3º da Constituição, enquanto definem princípios fundamentais da República. [...] não só põe sob o amparo do Estado tais bens, mas dele também exige efetivamente proíba e impeça ocorram condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente [...] 278 [...] dessa maneira, que os princípios e valores da Constituição em vigor, que informam essas normas maiores, apontam no sentido de fazer com que se reconheça a necessidade de se impedirem as práticas, não só de danificação ao meio ambiente, de prejuízo à fauna e á flora, mas, também, que provoquem a extinção de espécies ou outras que submetam os animais a crueldade. 279 [...] não parece que se possam conciliar determinados procedimentos, certas formas de comportamento social, tal coma a denunciada nos autos. Com esses princípios, visto que elas estão em evidente conflito, em inequívoco atentado a tais postulados maiores. [...] 280 Dele conhecendo, dou-lhe provimento, para julgar a ação procedente e, em conseqüência, determinar que o Estado de Santa Catarina, em face do que dispõe o art. 225, § 1º, inciso VII, da Constituição, adote as providências necessárias a que não se repitam essas práticas consideradas atentatórias à regra constitucional aludida. 281 A farra de boi é indubitavelmente uma prática de extrema crueldade por mutilar o animal e levá-lo inevitavelmente à morte ofendendo todos os princípios éticos de uma sociedade: [...] inegável que, ainda quando não são praticadas mutilações no boi, esta prática sempre leva o animal à exaustão, submetendo-o, por muitas horas, a estado de extrema tensão e desespero, constituindo verdadeira manifestação de crueldade. Esta violência imanente ao rito, sem dúvida, fere valores universais plasmados na Constituição e contrapõe-se a tendência atual, que tenta imprimir na sociedade princípios éticos que promovam uma verdadeira transformação no comportamento que a humanidade tem legado à natureza. 282 Existem outras jurisprudências de crueldade contra animais e assevera-se nas palavras a seguir: A despeito da farta legislação proibitiva, nossa maior aliada é a própria Constituição Federal, pois ao proibir as práticas que submetam os animais a 277 BRASIL, 1997. BRASIL, 1997. 279 BRASIL, 1997. 280 BRASIL, 1997. 281 BRASIL, 1997 282 BAHIA, 2006, p. 210. 278 72 lesões e sofrimentos desnecessários, proíbe lutas entre os bichos. Ou alguém ousará sustentar que brigas de galo (e outras tantas lutas tão estúpidas quanto) são necessárias ao bem-estar coletivo? 283 E demonstra a jurisprudência: Corroborando este posicionamento, o Supremo Tribunal Federal, em ação direta de inconstitucionalidade, suspendeu a eficácia da Lei n. 2.895/1998, do Estado do Rio de Janeiro, que autorizava e disciplinava a realização de competições entre “galos combatentes”. O fundamento da decisão: “O que deve ser reconhecido é que a submissão dessas espécies de animais à luta, forma de tratá-las com crueldade. Na maioria das vezes as aves vão até à exaustão e à morte. [...] A Lei n. 2.895, de 20.3.1998, do Estado do Rio de Janeiro, ao autorizar e disciplinar a realização de competições entre ‘galos combatentes’, autoriza e disciplina a submissão desses animais a tratamento cruel, o que a Constituição não permite” (ADIn 284 1.856-6-RJ, STF, j. 3.9.1998, re. Min. Carlos Velloso) E mais: EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei nº 7.380/98, do Estado do Rio Grande do Norte. Atividades esportivas com aves das raças combatentes. "Rinhas" ou "Brigas de galo". Regulamentação. Inadmissibilidade. Meio Ambiente. Animais. Submissão a tratamento cruel. Ofensa ao art. 225, § 1º, VII, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. É inconstitucional a lei estadual que autorize e regulamente, sob título de práticas ou atividades esportivas com aves de raças ditas combatentes, as chamadas "rinhas" ou "brigas de galo". 285 A farra de boi não está protegida constitucionalmente pelo ordenamento jurídico brasileiro, pois submete o animal a maus tratos desnecessários: O máximo que se poderia sustentar é que a farra do boi não configura uma manifestação cultural protegida jurídica e fundamentalmente, porque, enquanto manifestação, ofende o princípio que condena a prática de maustratos contra os animais. Porém, como não se admite qualquer proteção jurídico-fundamental definitiva, esta conclusão só poderia ser construída tendo como base uma ponderação aberta e não uma compreensão estrita do âmbito de proteção da liberdade de ação cultural. 286 A colisão entre tradição cultural e proteção ambiental é aparente, pois não há exclusão de normas e nas palavras de Bechara tem-se que: [...] não retrata uma antinomia real, mas apenas aparente. É dizer que os dispositivos supracitados não são, na realidade, incompatíveis, mas apenas assim nos aparece, num primeiro momento, por conta, nos dizeres de 283 BECHARA, 2003, p. 105. BECHARA, 2003, p. 105. 285 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constitucional. ADI n. 3776/RN. Requerente: ProcuradorGeral da República. Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte. Relator: Ministro Cezar Peluso. Brasília, DF, 14 de junho de 2007. Diário da Justiça, 29 jun. 2007. 286 ALEXY, 1999, p. 76 apud BAHIA, 2006, p. 200. 284 73 Norberto Bobbio, de uma ‘interpretação ruim, unilateral, incompleta ou 287 errada uma das duas normas ou de ambas’. Com tudo isto não se pode admitir que tal evento prospere e continue a acontecer já que é um afrontamento ao artigo constitucional bem como ultraja a dignidade humana. No que tange a violência não pode ser elo para a memória cultural de futuras gerações. 287 BECHARA, 2003, p. 132. 74 4 CONCLUSÃO A Constituição é um sistema imbricado de normas que se dividem em princípios e regras. Mas não é só! Ela não admite contradições, pois é una e coesa. Algumas vezes tutelar os direitos fundamentais consiste em explicar a coexistência de princípios opostos. Os princípios não se anulam e sim afastam espaço de um para outro em determinadas situações fáticas. Este é o limite dos princípios. O ser humano é a peça mais importante da Constituição e para que se preserve precisa cuidar do espaço que ocupa e faz parte. Caso contrário, tudo está fadado a fenecer, acabar. A constitucionalização dos direitos fundamentais prima pela essência do princípio da dignidade humana. É inquestionável que a farra do boi tem nuances que afrontam a dignidade humana, uma vez que ensina a crueldade e a violência sem dimensão. Esta aprendizagem não é uma boa herança a ser transmitida na memória de um povo para as futuras gerações! A responsabilidade da qualidade de vida é de cada um e de todos. As discussões das controvérsias são necessárias para que a sociedade amadureça e inove suas fronteiras. Nada está totalmente pronto, tudo está se fazendo. Paradigmas são passageiros e, portanto, não são eles estão. A única certeza é que tudo muda, tudo se transforma com a mutação e complexidade da sociedade. Enfim, considerar a tradição cultural e o meio ambiente na situação da farra do boi reflete uma antinomia aparente. Os princípios contraditórios apontam para soluções divergentes. A solução mais compatível resolve-se pelo sopesamento dos princípios inerentes a estes direitos, ou seja, a coexistência de dois princípios simultaneamente na prevalência de um valor. Eis o postulado da ponderação de interesses como forma mais adequada para harmonização da unidade constitucional e prevalência da dignidade humana sobre a liberdade cultural. O julgamento do Recurso Extraordinário ratifica esse posicionamento, tendo em vista que proibiu a farra do boi por ser inconstitucional. 75 O princípio da dignidade humana é essencial para a construção da qualidade de um ecossistema ecologicamente equilibrado para todos. 76 REFERÊNCIAS ARAÚJO, Eugênio Rosa de. Recensão de “Teoria dos Princípios”, de Humberto Ávila. Disponível em: <www.jfrj.gov.br/Rev_SJRJ/num20/resenha/resenha.pdf>. Acesso em: 7 set. 2008. 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Manifestação cultural. Estímulo razoabilidade. Preservação da fauna e da flora. Animais. Crueldade. Acórdão em Recurso Extraordinário 153.531-8-SC. APANDE – Associação dos Amigos de Petrópolis – Patrimônio, Proteção aos Animais, defesa da Ecologia e outros em face do Estado de Santa Catarina. Relator: Ministro Francisco Resek. LEX: Coletânea de Legislação e Jurisprudência, São Paulo, n. 239, Nov. 1998, p. 192 apud BAHIA, 2006, p. 197. ______. ______. Recurso Extraordinário n. 153.531. Segunda Turma. Recorrente: APANDE-Associação Amigos de Petrópolis Patrimônio Proteção aos Animais e Defesa da Ecologia e outros. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, DF, 3 jun. 1997. Diário da Justiça, 13 mar. 1998. p. 13. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(153531.NU ME.%20OU%20153531.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 4 jun. 2008. 77 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. 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