MARCOS ANTONIO COSTA SILVA
GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DE CONTROLE POPULAR DA
REPRESENTATIVIDADE DOS MANDATÁRIOS POLÍTICOS NO BRASIL
FORTALEZA (CE) - 2013
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE DIREITO
GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DE CONTROLE POPULAR DA
REPRESENTATIVIDADE DOS MANDATÁRIOS POLÍTICOS NO BRASIL
MARCOS ANTONIO COSTA SILVA
Monografia submetida à aprovação da
Coordenação do Curso de Direito do Centro
Superior do Ceará (Faculdade Cearense),
como requisito parcial para obtenção do
grau de graduação, obtendo o título de
bacharel em Direito. Orientador: Ms.
Kleber Rocha Sampaio.
FORTALEZA (CE)
2013
S586g Silva, Marcos Antonio Costa
Garantias constitucionais de controle popular da
representatividade dos mandatários políticos no Brasil / Marcos
Antonio Costa Silva. Fortaleza – 2013.
44f.
Orientador: Profº. Ms. Kleber Rocha Sampaio.
Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade
Cearense, Curso de Direito, 2013.
1. Direito político - representação. 2. Precedente – histórico;
político e jurídico. 3. Revogação de mandato - garantia. I. Silva,
Marcos Antonio Costa. II. Título
CDU 342.8(81)
Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274
08001685
Dedico esta obra, primeiramente, ao Grande Arquiteto do
Universo por me inspirar durante toda essa caminhada; aos
meus queridos pais, a quem tive como exemplo e que tanto
me ensinaram e apoiaram, mas, por motivos alheios a nossa
vontade, partiram antes da conclusão desta fase tão
importante da minha vida; a minha esposa, Madigê, que
sempre me incentivou e que tem sido uma grande
companheira, compreensiva mesmo nos momentos de
ausência em que os estudos tomavam o tempo que lhe
pertencia; aos meus filhos Yaankov e Raiza, que também
foram fontes incentivadoras. Não posso, de forma alguma,
suprimir meus mestres e colegas de turma que durante esses
cinco anos compartilharam momentos de ansiedade, de
alegria e às vezes de tristeza, mas, junto superamos e
vencemos todos os obstáculos que se colocaram em nosso
caminho.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, professor Ms. Kleber Rocha Sampaio, pela competência,
incentivo e exemplo de profissionalismo.
Aos professores da banca examinadora, pelo espírito de colaboração e apoio.
Aos professores do curso de Direito da Faculdade Cearense – FAC pelos
conhecimentos adquiridos durante o curso.
Ao coordenador do curso de Direito da Faculdade Cearense – FAC, prof. José
Julio da Ponte Neto, pela competência.
Ao meu amigo e irmão, que tanto me apoiou e incentivou neste trabalho, André F.
Ferraz, mestre em Sociologia e Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e
Direito da Universidade Federal Fluminense - PPGSD/UFF.
Aos amigos e colegas do curso, pela amizade.
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo descrever os mecanismos político-jurídicos existentes de
controle popular dos mandatários políticos no Brasil e de garantia de revogação de mandato,
contidos na ordem constitucional e no ordenamento jurídico pátrio, bem como, por meio de
estudos comparativos de constituições históricas brasileiras e de constituições de outros países
(direito comparado). Além de analisar o precedente histórico-político-jurídico que evidencia
violação de direitos políticos no Brasil, com vista a melhor compreender as atuais contingências
por legitimidade do sistema político representativo brasileiro. Assim sendo, o presente estudo
tem a intenção de responder às seguintes perguntas norteadoras da pesquisa: quais são os
mecanismos político-jurídicos existentes de controle de representatividade dos mandatários
políticos existentes no Brasil e se esses mecanismos são suficientes. A metodologia baseia-se
numa revisão bibliográfica de natureza exploratória e descritiva, cujo marco teórico consta,
principalmente, do pensamento dos autores: Enrique Dussel (2007); Jürgen Habermas (2003);
André Mendes da Fonseca Ferraz (2013); Joaquim Barbosa (2012), dentre outros, com vasto
conhecimento jurídico sobre o referido assunto. Como resultado da análise, foi possível
perceber o precedente de violação de diretos humanos políticos de representação dos eleitores
por seus mandatários políticos, com grave prejuízo à legitimidade do sistema político
representativo e das instituições democráticas. Questão que, no entanto, vem sendo tratada
como mera persecução e justiça criminal. Nessa percepção, evidencia-se a insuficiência das
garantias constitucionais, bem como dos mecanismos político-jurídicos de proteção aos
direitos políticos de representação existentes no Brasil.
Palavras-chave: precedente histórico-político-jurídico _ direito político de representação _
garantia de revogação de mandato _ sistema político-jurídico-representativo.
ABSTRACT
This paper aims to describe the political and legal mechanisms exist for popular control of
political representatives in Brazil and warranty revocation mandate contained in the
constitutional order and the national legal system, as well as through comparative studies of
Brazilian historical constitutions and constitutions of other countries ( comparative law ) . In
addition to analyzing historical precedent, political and legal evidences violation of political
rights in Brazil, in order to better understand the current contingencies for legitimacy of
representative political system brasileiro. Assim being, this study intends to answer the
following guiding questions research : what are the political and legal mechanisms exist for
popular control of representativeness of the political representatives in Brazil and these
mechanisms are suficientes. A methodology is based on a literature review and exploratory
and descriptive , theoretical framework which consists mainly the thought of the authors :
Enrique Dussel ( 2007) Jürgen Habermas ( 2003), André Mendes da Fonseca Ferraz (2013 ) ;
Joaquim Barbosa (2012 ) , among others, with vast legal knowledge on that subject. As a
result of analysis, it was possible to realize the precedent of violation of human direct political
representation of voters by their political representatives, with serious damage to the
legitimacy of representative political system and democratic institutions. Question, however,
is being treated as mere persecution and criminal justice. In this sense, it is evident failure of
constitutional guarantees, as well as the political and legal mechanisms for the protection of
political rights existing representation in Brazil.
Keywords: previous historical-political-legal _ political right of representation _ guarantee
revocation of mandate _ political system and legal representative.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................................
9
1 O PENSAMENTO POLÍTICO DE ENRIQUE DUSSEL: PODER OBEDIENCIAL
E PODER CIDADÃO....................................................................................................
12
2 O DIREITO DE REVOGAÇÃO POPULAR DE MANDATO POLÍTICO
REPRESENTATIVO EM SANTANA.........................................................................
20
3 PRINCÍPIOS E DIREITOS HUMANOS POLÍTICOS NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988..........................................................................................................
28
3.1 Ação judicial de cassação de mandato e função pública por crimes de responsabi
lidade..............................................................................................................................
30
3.2 Ação judicial de impugnação de mandato eletivo..................................................
33
3.3 Precedentes que evidenciam a violação dos direitos humanos políticos no
Brasil.............................................................................................................................
34
4 O RESGATE DA CIDADANIA..................................................................................
38
CONCLUSÃO..................................................................................................................
41
REFERÊNCIAS................................................................................................................
43
9
INTRODUÇÃO
O regime democrático de direito, pressupõe isonomia, portanto não deve haver
diferença entre governo e governados. O sentido de representação política está na
possibilidade de se controlar o poder político, possibilidade atribuída a quem não pode
pessoalmente exercê-lo.
É através desse processo democrático da eleição que surge a representação
política, um processo manifestamente contrário aos regimes absolutistas e autocráticos. É a
representação do modelo espelho, onde o organismo representativo reflete as condições do
representado. Porém, diante da crise de representatividade, a credibilidade dos cidadãos nas
instituições e naqueles que seriam seus representantes, está fragilizada e debilitada,
comprometendo o regime democrático e toda a estrutura político-jurídica do país.
Diante do cenário da crise de legitimidade de representação política e
consequentemente da crise democrática no Brasil, o povo sofre as consequências da
ingerência nas instituições públicas e da usurpação dos seus direitos políticos, sempre que um
mandatário decide ser autorreferente, usando o poder político que lhe foi outorgado pelo povo
quando o elegeu, para beneficiar-se, bem como exercer atividades que favorecem grupos
econômicos, contrariando os interesses da população.
Os cidadãos, de mãos atadas, angustiados, revoltados e perplexos, diante de tanto
absurdo, renegados pelos seus representantes políticos, se veem alijados de mecanismo
popular que garanta a sua soberania, na satisfação dos seus direitos. Os instrumentos
existentes para o controle da representatividade política são moldados pelos próprios
mandatários, que os manipulam a seu bel-prazer, abusando do poder, favorecidos pelo
corporativismo da classe política.
Uma alternativa seria um instrumento, eficaz, de revogação popular de mandato
político, que consiste na destituição do cargo daqueles representantes políticos que deixem de
cumprir sua função constitucional, renegando aqueles que o elegeram. Dessa forma, o cidadão
poderia fazer uso desse mecanismo, sempre que percebesse que sua soberania estivesse
ameaçada por aquele que foi eleito para decidir de acordo com os anseios da sociedade,
resgatando, assim, sua cidadania e sua dignidade.
10
Dessa forma, o presente estudo tem a intenção de responder às seguintes
perguntas norteadoras da pesquisa: quais são os mecanismos político-jurídicos existentes para
o controle popular de representatividade dos mandatários políticos existentes no Brasil? Estes
mecanismos são suficientes para garantir a revogação do mandato político? O objetivo geral
deste trabalho busca descrever os mecanismos político-jurídicos existentes de controle popular
dos mandatários políticos no Brasil e da garantia de revogação popular de mandato, contidos
na ordem constitucional e no ordenamento jurídico pátrio.
Os objetivos específicos tratam de analisar o precedente histórico-político-jurídico
com relação aos mecanismos de controle popular dos mandatários políticos no Brasil, com vista à
revogação destes mandatos e compreender as atuais contingências por legitimidade do sistema
político representativo brasileiro.
A hipótese baseia-se no sentido de que existem alguns mecanismos capazes de
fazer o controle de representatividade no Brasil, mas estes são insuficientes, devendo o povo,
soberano que é, fazer valer seu poder político de cidadão e atuar como o verdadeiro
outorgante e revogar, tomar de volta o poder delegado a quem, irresponsavelmente, não
honrou o compromisso como mandatário político do povo, violando a constituição da
República Federativa do Brasil.
Dentre os motivos para a escolha do tema, justifica-se o interesse do autor no
sentido de aprofundar os conhecimentos sobre as garantias constitucionais de controle popular
da representatividade dos mandatários políticos no Brasil, bem como fornecer fundamentos e
subsídios para despertar um debate que envolva ampla parte da sociedade. Portanto, a
relevância deste estudo reside no fato de esclarecer e conscientizar a sociedade acerca dos
direitos constitucionais e a realidade da representatividade política brasileira.
O presente estudo baseia-se em uma pesquisa empírica fundamentada
metodologicamente em uma respectiva revisão bibliográfica, através de livros, revistas, e
pesquisa online acerca do assunto em questão. A orientação dessa pesquisa quanto ao objetivo
e grau do problema é de caráter exploratório, visto que busca a compreensão, o conhecimento
e a ampliação do tema em questão. Quanto à natureza das variáveis, caracteriza-se como
qualitativa, por não adotar nenhum critério numérico.
No que se refere à utilização dos resultados, trata-se de uma pesquisa aplicada
com a finalidade de apresentar uma visão geral sobre o assunto, utilizando como ponto
11
principal o conhecimento dos autores referenciados na bibliografia. Para o alcance dos
objetivos propostos, este trabalho encontra-se dividido em capítulos: o primeiro capítulo
encontra-se um estudo sobre o pensamento político de Enrique Dussel: poder obediencial e
poder cidadão e ideias norteadoras da representatividade política.
No segundo capítulo trata-se do direito de revogação popular de mandato político
representativo em Santana. Um procedimento pelo qual os eleitores exercem o direito de
revogação, através da iniciativa própria. O terceiro capítulo aborda os princípios e direitos
humanos políticos na Constituição Federal de 1988; ação judicial de cassação de mandato e
função pública por crimes de responsabilidade; ação judicial de impugnação de mandato
eletivo e análise do caso Mensalão do PT, o precedente que evidencia a violação dos direitos
humanos no Brasil.
O quarto capítulo envolve a questão do resgate da cidadania, com vista em melhor
compreender as atuais contingências por legitimidade do sistema político representativo
brasileiro. Em seguida, a conclusão e as referências bibliográficas finalizam o referido estudo
monográfico.
12
1 O PENSAMENTO POLÍTICO DE ENRIQUE DUSSEL: PODER OBEDIENCIAL E
PODER CIDADÃO
Para Dussel (2007), em “20 teses de política”, todo poder político tem como
fundamento a vontade de viver da comunidade política. Essa vontade de viver significa que o
homem, sendo um sujeito de direitos, quer ser visto como tal.
Aborda, na segunda tese, que o ser humano é um ser vivente e originalmente
comunitário e, acossado em sua vulnerabilidade pela morte e extinção, procura na
modernidade eurocêntrica definir em geral o poder como dominação, ainda que Maquiavel,
Hobbes, BakuninTrotsky, Lênin ou Weber apresentassem diferentes conceitos importantes.
Afirma que os movimentos sociais atuais precisam possuir desde o começo uma
noção positiva de poder político mesmo que essa venha a se corromper e se naturalizar através
da dominação. Para isso, o homem deve deter ou inventar meios de sobrevivência para
satisfazer suas necessidades, reproduzindo um aumento de sua vida pelo cumprimento de
mediações, pois a “vontade de vida” dos membros da comunidade, ou do povo, já são a
determinação atrás do poder político, podendo denominar-se “vontade geral” através de um
“consenso racional”, em que as vontades dos membros da comunidade se potencializam e
geram uma força de vontade, pois, do contrário, as vontades que alcançassem representariam
uma grande potência.
[2.12] [...] O ser humano é originariamente comunitário. É assim que comunidades
sempre acossadas em sua vulnerabilidade, pela morte, pela extinção, devem
continuamente ter como uma tendência o instinto ancestral de querer permanecer na
vida [...] Na modernidade eurocêntrica, da invasão e da posterior conquista da
América em 1492, o pensamento político definiu em geral o poder como dominação,
já presente em N. Maquiavel, T Hobbes e tantos outros clássicos (DUSSEL, 2007,
pp.25-26).
Para esse autor, o poder político em essência tem a institucionalização e a
diferenciação funcional como elementos necessários à sua materialização. Para o
fortalecimento e sobrevivência da comunidade política, o povo sentiu a necessidade de
institucionalizar o seu poder potencializado. A potência, o poder da comunidade
institucionalizado é a potestas, o exercício do poder, que passa a atuar de forma estratégica
politicamente, organizando-se em assembleias para melhor definir democraticamente os
desejos da comunidade.
13
[3.21] O poder é tido só e sempre em potência pela comunidade política, o povo.
Torna-se real graças à institucionalização (potestas), mediante, está claro, a ação
estratégica. [...] Ou seja, o exercício do poder sempre é um momento da potestas, ou
das funções fixadas pelas instituições, uma vez que quando se atua, ainda no caso
inicial de um poder constituinte (que é a potentia como poder instituinte em ato de
querer dar uma constituição jurídica), a ação política estratégica (de todo o dirigente
convocar os representantes que se reunirão na assembleia constituinte) fica de algum
jeito emoldurada pela instituição natural democrática [...]. Uma vez
institucionalizada a potestas, suficientemente, começa o exercício normal delegado
do poder em mãos dos representantes. [3.22] [...] Falar de “exercício do poder”
significa, então, que este é atualizado em alguma de suas possibilidades
institucionais (DUSSEL, 2007, p.33).
Nesse sentido, Dussel (2007) consegue identificar as diferentes fases (tipos) do
exercício do poder político. O poder como potência é o fundamento de todo poder político,
tem em si uma iminente força que, quando institucionalizada pela comunidade, que é o poder
instituinte, exerce o poder em toda sua plenitude, a potestas, organizando heterogenicamente
as funções políticas para alcançar fins diferenciados que atendam as vontades da comunidade
política. Sem a afirmação da comunidade como poder instituinte, a potência seria mera
possibilidade de existência.
[3.13] [...] O poder como potentia (em seu duplo sentido de força e de ser uma
possibilidade futura), embora seja o fundamento de todo poder político, se não fosse
atualizado (por meio da ação política com poder) ou institucionalizado (por meio de
todas as mediações políticas para poder cumprir as funções do político), ficaria em
potência, como mera possibilidade inexistente. [3.14] [...] O processo de passagem
de um momento fundamental (potentia) a sua constituição como poder organizado
(potestas) começa quando a comunidade política se afirma como poder instituinte
[...] Decide dar-se uma organização heterogênea de suas funções para alcançar fins
diferenciados [...] [3.15] A necessária institucionalização do poder da comunidade,
do povo, constitui o que denominaremos a potestas. A comunidade
institucionalizada, ou seja, tendo criado mediações para seu exercício possível,
cinde-se da mera comunidade indiferenciada. Esta cisão entre potentia e potestas
[...] entre (a) o poder da comunidade política como sede, origem e fundamento (o
nível oculto ontológico) e (b) a diferenciação heterogênea de funções por meio de
instituições que permitam que o poder se torne real, empírico, que apareça no campo
político (como fenômeno) (DUSSEL, 2007, pp.31-32).
Assim sendo, Dussel (2007) estabelece a categoria analítica de poder obediencial,
como ideia norteadora da representatividade política, em que aquele se propunha à função de
representante político, estaria vinculado a cumprir a pretensão política de justiça e ter como
objetivo abdicar de suas vontades próprias e lutar para a melhoria e a felicidade da
comunidade política, obedecendo aos anseios da sociedade a qual representa:
[4.23] O poder obediencial seria, assim, o exercício delegado do poder de toda
autoridade que cumpre com a pretensão política de justiça; de outra maneira, do
político reto que pode aspirar ao exercício do poder por ter a posição subjetiva
necessária para lutar em favor da felicidade empiricamente possível de uma
comunidade política, de um povo (DUSSEL, 2007, p.40).
14
A partir dessa percepção acerca do fundamento de todo poder político e da
representatividade, Dussel (2007) afirma que a corrupção política decorre da alienação do
poder político do povo por representantes que creem poder exercê-lo autorreferencialmente; é
o fetichismo do poder, que é o exercício pelo poder do representante político em qualquer
função corrompido, pois a autoridade acredita que exerce o poder a partir de sua própria
autoridade autorreferente, o poder para si próprio. O poder é delegado pela comunidade
política ao um mandatário e quando esse corta a relação do exercício delegado do poder com
o povo, absolutiza, fetichiza, corrompe o exercício do poder do representante em qualquer
função.
[1.13] A corrupção originária do político, que denominaremos o fetichismo do
poder, consiste em que o ator político (os membros de uma comunidade política,
sejam cidadãos ou representantes) acredita poder afirmar sua própria subjetividade
para a instituição em que cumpre alguma função [...] como a sede ou a fonte do
poder político. [...] Se [...] crêem que exercem o poder a partir de sua autoridade
auto-referente (ou seja, para si próprios) seu poder foi corrompido. [1.14] Porque
todo exercício de poder de toda instituição [...] ou de toda função política [...] tem
como primeira referência e última o poder da comunidade política, ou do povo em
sentido estrito. [...] o cortar a relação do exercício delegado do poder determinado de
cada instituição política com o poder da comunidade (ou povo) absolutiza, fetichiza,
corrompe o exercício do poder do representante em qualquer função (DUSSEL,
2007, p.16).
A omissão e apatia política das massas as tornam escravas daqueles governantes
autorreferentes, que se acham soberanos do poder e da comunidade política, daí a corrupção
dupla. O representante corrompido deixa de se importar com a comunidade que o escolheu
para administrar seus interesses, despreza o exercício obediencial e passa a se apropriar
indevidamente de bens da comunidade, levando à debilitação e até a extinção da comunidade
política:
[1.15] A corrupção é dupla: do governante que se crê sede soberana do poder e da
comunidade política que permite, que consente, que se torna servil em vez de ser ator
da construção do político (ações [6], instituições [7-8], princípios [9-10]. [...]
Não importam quais benefícios aparentes sejam outorgados ao governante
corrompido, o pior não são os bens apropriados indevidamente, mas sim o desvio de
sua atenção como representante: de servidor ou do exercício obediencial [4] do
poder em favor da comunidade transformou-se em seu prebendário [...] sua
debilitação, e até sua extinção como comunidade política (DUSSEL, 2007, p.16).
Dessa forma, o poder delegado tenderia a se autonomizar, numa espiral de
crescente corrupção, podendo atingir partidos políticos, instituições e até mesmo povos
inteiros, em que a ideia de representação política seria apenas uma utopia e a sociedade
isolada de seus mandatários políticos perderia sua dignidade e a liberdade para reivindicar
15
seus direitos e viveria oprimida por burocratas corrompidos que virariam as costas para o seu
povo:
O poder consensual, de baixo, ainda indeterminado, fundamento em si da comunidade
política (potentia), com a institucionalização política e ação de representantes com vistas
na concretização de um determinado objetivo comum, no exercício delegado do poder
(potestas), tende a se distanciar (disjunção ou desdobramento ontológico do
representante com relação ao representado e da instituição com relação ao
institucionalizado) do exercício positivo do poder como fortalecimento da potentia
(poder obediencial, dos que “mandam obedecendo”), num ciclo de regeneração do
poder, passando a ser exercido como dominação ou debilitação da potentia (poder
fetichizado, os que “mandam mandando”, afirmando-se como origem soberana do poder
sobre a potentia), num ciclo corrupto do poder que vai se autonomizando e objetivando
(DUSSEL, 2007, pp.29-30).
[5.34] Em quarto lugar corrompem-se as burocracias políticas dos partidos quando
usam para seus fins a mediação necessária do exercício do poder. Deixam de ser
representantes que atuam por delegação, e se transformam em déspotas que exigem do
povo render homenagem a sua autoridade. Repetiu-se a inversão. O povo, em vez de
servido pelo representante, torna-se seu servidor. Aparecem as elites ou a classe
política como auto-referentes sem responder mais à comunidade política. [5.35] Em
quinto lugar no interior dos partidos as diversas “correntes” [...] lutam por sua “cota de
poder”, por ter candidatos para as eleições de representantes. [...] [5.37] Em sétimo
lugar, podem-se ainda corromper povos inteiros, como quando a população do Império
guarda silêncio, olha para outro lado, diante da imolação de povos inocentes como os
do Afeganistão, Iraque ou Palestina; como o povo alemão que, em sua imensa maioria,
“não se intentou” do extermínio dos judeus no Holocausto (DUSSEL, 2007, pp.4950).
Assim, Dussel (2007) percebe a dupla face da representação política:
[4.33] Em seu sentido pleno, originário, a representação é uma delegação do poder
para que seja exercido a “serviço” dos representados que o escolheram como seu
representante porque, sem diferenciação de funções heterogêneas, não é possível a
reprodução e o aumento da vida da comunidade, nem alcançar a eficácia. [...] [4.35]
Em primeiro lugar, positivamente, como poder obediencial (do que “manda
obedecendo”), [...] o exercício delegado do poder se cumpre por vocação e
compromisso com a comunidade política, com o povo [4.36] Em segundo lugar,
negativamente como poder fetichizado (daquele que “manda mandando”) que é
condenado, sob a advertência de que são “aqueles que se consideram governantes, [o
quanto] dominam os povos como se fossem seus patrões, [... são] os poderosos que
fazem sentir sua autoridade. Neste caso, o exercício auto-referente do poder se
cumpre para benefício do governante, de seu grupo, de sua “tribo”, de seu setor, da
classe burguesa. O representante seria um burocrata corrompido que dá as costas e
oprime a comunidade política, o povo (DUSSEL, 2007, pp.31-42).
A política, desvirtuada, movida pela força do dinheiro, perde sua essência e
transforma-se num espetáculo midiático do momento eleitoral e a indústria cultural distorcida,
se mostra como instrumento de alienação política do povo e este, envolvido por essa cortina
de fumaça, se torna vítima dessa política fetichizada:
[8.37] [...] A política como “espetáculo”, e não como “participação” e como
“cultura” em que se deve educar o povo, é a corrupção política da informação a que
nos conduz a mídia-cracia (o poder político fetichizado do dinheiro penetra todos os
16
interstícios dos sistemas políticos, invertendo-os: pondo-os a serviço do poder como
dominação) [5] A comunidade política pode ser alienada (DUSSEL, 2007, p.72).
Mas, para Dussel (2007), os sistemas do direito são históricos e sofrem constante
mutação, conforme as contingências de cada época e à medida que o povo se liberta da cortina
de fumaça que o oprime e o impede de ver a sua real necessidade, se rebela e luta por
mudanças buscando um novo direito:
[19.21] Os sistemas do direito são históricos [...] e sofrem continuamente mudanças
constantes. [...] [19.24] Ou seja, os novos direitos se impõem a posteriori, pela luta dos
movimentos, que descobrem a “falta-de” como “novo-direito-a” certas práticas
ignoradas ou proibidas pelo direito vigente. Inicialmente, esse novo direito se dá somente
na subjetividade dos oprimidos ou excluídos. Diante do triunfo do movimento rebelde se
impõe historicamente o novo direito, e se adiciona como um direito à lista dos direitos
positivos (DUSSEL, 2007, pp.149-150).
Para Dussel, as instituições democráticas não devem se perpetuar, elas surgem
para cumprir exigências que são importantes e necessárias naquele espaço de tempo; devem
ser renovadas periodicamente, de acordo com os anseios da sociedade para evitar que se
tornem autorreferentes e se transformem num instrumento dominador, oprimindo e até
matando aqueles que lutam em busca de mudanças.
Por isso, entende pela transitoriedade e mutabilidade e até mesmo pela
possibilidade, ainda que singular, de transformação de todo um sistema institucional
democrático de dada comunidade histórica, porém, defende a sua necessidade para a
reprodução material da vida e para possibilitar ações legítimas e democráticas:
[17.11] As instituições são necessárias para a reprodução material da vida, para a
possibilidade de ações legítimas democráticas, para alcançar eficácia instrumental,
técnica, administrativa. Ser necessárias não significa que sejam eternas, perenes, não
transformáveis. Pelo contrário, toda instituição que nasce por exigências próprias de
um tempo político determinado, que estrutura funções burocráticas ou
administrativas, que define meios e fins, é indevidamente corroída pelo transcurso
do tempo; sofre um processo entrópico. No começo, é o momento disciplinador
criador de dar resposta às reivindicações novas. Em seu momento clássico, a
instituição cumpre eficazmente seu encargo. Mas lentamente decai, começa a crise:
a burocracia criada inicialmente se torna auto-referente, defende seus interesses mais
que os dos cidadãos que diz servir. A instituição criada para a vida começa a ser
motivo de dominação, exclusão e até morte. É tempo de modificá-la, melhorá-la,
suprimi-la ou substituí-la por outra que os novos tempos obrigam a organizar
[17.12] Todas as instituições, todos os sistemas institucionais, a curto, médio ou
longo prazo deverão ser transformadas. Não há sistema institucional imperecível.
Toda a questão é saber quando deve continuar uma instituição, quando é obrigatória
uma transformação parcial, superficial, profunda, ou, simplesmente, uma
modificação total, da instituição particular ou de todo o sistema institucional
(DUSSEL, 2007, p.132).
[17.27] A “transformação” política significa, pelo contrário, uma mudança em vista da
inovação de uma instituição ou que produza uma transmutação radical do sistema
político, como resposta às interpelações novas dos oprimidos e excluídos. A
17
transformação se efetua, embora seja parcial, tendo como horizonte uma nova maneira
de exercer delegadamente o poder. As instituições mudam de forma quando existe um
projeto distinto que renova o poder povo. No caso de uma transformação de todo o
sistema institucional [...] podemos falar em revolução, que a priori é sempre possível
(porque não há um sistema perpétuo), mas cuja factibilidade empírica acontece alguma
vez durante séculos (DUSSEL, 2007, p.135).
Segundo esse autor, a democracia confirmou-se, pelo menos na história da
humanidade ocidental, como sistema institucional de governo mais factível de alcançar
validez pelo povo. Mas, como sistema de direitos histórico-sociais, a “democracia é um
sistema permanentemente inacabado” e merece o questionamento constante de como
podemos melhorá-la.
[8.12] Nos últimos cinco mil anos (ao menos das cidades fenícias do Leste do
Mediterrâneo), as comunidades políticas foram inventando instituições que permitiam
ir criando as mediações entre a comunidade política como um todo e os governantes
que, necessariamente, são muito menos. A representação, a discussão regulamentada
(com votações e outros instrumentos) em órgãos que decidem e ditam as leis, a
aparição de códigos onde se começam a estipular comportamentos definidos que
podem receber prêmio ou castigo, a formação de corpos quase policiais que podem
prender os infratores, a vigência de juízes com autoridade de julgar,[...] fez surgir
lentamente “sistemas institucionais de legitimação” [8.13] Dos diversos sistemas de
governo (a monarquia ou as repúblicas) foi lentamente decantando a democracia como
o único factível para alcançar a legitimidade. Hoje, trata-se é de determinar ou
melhorar os diversos tipos de democracia (a democracia republicana, liberal,
socialdemocrata, do estado de bem-estar, populista, dos estados pós-coloniais etc.). Os
diversos sistemas democráticos empíricos são sempre concretos, imitáveis em bloco
por outros estados e sempre melhoráveis. A democracia é um sistema perpetuamente
inacabado (DUSSEL, 2007, pp. 67-68).
Para Dussel (2007) o poder indiferenciado (potentia) para materializar-se
constitui-se como poder constituinte de uma instituição ou de uma constituição política, a
partir do qual se estabelecem direitos, deveres e delegações de poder instituído (potestas). Daí
surgem os poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Tais poderes, principalmente o poder
Legislativo incumbido da transformação permanente do sistema de direitos constitucionais,
deveria ser fiscalizado e controlado pela última instância de controle dessa delegação, o poder
cidadão:
O Poder Cidadão é a última instância fiscalizadora (que devesse ser a culminação de
todo um procedimento permanente de participação dos membros da comunidade desde
sua base) de todos outros Poderes e instituições. [...] [8.23] [...] Entretanto,
empiricamente, [...] apoiando-se de fato no campo econômico do sistema capitalista, em
vez de situar os cidadãos cada vez mais simetricamente, ao longo dos dois séculos de sua
formulação as assimetrias sociais cresceram imensamente, por isso a igualdade não foi
conseguida, o que põe em julgamento a própria legitimidade da democracia liberal,
moderna, burguesa (DUSSEL, 2007, pp.69-70).
Desse modo, surge o conceito de “democracia crítica” em Dussel (2007), por um
lado, como sistema de direitos e instituições em permanente transformação, e por outro, como
18
princípio normativo crítico que implica na responsabilidade do político e do cidadão sobre
todas as dimensões da vida material da comunidade política.
[14.14] A democracia crítica, libertadora ou popular (porquanto o povo é o ator
principal), põe em questão o grau anterior de democratização alcançado; já que a
democracia é um sistema a ser reinventado permanentemente. [...] a democracia
crítica (social, que inclui igualmente a esfera material, os conflitos ecológicos,
econômicos e culturais que produzem crises [...]), por um lado, é um princípio
normativo (uma obrigação do político de vocação, e do militante, do cidadão, em
favor do povo), mas também é um sistema institucional que terá de transformar-se
permanentemente [...] (DUSSEL, 2007, p.110).
Nessa perspectiva, a luta das minorias e oprimidos ganha relevância, como sensor das
contingências e catalisador dos processos de transformação e amadurecimento democrático; é
preciso que o povo não se acomode e não se acostume com um sistema que não atenda as suas
necessidades e nem lhe dê condições dignas de vida. O princípio normativo crítico não
possibilita ao cidadão escusar-se de sua responsabilidade política:
[13.32] A afirmação da vítima, que não-pode-viver pela injustiça do sistema, é ao
mesmo tempo o que permite cumprir com a exigência de aumentar a vida da
comunidade (ou do novo sistema que tivesse de erigir-se). Repito: a mera
reprodução da vida do pobre exige tais mudanças. [...] É através da solução das
insatisfações dos oprimidos, os últimos, que os sistemas históricos progrediram
(DUSSEL, 2007, pp.105-106)
[10.24] Em resumo, o princípio democrático discursivo, comunitário, não
economiza a responsabilidade singular de cada cidadão, que deve ter a valentia de
expressar sua dissidência quando creia que esta seja fundamentada (da conclusão de
sua consciência política própria) (DUSSEL, 2007, p.83).
Com a efetiva participação e fiscalização política popular, surge uma nova cultura
política, cuja pretensão política crítica de justiça material (princípios críticos material, formal e de
factibilidade) pode ampliar as bases de validez e o sistema de direitos humanos; dessa forma, com a
atuação efetiva da comunidade política os representantes entenderão que o povo, a sociedade, o
cidadão deve ser o único beneficiado nesse processo democrático:
[20.33] Na medida em que as exigências materiais indicadas se cumpram, junto a
uma participação simétrica crescente (o que dá mais legitimidade, mas ao mesmo
tempo maior complexidade ao sistema político), e a uma inteligente factibilidade
técnica (o que abre a uma nova era da política em todos os níveis das mediações
estatais, podendo-se usar a comunicação via satélite e a informática por parte dos
movimentos populares e os cidadãos), cria-se uma cultura política em que os
representantes podem proclamar certa pretensão política crítica de justiça [20.34]
Chamamos de pretensão política crítica de justiça àquilo que na ética denominamos
“pretensão crítica de bondade”. [...] devem cumprir com as condições materiais (da
vida), formais (validade ou legitimidade) e de factibilidade (que sejam possíveis,
física, técnica, economicamente etc.). [...] Mas como tem “honesta pretensão” [...]
estará preparado para corrigi-o imediatamente (tendo como critério corretivo os
mesmos princípios que fixam as condições indicadas) (DUSSEL, 2007, pp.161163).
19
Dussel (2007) identifica os princípios normativos críticos material, formal e da
factibilidade como norteadores de toda ação política e transformação institucional democrática,
pois toda decisão política deve ter como principal objetivo prestigiar a vida, a legitimidade e a
possibilidade, física, técnica e econômica com o fim de cumprir sua função social:
[14.33] [...] Esses princípios normativos críticos são, destarte, princípios que
constituem e iluminam as ações libertadoras e a transformação das instituições, os
que permitem descobrir os enganos e que por último operam como critérios de
correção das injustiças cometidas (DUSSEL, 2007, p.113).
Mas, por outro lado, a constituição também deve oferecer garantias políticas que
possibilitem o exercício da participação política ativa e o efetivo controle da
representatividade política dos mandatários pelo povo, sob pena de corrupção do exercício
delegado do poder político e dos partidos:
[19.33] Para isso, a constituição deve criar instâncias de participação (de baixo para
cima) que fiscalizem as instituições de representação (de cima para baixo). [...] Quando o
partido se corrompe (quando utiliza como vantagem a cota de poder delegado como
poder próprio da burocracia), o sistema político como totalidade se corrompe. Por isso o
descrédito atual dos partidos políticos. Entretanto, eles são necessários, como “escola” de
opinião política, de ideologia, de projetos materiais e administrativos justificados
racional e empiricamente. Sem os partidos, os melhores dirigentes possíveis do povo não
têm uma opinião ilustrada nem crítica; sucumbem no espontaneísmo diante das
burocracias (DUSSEL, 2007, p.152).
E, dentre as garantias constitucionais de participação e controle de
representatividade política dos mandatários pelo povo, identifica-se o instituto de “revogação
mandato” dentre os viabilizadores do poder cidadão. A democracia representativa tem-se
imposta coercitivamente como uma força que oprime os mais fracos, usando como escudo
legitimador de tais atitudes nocivas a democracia a oratória da manutenção do controle social.
Essa democracia representativa que age de cima para baixo deve sofrer uma reação contrária a
qual chamamos de democracia participativa, agindo como um movimento fiscalizador de
baixo para cima. (DUSSEL, 2007, p.153).
Dessa forma, o instituto de revogação do mandato ganha relevância quando se
pensa a democracia como sistema de direitos humanos a ser permanentemente ampliado e
aperfeiçoado, pela combinação das estratégias da microfísica do poder, in casu, a partir da
periferia, das minorias e oprimidos (DUSSEL, 2000, p. 203).
20
2 O DIREITO DE REVOGAÇÃO POPULAR DE MANDATO POLÍTICO
REPRESENTATIVO EM SANTANA
Santana (2004), em “O Direito de revogação do Mandato Político representativo”,
investiga as garantias constitucionais e o direito político de revogação de mandato nas
constituições históricas dos estados brasileiros, bem como de constituições estrangeiras e em
recentes projetos de emenda à Constituição Federal de 1988.
Assim, em Santana (2004, pp. 17, 110) o direito de revogação de mandato político
representativo é “direito político, exercido através de uma consulta popular direta, de caráter
vinculatório e convocada pelos próprios eleitores, que permite a estes revogar, antes do prazo
normal, o mandato de um ou mais representantes políticos eleitos”. Para esse autor, o instituto
da “revogação popular de mandato” é um “procedimento pelo qual os eleitores exercem o
direito de revogação”, através de iniciativa própria. O direito de revogação popular de
mandato político, ainda, não faz parte do vigente texto constitucional brasileiro.
O direito de revogação popular de mandato político se caracteriza por elementos
essenciais que devem se fazer presentes em quaisquer circunstâncias políticas. Esses
elementos são os responsáveis pela legitimação do direito de revogação, quais sejam: a) é um
direito; b) possui caráter jurídico e político – que inclui a noção de que o resultado da consulta
popular é vinculatório; c) é de titularidade dos eleitores – a consulta popular precisa ser
convocada e decidida pelos próprios eleitores; d) visa à revogação do mandato antes do prazo
normal e) o agente público precisa ter sido eleito (recall é exceção a essa regra); f) o direito é
exercido através de consulta popular direta (SANTANA, 2004, pp. 17-18).
Nesse sentido, para Santana (2004) deve-se distinguir entre o instituto da
“revogação popular de mandato” e a “eleição revocatória”, em que pese constituir-se a última
numa fase do primeiro; nesta fase, todos os eleitores são chamados a opinar se desejam ou não
revogar o mandato de um determinado representante ou de uma assembleia de representantes
(SANTANA, 2004, p. 18).
Deve-se distinguir, ainda, o instituto da “revogação popular do mandato” do
impeachment, pelo menos quanto à motivação e à titularidade da revogação. Não há que se
confundir revogação popular de mandato com impeachment, apesar da semelhança entre os
temas. A principal distinção entre estes dois institutos está na motivação do procedimento e na
titularidade da iniciativa do poder decisório. A motivação requer a prática de um crime de
21
responsabilidade e quanto à titularidade, no impeachment, o procedimento é processado e
decidido por órgão legislativo, normalmente, presidido por um membro do poder Judiciário.
Já o direito de revogação não pressupõe a prática de um crime de responsabilidade, nem de uma
conduta infracional, basta que o povo não mais deseje ter um representante num cargo para que
ocorra a revogação. Quanto à titularidade, na revogação de mandato, tal como na eleição, todos os
eleitores da circunscrição do agente público objeto da revogação são chamados a votar
(SANTANA, 2004, pp. 49-50, 52).
Quanto à origem histórica, Santana defende a posição de que o direito de
revogação tenha surgido na Suíça, no século XIX, e no início do século XX nos EUA,
rejeitando alegações de que o direito de revogação surgiu na antiguidade clássica, nas
colônias britânicas do século XVII, nas constituições dos estados americanos recémproclamados independentes, ou mesmo nos artigos de confederações, mas reconhece que foi
nos séculos XVII e XVIII que o fundamento teórico do direito de revogação e demais
instrumentos de democracia semidireta foram construídos (SANTANA, 2004, p.110).
A práxis política de revogação de mandato é uma experiência muito comum em
diversos países do mundo como, por exemplo, EUA com o recall; a Suíça com
abberrufungrecht; o referendo revogatório na Venezuela que recentemente deu
visibilidade à existência de instituto de revogação de mandato em outros países,
notadamente na América Latina como Colômbia, Argentina, Equador, Panamá, Peru
e Bolívia e também se faz presente na Federação Russa (SANTANA, 2004, p. 82).
E, dentre as experiências estrangeiras de revogação de mandato, Santana (2004)
analisa a experiência estadunidense do recall, para traçar um paralelo sobre as possibilidades
de regulamentação desse direito no Brasil: segundo esse autor, o recall é uma prática política
bastante difundida nos Estados Unidos. É uma manifestação da soberania popular que tem como
objetivo a possibilidade de revogação de mandato concedido ao representante político, eleito pelo povo,
antes do prazo normal estipulado para o fim de seu mandato. Nos Estados Unidos, 15 unidades da
federação permitem o recall de agentes públicos estaduais. Ao todo, 36 estados permitem o recall de
agentes públicos locais (SANTANA, 2004).
Quanto às fases e procedimentos de recall, identifica que na primeira fase um
eleitor ou grupo de eleitores remete uma carta de intenção de coleta de assinaturas para uma
eleição revocatória do mandato de um determinado agente público, informando suas razões à
autoridade competente e dando ao agente passivo do recall oportunidade de justificativa.
22
Na segunda fase do procedimento de recall, a carta de intenção e a justificativa do
representante político são difundidas junto com o abaixo-assinado e são recolhidas as assinaturas
na circunscrição eleitoral pela qual o representante político fora eleito:
A próxima fase é a da coleta de assinaturas, utilizando um modelo fornecido pela
autoridade competente (que obrigatoriamente deverá conter a declaração apresentada na
notice of intention e na defesa do agente público). Os proponentes do recall passam a
coletar assinaturas em petições, solicitando a convocação de uma eleição especial.
Normalmente, a petição deve ser assinada por uma parcela que varia de 12% a 35% (25 é a
percentagem mais comum) do total de votos depositados na última eleição, realizada na
circunscrição eleitoral do representante cuja destituição se pleiteia. Essa exigência é
apontada como a principal responsável pelo uso infrequente do recall, dada a dificuldade
de se atingir o número mínimo de assinaturas exigido pela lei. Os proponentes da medida
geralmente possuem um prazo para coletar todas as assinaturas necessárias. Na Califórnia o
prazo é de 160 dias (SANTANA, 2004, p. 80).
As assinaturas serão coletadas num modelo apropriado fornecido pela autoridade
competente e deverá conter obrigatoriamente a declaração apresentada na nota de intenção
(notice of intention) e na defesa do agente público. As assinaturas são coletadas solicitando a
convocação de uma eleição especial. Para que haja a aprovação do recall, a petição deve ter
assinatura de uma parcela que varia de 12% a 35% do total de votos depositados na última
eleição realizada na circunscrição eleitoral do representante cuja destituição se pleiteia, sendo
que 25% é a porcentagem mais comum.
Reunidas as assinaturas suficientes, dá-se ao representante político a oportunidade
de renunciar. Porém, dada a dificuldade de se atingir o número mínimo de assinaturas exigido
pela lei e cumprir o prazo para a coleta, que na Califórnia, por exemplo, é de 160 dias, a
utilização com frequência desse instrumento fica prejudicada (SANTANA, 2004, p. 80).
A coleta de assinaturas frequentemente suscita questões sobre a legalidade da
utilização de pessoas pagas para coletar assinaturas (paid circulators), sendo que já
houve decisões judiciais atestando não só a legalidade dessa prática, como
declarando inconstitucional lei estadual que a vedava. Os paid circulators são com
frequência apontados como parte de uma indústria das iniciativas (initiative
industry), que são empresas especializadas em promover coleta de assinaturas e que
empregam milhares de pessoas notadamente na Califórnia, onde a prática é mais
difundida. Depois de reunidas as assinaturas necessárias, que passam por uma
verificação estatística de sua veracidade, é facultado ao representante renunciar
(SANTANA, 2004, p. 80).
A recusa do representante político, submetido ao recall, em renunciar ao mandato
levará o processo revocatório, o recall, a uma terceira fase, na qual será marcada uma eleição
revocatória para dar prosseguimento nos procedimentos que culminarão com a remoção ou
não do cargo do mandatário sujeito ao recall (SANTANA, p. 81).
23
Caso isso não aconteça, é marcada uma eleição revocatória, na qual os eleitores
respondem a uma pergunta formulada nos seguintes termos: Deve... (nome do
agente público visado)... Ser removido do cargo de... (nome do cargo)...?
Normalmente há um interstício de 30 a 110 dias entre a data da aprovação das
assinaturas e a data da eleição revocatória. A sucessão do representante removido
pode ser decidida na mesma ou em outra eleição. A primeira fórmula é mais
econômica, mas a segunda é mais fiel ao objetivo do recall election, pois permite ao
eleitor se concentrar na questão da revogação ou não do mandato do representante.
Sampaio explica no Oregon, por exemplo, existem duas fases. Na primeira, os
eleitores decidem se determinado agente público deve ser destituído. Na segunda,
caso tenha havido a revogação do mandato, os eleitores decidirão sobre o
preenchimento da vaga, geralmente facultando-se ao destituído figurar na lista dos
candidatos. Para prevenir que um representante sujeito ao recall renuncie depois seja
nomeado para o mesmo cargo, as leis estaduais e locais geralmente proíbem a
nomeação do agente par ao mesmo ou para um cargo similar por um período de dois
anos (SANTANA, 2004, p. 81).
Santana (2004) adverte quanto aos limites do recall estadunidense, pois se o
mandatário político submetido ao recall conseguir permanecer no cargo beneficiado pelo
fracasso da eleição revocatória, terá direito a uma indenização pelas despesas com a
campanha pela sua permanência. Os proponentes da medida revocatória fracassada não
poderão apresentar nova petição de recall até que tenham reembolsado aos cofres públicos os
gastos com a eleição revocatória anterior. A legislação das eleições ordinárias deve ser
observada no que tange o registro de leitores e às circunscrições eleitorais.
Outra restrição ao uso do recall é a de exigir que, fracassada a tentativa de recall, os
proponentes da medida não possam apresentar nova petição de recall até que tenham
reembolsado aos cofres públicos os gastos com a eleição revocatória anterior.
Também se assegura ao agente que consegue permanecer no cargo uma indenização
com as despesas com a campanha pela sua permanência. Também são comuns que,
nas legislações regulamentadoras, sejam aplicadas ao recall as regras das eleições
ordinárias, no que diz respeito às circunscrições eleitorais, registros dos eleitores,
propaganda etc. Outra observação importante a fazer é que o recall, assim como a
iniciativa e o referendo, na medida em que concedem mais poderes às massas,
concedem ao mesmo tempo mais poderes àquelas organizações que possuem o
poder de direcionar e influenciar as massas, especialmente, os meios de
comunicação e, por consequência, o grande capital financeiro (SANTANA, 2004, p.
82).
Quanto à realidade brasileira, Santana lembra que o instituto de revogação popular
de mandato já existiu no Brasil, mas que nunca foi posto em prática por interesses de um
pequeno número de pessoas que detinha o poder político: “Em nosso país, o instituto de
revogação de mandato eletivo (grifo do autor) somente existiu no Império e na República
Velha, neste caso, em Constituições Estaduais” (apud Palhares Moreira Reis; SANTANA,
2004, p. 82).
24
No Brasil, a revogação de mandato teve previsão no período Imperial, no chamado
Conselho de Procuradores-Gerais das Províncias do Brasil, mas que nunca chegou a
funcionar. Também esteve presente na fase da Primeira República, nos Estados de
Goiás, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, sem que se tenha
documentado uma sequer revogação de mandato nestes Estados (SANTANA, 2004,
p.111).
Sobre o período da República Velha, Santana (2004) ressalta que as seguintes
constituições estaduais garantiam o direito de revogação de mandato político representativo, ao
estabelecer o instituto de revogação popular de mandato: (I) a Constituição do Rio Grande do
Sul, de julho de 1891, no art. 39, regulamentado pelos artigos 98 e 104 da Lei estadual n.º 18,
de 12 de janeiro de 1897 (SANTANA, 2004, p. 90); (II) a Constituição Goiana, de 1º de junho
de 1891, no art. 56, revogado antes de sua regulamentação por lei específica pela reforma
constitucional de 13 de julho de 1898, no art. 53 (SANTANA, 2004, p. 91); (III) nas
constituições de 1892 e 1895 de Santa Catarina, mas não foi regulamentado nesse estado
(SANTANA, 2004, p. 91) e (IV) na Constituição do Estado de São Paulo, de 14 de julho de
1891, no art. 6º, §3º (SANTANA, 2004, p. 93). Na maioria dos casos, no entanto, esse
instituto não chegou a ser regulamentado por interesse das oligarquias políticas.
Santana também recorda que o direito de revogação sob o nome de voto destituinte
esteve em pauta nas discussões da Assembleia Nacional Constituinte de 1988, em propostas aditivas,
mas a proposta de revogação do mandato político, através do voto destituinte de eleitores insatisfeitos
com seus representantes, não foi bem recepcionada pelos nossos constituintes, dada a grande
preocupação na manutenção de seus mandatos em detrimento aos interesses da sociedade. Com a
finalidade de dar satisfação ao povo e com o pretexto de instituir a revogação do mandato, acabaram
por inserir no ordenamento constitucional a ação de impugnação de mandato eletivo (SANTANA,
2004, p.94).
4.2.2 Durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Nos debates que
antecederam a promulgação da Constituição de 1988, o direito de revogação
também foi cogitado sob o nome de “voto destituinte”. Vânia Siciliano Aieta
informa que essa tentativa pioneira foi encabeçada pelo Deputado Lysaneas Maciel,
do PDT carioca. Segundo Aieta, “A proposta do ilustre Constituinte Lysâneas
Maciel, recentemente falecido, teve origem na sua emenda aditiva ao anteprojeto do
relator da subcomissão dos direitos políticos, dos direitos coletivos e garantias,
integrante da comissão da soberania e dos direitos e garantias do homem e da
mulher”.
A proposta de Maciel simplesmente inseria a noção de revogação do mandato por
“voto destituinte”, remetendo à regulamentação para lei complementar. “Art. Os
eleitores poderão revogar, por voto destituinte, o mandato concedido a seus
representantes no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e Câmaras de
Vereadores, na forma regulamentada em lei complementar”. A revogação de mandato
não foi muito bem recebida pelos demais constituintes. [...] É importante notar que, apesar de
severas, as críticas ao “voto destituinte” demonstravam mais uma preocupação com os
25
aspectos práticos da eleição do que com a carga principiológica da medida. Assim, vemos que
os constituintes estavam mais preocupados com as ameaças ao seu mandato (daí a menção a
conspirações) [...] O final da breve história do voto destituinte já conhecemos: houve uma
proposta que a pretexto de instituir a revogação de mandato, acabou por inserir no
ordenamento constitucional a ação de impugnação de mandato eletivo (SANTANA, 2004,
p.94).
Para SANTANA (2004), essa substituição, durante a Assembleia Nacional
Constituinte, que redigiu a Constituição Federal de 1988, do voto destituinte pela ação de
impugnação de mandato eletivo, gerou uma confusão, proposital ou não, entre os institutos de
revogação de mandato e da ação de impugnação de mandato eletivo, porém, os dois institutos
têm caracteres diferentes.
Sobre as características da ação de impugnação de mandato eletivo, diz-se tratar
de procedimento judicial contra o representante, pois se limita a impugnar “cassar o registro
ou o diploma” daquele político que tenha obtido seu mandato ilegitimamente, por meio de
fraude, corrupção ou abuso do poder econômico, enquanto que o voto destituinte tem natureza
política e não haveria a necessidade de cometimento de fraude, corrupção ou abuso de poder
econômico por parte do político; seria apenas uma questão de conveniência e oportunidade
apreciada pelo povo, apenas a manifestação popular nas urnas, da vontade de por fim ao
mandato daquele representante político que não soubesse interpretar as mensagens do povo que
o elegeu. (SANTANA, 2004, p.52)
A Ação de impugnação de mandato eletivo está prevista nos parágrafos 10 e 11 do art.
14 da Constituição Federal; “§10 – O mandado eletivo poderá ser impugnado ante a
justiça eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com
provas de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude. §11 – A ação de
impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na
forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé”. Tal dispositivo é outro instituto
passível de ser confundido como a revogação de mandato. Entretanto, a diferença
entre ambos não é tão difícil de ser demonstrada. A distinção principal entre os dois
institutos está na natureza da medida: a ação de impugnação de mandato eletivo é
tipicamente judicial, enquanto a revogação de mandato é procedimento político. A
segunda diferença está na abrangência material: na ação de impugnação de mandato
eletivo há uma limitação da abrangência material da medida, enquanto na revogação
de mandato tais limitações inexistem. A ação de impugnação é limitada por quanto
visa a impugnar “cassar o registro ou o diploma”, um mandato obtido ilegitimamente,
um mandato obtido com a utilização de meios que a lei proíbe (abuso do poder
econômico, corrupção ou fraude), de modo que um mandato obtido legitimamente (ou
seja: sem abuso do poder econômico, corrupção ou fraude) está imune à cassação pela
via da ação de impugnação. Já na revogação de mandato, o escopo é mais amplo – não
há limitação quanto à abrangência. É uma questão de conveniência e oportunidade,
apreciada pelo povo. Assim, através da revogação de mandato, pode-se atacar tanto
um mandato ilegítimo, quanto legítimo. [...] Pode-se não apresentar nenhum motivo:
apenas a manifestação popular (nas urnas) da vontade de por fim ao mandato do
representante (SANTANA, 2004, pp.50-51).
26
Segundo Santana (2004), ainda hoje projetos de estatuição de direito de revogação
de mandato político assombram o Congresso Nacional. Alguns desses políticos, enfeitiçados
pelo poder, ainda não se conscientizaram ou não querem entender e nem aceitar que num
regime democrático, no qual se vive no Brasil, o povo é o verdadeiro detentor legítimo desse
poder que por conveniência o foi delegado.
É como um cargo de confiança que a qualquer momento, se não forem cumpridas
as exigências que satisfaçam as necessidades públicas visando o bem-estar da coletividade,
deve ser revogado para que outro, que tenha o espírito de um verdadeiro representante político
e entenda que ele ali está para ouvir, interpretar os clamores das ruas e servir ao seu povo,
ocupe o cargo e possa cumprir e fazer cumprir todas as solicitações de um povo soberano:
Após os debates ocorridos na Assembleia Nacional Constituinte de 1988, as únicas
propostas de natureza normativa visando à instituição do direito de revogação foram
as propostas dos Senadores Antônio Carlos Valladares (PSB – Sergipe), e Jefferson
Peres (PDT – Amazonas) apresentadas em 2003. (SANTANA, 2004, p.96)
Sobre as propostas de Valladares e Jefferson Peres, citam-se os projetos de
emenda constitucional número 80/2003 e 82/2003, respectivamente. Santana (2004) comenta:
Em 2003, possivelmente em razão do recall na Califórnia, surgiram no Brasil, duas
propostas de emenda constitucional instituindo a revogação de mandato, a primeira,
de autoria do Senador Antonio Carlos Valladares, denomina o instituto de “direito
de revogação, individual e coletivo”, limitando-se a inserir o dispositivo no roll do
art. 14 da Constituição Federal. A segunda, de autoria do Senador Jefferson Peres,
denomina o instituto de “plebiscito de confirmação de mandato” e adota estratégia
diversa da primeira, deixando de lado o roll do art. 14 e cuidando de inserir
ressalvas nos dispositivos constitucionais que regulam os prazos dos mandatos. A
proposta também esmiúça certas características, como a exigência de um percentual
de dez por cento de assinaturas dos eleitores de uma circunscrição para convocar um
“plebiscito de confirmação de mandato”, bem como a restrição à participação dos
eleitores na eleição do sucessor do representante removido, o que, a nosso ver, fere o
dispositivo no inciso II do §4º do art. 60 da Constituição Federal (SANTANA,
2004, pp.111-112).
Diante da crise de representatividade sem precedentes pela qual o Brasil atravessa
e que põe em dúvida as instituições, os partidos políticos, os governantes e a democracia
brasileira, o povo, indignado e consciente do prejuízo financeiro e moral do qual é vítima, se
vê obrigado a suportar todos os prejuízos causados pela classe política, os supostos
mandatários políticos, ao país e à sociedade brasileira, não vislumbrando solução racional a
curto prazo, que tenha como autoria aqueles que usufruem do poder como se donos fossem e
que sem impunidade imaginam lá se perpetuarem com todos os privilégios que o cargo
oferece.
27
Atento a essa postura, imposta por supostos representantes políticos, a sociedade
quer tomar parte nas decisões que dizem respeito ao futuro do país e ver essa atitude como
uma forma para a solução da crise que corrói a democracia deste país, que vive momentos de
crise nas mãos de quem, comprovadamente, não tem responsabilidade e não honra o mandato
que, de boa-fé, lhe foi creditado pelo eleitor.
Há necessidade de adoção de um instituto popular de revogação de mandato
político, sem influência partidária, no qual o povo seja o único titular de todo o processo
revocatório, decidindo quem não mais deve continuar como seu representante político e quem
deve continuar representando-lhe no parlamento, tendo este, como requisitos, a honra de estar
servindo ao seu país; a honestidade para lidar com a coisa pública; a dignidade e o respeito
pelos eleitores, pelo povo soberano que é.
O instituto popular de revogação de mandato pode ser um instrumento viável para
dar um basta à farra dos parlamentares, que se tornaram autorreferentes, em que seus
interesses aliados aos interesses de grupos econômicos são mais importantes do que os
interesses do povo que os elegeu. Assim, conclui-se pela possibilidade jurídica do instituto de
revogação popular de mandato no Brasil, em que pese depender apenas de emenda
constitucional, bem como de regulamentação de seus procedimentos em lei específica.
28
3 PRINCÍPIOS E DIREITOS HUMANOS POLÍTICOS NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988
Para Novelino e Cunha Júnior (2011), em “Constituição Federal para concursos”,
no art. 1º da Constituição Federal de 1988 – CF/88 estão inscritos os princípios políticos
fundamentais, estruturantes de toda a ordem constitucional: (1) a forma federativa de Estado;
(2) a forma republicana de governo; (3) o sistema político representativo na forma de
presidencialismo (na ideia de temporariedade ou periodicidade no exercício dos mandatos,
eletividade e responsabilidade dos governantes) e (4) o regime de governo democrático, na
forma de democracia participativa ou semidireta:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa
humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo
político. Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição (BRASIL, 1988,
art. 1º).
Para esses autores, em consonância com os princípios políticos estão os direitos
fundamentais, principalmente os direitos estabelecidos no artigo 5º da CF/88, de reserva legal
(inciso II), liberdade de locomoção (inciso XV); liberdade de expressão (inciso IV); liberdade
de consciência (inciso IV), o direito à informação (inciso XIV); de livre comunicação (inciso
XII), o direito de reunião para fins pacíficos (inciso XVI); a liberdade de associação para fins
lícitos, seja de natureza sindical, política ou religiosa (inciso XVII) e o direito de representação
jurídica por entidades associativas (inciso XXI) para proteção de seus direitos humanos e
promoção de seus interesses. (NOVELINO & CUNHA JÚNIOR, 2011)
Quanto aos direitos humanos políticos estabelecidos na ordem constitucional, para
Novelino e Cunha Júnior (2011), nos termos do art. 14 CF/88 está insculpido o princípio
político democrático da soberania popular, que impõe estrita observância ao poder do povo e
à vontade do povo e pressupõe que a formação da vontade do povo assim mensurada pelo
direito de sufrágio universal (direito político de votar e ser votado, independente da condição
econômica, social e intelectual): (1) pelo voto direto (exercício do direito de sufrágio ativo,
personalíssimo, livre e igual para todos), em escrutínio secreto (modo de exercício desse
direito), ou ainda; (2) pelo direito de ser votado (exercício de direito de sufrágio passivo); (3)
iniciativa popular; (4) ação popular de controle dos agentes públicos; e (5) organização e
participação em partidos políticos.
29
Cita-se: “Art. 14, CF/88. A soberania popular será exercida pelo sufrágio
universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos e, nos termos da lei,
mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular” (BRASIL, 1988).
Sobre o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular Novelino e Cunha Júnior
(2011) explicam que são instrumentos políticos de participação direta do indivíduo,
estabelecidos no art. 14 da CF/88 e regulamentados pela Lei n.º 9.700/98 (Lei de consulta
popular). Diferencia-os da seguinte forma: (1) plebiscito, como consulta popular, prévia
formulada a todos os cidadãos sobre sua concordância ou discordância em relação a
determinado tema contido em ato administrativo ou projeto legislativo; (2) o referendo, como
consulta popular realizada posteriormente à edição de ato administrativo ou legislativo, com o
intuito de ratificá-lo ou rejeitá-lo e (3) iniciativa popular, que consiste no direito de iniciativa
legislativa popular mediante apresentação de projeto legislativo, desde que cumpridos os
requisitos conforme demais requisitos do art.61, §2º e do art. 13 da Lei n.º 9.700/98: (1) ser
subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional; (2) esse um por cento deve
estar distribuído em pelo menos em cinco estados mais o Distrito Federal; (3) cada um dos
estados deve estar representado por pelo menos 0,3% de seus eleitores.
Quanto à iniciativa popular nas esferas estadual e municipal, Novelino e Cunha
Júnior (2011) esclarece que: (1) no âmbito estadual, o art. 27 §4º da CF/88 determina que a lei
estadual disponha sobre a iniciativa popular no processo legislativo estadual e (2) no âmbito
municipal, o inciso XIII do art. 29 da CF/88 determina que a iniciativa popular e, projetos de
lei de interesse do município, da cidade e dos bairros, se darão através de manifestação de,
pelo menos, 5% do eleitorado.
Mas, na prática, depende de autorização de referendo e de convocação de
plebiscito, pelo Congresso Nacional, para a sua realização (inciso XV, do art. 49, CF/88).
Além disso, a iniciativa popular possui também limitações formais quanto à iniciativa dos
projetos de emenda constitucional (art. 60 da CF/88), podendo, por derradeiro, ser exercida
somente quanto aos projetos de leis complementares e ordinárias (art. 61, §2º).
Art. 60. A Constituição Federal poderá ser emendada mediante proposta: (I) de um
terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II
– do Presidente da República; III – de mais da metade das Assembleias Legislativas
das unidades da federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa
de seus membros. [...] Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias
cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado federal
ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal
Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos,
30
na forma e nos casos previstos nesta Constituição. [...] §2º A iniciativa popular pode
ser exercida pela apresentação na Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito
por, no mínimo, cinco por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por
cinco estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um
deles. (BRASIL, 1988; CONSTITUIÇÃO FEDERAL)
Quanto à ação popular de controle dos agentes públicos, Novelino e Cunha Júnior
(2011) identificam os seguintes instrumentos: (1) as formas de participação do usuário no
controle da moralidade administrativa, da qualidade dos serviços públicos e, sobretudo, de
representação contra abuso de poder, além da possibilidade de acesso às informações sobre
atos do governo (art. 37, §§3º e 4º da CF/88); (II) no controle à probidade por meio de
cassação de mandato político e perda de função pública, tal como nos crimes de
responsabilidade do Presidente da República (art. 85, inciso V, da CF/88) e de deputados e
senadores (arts. 54 e 55 da CF/88); no controle de direitos políticos de elegibilidade por meio
de ação de impugnação de mandato (BRASIL, 1988).
A Lei n.º 4.717/65 (Lei de Ação Popular) estabelece o direito de qualquer cidadão
pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público; a lei
7.347/1985, lei de ação civil pública, disciplina a ação civil pública de responsabilidade por
danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. Além disso, a Lei n.º 8.429//92, de 2
de junho de 1992 (Lei da Improbidade Administrativa), estabelece os atos sujeitos a ação de
improbidade administrativa, bem como os sujeitos com legitimidade ativa e passiva, por atos de
agentes públicos que resultem em enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e à administração pública,
podem ser punidos com a perda da função pública.
3.1 Ação judicial de cassação de mandato e função pública por crimes de responsabilidade
A Lei n.º 1.079, de 10 de abril de 1950, define os crimes de responsabilidade e o
respectivo processo de julgamento para cassação de mandato político e inabilitação para
qualquer função pública, pelo prazo de até oito anos, inclusive pela tentativa desses, conforme
lei supracitada1. Nos crimes contra “a lei orçamentária”, lei 4.320/1964, elenca as condutas.
(BRASIL, 1950)
1
Art. 1º. São crimes de responsabilidade os que esta lei especifica. Art. 2º. Os crimes definidos nesta lei, ainda
quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até oito anos, para o
exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da
República ou Ministros de Estado; contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador
Geral da República; e os Comandantes da Marinha; do Exército e da Aeronáutica; e o Advogado-Geral da
31
Observa-se no art. 7º da Lei n.º 1.079/1950 a inexistência de proteção ao direito
político de representatividade da opinião e vontade popular outorgada ao seu mandatário, uma
vez que os direitos políticos não cessam com o término do momento eleitoral, pelo contrário,
se iniciam, pois a partir da diplomação e posse do novo Presidente da República é que tem
início o novo mandato político representativo.
Os processos e julgamentos contra o Presidente da República correm na forma dos
arts. 14 a 38, da Lei n.º 1.079/1950; o processo de impeachment contra o Presidente da
República se inicia com petição de denúncia, protocolada por qualquer do povo, junto à
Câmara dos Deputados do Congresso Nacional, devidamente assinada e fundamentada, com
firma reconhecida, contendo: (1) os meios de prova ou; no caso de impossibilidade de
fornecê-las, (2) informando as razões da impossibilidade, pessoas, locais e meios de produzilas: (Art. 14), é permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República, por crime de
responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados; art. 15, a denúncia só poderá ser recebida
enquanto o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo. Art. 16, a
denúncia assinada pelo denunciante e com a firma reconhecida, deve ser acompanhada dos
documentos que a comprovem, ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los, com a
indicação do local onde possam ser encontrados, nos crimes de que haja prova testemunhal, a
denúncia deverá conter o rol das testemunhas, em número de cinco no mínimo (BRASIL, 1950).
Num segundo momento, após recebimento da denúncia pela Câmara dos
Deputados: (1) é realizada a leitura no expediente seguinte; (2) encaminha-se à Comissão
Especial para avaliação preliminar das informações, estudo e parecer prévio, quanto à
deliberação ou não, a ser publicado no Diário do Congresso Nacional; (3) após publicação de
parecer prévio favorável, é realizado julgamento por meio de votação nominal pela
procedência ou improcedência da denúncia; (4) decidindo-se pela improcedência da denúncia,
esta é arquivada; (5) decidindo-se por sua procedência, é decretada a acusação pela câmara
dos deputados (expedição do decreto de acusação), cujo efeito imediato é “a suspensão do
exercício das funções do acusado e da metade do subsídio ou do vencimento, até sentença
final”; (5) tratando-se de crime comum, a denúncia será encaminhada ao Supremo Tribunal
Federal, em se tratando de crime de responsabilidade, será encaminhada ao Senado Federal
(BRASIL, 1950).
União. Art. 3º A imposição da pena referida no artigo anterior não exclui o processo e julgamento do acusado
por crime comum, na justiça ordinária, nos termos das leis de processo penal (BRASIL, 1950; Lei n.º 1.079).
32
Num terceiro momento, após a pronúncia pela Câmara dos Deputados (decreto de
acusação), no Senado Federal, observando-se as garantias constitucionais do devido processo
legal, a ampla defesa e o contraditório, bem como os casos de impedimento, é realizada
instrução e, após as discussões, em sessão presidida pelo Presidente do Supremo Tribunal
Federal, é realizado julgamento por meio de votação nominal dos senadores, cuja sentença
absolutória ou condenatória destitutiva do cargo (na qual se decide também sobre o prazo para
inabilitação de qualquer função pública, bem como pela submissão a processo ordinário por
crime comum) será lavrada na ata da sessão e publicada no Diário Oficial e no Diário do
Congresso Nacional (BRASIL, 1950).
Também respondem por crimes de responsabilidade os Governadores dos Estados
e Secretários Estaduais, pelas condutas tipificadas como crime na lei de responsabilidade. É
permitido a todo cidadão denunciar o governador perante a Assembleia Legislativa, por crime
de responsabilidade. A denúncia assinada pelo denunciante e com a firma reconhecida deve
ser acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da declaração de impossibilidade de
apresentá-los com a indicação do local em que possam ser encontrados. Nos crimes em que
houver prova testemunhal, conterão rol das testemunhas, em número de cinco pelo menos.
Não será recebida a denúncia depois que o Governador, por qualquer motivo, houver deixado
definitivamente o cargo. Parágrafo único (BRASIL, 1950).
Os processos e julgamentos contra os governadores dos estados e secretários
estaduais, nos crimes conexos com o governador, correm na forma das respectivas
constituições estaduais e, subsidiariamente na Lei n.º 1.079/1950, bem como do regimento
interno da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Justiça e do Código de Processo Penal.
O governador será julgado nos crimes de responsabilidade, pela forma que
determinar a Constituição do Estado e não poderá ser condenado senão a perda do cargo, com
inabilitação até oito anos para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo da ação
da justiça comum. [...]. Nos estados, onde as constituições não determinarem o processo nos
crimes de responsabilidade dos governadores, aplicar-se-á o disposto nesta lei, devendo,
porém, o julgamento ser proferido por um tribunal composto de cinco membros do
Legislativo e de cinco desembargadores sob a presidência do presidente do Tribunal de
Justiça local, que terá direito de voto no caso de empate. [...]. No processo e julgamento do
governador serão subsidiários desta lei naquilo em que lhe forem aplicáveis; o regimento
33
interno da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Justiça; assim como o Código de Processo
Penal.
Os secretários de Estado, nos crimes conexos com os dos governadores, serão
sujeitos ao mesmo processo e julgamento. Possibilitando, assim, a proteção ao direito político
de representatividade da opinião e vontade popular na Lei n.º 1.079, de 10 de abril de 1950. O
decreto-lei 201, de 27 de fevereiro de 1967, dispõe sobre a responsabilidade dos prefeitos e
vereadores, vez que os direitos políticos de representação não cessam no momento eleitoral,
pelo contrário, se iniciam com o novo mandato político representativo, para materialização do
projeto político decidido pelo povo nas urnas (BRASIL, 1950).
3.2 Ação judicial de impugnação de mandato eletivo
A Lei Complementar n.º 64/1990, além dos casos de inelegibilidade que
especifica, estabelece a legitimidade ativa de qualquer do povo, a competência e rito para
propor ação de impugnação de mandato eletivo: compete à Justiça Eleitoral conhecer e decidir
as arguições de inelegibilidade. A arguição de inelegibilidade será feita perante: I - o Tribunal
Superior Eleitoral, quando se tratar de candidato a Presidente ou Vice-Presidente da
República; II - os Tribunais Regionais Eleitorais, quando se tratar de candidato a Senador,
Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, Deputado Federal, Deputado
Estadual e Deputado Distrital; III - os Juízes Eleitorais, quando se tratar de candidato a
Prefeito, Vice-Prefeito e Vereador. Caberá a qualquer candidato, a partido político, coligação
ou ao Ministério Público, no prazo de 5 (cinco) dias, contados da publicação do pedido de
registro do candidato, impugná-lo em petição fundamentada. A impugnação, por parte do
candidato, partido político ou coligação, não impede a ação do Ministério Público no mesmo
sentido. Não poderá impugnar o registro de candidato o representante do Ministério Público
que, nos 4 (quatro) anos anteriores, tenha disputado cargo eletivo, integrado diretório de
partido ou exercido atividade político-partidária. O impugnante especificará, desde logo, os
meios de prova com que pretende demonstrar a veracidade do alegado, arrolando
testemunhas, se for o caso, no máximo de 6 (seis) (BRASIL, 1990).
34
3.3 Precedente que evidencia a violação dos direitos humanos políticos no Brasil.
O caso jurídico da ação penal 470 – MG, mais conhecido como “Mensalão do
PT”, com grande repercussão perante a opinião pública nacional e internacional, facilmente
demonstra a crise de representação dos eleitores pelos mandatários políticos e caracteriza-se
uma flagrante violação aos direitos sociais, econômicos e políticos do cidadão.
Para Barbosa2 (2012), em “Relatório da Ação Penal 470 – MG”, fls. 5.621, do
volume 37, trata-se de uma “sofisticada organização criminosa, dividida em setores de
atuação, que se estruturou profissionalmente para a prática de crimes como peculato, lavagem
de dinheiro; corrupção ativa; gestão fraudulenta; além das mais diversas formas de fraude”
(BARBOSA, 2012, p.6).
Segundo a acusação, “todos os graves delitos que serão imputados aos denunciados
ao longo da presente peça têm início com a vitória eleitoral de 2002 do Partido dos
Trabalhadores no plano nacional e tiveram por objetivo principal, no que concerne
ao núcleo integrado por JOSÉ DIRCEU, DELÚBIO SOARES, SÍLVIO PEREIRA e
JOSÉ GENOÍNO, garantir a continuidade do projeto de poder do Partido dos
Trabalhadores, mediante a compra de suporte político de outros Partidos Políticos e
do financiamento futuro e pretérito (pagamento de dívidas) das suas próprias
campanhas eleitorais. (...) Nesse ponto, e com objetivo unicamente patrimonial, o
até então obscuro empresário MARCOS VALÉRIO aproxima-se do núcleo central
da organização criminosa (JOSÉ DIRCEU, DELÚBIO SOARES, SÍLVIO
PEREIRA e JOSÉ GENOÍNO) para oferecer os préstimos da sua própria quadrilha
(RAMON HOLLERBACH, CRISTIANO DE MELLO PAZ, ROGÉRIO
TOLENTINO, SIMONE VASCONCELOS e GEIZA DIAS DOS SANTOS) em
troca de vantagens patrimoniais no Governo Federal” (5.621/5.622) (BARBOSA,
2012, p.6).
O esquema contava com deputados e senadores, autoridades políticas, com
prerrogativa de foro privilegiado em razão de função, perante o STF, conforme alínea “b” do
inciso I, do art. 102, da Constituição Federal3.
Além desses representantes políticos, o esquema contava ainda com a participação
de agentes públicos de cargo de comissão por eles indicados, influenciando decisões técnicoburocráticas, sobretudo nas agências estatais e financeiras, atuando como facilitadores do
esquema e de empresários na captação e lavagem de dinheiro, e ainda, com a prática de
compra de votos e de apoio político no Congresso Nacional:
2
Joaquim Barbosa - Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I processar e julgar, originariamente: [...] b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o VicePresidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;
(BRASIL, 1988).
3
35
Além disso, teria sido necessário contar com os réus KÁTIA RABELLO, JOSÉ
ROBERTO SALGADO, VINÍCIUS SAMARANE e AYANNA TENÓRIO, os
quais, no comando das atividades do Banco Rural, juntamente com o Sr. José
Augusto Dumont, falecido em abril de 2004, teriam criado as condições necessárias
para a circulação clandestina de recursos financeiros entre o núcleo político e o
núcleo publicitário, através de mecanismos de lavagem de dinheiro, que permitiriam
a tais réus o pagamento de propina, sem que o dinheiro transitasse por suas contas
(BARBOSA, 2012, pp.6-7).
De acordo com a denúncia recebida por esta Corte, o esquema teria sido arquitetado
durante as eleições de 2002 e passou a ser executado em 2003. Já em dezembro de
2002, os réus do denominado “núcleo publicitário” da quadrilha – especialmente os
réus MARCOS VALÉRIO; CRISTIANO PAZ e RAMON HOLLERBACH – já
haviam sido apresentados para os réus do denominado “núcleo central” – formado
pelos réus JOSÉ DIRCEU, JOSÉ GENOÍNO, DELÚBIO SOARES e SÍLVIO
PEREIRA , com o fim de pôr em prática o plano de corrupção de parlamentares da
então frágil base aliada, com intuito de “negociar apoio político, pagar dívidas
pretéritas do Partido e também custear gastos de campanha e outras despesas do PT
e dos seus aliados” (fls. 5.621) (BARBOSA, 2012, p.7).
Este episódio vem evidenciar, ainda, que esse esquema derivou de práticas já
enraizadas em casas legislativas brasileiras, pois, segundo a acusação, os réus do núcleo
político ou central, com o intuito de permanecerem por longos anos no poder, teriam optado
por utilizar mecanismos criminosos oferecidos pelos réus dos núcleos publicitários e
financeiros, os quais, segundo o Procurador-Geral da República, já vinham sendo praticados
no estado de Minas Gerais, especialmente a partir do governo do atual senador Eduardo
Brandão de Azeredo, do PSDB, cuja conduta está em análise na AP 536 (BARBOSA, 2012).
Existem outras ações penais relativas a esse esquema, cujas denúncias foram
fragmentadas, possivelmente, com o intuito de dissuadir a crise institucional:
No julgamento desta ação penal, serão analisados apenas os supostos desvios de
recursos da Câmara dos Deputados e do Banco do Brasil. Há outros inquéritos e
ações em que se investigam possíveis ilícitos praticados pelas mesmas empresas por
meio de contratos celebrados, naquele período, com os Correios, a Eletronorte, o
Ministério dos Esportes e outros órgãos públicos (BARBOSA, 2012, p.9).
O esquema de desvios teria sido praticado de duas maneiras. Primeiramente,
através de violações das cláusulas contratuais, que permitiriam a apropriação, pela DNA
Propaganda, de valores correspondentes ao bônus de volume, que supostamente deveriam ter
sido devolvidos ao Banco do Brasil. O réu Henrique Pizzolato, na condição de diretor de
marketing do Banco do Brasil, permitiria as mencionadas violações contratuais, mediante
propina.
Nos termos da acusação, a empresa DNA Propaganda foi contemplada, ainda no
primeiro ano de governo, com a renovação de seu contrato publicitário com o Banco do
36
Brasil, contrato esse que vinha sendo mantido desde o ano 2000. Com a renovação do
contrato, em 22 de março de 2003, no valor de R$ 152.833.475,00, pelo prazo de seis meses
(Apenso 83, v. 1, fls. 43/44), o então diretor de marketing do Banco do Brasil, o réu Henrique
Pizzolato, teria viabilizado, segundo a denúncia, desvios volumosos de recursos, recebendo,
em contrapartida, em seu apartamento localizado em Copacabana, Rio de Janeiro, mais de
300 mil reais em espécie. Sobretudo por meio de antecipações injustificadas de parcelas do
cronograma de desembolso financeiro, ou seja, antecipando valores de empenho
proporcionais à propina a ser repassada, sem a contraprestação efetivamente contratada
(BARBOSA, 2012)
Além disso, recursos de publicidade pertencentes ao Banco do Brasil, fornecidos
pela Visanet, teriam sido desviados através de antecipações solicitadas pelo réu Henrique
Pizzolato, em benefício da empresa dos réus Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon
Hollerbach. O procurador-geral da República apontou quatro repasses principais, que somam
quase R$ 74 milhões de reais, sem que houvesse sido prestado qualquer serviço e sem
garantia de contrapartida.
A denúncia destacou o fato de que o contrato da DNA com o Banco do Brasil não
abrangia as verbas de publicidade fornecidas ao Banco do Brasil pela Visanet que, assim,
teriam sido repassadas de forma irregular e graciosamente à empresa dos réus Marcos
Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach. Ademais, na câmara dos deputados, o réu João
Paulo Cunha também firmou contrato com uma empresa dos réus Marcos Valério; Ramon
Hollerbach e Cristiano Paz: a SMP&B Comunicação Ltda.
O contrato em questão, firmado inicialmente no valor de R$ 9 milhões, foi
assinado ao apagar das luzes, em 31 de dezembro de 2003 e também teria sido fonte de
recursos utilizados pela quadrilha para a suposta compra de apoio político, segundo o
procurador-geral da República. Para o repasse dos recursos aos reais beneficiários, os réus
Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz teriam colocado em funcionamento um
intrincado esquema de lavagem de dinheiro.
Os recursos públicos obtidos pelas agências DNA Propaganda e SMP&B, através
dos contratos com a câmara dos deputados e o Banco do Brasil – recursos esses repassados às
agências dos réus de modo antecipado e/ou sem a correspondente prestação integral dos
serviços, teriam sido “esquentados” com recursos de empréstimos que o procurador-geral da
37
República afirma serem fraudulentos (ideologicamente falsos). Assim, o dinheiro público em
tese utilizado no esquema criminoso teria a aparência de meros empréstimos bancários,
obtidos pelo Partido dos Trabalhadores e pelas agências de propaganda junto a instituições
financeiras (BARBOSA, 2012).
Importante evidenciar aqui que todo esse esquema tem recebido tratamento
reducionista como fato meramente criminológico, como problema de justiça criminal,
conforme denúncias de: (1) corrupção passiva contra “parlamentares da base aliada” (cita-se
PP, PL – hoje PR –, PTB e PMDB) e do PT e (2) de corrupção ativa pelo núcleo político
desses partidos, em conjunto com empresários dos núcleos publicitário e financeiro e (3)
empresários esses, também responsáveis pela lavagem de dinheiro e evasão de divisas
(BARBOSA, 2012).
Mas o que se deve esclarecer é que na verdade trata-se de problema de violação de
direitos humanos políticos, na medida em que esse esquema demonstra a crise de
representação dos eleitores por seus mandatários políticos e cuja raiz possivelmente esteja na
questão da origem dos recursos de financiamento de campanha eleitoral.
O que se apresenta diante do povo brasileiro no esquema mensalão do PT é a
flagrante condição de improbidade administrativa cometida por agentes públicos, que tinham
por obrigação o dever de resguardar o bem público e, no entanto, o que ocorreu foi a
apropriação indébita do patrimônio do povo brasileiro.
Atos de improbidade administrativa importarão na suspensão dos direitos
políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário,
na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível, § 4º, art. 37 da
CF/88. A competência na esfera penal foi exercida pelo STF, alguns dos réus foram
condenados, apesar de nenhum, até o presente momento, cumprir a pena que lhe foi imputada
pelo STF. Na esfera política, esse agente público, condenado pelo Supremo Tribunal Federal,
continua exercendo as suas funções em cargos político, usufruindo de todas as prerrogativas
que o cargo dispõe, afrontando todas as normas da moral de uma sociedade.
Um mecanismo de controle popular do mandato político, eficaz, onde o povo
deliberasse sobre o destino dos seus representantes que agem em desacordo com os anseios da
sociedade, lesando o patrimônio público, seria um freio para interromper um cenário de tanta
corrupção que se alastrou por todos os órgãos estatais deste país.
38
4 O RESGATE DA CIDADANIA
Sendo a democracia um regime de governo em que o poder de tomar importantes
decisões políticas está com os cidadãos (povo), direta ou indiretamente, por meio de
representantes eleitos e, a cidadania o exercício dos direitos e deveres civis, políticos e
sociais estabelecidos na Constituição Federal de 1988, a democracia representativa se dá
através de eleição de um grupo de pessoas, normalmente, eleito pelo voto do povo para
representar, agir, falar e decidir em seu nome, regime que tem como conceito global a isonomia e
que vem sofrendo deformações devido a comportamentos inaceitáveis de alguns políticos que, por
puro egoísmo e ganância, expõem a democracia desse país a uma crise de legitimidade, levando
ao enfraquecimento das instituições e a debilitação da credibilidade dos partidos políticos.
O cidadão, sem representatividade política digna, sentindo-se encurralado,
impotente e confuso diante de tantos discursos contraditórios e hipócritas que já duram
décadas e que têm por finalidade apenas esconder a verdade de um sistema corrupto, que se
diz representativo, para que se mantenha imutável, nas mãos de uma pequena oligarquia que
tira proveito da falta de mecanismo popular constitucional que dê ao povo o poder de decisão
da manutenção ou substituição de agentes públicos, chega ao limite de sua tolerância e vai às
ruas em busca de soluções para os problemas que assolam todo esse país e passam a exercer a
cidadania exigindo dos políticos e governantes mudanças e direitos que por muito tempo lhe
foram tirados sem que houvesse uma contrapartida satisfatória.
A partir de junho de 2013, o povo insurge-se diante de tanta insatisfação pelas
injustiças que vem sofrendo por ingerência das instituições públicas e incompreensão
daqueles que deveriam ser seus representantes políticos e vai às ruas lutar e protestar para
resgatar, do modo mais democrático possível, a voz da cidadania que vai se desdobrando num
processo participativo, se organizando em passeatas para manifestações de indignação por
todo o país; no congresso nacional; nas assembleias legislativas e câmaras de vereadores,
exigindo mudanças profundas.
O povo, com sede de justiça, quer ser diretamente envolvido e participar das
decisões políticas do seu país, pois já está cansado de pagar a conta por tanto desmando e
corrupção dos governantes e políticos autorreferentes, que decidem ao seu modo o rumo do
país, sem considerar as vontades e as opiniões da sociedade que os elegeu.
39
Tal cenário faz recordar o caso do impeachment do ex-presidente Fernando Collor
de Melo, que há acerca de 20 anos colocou-se diante da mesma crise de paradigma do sistema
político representativo:
Um dos principais fatos políticos na história do Brasil, o impeachment do expresidente Fernando Collor de Mello, atualmente Senador pelo PTB, completa 20
anos nesta semana. [...] Meses depois da posse, em 15 de março de 1990,
começaram a surgir denúncias de que o tesoureiro da campanha de Collor Paulo
César Farias, o PC Farias, pediu dinheiro a empresários e ofereceu vantagens no
governo. [...] Em maio de 1992, uma reportagem da revista "Veja" levou à abertura
de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso. Pedro Collor disse
à revista que PC Farias era "testa-de-ferro" do irmão e que o presidente sabia das
atividades criminosas do tesoureiro. Em 20 de junho de 1992, Collor negou relações
com PC Farias. "Há cerca de dois anos não encontro o senhor Paulo César Farias,
nem falo com ele. Mente quem afirma o contrário." Diante da pressão da CPI, Collor
pediu o apoio da população. "Que saiam no próximo domingo de casa com alguma
das peças de roupa nas cores da nossa bandeira. Que exponham nas janelas, que
exponham nas suas janelas toalhas, panos, o que tiver nas cores da nossa bandeira.
Porque assim nós estaremos mostrando onde está a verdadeira maioria", disse o
então presidente (O GLOBO, 28/09/2012).
O tiro saiu pela culatra. O pedido de apoio popular do, então, presidente Collor não
ressoou como pretendia e além de não ser atendida pela população redundou em reação contrária,
transformando-se num “movimento” de grande repercussão nacional e o primeiro presidente da
República Federativa do Brasil eleito pelo voto direto após o regime militar, é afastado
definitivamente da presidência da república:
A estratégia foi mal-sucedida, e os chamados "caras pintadas" saíram às ruas
vestidos de preto e pedindo a saída de Collor da Presidência. No mesmo mês,
Collor sofreu outro revés. A CPI no Congresso concluiu que ele foi beneficiado pelo
suposto esquema montado pelo ex-tesoureiro PC Farias. O relatório da CPI afirmou
que Collor cometeu crime de responsabilidade ao usar cheques fantasmas para o
pagamento de despesas pessoais, como uma reforma na Casa da Dinda e a compra
de um carro Fiat Elba. Com isso, o caminho para o impeachment estava aberto. Em
29 de setembro de 1992, ocorreu o principal marco do processo que levou à saída de
Collor da Presidência. A Câmara aprovou o pedido de impeachment. O caso foi ao
Senado, que abriu um processo para apurar se houve crime de responsabilidade e
que deveria estar concluído em até 180 dias. A comissão de impeachment era
presidida pelo presidente do Supremo, ministro Sidney Sanches. Até lá, Collor
ficaria afastado da presidência temporariamente, sendo substituído pelo vice Itamar
Franco, o que só aconteceu em 2 de outubro de 1992. Foi o dia em que Collor
desceu a rampa do Palácio do Planalto pela última vez. Em 29 de dezembro, em uma
sessão comandada pelo presidente do STF, o Senado decidiu que Fernando Collor
era culpado pelo crime de responsabilidade. Para tentar escapar da possível
inelegibilidade por oito anos, o ex-presidente renunciou. O Congresso entendeu que,
mesmo assim, ele deveria perder os direitos políticos (O GLOBO, 28/09/2012).
Em “Mudança estrutural da esfera pública”, Habermas (2003) demonstra que o
ideal republicano de representatividade da opinião e vontade política do povo, desde o
surgimento do Estado moderno, vem demonstrando sua ineficiência. O poder instituído se
apoia nos pilares da soberania popular, pressupõe uma estrutura organizada com o objetivo de
40
cumprir a função social e esta, como toda e qualquer decisão institucional, deve ser norteada
pela opinião e a vontade do povo soberano que é, e que jamais num Estado democrático, na
qual o poder é exercido pelo povo, deve ser desprezada:
O Estado moderno pressupõe como princípio de sua própria verdade a soberania
popular, e esta, por sua vez, deve ser a opinião pública, como origem de toda a
autoridade das decisões totalitárias, de modo que falta à democracia a substância de
sua própria verdade. O momento da publicidade que garanta a racionalidade deve ser
salvo as custas de seu outro momento, o da generalidade, que garante a
acessibilidade a todos. No processo de formação da opinião e da vontade nas
democracias de massas, a opinião do povo, independente das organizações através
das quais ela passa a ser mobilizada e integrada, raramente ainda mantém alguma
função politicamente relevante (HABERMAS, 2003, pp. 276 - 277).
E ainda, Ferraz (2012) denuncia a insuficiência dos mecanismos políticos de
participação direta nas decisões adotadas no Brasil, tais quais: o plebiscito que é um
mecanismo jurídico por meio do qual o povo é consultado antes de uma lei ser constituída de
modo a aprovar ou rejeitar as opções propostas; o referendo é uma consulta ao povo após a lei
ser constituída, em que o povo ratifica e sanciona, a lei já aprovada pelo Estado, ou a rejeita.
Tanto o referendo quanto o plebiscito constituem, indiscutivelmente, mecanismos
jurídicos assecuratórios da democracia. Podem ocorrer mudanças constitucionais mediante
plebiscito, porém, só o congresso pode convocá-lo, o Executivo pode, no máximo, enviar
mensagem ao parlamento propondo sua convocação, mas é o Legislativo que decide se
convoca ou não. Outro mecanismo de participação popular de suma importância é a iniciativa
popular, que é o direito que os cidadãos brasileiros têm de apresentar projetos de lei para
serem votados e eventualmente aprovados pelo congresso nacional, mas o que se vê são
decisões tomadas arbitrariamente, levando em conta, não a necessidade e opinião do povo,
mas os interesses de alguns representantes políticos e de grandes grupos econômicos em
detrimento do bem-estar da sociedade, como se estivesse numa ditadura.
Percebe-se que os mecanismos constitucionais de controle da representatividade
política existentes não têm sua função efetivada porque sofrem o controle por parte de quem
deveria ser controlado, se mostrando dependente da conveniência dos interesses políticos
enfatizado pelos interesses de grupos econômicos. Um mecanismo de controle popular de
representatividade política, onde o povo soberano deliberasse sobre a revogação do mandato
do político que despreza a opinião e a vontade do povo, agindo de acordo com sua
subjetividade, para se beneficiar em detrimento da sociedade, seria uma forma de coibir a
representação política autorreferente.
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CONCLUSÃO
O tema exposto neste estudo “sobre garantias constitucionais de controle popular
da representatividade dos mandatários políticos no Brasil” foi discutido através do pensamento
político de Enrique Dussel: poder obediencial e poder cidadão; do direito de revogação popular de
mandato político representativo em Santana; dos princípios e direitos humanos políticos na
Constituição Federal de 1988; da cassação de mandato e função pública por crimes de
responsabilidade; da ação judicial de impugnação de mandato eletivo do precedente que
evidencia a violação de direitos humanos políticos no Brasil: ação 470-MG (mensalão do PT);
das manifestações populares em busca do resgate da cidadania, no sentido de compreender as
atuais contingências por legitimidade do sistema político brasileiro.
Conforme a revisão de literatura, que abrange o parecer de autores conhecedores
do assunto, no caso do mensalão do PT, é possível perceber-se pelo precedente de violação de
diretos humanos políticos, quais sejam: os direitos sociais; econômicos e políticos do cidadão,
com grave prejuízo à legitimidade do sistema político representativo e das instituições
democráticas.
A perda de identificação dos eleitores com seus representantes é consequência da
postura de desvio de conduta que os representantes políticos têm assumido ao serem
empossados em cargos públicos eletivos, uma vez que eleitos ignoram a vontade e as
necessidades de seus eleitores, os verdadeiros legitimados do poder, gerando uma crise na
democracia contemporânea e o declínio da importância dos partidos políticos, levando a
democracia a uma situação de insustentabilidade pela inobservância de regras.
Existem na Constituição Federal de 1988 mecanismos de controle da
representatividade no Brasil, mas em nenhum deles o povo atua, efetivamente, como titular da
iniciativa e do poder decisório.
As manifestações que ainda insurgem por todo o país, reprimidas, violentamente,
por quem não tem a intenção de abdicar das facilidades ofertadas pelo cargo político em troca
do bem-estar da coletividade, servem para demonstrar o grau de insatisfação do povo para
com seus supostos representantes e com o modo com o qual vêm conduzindo a política do
país, revelando a necessidade de um mecanismo popular de revogação de mandato político,
em que o povo seja o único titular da ação de revogação de mandato daqueles que não honram
42
o voto do eleitor e legislam em causa própria em detrimento da vontade popular e do
progresso da nação.
Dessa forma, os objetivos do estudo no sentido de descrever os mecanismos
político-jurídicos existentes de controle popular dos mandatários políticos no Brasil e de
garantia de revogação de mandato contidos na ordem constitucional e no ordenamento jurídico
pátrio, bem como a análise do precedente histórico-político-jurídico de violação dos direitos
humanos no Brasil, o mensalão do PT, com vistas em melhor compreender as atuais
contingências por legitimidade do sistema político representativo brasileiro foram discutidos de
forma significativa.
Diante da crise de legitimidade representativa; da crescente onda de corrupção
política; da debilitação da credibilidade no poder público; da ineficácia dos mecanismos de
controle de representatividade, surge a necessidade de se instituir um mecanismo de
revogação popular de mandato político, para que o povo seja o titular da ação de revogação de
mandato político e participe efetivamente das decisões importantes de interesse da sociedade.
Nesse sentido, conclui-se pela insuficiência das garantias constitucionais, bem
como dos mecanismos político-jurídico de proteção aos direitos políticos de representação
existentes no Brasil. Na oportunidade, considera-se que outros estudos dessa natureza podem
ser realizados como meios de informação e discussão do tema.
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