Anais do II Seminário Nacional Literatura e Cultura Vol. 2, São Cristóvão: GELIC, 2010. ISSN 2175-4128 1 O MITO DE LAMPIÃO EM “OS DESVALIDOS” Alexsandra da Conceição Silva (Pós- graduada UNIT) Antônio Marcos Modesto (Pós- graduado Pio X) Temido, odiado e admirado. A figura de Virgulino Ferreira, mais conhecido como o Lampião, transita entre o real e o imaginário da cultura nacional. .Lampião se tornou uma lenda nacional. As lendas tem como caracterìstica essencial a natureza fantàstica, sobrenatural, que impressiona, surpreende, fascina e, muitas vezes assusta. As lendas e mitos narram ,em sua maioria, os feitos de heròis populares. No caso de Lampião, a personagem se apresenta geralmente de modo controverso, ou seja ele è ao mesmo tempo heròi e vilão. Criativo por excelência o povo nordestino tem uma produtiva imaginação. Os fatos narrados pelas personagens freqüentemente tem um quê de folclore e uma escandalosa ausência de verossimilhança constituindo uma ponte entre fatos e possibilidades. Assim como nas lendas, tudo é possìvel, não havendo limites para a imaginaçõ. A primeira parte do livro representa a chegada da notìcia da morte de Lampião. Acreditava-se, por exemplo na imortalidade de Lampião. No romance pode-se notar certo espanto e atè resistencia em acreditar que este havia morrido. "Lampiãããão morreeeeu!…Apanhado de susto no papoco da notìcia que acaba de atroar, Coriolano estremece de coração em rebates pegando a boca do peito. Freme-lhe o couro, esbarra a costura da chinela e apura as ouças de faro aguçado, espichando o pescoço pra fora da cacunda. Serà ,meu pai do Cèu, que o Herodes, enfim, desencarnou? Anais do II Seminário Nacional Literatura e Cultura Vol. 2, São Cristóvão: GELIC, 2010. ISSN 2175-4128 2 Não pode ser! Na certa é capricho da idade!(…) ou và ver que é algum moleque me fazendo caçoada!"(DANTAS. 1993. p11) Coriolano mal pode acreditar na possibilidade da morte do cangaceiro, para ele a notìcia é tão boa que ele duvida de sua veracidade e dos pròprios ouvidos. Sua reação diante novidade revela o extremo alìvio proveniente do medo que o cangaceiro provocava na maioria das pessoas do sertão, sobre maneira nos homens de negòcio como ele. O mito do cangaceiro Lampião fora eternizado pela tradição oral, pelo cancioneiro popular, e principalmente pela literatura de cordel, expressão folclòrica, tìpica do nordeste, escrita em folhetos ou pequenos livros de poucas pàginas que narram em prosa e verso fatos e acontecimentos marcantes e muitas vezes, fantàsticos. Tambèm serviu de inpiração ao cinema e à literatura. O romance “Os desvalidos” de Francisco Dantas foi muito bem recebido pelo pùblico e pela crìtica, fato tambèm ocorrido com seu romance de estrèia " Coivara da Memòria".O texto retrata o cangaço assim como a condição do sertanejo diante do cangaço, e mais do que isso do temor proveniente da situação. Mas ao contràrio da literatura de cordel e do cancioneiro, o livro de Dantas faz um minuncioso trabalho da adequação da linguagem simples e dos termos especìficos da época e da região com uma linguagem formal cuidadosa, poética. Alfredo Bosi faz o seguinte comentàrio na apresentação do romance: "Quem lê estes Desvalidos e jà leu Coivara da Memòria sabe que Francisco J; Dantas é precisamente esse narrador que sabe enfrentar- depois dos vàrios regionalismos e de Guimarães Rosa- o desafio de compor as vozes da cultura popular em acordes pròprios de um escritor culto. Repare o leitor nas²passagens sùbitas e sutis de foco narrativo, e veja como a distância logo vira identificação."(BOSI. 1993) Anais do II Seminário Nacional Literatura e Cultura Vol. 2, São Cristóvão: GELIC, 2010. ISSN 2175-4128 3 Atè as palavras mais rudes ou simples do vocabulàrio nordestino viram matèria prima para um texto sensìvel e preciosamente poético, que consegue fugir do reginalismo fàcil ou caricato e dos lugares comuns. Sobre a linguagem de Dantas, Bosi comenta ainda: "A sua prosa alcança o equilìbrio àrduo entre a oralidade da tradição, cujos veios não cessa em perseguir, e uma dicção empenhadamente literària que modula o fraseado clàssico atè os confins da maneira." (BOSI. 1993) Observe-se a seguinte passagem:" È inverno, e aqui dentro se respira fedorento mofo, a sola apodrece amarrotada pela umidade da terra bafienta, rotamente tapizada a tacos de couro e lascas de mulungu que sò agora o exasperam num arranhão de ardume lhe enchendo a cava do pé."(DANTAS.1993. p17) Dantas foge do lugar comum não somente com relação à linguagem regional, mas na maneira que escolheu para representar a figura de Lampião. O texto enfatiza as representações do imaginário popular com relação ao homem e ao mito do rei do cangaço.Ao passo que o coloca em uma dimensão sobrenatural, o comparando ao pròprio diabo. "_Toma là satana dos infernos!"(DANTAS.1993. p.11) Os pròprios termos que lhes são atribuìdos mostram como a personagem se torna parte do imaginàrio popular, uma espécie de lenda seraneja. Ele é chamado de "esfolador de tanta criatura", "emissàrio da carniçaria", referência à violência praticada por Lampião que tomava porporções gigantescas na imaginação da gente simples e assustada do nordeste da època. O fato é que Lampião não era o ùnico problema do sertão nordestino. A fome proveniente de longos perìodos de estiagem, e as péssimas condições de vida perseguiam o povo criara uma atmosfèra de medo e violência. Anais do II Seminário Nacional Literatura e Cultura Vol. 2, São Cristóvão: GELIC, 2010. ISSN 2175-4128 4 Considerado uma espécie de pùstula, sobre tudo para a personagem Coriolano, Lampião aparece, por vezes, como uma ferida social que perturbava profundamente o povo nordestino. "Coriolano vem esperando esse dia hà uma carrada de anos! (…) Aguardara essa noite como uma mulher que traz na barriga um feto chupa sangue voraz e odiento, e sò agora se desobriga de coração descansado, visto que expeliu o carnegão, vomitou o refugado. Enfim, sarjou o diabo do tumor."(DANTAS.1993.p.19) O pròprio termo "tumor" contitui uma metàfora interessante. Algo que mata aos poucos e com o qual é necessàrio, no caso de Colriolano, conviver visto que não hà como lutar contra. Para parte da população o rei do cangaço era conhecido pela sua corajem e crueldade. E seus atos brutais eram tema das rodas de conversa e permaram por muito tempo os piores pesadelos do povo da região. Enquanto para outros era tido como o Hobin Wood do sertão brasileiro, que tirava dos ricos mas dava aos pobres: "Eis que uma voz retumba sobre o alarido, passa por cima das outras, e todos se voltam para a banda donde sopra o vento. È o velho Chico Gabiru. Chega enlutado no capote colonial, e vai logo abrindo as asas como um morcego gigante a decretar cavernoso:-Agora tudo muda pra pior! Não hà mais quem puna pelo pobre!(DANTAS,1993.p.14) Chico Gabiru è um dos poucos que lamenta a morte de Lampião e reconhece nele um defensor dos mais humildes. Alèm da crueldade do cangaceiro sua paixão por Maria Bonita tambèm se tornou inspiração para o imaginàrio popular. E este è outro ponto forte do romance pois o autor aproveita o tema para representar a outra face de Lampião, mais humano. No entanto seu relacionamento com Maria Bonita se apresenta como algo grandioso sobre humano, um Anais do II Seminário Nacional Literatura e Cultura Vol. 2, São Cristóvão: GELIC, 2010. ISSN 2175-4128 5 amor abnegado e incondicional, que tinha o poder de tranformar um coração de pedra como o de Lampião. Nota-se pela fala do pròprio personagem: " Ah! Quem me dera um mundo diferente, sem cerca e sem traição, sem cancela e sem persiga! Ah Maria Alcina, Maria de Dèia, Maria Bonita, enfim Santinha, mulher desses quatro nomes tão poucos para contê-la, que se tivesse mais outros dois tantos ainda nada seria pra quem vive abarrotada do amor amor mais insensato e da fè mais cega, sujeita a cair matada sem nada pra ganhar, a não ser a fadiga de um rojão desgramado, e um reconforto invisìvel pra cujo gozo não teme as setas do tiroteio e a ira da macacada." (DANTAS.1993.p. 186-187) O amor fizera o impossìvel: amolecera o coração de Lampião, que chega a sonhar com um mundo melhor , numa vida diferente. Este, segundo a visão do autor, começa a agregar à sua identidade valores atè então desconhecidos por ele. O amor passa a ter o papel de redentor, de humanizador. Anais do II Seminário Nacional Literatura e Cultura Vol. 2, São Cristóvão: GELIC, 2010. ISSN 2175-4128 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARENDT, Hannah. A condição humana .10. ed Rio de Janeiro: Forense Universitària, 2007. BOSI, Alfredo . in Os desvalidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. DANTAS, Francisco J. C. Os desvalidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. VIGOTSKI, Lev Seminovitch. Pensamento e Linguagem.São Paulo: Martins Fontes, 1999.