CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DA PARATUBERCULOSE NOS PEQUENOS RUMINANTES EM PORTUGAL A. Ferreira Afonso Laboratório Nacional de Veterinária Estrada de Benfica, 701- Lisboa 1 - DEFINIÇÃO A paratuberculose dos ovinos e caprinos, é uma doença contagiosa, esporádica ou enzoótica, de evolução subaguda ou crónica, que atinge ovinos, caprinos, bovinos e, raramente ruminantes selvagens (1). 2- HISTÓRIA Esta doença, foi assinalada pela primeira vez em bovinos , em 1895, por Johne e Frothingham em Dresden, tendo já sido também diagnosticada em numerosos países e, distribuída por quase todos os Continentes. Foi descrita pela primeira vez em Portugal, em 1961, por Nunes Petisca e colaboradores, após o isolamento do agente causal, em bovinos de raça Normanda, numa exploração dos arredores de Lisboa. (2) Cristina Vilela e Feliciano Reis em 1983, diagnosticaram paratuberculose em caprinos numa exploração no Alentejo (3). Ferreira Afonso em 1987, assinalou enterite paratuberculosa em ovinos e caprinos na região de Trás-os-Montes (1). Manuel Lage e colaboradores em 1987, descreveram um caso de paratuberculose em ovinos de raça saloia, ocorrido numa exploração próxima de Lisboa, com isolamento do respectivo agente etiológico (4). 3 - ETIOLOGIA O agente causal da paratuberculose é um bastonete ácido-álcool-resistente da Família das Mycobateriaceae, o Mycobacterium paratuberculosis. É um bacilo recto ou ligeiramente encurvado de 0,3 a 0,5 micra de espessura e com 0,1 a 0,2 micra de comprimento (5). É gram positivo, aeróbio, não produz esporos, é micobactino dependente e, tem crescimento lento, de 15 a 16 semanas. 4 - TRANSMISSÃO A paratuberculose é uma doença de regiões e de terrenos. Aparece numa exploração após a introdução de animais infectados, eliminando os germes através das fezes. Transmite-se principalmente pela via digestiva, devido à ingestão de alimentos e de água contaminados por matérias fecais de animais doentes excretores. O colostro e o leite de fêmeas infectadas excretoras, são igualmente fontes contaminantes (6). A transmissibilidade pela via respiratória, também é possível, pela inalação de poeiras de estrumes contaminados. A via vertical tem sido referida por alguns autores, através da via uterina. (7) 5 - PATOGENIA O período de incubação da Doença de Johne é muito longo, podendo ir de vários meses até mesmo alguns anos e depende de numerosos factores ligados ao animal e às condições da exploração. Após infecção, a via transmissível mais provável é a via digestiva: as formas bacterianas penetram na mucosa e submucosa do intestino (íleo, válvula ileocecal e ceco) assim como nos respectivos vasos e gânglios linfáticos regionais, provocando alterações patológicas. A infiltração celular inflamatória está sempre presente e, imagens de fibrose são frequentemente observáveis. Em consequência destas alterações provocadas pelo agente infeccioso, resultam o espessamento da parede intestinal e a hipertrofia da cadeia ganglionar linfática mesentérica. Segundo alguns autores (7), é igualmente a mucosa intestinal, a região de eleição para a multiplicação bacilar: cerca de 60 a 90 dias após infecção. A distribuição do Mycobacterium paratuberculosis pelos diversos orgãos é atribuída à acção da circulação linfática e sanguínea (8). 6 - SINTOMAS A paratuberculose dos ovinos e caprinos, manifesta-se com uma sintomatologia menos exuberante do que a exibida pelos bovinos. É uma doença latente, que se declara, quando certos factores provocam uma imunodepressão no organismo, tais como : o parto, a alimentação insuficiente, a produção elevada de leite, infecções parasitárias, deficiências minerais, etc. Os sintomas tornam-se evidentes a partir dos 12 meses de idade, com a perda da forma granulada típica das fezes, para tomarem o aspecto pastoso idêntico às dos canídeos. A diarreia pode surgir de forma intermitente, mas muitas vezes está ausente. O apetite na fase inicial da doença mantém-se, no entanto os animais tornam-se apáticos e deprimidos. Na forma evolutiva crónica da paratuberculose, os ovinos e caprinos infectados, evidenciam um emagrecimento progressivo e irreversível (8), com edemas característicos, em virtude de grandes perdas proteicas, por deficiente absorção intestinal. Na fase terminal da doença, há perda de apetite, polidipsia, quebra acentuada da capacidade produtiva (carne, leite e lã), emaciação acentuada com intensa desidratação, alopécias e flacidez das massas musculares. A taxa de letalidade é muito elevada. 7 - LESÕES 7.1 -EXAME MACROSCÓPICO O quadro lesional observado nos ovinos e caprinos é mais discreto do que o revelado nos bovinos. No entanto são observadas na maioria dos cadáveres necrópsiados, magreza acentuada das carcaças, lesões de hidropericárdio, hidrotorax, hidroperitoneu, gordura hidroémica ao nível da serosa do mesentério e da cápsula renal bilateral. O espessamento da parede intestinal, ao nível do íleo, válvula ileocecal, ceco e cólon, assim como hipertrofia da cadeia ganglionar linfática mesentérica, são lesões quase sempre observáveis na enterite paratuberculosa dos pequenos ruminantes. 7.2 - EXAME HISTOPATOLÓGICO Observam-se imagens de uma intensa infiltração celular inflamatória (linfocitos, plasmocitos, células epitelióides e células do tipo Langhans), principalmente ao nível da mucosa e submucosa do íleo, válvula iliocecal e ceco, com consequente espessamento da parede intestinal. É muito frequente registar-se ao nível da zona cortical dos gânglios linfáticos mesentéricos, a formação de esboços de granulomas. Após a coloração dos cortes histológicos pelo método de Ziehl-Neelsen, podemos verificar que o citoplasma das células epitelióides, tanto ao nível do intestino como nos gânglios linfáticos mesentéricos, se encontra repleto de bacilos ácido-álcool-resistentes. Em microscopia electrónica é possível observarem-se com uma certa frequência, imagens de células epitelióides pobres em lisosomas e contendo no seu interior bacilos ácido-álcoolresistentes. 8 - DIAGNÓSTICO Devido à gravidade do prognóstico médico e económico da paratuberculose, é muito importante diagnosticar a doença clínica e detectar a infecção subclínica o mais rápido possível, sendo para o efeito necessário recorrer aos diagnósticos Clínico, Diferencial e Laboratorial (9). No caso da doença clínica, o diagnóstico faz-se com base nos sintomas exibidos pelos animais infectados seguido de confirmação laboratorial (visualização de bacilos, provas culturais e exame HISTOPATOLÓGICO). A detecção da infecção subclínica pode conseguir-se pela evidênciação de uma hipersensibilidade retardada, por pesquisa de anticorpos específicos, pela coprobacterioscopia e coprocultura. É fundamental fazer o diagnóstico diferencial relativamente a todas as doenças, que se acompanham de uma hipoproteínemia e de um acentuado e irreversível emagrecimento, como o que se verifica nos casos de parasitismo externo e interno ou de outras afecções crónicas como na Pseudotuberculose, Adenomatose pulmonar, Peritonite crónica, Doença de Maedi, etc. 9 - CONTROLO O controlo desta enfermidade baseia-se fundamentalmente nas profilaxias médica e sanitária. 9.1 - PROFILAXIA MÉDICA Consiste na pré-imunização com vacinas vivas ou mortas, que reduzem a incidência dos casos clínicos, mas não conduzem a uma erradicação da infecção. Têm um outro inconveniente, o de interferirem com o diagnóstico da tuberculose (10). 9.2 - PROFILAXIA SANITÁRIA Baseia-se em medidas Preventivas, Dietéticas e de Higiene gerais. 9.2.1 - MEDIDAS PREVENTIVAS · Abate de todos os animais seropositivos. · Quarentena a todos animais a introduzir no rebanho, particularmente os machos. · Separação dos cordeiros e cabritos filhos de mães infectadas, imediatamente após parto. · Ordenha do colostro após limpeza cuidadosa do úbere e proximidades. · Alimentação com colostro somente nas primeiras 24 horas de vida. · Alimentação exclusivamente com leite artificial. · A recria deverá ser efectuada em recintos não contaminados. · Estrumes que tenham origem de estábulos infectados, nunca devem ser aplicados em terrenos de pastagem. 9.2.2 - MEDIDAS DIETÉTICAS Estão relacionadas com o tipo alimentar. Deve ser administrada aos animais uma alimentação seca, concentrados de fraco teor proteico e suplementos alimentares contendo uma mistura de minerais ricos em fósforo, ferro, zinco, cobalto e vitamina C. 9.2.3 - MEDIDAS DE HIGIENE GERAIS Estas medidas fundamentam-se numa desinfecção rigorosa dos estábulos, objectos de penso e de todo o material que possa estar contaminado. As camas provenientes de animais infectados devem ser cremadas. 10 - IMPORTÂNCIA ECONÓMICA Após ter sido assinalada a paratuberculose em bovinos por Johne e Frothingam, esta enfermidade foi referenciada nos ovinos e caprinos em quase todas as regiões do Mundo, sendo considerada actualmente uma doença de distribuição universal. No entanto, a maioria dos países onde grassou esta doença, subestimaram a sua importância, resultando desse facto graves prejuízos económicos, devido às elevadas taxas de morbilidade, mortalidade e letalidade dos ruminantes atingidos. As consequências económicas desta doença, geralmente crónica, são difíceis de calcular, não só pelas mortes que provoca, mas também pela diminuição da capacidade produtiva durante o largo período pré-clínico do processo e, pela elevada sensibilidade a doenças intercorrentes tais como as mamites, metrites, infertilidades, abortos, doenças parasitárias, etc. BIBLIOGRAFIA (9) BRUGÈRE - PICOUX,J. - Le Diagnostic de la Paratuberculose chez les Ruminants. Rec. med. vét., 163 (5), 539 - 546, 1987 (3) FELICIANO REIS.; AMÁLIA FERREIRA. - Paratuberculose des petits ruminants au Alentejo. Laboratoire Central de Recherches Vétérinaires. Maisons- -Alfort, 227230,1988. (1) FERREIRA AFONSO, A. - Patologia dos Pequenos Ruminantes. Panorama da Paratuberculose (Doença de Johne), em ovinos e caprinos na região de Trás-os-Montes. Rep. Trab. L.N.I.V., XXI, 71-76, 1989. (6) ISABEL MARIANO.; LÍDIA FLOR.; MANUEL MARTINS. - Paratuberculose Bovina na Ilha Terceira. Situação Actual. O Médico Veterinário, 31-38, Setembro/Outubro, 1988. (5) JACINTO FERREIRA, A. - Doenças Infecto-Contagiosas dos Animais Domésticos. Fundação Calouste Gulbenkian - 3º Edição, 382-389, 1976. (7) JUBB, K.V.F.; KENNEDY, P.C.; PALMER, N. - Pathology of Domestic Animals. Third Edition, Volume 2, Academic Press, Inc. USA (New-York), 155-159, 1985. (4) MANUEL LAGE, D.C.; ALICE AMADO.; GONÇALVES MARQUES, A.S. - Enterite paratuberculosa (Doença de Johne), em ovinos. Rep. Trab. L.N.I.V., XIX, 25-30, 1987. (2) NUNES PETISCA, J.L.; FERREIRA, P.T.; OLIVEIRA E SILVA, R. - Enterite paratuberculosa em bovino não autóctone in: Separata da Revista de Ciências Veterinárias, Vol. LVI, Fasc. nº 374,258-264, Outubro/Novembro, 1978. (10) PARDON, P.; PEPIN, M.; LANTIER, F.; MARLY, J. - Paratuberculose: Imunité et pathogenie. Bull. Lab. Vét. nº 24, Décembre, 1986. (8) THOREL, M.F.; - La paratuberculose caprine. Mise au point et synthèse. Les maladies de la chèvre. Colóquio Internacional, Niort (France), 9-11, Octobre 1984, Ed. I.N.R.A, nº 28, - 520-527, 1984.