Ciências Sociais
Professora conteudista: Josefa Alexandrina Silva
Sumário
Ciências Sociais
Unidade I
1 INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO CIENTÍFICO SOBRE O SOCIAL ......................................................4
1.1 As origens do pensamento científico sobre o social.................................................................4
1.2 A sociologia pré-científica...................................................................................................................6
1.3 O pensamento científico sobre o social .........................................................................................8
2 TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS DO SÉCULO XVIII ................................................................................... 10
2.1 Revoluções burguesas ........................................................................................................................ 10
2.1.1 Revolução Francesa ............................................................................................................................... 10
2.1.2 Revolução Industrial...............................................................................................................................11
3 AS PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO CLÁSSICO ...................... 13
3.1 Émile Durkheim e o pensamento positivista ............................................................................ 13
3.1.1 A relação indivíduo x sociedade ....................................................................................................... 14
3.1.2 Os fatos sociais e a consciência coletiva ....................................................................................... 15
3.1.3 Solidariedade mecânica e orgânica................................................................................................. 16
3.2 Karl Marx e o materialismo histórico e dialético .................................................................... 17
3.2.1 Classes sociais........................................................................................................................................... 18
3.2.2 Ideologia e alienação ............................................................................................................................ 18
3.2.3 Salário, valor, lucro, mais-valia ......................................................................................................... 19
3.2.4 A amplitude da contribuição de Karl Marx .................................................................................. 20
3.3 Max Weber e a busca das conexões de sentido....................................................................... 20
3.3.1 Ação social e tipo ideal......................................................................................................................... 21
3.3.2 A tarefa do cientista .............................................................................................................................. 22
3.3.3 A ética protestante e o espírito do capitalismo ......................................................................... 22
3.3.4 Teoria da burocracia e os tipos de dominação ........................................................................... 23
Unidade II
4 A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE CAPITALISTA NO BRASIL ................................................................. 26
4.1 Industrialização e formação da sociedade de classes ........................................................... 26
4.2 O capitalismo dependente ................................................................................................................ 27
5 GLOBALIZAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS ........................................................................................... 28
5.1 A globalização comercial e financeira ......................................................................................... 28
5.2 Retrocesso do poder sindical ........................................................................................................... 29
5.3 As novas tecnologias .......................................................................................................................... 30
5.4 A globalização cultural ...................................................................................................................... 30
6 TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO ......................................................................................................... 32
6.1 O processo de precarização do trabalho ..................................................................................... 32
6.2 Desemprego estrutural e informalidade ..................................................................................... 33
7 POLÍTICA E RELAÇÕES DE PODER: PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E DIREITOS DO CIDADÃO ..... 34
7.1 Política, poder e Estado ..................................................................................................................... 34
7.2 Democracia e cidadania .................................................................................................................... 35
7.3 Participação política............................................................................................................................ 35
8 QUESTÕES URBANAS ..................................................................................................................................... 36
8.1 A cidade e seus problemas ............................................................................................................... 36
8.2 Violência urbana ................................................................................................................................... 37
9 MOVIMENTOS SOCIAIS ................................................................................................................................. 37
9.1 A sociedade em movimento ............................................................................................................ 37
9.2 Movimentos da sociedade em rede .............................................................................................. 39
CIÊNCIAS SOCIAIS
Unidade I
Apresentação da disciplina
Prezados alunos
O objetivo deste texto é fornecer aos alunos do SEPI material
de apoio para o acompanhamento da disciplina Ciências Sociais.
5 A primeira questão a explicitar é: qual o sentido do aprendizado
das ciências sociais na formação universitária?
As ciências sociais se definem a partir da possibilidade de o
homem contemporâneo compreender a realidade social na qual
vive a partir de uma perspectiva científica.
10
A seguir, citamos a definição de três autores.1
A sociologia, como ciência, segundo Mills (1965), é um
conhecimento capaz de conduzir o homem comum a
compreender os nexos que ligam sua vida individual
aos processos sociais mais gerais. Como o homem
comum não tem consciência da complexidade da
realidade social, o autor afirma que a superação dessa
condição de alienação se dá com o desenvolvimento do
que chama “imaginação sociológica”, que possibilita
“usar a informação e desenvolver a razão”.
15
20
Ianni (1988) afirma que o mundo depende da
sociologia para ser explicado, para ser compreendido,
e que sem a sociologia talvez o mundo seria mais
confuso e incógnito. A sociologia atuaria, assim, como
“autoconsciência” da sociedade.
www.sbsociologia.com.br/congresso
1
1
Unidade I
5
Outro autor que se volta para refletir sobre o sentido
da sociologia, Giddens (2001), atribui a essa ciência
um papel central para a compreensão das forças
sociais que vêm transformando nossas vidas. Para
ele, a vida social tornou-se episódica, fragmentária e
marcada por incertezas, para cujo entendimento deve
contribuir o pensamento sociológico.
Todos nós vivemos em sociedade e, pela nossa condição
humana, somos capazes de elaborar uma visão do mundo,
10 formular hipóteses e opiniões sobre os eventos sociais. Mas isso
ainda não é ciência. O que vai caracterizar a reflexão científica
sobre o social é a utilização de métodos adequados de análise,
de formulação de teorias.
Iniciamos nosso curso discutindo o processo de
15 formação de um pensamento científico sobre o mundo
social. Mas, afinal, o que se estuda nessa disciplina? Vamos
procurar conhecer, sob a perspectiva científica, a sociedade
capitalista na qual estamos todos imersos. Para tanto, é
necessário refletir sobre os fundamentos desse modelo de
20 organização social que se desenvolveu na Europa a partir
do século XV.
Num segundo momento, vamos discutir rapidamente
um conjunto de transformações sociais ocorridas na
Europa, no século XVIII, que conduziu o sistema capitalista
25 (nosso objeto de estudo) a se afirmar como hegemônico no
mundo.
Em seguida, vamos discorrer sobre as principais contribuições
de autores clássicos da sociologia. O objetivo desse item é
refletirmos conjuntamente sobre a pertinência das análises
30 desses autores para a compreensão do mundo atual.
Não podemos deixar de discutir a sociedade brasileira,
por isso vamos abordar como se deu a inserção do Brasil
2
CIÊNCIAS SOCIAIS
no sistema capitalista: a industrialização, a urbanização,
procurando compreender de que maneira criamos um
sistema econômico dependente de recursos e tecnologia
externos.
5
De posse de referências mais consistentes sobre o sistema
capitalista, vamos nos voltar para a compreensão da sociedade
atual. Discutiremos o que é globalização, o impacto das novas
tecnologias e, em seguida, analisaremos as transformações que
têm conduzido aos processos de precarização do trabalho, do
10 desemprego e da informalidade.
É usual encontrarmos pessoas simples que atribuem todas
as mazelas de sua existência ao governo e “aos políticos”. Como
queremos fugir do senso comum, vamos refletir: afinal, o que
é política? Poder? Qual o papel do Estado? É importante a
15 participação política?
Dedicaremos os últimos tópicos do nosso curso para
discutir as questões urbanas. Sabemos, hoje, que a maior parte
da população brasileira vive em áreas urbanas com inúmeros
problemas, como a questão ambiental e a violência. Não
20 podemos deixar de discutir sob uma perspectiva científica esses
problemas.
Por fim, vamos tratar dos movimentos sociais, pois a
vida em sociedade é extremamente dinâmica e marcada por
lutas constantes de grupos sociais que defendem interesses
25 específicos.
No final, espera-se que vocês, alunos, tenham desenvolvido
um olhar mais crítico sobre a sociedade, o que, com certeza,
contribuirá para seu aprimoramento profissional.
Bons estudos !
3
Unidade I
1 INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO CIENTÍFICO
SOBRE O SOCIAL
1.1 As origens do pensamento científico sobre
o social
Desde que o ser humano desenvolveu a capacidade de
pensar, busca explicações para os fenômenos que o circundam.
A partir dessa preocupação básica, o homem torna-se produtor
de conhecimento sobre o mundo. Num primeiro momento,
5 as explicações sobre o funcionamento da natureza e da vida
humana são dadas a partir de mitos, depois se cria a religião, a
filosofia e a ciência.
O conhecimento mítico manifesta-se através de um conjunto
de histórias, lendas, crenças. Os mitos carregam mensagens que
10 traduzem os costumes de um povo e constituem um discurso
explicativo da vida social. O mito explica-se pela fé, sem a
necessidade de comprovação.
Segundo Meksenas, (1993, p. 39), “o mito fez com que o ser
humano procurasse entender o mundo através do sentimento e
15 da busca da ordem das coisas”.
À medida que o homem desenvolve sua consciência,
sente necessidade de descobrir as leis que regem o mundo
e procura entendê-lo de um modo racional. Enquanto o
mito, através de histórias, contribui para o homem aceitar
20 o mundo, a filosofia ajuda a compreender o porquê das
coisas.
O conhecimento filosófico também é valorativo, mas
se apoia na formulação de hipóteses, é pautado na razão e
tem como finalidade buscar uma representação coerente da
25 realidade estudada. Como afirma Lakatos, (2006, p. 19), “o
conhecimento filosófico é caracterizado pelo esforço da razão
pura para questionar os problemas humanos e poder discernir
4
CIÊNCIAS SOCIAIS
entre o certo e o errado, unicamente recorrendo às luzes da
razão humana”.
A importância da civilização grega (300 a.C.) para a história
da humanidade foi o nascimento da filosofia nessa civilização.
5 Para aprofundar os estudos, vale a pena a leitura de autores
como Platão e Aristóteles.
Como afirmava Sócrates, “não existe no mundo
conhecimento pronto, acabado, e se desejamos chegar à raiz
do conhecimento, devemos – em primeiro lugar – criticar o
10 que já conhecemos”. 2
O conhecimento religioso apoia-se em doutrinas valorativas3
e suas verdades são consideradas indiscutíveis. É um tipo de
conhecimento que não se apoia na razão e na experimentação,
mas na fé da revelação divina.
O conhecimento religioso impôs-se como conhecimento
dominante no mundo ocidental durante o período medieval.
O cristianismo impediu o desenvolvimento de outras formas
de conhecer a realidade e se constituiu num saber “todo
poderoso”, que justificava o poder de uma instituição: a
20 Igreja Católica.
15
As transformações que ocorreram no mundo a partir do
século XVI, com as grandes navegações e a internacionalização
do comércio, são acompanhadas pela crítica ao poder
eclesiástico para explicar a realidade.
25
Com a desagregação do mundo feudal, é conferida ao
saber científico uma importância única: a necessidade histórica
de formular um saber que permita estabelecer um critério de
verdade funcional.
A razão, ou a capacidade racional do homem de conhecer, é
30 definida como elemento essencial que se colocaria frontalmente
2
Citado por Meksenas, 1993.
O termo “valorativo” é empregado aqui com o sentido de emitir
juízo de valor.
3
5
Unidade I
contra o dogmatismo e a autoridade eclesial, criando-se uma
nova atitude diante da possibilidade de explicar os fatos sociais.
(Costa, 2005, p. 29)
O conhecimento científico pauta-se na realidade concreta, é
5 baseado na experimentação e não apenas na razão. É um saber
que possui uma ordenação lógica e busca constantemente se
repensar. A característica elementar do pensamento científico é
a busca constante da verdade por meio do desenvolvimento de
métodos de análise.
10
Portanto, mito, religião, filosofia e ciência são formas de
conhecimento produzidas pelo ser humano. O sentido da busca
de conhecimento é chegar à verdade.
O compromisso da universidade é com o conhecimento
científico. Portanto, foge a nossos objetivos discutir os
15 problemas sociais com base no pensamento religioso ou no
senso comum.
1.2 A sociologia pré-científica
O termo “sociologia pré-científica” foi emprestado da
professora Cristina Costa, que se refere ao pensamento social
anterior ao desenvolvimento da sociologia como ciência. Trata20 se do pensamento filosófico que se desenvolveu a partir do
Renascimento e se estende até o Iluminismo.4
Nesta unidade, vamos citar a contribuição de alguns
filósofos para a compreensão das transformações sociais
que culminaram no desenvolvimento do capitalismo, que
25 pretendemos analisar no decorrer deste curso.
A partir do século XV, significativas mudanças ocorrem na
Europa. Começa uma nova era para a organização do trabalho,
o conhecimento humano sofre modificações. O ser humano
deixa de apenas explicar ou questionar racionalmente a
4
Movimento filosófico do século XVIII, que partia da convicção de
ser a razão fonte de conhecimento.
6
Ponto de reflexão:
Qual a diferença entre conhecimento
mítico, filosófico e científico?
Por que a universidade é o espaço do
pensamento científico?
CIÊNCIAS SOCIAIS
natureza para se preocupar com a questão de como utilizá-la
melhor. Essa nova forma de conhecimento da natureza
e da sociedade, na qual a experimentação e a observação
são fundamentais, aparece nesse momento, representada
5 pelo pensamento de Maquiavel (1469-1527), Galileu Galilei
(1564-1642), Francis Bacon (1561-1626), René Descartes
(1596-1650).
O pensamento social do Renascimento se expressa na
criação imaginária de mundos ideais que mostrariam como a
10 realidade deveria ser, sugerindo, entretanto, que tal sociedade
seria construída pelos homens com sua ação e não pela crença
ou pela fé.
Thomas Morus (1478-1535), em A Utopia, defende a
igualdade e a concórdia. Concebe um modelo de sociedade no
15 qual todos têm as mesmas condições de vida e executam em
rodízio os mesmos trabalhos.
Maquiavel, em sua obra O Príncipe, afirma que o destino
da sociedade depende da ação dos governantes. Analisa as
condições de fazer conquistas, reinar e manter o poder. A
20 importância dessa obra reside no tratamento dado ao poder,
que passa a ser visto a partir da razão e da habilidade do
governante para se manter no poder, separando a análise do
exercício do poder da ética.
Segundo Costa (2005, p. 35), as ideias de Thomas Morus
25 e Maquiavel expressam os valores de uma sociedade em
mudança, portadora de uma visão laica5 da sociedade e do
poder.
Com o Iluminismo, as ideias de racionalidade e liberdade
se convertem em valores supremos. A racionalidade, nesse
30 contexto, é compreendida como a capacidade humana de
pensar e escolher. Liberdade significa que as relações entre
os homens devem ser pautadas na liberdade contratual. No
5
Laica: Expressa uma concepção de sociedade em que há uma
separação entre Estado e religião, que exclui as igrejas do exercício do poder
político.
7
Unidade I
plano político, isso significa a livre escolha dos governantes,
colocando em xeque o poder dos monarcas. Os filósofos
iluministas concebiam a política como uma coletividade
organizada e contratual. O poder surge como uma construção
5 lógica e jurídica.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), em sua obra O
contrato social, afirma que a base da sociedade estava no
interesse comum pela vida social, no consentimento unânime
dos homens em renunciar a suas vontades em favor de toda
10 a comunidade (Costa,: 2005, p. 48). Rousseau identificou
na propriedade privada a fonte das injustiças sociais e
defendeu um modelo de sociedade pautada em princípios de
igualdade.
Diferentemente de Rousseau, John Locke (1632-1704)
15 reconhecia entre os direitos individuais o respeito à propriedade.
Defendia que os princípios de organização social fossem
codificados em torno de uma Constituição.
Concluímos que a sociologia pré-científica é caracterizada por
estudos sobre a vida social que não tinham como preocupação
20 central conhecer a realidade como ela era e sim propor formas
ideais de organização social. O pensamento filosófico de então
já concebia diferenças entre indivíduo e coletividade, “porém”,
como afirma Costa (2005, p. 49), “presos ainda ao princípio da
individualidade, esses filósofos entendiam a vida coletiva como
25 a fusão de sujeitos, possibilitada pela manifestação explícita das
suas vontades”.
1.3 O pensamento científico sobre o social
Até aqui percebemos que a preocupação em conhecer e
explicar os fenômenos sociais sempre foi uma preocupação
da humanidade. A explicação com base científica, porém,
30 é fruto da sociedade moderna, industrial e capitalista. A
formação da sociologia no século XIX significou que o
8
CIÊNCIAS SOCIAIS
pensamento sobre o social se desvinculou das tradições
morais e religiosas.
5
Como afirma Costa (2005, p. 18), tornava-se necessário
entender as bases da vida social humana e da
organização da sociedade por meio de um pensamento
que permitisse a observação, o controle e a formulação
de explicações plausíveis, que tivessem credibilidade
num mundo pautado pelo racionalismo.
Augusto Comte (1798-1857) foi o autor que desenvolveu,
10 pela primeira vez, reflexões sobre o mundo social sob
bases científicas. Em sua análise sobre o mundo social,
compreendia a sociedade como um grande organismo,
no qual cada parte possui uma função específica. O bom
funcionamento do corpo social dependeria da atuação de
15 cada órgão.
Segundo Comte, ao longo da história a sociedade teria
passado por três fases: a teológica, a metafísica e a científica.
Concebia a fase teológica como aquela em que os homens
recorriam à vontade de Deus para explicar os fenômenos da
20 natureza. Na segunda fase, o homem já seria capaz de utilizar
conceitos abstratos, mas é somente na terceira fase, que
corresponde à sociedade industrial, que o conhecimento passaria
a se pautar pela descoberta de leis objetivas que determinariam
os fenômenos.
25
Comte procurou estudar o que já havia sido acumulado
em termos de conhecimentos e métodos por outras ciências,
como a matemática, a biologia e a física, para saber quais deles
poderiam ser utilizados na sociologia.
O conhecimento sociológico permite ao homem transpor os
30 limites de sua condição particular, para percebê-la como parte
de uma totalidade mais ampla, que é o todo social. Isso faz da
sociologia um conhecimento indispensável num mundo que, à
9
Unidade I
medida que cresce, cada vez mais diferencia e isola os homens
e os grupos entre si.
2 TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS DO SÉCULO XVIII
2.1 Revoluções burguesas
Por revoluções burguesas entende-se um conjunto de
movimentos que ocorreram no século XVIII na Europa e nos
5 Estados Unidos. O que caracterizou esses movimentos foi
sua capacidade de suplantar as formas de organização social
feudais.6
A importância dessas revoluções é que estimularam o
desenvolvimento do capitalismo, pondo fim às monarquias
10 absolutistas, e contribuíram para a eliminação de barreiras que
impediam o livre desenvolvimento econômico.
2.1.1 Revolução Francesa
No final do século XVIII, a monarquia francesa procurava
garantir os privilégios da nobreza em um contexto no qual
crescia a miséria do povo. A burguesia se opunha ao regime
15 monárquico, pois ele não permitia a livre constituição de
empresas, o que impedia a burguesia de realizar seus interesses
econômicos.
Em 1789, com a mobilização das massas em torno da
defesa da igualdade e da liberdade, a burguesia tomou o poder
20 e passou a atuar contra os fundamentos da sociedade feudal.
Procurou organizar o Estado de forma independente do poder
religioso e promoveu profundas inovações na área econômica
ao criar medidas para favorecer o desenvolvimento de empresas
capitalistas.
25
As massas que participaram da revolução, logo foram
surpreendidas pelas medidas da burguesia, que proibiu as
6
As revoluções burguesas foram: Revolução Gloriosa (1680), na
Inglaterra, Revolução Francesa (1789), Independência Americana (1776) e
Revolução Industrial inglesa, a partir de 1750. Enfocaremos em nosso curso
somente as Revoluções Francesa e Industrial, por constituírem as duas faces
de um mesmo processo: a consolidação do regime capitalista moderno.
10
CIÊNCIAS SOCIAIS
manifestações populares e passou a reprimir os movimentos
contestatórios com violência.
2.1.2 Revolução Industrial
A Revolução Industrial eclodiu na Inglaterra, na segunda
metade do século XVIII. Ela significou algo mais do que a
5 introdução da máquina a vapor e o aperfeiçoamento dos métodos
produtivos. A revolução nasceu sob a égide da liberdade: permitir
aos empresários industriais que desenvolvessem e criassem novas
formas de produzir e enriquecer.
Aparecimento da máquina a vapor
10
Aumento da produção
Melhoria nos transportes
Crescimento das cidades
Desse modo, a Revolução Industrial constituiu uma autêntica
revolução social que se manifestou por transformações
15 profundas na estrutura institucional, cultural, política e
social.
O desenvolvimento de técnicas levou os empresários a
incrementar o processo produtivo e a aumentar as taxas de
lucro. Interessando-se cada vez mais pelo aperfeiçoamento
das técnicas de produção, visavam produzir mais com
20 menos gente. A relação de classes que passa a existir entre
a burguesia e os trabalhadores é orientada pelo contrato
– o que permite inferir: liberdade econômica é democracia
política. Temos o trabalhador livre para escolher um
emprego qualquer e o empresário livre para empregar quem
25 desejar (Meksenas, 1991, p. 47). Essa situação significou
uma profunda transformação na maneira de os homens se
relacionarem.
Ponto de reflexão:
O trabalho sempre foi uma fonte de
riquezas?
11
Unidade I
Aspectos importantes da Revolução Industrial
1. ‘A produção passa a ser organizada em grandes unidades
fabris, onde predomina uma intensa divisão do trabalho.
2. Aumento sem precedentes na produção de mercadorias.
5
3. Concentração da produção industrial em centros
urbanos.
4. Surgimento de um novo tipo de trabalhador: o operário.
A Revolução Industrial desencadeou uma maciça migração
do campo para cidade, tornando as áreas urbanas o palco de
10 grandes transformações sociais. Formam-se as multidões
que revelam nas ruas uma nova face do desenvolvimento do
capitalismo: a miséria.
No interior das fábricas, as condições de trabalho eram
ruins. As fábricas não possuíam ventilação, iluminação e os
15 trabalhadores eram submetidos a jornadas de trabalho de
até 16 horas por dia. Era usual nas fábricas a presença de
mulheres e crianças, a partir de 5 anos, atuando na linha
de produção. Quanto aos homens, amargavam a condição de
desemprego.
20
Os problemas sociais inerentes à Revolução Industrial foram
inúmeros: aumento da prostituição, suicídio, infanticídio,
alcoolismo, criminalidade, violência, doenças epidêmicas, favelas,
poluição, migração desordenada...
Por fim, é preciso esclarecer que os problemas acima
25 expostos são típicos da sociedade capitalista, e que eles
tornavam a vida em sociedade altamente complexa; por
isso, precisamos de uma ciência para explicar os nexos que
compõem a realidade.
12
Ponto de Reflexão:
Nos dias de hoje, as condições de
vida dos trabalhadores melhoraram?
CIÊNCIAS SOCIAIS
3 AS PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES DO
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO CLÁSSICO
Nesta unidade, vamos estudar o pensamento sociológico
clássico, que consiste na compreensão dos três princípios
explicativos da realidade social. É usual alunos nos
perguntarem qual a razão de se estudar pensadores que
5 viveram no século XIX.
A importância da compreensão das principais matrizes do
pensamento social se deve a sua capacidade de explicar o mundo
contemporâneo. A atualidade de suas obras significa que elas
não foram corroídas pelo tempo e que são capazes de lançar luz
10 na compreensão do mundo contemporâneo.
Nesta unidade, é importante compreender o conjunto de
princípios fundamentais que formam a teoria social desses
autores e seus principais conceitos.
3.1 Émile Durkheim e o pensamento positivista
O Positivismo é uma corrente de pensamento que surgiu
15 no século XIX na Europa e foi fortemente influenciada pela
crescente valorização da ciência como fonte de obtenção da
verdade. O Positivismo se inspirou no método de investigação
das ciências da natureza, e a biologia foi considerada como
referência. A sociedade era passível de compreensão e o homem
20 possuía uma natureza social.
As pesquisas sobre o funcionamento do corpo humano
conduziram os positivistas a pensar a sociedade como um
grande organismo social, constituído de partes integradas e
coesas que deveriam funcionar harmonicamente. Desse modo,
25 é preciso conhecer sua anatomia e descobrir as causas de suas
doenças.
13
Unidade I
Outra forte influência do pensamento positivista foi o
darwinismo social, que consistiu na crença de que as sociedades
mudariam e evoluiriam num mesmo sentido.
Émile Durkheim (1858-1917) foi o pensador francês que
5 deu à sociologia o status de disciplina acadêmica. Viveu
em uma época de grandes crises econômicas e sociais, que
causavam desemprego e miséria entre os trabalhadores. As
frequentes ondas de suicídio eram analisadas como indício
de que a sociedade era incapaz de exercer controle sobre o
10 comportamento de seus membros.
Acreditava que os problemas de sua época não eram de
natureza econômica, mas de natureza moral, pois as regras de
conduta não estavam funcionando. Via a necessidade de criação
de novos hábitos e comportamentos no homem moderno
15 visando ao bom funcionamento da sociedade.
3.1.1 A relação indivíduo x sociedade
Ao nascer, o indivíduo encontra a sociedade pronta e acabada.
As maneiras de se comportar, de sentir as coisas, de curtir a vida,
já foram estabelecidas pelos outros e possuem a qualidade de
ser coercitivas (Martins, 1990, p. 49). A imposição do social sobre
20 o individual é que determina nosso comportamento, por isso o
comportamento social deve ser pautado nas regras socialmente
aprovadas. Veja como Durkheim, (1985, p. 2), exemplifica essa
questão:
25
30
14
Se não me submeto às convenções mundanas, se ao
me vestir não levo em consideração os usos seguidos
em meu país e na minha classe, o riso que provoco e o
afastamento em que os outros me conservam produzem
os mesmos efeitos de uma pena propriamente dita. (...)
Não sou obrigado a falar o mesmo idioma que meus
compatriotas, nem empregar as moedas legais, mas é
impossível agir de outra maneira. (...) Se sou industrial,
Ponto de reflexão:
Durkheim acreditava que os
problemas de sua época eram de
natureza moral. E atualmente? Nossos
problemas são de natureza moral ou
econômica?
CIÊNCIAS SOCIAIS
nada me proíbe de trabalhar utilizando processos
e técnicas do século passado, mas, se o fizer, terei a
ruína como resultado inevitável.
Portanto, não existe espaço para manifestação da
5 individualidade, pois é o social que determina nosso
comportamento individual, atuando como uma verdadeira
“camisa de força” sobre nossas individualidades.
3.1.2 Os fatos sociais e a consciência coletiva
Para Durkheim, a sociologia deveria ocupar-se dos fatos
sociais de natureza coletiva, os quais se apresentam ao indivíduo
10 como exteriores e coercitivos. Ele assinala o caráter impositivo
dos fatos sociais.
Eis aqui um conceito fundamental para analisar a
sociedade.
Os fatos sociais são todos aqueles que tenham três
15 características:
1. exterioridade: ou seja, não foi criado por nós, é exterior a
nossa vontade.
20
2. coercitividade: enquadra nosso comportamento, atua
pela intimidação e induz o homem à aceitação das regras
a despeito de seus anseios e opções pessoais.
3. generalidade: qualidade do que é geral, ou seja, atinge um
grande número de pessoas na sociedade.
Os fatos sociais podem ser normais ou patológicos. Um
fato social normal é aquele que desempenha alguma função
25 importante para sua adaptação ou evolução, como, por exemplo,
o crime7. Um fato patológico, porém, é aquele que se encontra
fora dos limites permitidos pela ordem social.
O crime é visto como um fato social normal, pois em todas as
sociedades, em todas as épocas, sempre existiram criminosos. O crime
exerce uma função social importante, que é a de reforçar os valores morais,
de renovar os laços de solidariedade de uma sociedade. Quando os crimes
fogem do controle da sociedade, porém, tornam-se uma patologia.
7
15
Unidade I
Os fatos sociais são considerados patológicos quando as
leis não funcionam. Quando as regras não estão claramente
estabelecidas, estaríamos diante da anomia.
Por consciência coletiva entende-se um conjunto de
5 ideias comuns que formam a base para uma consciência da
sociedade. Cada um de nós possui uma consciência individual,
que faz parte de nossa personalidade. Existe também uma
consciência coletiva, formada pelas ideias comuns que estão
presentes em todas as consciências individuais de uma
10 sociedade.
A consciência coletiva está difusa na sociedade e por
isso ela é exterior ao indivíduo. Significa que a consciência
coletiva não é o que o indivíduo pensa, mas o que a
sociedade pensa. Ela age sobre o indivíduo de maneira
15 coercitiva, exercendo uma autoridade sobre o modo de o
indivíduo agir no meio social.
Assim, a consciência coletiva age como a moral vigente
na sociedade. Ela define em uma sociedade o que é
considerado imoral, reprovável ou criminoso (Costa, 2005,
20 p. 86).
É possível sentirmos a força da consciência coletiva nos
intensos debates públicos que temos em nossa sociedade, nos
últimos tempos, sobre a legalização do aborto, a descriminalização
do uso de drogas, dentre outros.
3.1.3 Solidariedade mecânica e orgânica
25
Outro conceito importante de Durkheim é o de solidariedade
mecânica, que significa a união de pessoas a partir da semelhança
na religião, na tradição ou nos sentimentos. Já a solidariedade
orgânica é a união de pessoas a partir da dependência que
uma tem da outra para realizar alguma atividade social. O que
30 une o grupo é a dependência que cada um tem da atividade do
16
Ponto de reflexão:
O desemprego é um fato social? Por
quê?
CIÊNCIAS SOCIAIS
outro. Essa união é dada pela especialização de funções. Desse
modo, o autor considerava a crescente divisão do trabalho
como uma possibilidade de aumento da solidariedade entre
os homens.
5
O único espaço para o exercício da individualidade é na
especialização do trabalho. Ele considera que instituições
que no passado exerciam papel de integração social, como a
Igreja e a família, perderam sua eficácia. A partir de então, a
sociedade moderna leva os indivíduos a se agruparem segundo
10 suas atividades profissionais. A profissão assume importância
cada vez maior na vida social, torna-se herdeira da família,
substituindo-a.
Para Durkheim, a sociologia, como ciência, deve manter a
neutralidade diante dos fatos sociais, ou seja, a sociologia não
15 deve se envolver com a política. Toda reforma social deve estar
baseada primeiramente no conhecimento prévio e científico da
sociedade e não na ação política.
A função da sociologia seria detectar e buscar soluções para os
problemas sociais, restaurando a normalidade e convertendo-se
20 em técnica de controle social.
Enfim, não há espaço nesta elaboração teórica para o
exercício da liberdade individual. Durkheim vê o ser humano
como um ser passivo, não como sujeito capaz de atuar para a
transformação social.
3.2 Karl Marx e o materialismo histórico e
dialético
25
Karl Marx (1818-1883) foi um pensador que recebeu
influências de várias ciências e influenciou a atuação política de
várias gerações que o sucederam. Vamos iniciar nossa exposição
discutindo seu método de análise da realidade.
17
Unidade I
Foi fortemente influenciado pelo filósofo Hegel (17701831), que sistematizou os princípios da dialética: as coisas
possuem movimento e estão relacionadas umas com as outras.
Assim, a realidade é um constante devir, marcada pela luta dos
5 opostos (ex: vida x morte, saúde x doença etc.). Nesse modelo
de análise, é a contradição que atua como verdadeiro motor do
pensamento.
Partindo da análise da base material da sociedade, a
estrutura econômica8, Karl Marx busca colocar em evidência os
10 antagonismos e contradições do capitalismo.
3.2.1 Classes sociais
As desigualdades são a base da formação das classes
sociais. As duas classes sociais básicas — burguesia x
proletariado — mantêm relação de exploração, ao mesmo
tempo que são complementares, pois uma só existe em
15 relação à outra.
A classe média, os pequenos industriais, os pequenos
comerciantes e camponeses vão-se proletarizando à medida que
seu pequeno capital não lhes permite concorrer com a grande
indústria. Ocorre então uma simplificação dos antagonismos9,
20 passando a existir duas classes fundamentais: a burguesia e o
proletariado.
3.2.2 Ideologia e alienação
Marx concebe a ideologia como um sistema de inversão da
realidade, em que as ideias da classe dominante aparecem como
as ideias dominantes em uma época. Procura, assim, ocultar
25 a verdadeira natureza das relações de produção pautadas na
exploração.
A ideologia burguesa tem como objetivo fazer com que as
pessoas não percebam que a sociedade é dividida em classes
Para esse autor, os fatos econômicos constituem a base sobre
a qual se apoiam outros níveis de realidade, como a religião, a arte e a
política.
9
Antagonismo: oposição, luta, incompatibilidade.
8
18
CIÊNCIAS SOCIAIS
sociais. Ela contribui para a manutenção das estruturas de
dominação.
Por alienação, entende-se a perda da consciência da
realidade concreta. No capitalismo, a propriedade privada e o
5 assalariamento separam o trabalhador dos meios de produção
e do fruto do trabalho; dessa forma, ao vender sua força de
trabalho, o trabalhador se aliena, pois não se vê como produtor
das riquezas.
A alienação política significa que o princípio da
10 representatividade não garante ao trabalhador a participação
política efetiva, pois ele não se vê como um ser capaz de intervir
nos destinos políticos da sociedade.
A partir desses conceitos é possível compreender por que os
setores oprimidos da sociedade não se rebelam contra o sistema,
15 pois o sistema de dominação social é introjetado na cabeça dos
oprimidos, que passam a ver com naturalidade a desigualdade
e a opressão.
3.2.3 Salário, valor, lucro, mais-valia
O salário é o valor da força de trabalho, considerada no
capitalismo como uma mercadoria qualquer. O salário deve
20 corresponder à quantia que permita ao trabalhador alimentar-se,
vestir-se, cuidar dos filhos, garantindo a reprodução de suas
condições de vida e as de sua família.
O trabalho é fonte de criação de valor, então, é difícil explicar
que aqueles que mais trabalham são os que têm menos dinheiro.
25 Para Marx, todo assalariado ganha menos do que a riqueza
que produz. A diferença entre o valor da riqueza produzida e o
salário é o que denominamos lucro. Se o capitalista pagasse ao
assalariado o valor da riqueza que este produziu, não haveria
exploração.
19
Unidade I
Ao estabelecer relação entre salário e produtividade,
Marx conclui que o empresário, ao pagar os salários aos
trabalhadores, nunca paga a estes o que eles realmente
produziram. Por mais-valia entende-se a diferença entre
5 o preço de custo da força de trabalho (salário) e o valor
da mercadoria produzida. Em outras palavras, é o valor
excedente produzido pelo trabalhador, que fica com o
capitalista.
3.2.4 A amplitude da contribuição de Karl Marx
Esse pensador considera que o capitalismo se baseia na
10 exploração do trabalho, uma exploração oculta, mascarada. A
dominação burguesa não se restringe ao campo econômico,
ela se estende ao campo político. Ela vê no Estado mais uma
instituição para reprimir a classe trabalhadora.
No plano cultural, a dominação burguesa dá-se pelo controle
15 dos meios de comunicação de massa, difundindo valores e
concepções da burguesia.
A teoria de Karl Marx tem longo alcance e adquiriu
dimensões de ideal revolucionário e de ação política efetiva.
Ela teve ampla repercussão em todo o mundo, incentivando
20 a formação de partidos marxistas e sindicatos contestadores
da ordem.
3.3 Max Weber e a busca das conexões de
sentido
Max Weber (1864-1920) tinha como preocupação
compreender a racionalidade, pois o capitalismo levou a
uma crescente racionalização da sociedade, conduzindo à
25 mecanização das relações humanas.
Sua preocupação central é compreender a maneira como a
razão podia apreender o conhecimento, pois os acontecimentos
20
CIÊNCIAS SOCIAIS
são compreendidos não pela sua concretude, mas pela maneira
como são interiorizados pelos indivíduos.
Desse modo, é preciso entender a ação dos indivíduos, suas
intenções e motivações.
3.3.1 Ação social e tipo ideal
Ação social é qualquer ação que um indivíduo pratica,
orientando-se pela ação dos outros. Por exemplo, um eleitor
define seu voto orientando-se pela ação dos demais eleitores.
Embora o ato de votar seja individual, a compreensão do ato
só é possível se percebermos que a escolha feita por ele tem
10 como referência o conjunto dos demais eleitores (Tomazzi,
1993, p. 20).
5
Os tipos de ação social identificados por Max Weber são:
Tipos de ação social Elemento polarizador
15
20
Racional por valor
Valor (determinado pela crença em
um valor considerado importante).
Racional por fim
Finalidade (determinada pelo cálculo
racional que coloca fins e organiza
os meios).
Tradicional afetiva
Tradição (determinada por um
costume ou hábito).
Sentimento (determinado por afetos
ou estados sentimentais) .
Ponto de reflexão:
A partir dessa classificação é possível perceber que o homem
dá sentido a sua ação. Cada sujeito age levado por um motivo
25 que se orienta pela tradição, pelos interesses racionais ou pela
emotividade.
O ato de comprar uma mercadoria
pode ser considerado uma ação social?
21
Unidade I
O tipo ideal é um recurso metodológico que permite
dar um enfoque ao pesquisador em meio à variedade de
fenômenos observáveis na vida social. Consiste basicamente
em enfatizar determinados traços da realidade, mesmo que
5 eles não se apresentem assim nas situações efetivamente
observáveis.
3.3.2 A tarefa do cientista
Há uma fronteira que separa o cientista, homem do saber,
do político, homem da ação. E qual a relação entre ciência e
política, ou entre o cientista e o político?
Concebendo o cientista como o homem do saber, das
análises frias e penetrantes, e o político como o homem de
ação e decisão, comprometido com as questões práticas,
identifica dois tipos de ética: a ética do cientista é a ética da
convicção, e a ética do político é a da responsabilidade. Cabe
15 ao cientista oferecer ao político o entendimento claro de sua
conduta.
10
3.3.3 A ética protestante e o espírito do capitalismo
Weber busca examinar as implicações das orientações
religiosas na conduta econômica dos indivíduos. Por meio de
pesquisas constatou que para algumas seitas protestantes
20 puritanas o êxito econômico era um indício da bênção de
Deus.
A partir de dados estatísticos, que mostravam a proeminência
de adeptos da Reforma entre os grandes homens de negócio,
procura estabelecer as conexões entre a doutrina protestante
25 e o desenvolvimento do capitalismo. Conclui que os valores
como a disciplina, a poupança, a austeridade e a propensão
ao trabalho foram fundamentais para o desenvolvimento do
capitalismo. Portanto, é possível estabelecer relação entre religião
e sociedade, na medida em que a primeira dá aos indivíduos um
22
CIÊNCIAS SOCIAIS
conjunto de valores que são transformados em motivos de ação.
(Costa, 2005, p. 101)
A motivação protestante para o trabalho é encará-lo como
uma vocação, como um fim absoluto em si mesmo e não
5 como o ganho material obtido através dele. Ao buscar sair-se
bem na profissão, mostrando sua própria virtude e vocação e
renunciando aos prazeres materiais, o protestante puritano se
adapta facilmente ao mercado de trabalho.
Ao analisar os valores do catolicismo e do protestantismo,
10 conclui que os últimos revelam a tendência ao racionalismo
econômico que predomina no capitalismo.
3.3.4 Teoria da burocracia e os tipos de dominação
A burocracia tem uma presença marcante na sociedade
moderna e é definida como uma estrutura social na qual a
direção das atividades coletivas fica a cargo de um aparelho
15 impessoal, hierarquicamente organizado, que deve agir
segundo critérios impessoais e métodos racionais. Burocracia
designa poder, controle e alienação e é baseada na razão e no
direito.
A burocracia surge de necessidades técnicas de coordenação
20 e supervisão, da necessidade de planejar a produção, proteger o
indivíduo e dar tratamento igualitário às partes interessadas.
Abaixo, algumas características da burocracia:
1. Todas as burocracias têm uma divisão explícita de trabalho,
cada posição com um conjunto limitado de responsabilidades.
25
2. As normas que governam o comportamento, em qualquer
posição, são explícitas, claras e codificadas em forma
escrita.
23
Unidade I
3. Posições diferentes são ordenadas hierarquicamente, com
posições e postos mais altos supervisionando os mais
baixos.
5
4. Os indivíduos devem reprimir emoções e paixões quando
desempenham seus papéis designados.
5. As pessoas ocupam posições por competência técnica e
não por atributos pessoais.
6. As posições e postos não pertencem às pessoas, mas às
organizações.
10
A burocratização tende a generalizar-se em todos os setores
da vida social: econômico, político e cultural.
Sim, pois sem ela as organizações se perderiam na
improvisação e no arbítrio. Para Weber, a função da burocracia
é reduzir conflitos e a das regras é economizar esforços, pois
15 ambas eliminam a necessidade de encontrar uma nova solução
para cada problema, além de facilitar a padronização e igualdade
no tratamento de muitos casos.
Os tipos puros de dominação encontrados em uma sociedade
são classificados em:
20
• dominação tradicional: a legitimidade desse tipo de
dominação vem da crença dos dominados de que
há qualidade na maneira como nossos antepassados
resolveram seus problemas. É caracterizada por uma
relação de fidelidade política;
25
• dominação carismática: a legitimidade vem do carisma,
da crença em qualidades excepcionais de alguém para
dirigir um grupo social. Nesse tipo de dominação há uma
devoção afetiva ao dominador, que geralmente é portador
de poder intelectual ou de oratória;
24
Ponto de reflexão:
A burocracia é necessária?
CIÊNCIAS SOCIAIS
• dominação racional legal: a legitimidade provém da crença
na justiça das leis. Nesse caso, o povo obedece porque
crê que elas são decretadas segundo procedimentos
corretos.
5
Ponto de reflexão:
Como a dominação é exercida em
seu trabalho?
Max Weber não considerava o capitalismo injusto, irracional
ou anárquico. As instituições, como a grande empresa,
constituíam demonstração de uma organização racional, que
desenvolvia suas atividades dentro de um padrão de eficiência e
precisão. (Martins, 1990, p. 68)
10
Sua crítica à burocracia é que ela levou a um
desencantamento com o mundo, mecanizando as relações
humanas. Para Weber, a racionalidade do capitalismo
conduziu-nos a um mundo cada vez mais intelectualizado e
artificial, que abandonou para sempre os aspectos mágicos e
15 intuitivos do pensamento. Sua visão dos tempos modernos
era melancólica e pessimista.
25
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