8 Alternativo “O fenômeno das telenovelas estabeleceu uma concorrência brutal (para o teatro)” Aderbal Freire-Filho, ator e encenador, que atualmente dirige a peça "Na selva das cidades" O Estado do Maranhão - São Luís, 12 de agosto de 2011 - sexta-feira Toca do Choro Crônicas Em uma homenagem ao Dia dos Pais, o grupo Regional Azeite Brasil, formado por João Eudes (violão sete cordas), João Neto (flauta), Juca do Cavaco e Sabujá (percussão), animará hoje, às 19h, a Toca da Empada (Edifício Executive Center, Rua Queóps, Renascença). O ingresso custa R$ 10,00. O site do Palácio Cristo Rei inaugurou espaço para crônicas com o objetivo de resgatar a história da Universidade Federal do Maranhão. A primeira crônica é do ex-reitor da instituição Aldy Mello, que aborda o incêndio do Palácio Cristo Rei, em 1991, que deixou o prédio quase todo em ruínas. O texto está disponível em: http://www.cristorei.ufma.br. Hoje é dia de... Ubiratan Teixeira T ácito Borralho inventou e o poeta Luiz Bulcão, Secretário de Cultura, aprovou publicar uma coletânea de crônicas de minha autoria sobre Teatro que circulará com o título de “Bastidores”. Tácito, na voz dele, com dificuldades em tocar sua disciplina na Universidade Federal por falta de informações sobre a dramaturgia maranhense se lembrou dos meus textos; Bulcão sempre disponível para as coisas da terra concordou, acrescentando que seria uma forma inteligente de homenagear o velhinho nos seus oitenta invernos a acontecer em outubro próximo: e convocou o teatrólogo e dramaturgo Wilson Martins para cuidar da editoração da obra. Pelo que estou sabendo só está dependendo do poeta Wellington Reis determinar a gráfica onde o livro será impresso. E como orelha de livro é coisa que poucos consomem, e sem melhor assunto para a crônica de hoje peço vênia aos donos do projeto para transcrever a mesma assim como estará lá: com todo respeito. Wilson Martins,meu editor,pede as orelhas do livro; que livro “surdo”com ele não circula. A Cultura bem que poderia ter entre os sábios de seu elenco alguém que soubesse traçar futricas sobre seus editados,aquelas coisinhas tolas com as quais os burocratas de carreira vão recheando seus intermináveis e necessários relatórios:que sem um bem fornido e extenso disse-me-disse da vida pública não há como evoluir pelo alfabeto que garante a graduação funcional de cada um:“Escriturário letra tal”. Diferente do prefácio a orelha não tem caráter; é o apêndice próprio para os mais variados penduricalhos entre os quais as fofoquinhas acontecidas entre as quatro paredes da vida de cada um como as que se seguem. Pois é nos bastidores do teatro, ali no ventre da casa de espetáculos, longe da bisbilhotice da platéia que acontecem os grandes lances sociais e antropológicos do ato teatral.Falo neste volume sobre momentos que vi e vivi e concorreram em parte para a construção desta coletânea de crônicas.Acrescentando que vivi os bastidores em duas frentes:ora como persona,começando muito cedo meu aprendizado, ora como narrador, servindo como peso e medida na função de cronista sina que se revelou tão logo me entendi alfabetizado.E meu vício como persona tem também duas lúcidas origens:meu pai,gené- De orelha em pé: orelhão tico,Raimundo Teixeira (tive a benção de ter dois pais e duas mães legítimos: os que me geraram,Raimundo & Rosa e os que formataram meu caráter e minha personalidade,mamãe Dica e papai Viégas) e Santinha Vasconcelos e Zuleide Fortuna (de quem nunca me esqueço os nomes e as feições) no Jardim de Infância Decroly. Ali naquele saudável mutirão cultural/pedagógico na Praça Gonçalves Dias, ao lado da Igreja dos Remédios, nas festas cívicas,que eram constantes,representava-se o dia-a-dia em “dramas” recheados de lições sobre o “amor à pátria”(o país vivia disfarçadamente sob a bandeira do “deus/pátria e família”),o respeito ao pavilhão nacional,a honra ao próximo.Dançava-se muito,cantava-se bastante,recitava-se demais,a mão esquerda sobre o coração enquanto a direita ia em gestos largos abrangendo o horizonte e o céu infinito.Mas do que eu gostava mesmo era dos presépios onde,não sei por que, sempre me colocavam de “menino Jesus”, deitado só de fralda na manjedoura,rodeado das coleguinhas fantasiadas de anjos que na minha condição de “menino deus” achava-me com o direito de ficar malinando os pomponsinhos delas, por baixo das saias, algumas até sem suas sungas – era também o começo de minha carreira de depravado teatral. Anos mais tarde,já taludinho,entre os 14 e os 16 anos, meu pai Teixeira veio pedir permissão ao Viégas, para eu participar de uma “Paixão de Cristo” a contra/gosto do que me criou que de acordo sua rígida formação militar,carne & unha com o RDE,considerava teatro “coisa de raparigas e vagabundos”(muito embora não perdesse as temporadas dos Celestinos em nossa cidade). Meu tirocínio nos bastidores foi intenso e produtivo antes de uma temporada de três anos na Itália onde fui usufruir de uma bolsa de estudos na “Academia d’Art Dramática Pro Dei”, presente de Paschoal Carlos Magno,um dos grandes incentivadores do teatro do estudante no Brasil – em Roma fui aluno de Fellini e Bertolucci e em Milão,de Giorgio Sthreller. Paralelo ao exercício prático lia-se:aqui em São Luís lia-se muito. Não o que as editoras queriam e impunham, mas o que estava circulando pela Europa e Estados Unidos,em traduções capengas e pouco confiáveis; mas lia-se.(Aqui,apenas Fernando Moreira e José Bernardo Bello Tajra,na época,liam inglês,francês e alemão no original.Anos mais tarde,voltando da Europa e lendo razoavelmente em italiano e francês é que fui ver quantas merdas as editoras empurravam cuca adentro de seus leitores). Paralelo à criatura do palco foi se formando o sujeito crítico.Líamos e íamos discutir o que líamos em grupo; ora nos Centro Culturais, que existiam em fartura pelas escolas,pelos bairros ou nos ajuntamento sociais, ora nos bares em volta de garrafões de vinho ou generosas dozes de “pingado”ou “rabo de galo”:o maranhense de São Luís lia com prazer e por necessidade orgânica – e discutia o que estava lendo na ânsia de chegar no fundo daquilo que tinha lido.(Recordo-me que quando cheguei na Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras para fazer meu bacharelato em Letras, professores da disciplina literatura me chamavam de lado e pediam em segredo que eu fosse tomar umas cervejinhas na cantina,que eles queriam dar suas aulas: só não acontecia com Fernando Moreira que foi meu professor de Francês e tinha um acervo de conhecimentos gerais de solidez rara em nossa história cultural; mas todos os demais das disciplinas literatura pediam penico,sim!). Como homem de teatro pintei e bordei: sempre tive uma visão muito particular do ato teatral – entendia, por exemplo,como continuo entendendo,que a leitura de um texto grego para ser exercido aqui em São Luís tinha que se aproximar criticamente da cultura maranhense.Donde acreditava nos anos 40 do milênio passado que o apóstolo João era um “caso” de Jesus Cristo sendo essa a linha que dei ao personagem quando fui colocado no elenco dos “Amigos de Apolônia” para defender o papel,no “Mártir do Calvário”de Eduardo Garrido – evidentemente que para escândalo da sociedade beata de São Luís, que assistia ao drama debulhando seus rosários. Nos anos do meia-volta-volver dos generais de 64, montei um espetáculo com “A Paz”do Aristófanes onde incluí trechos da encíclica Pacem in Terris de João XIII. Os militares assistiram o ensaio geral de carranca fechada e liberaram o espetáculo para apenas uma sessão a ser feita de portas fechadas;e sem venda de ingressos.O cronista foi se formando por essas beiradas; irritando muitos, aplaudido por outros, temido e amado, padecendo mais do que sovaco de aleijado para encontrar seu ritmo real. Agradando na proporção que desagradava,encarando gregos e troianos com o mesmo peso e a mesma medida.Era hábito,nos anos 40 e 50, as grandes companhias de teatro do sul do país, na chamada baixa temporada lá deles,“fazer o norte”:com casa,transporte e comida garantidos,até eu;que o coletado na bilheteria era só lucro – e a arrecadação era sempre generosa e justiça se lhe faça, não fosse esse expediente econômico/colonizador para eles nunca teríamos visto aqui em São Luís,personalidades como Jaime Costa,Henriette Morineau, Della Costa, os irmãos Celestino com sua companhia de operetas,Bibi Ferreira entre outros galardões da época. Não esqueço nunca a reação do “magnífico” Procópio Ferreira quando de sua temporada em São Luís no começo dos anos 50.(Justiça seja feita:mostravam em São Luís o que encenavam nas suas temporadas do Rio e São Paulo,com o mesmo elenco e sem mexer no conteúdo dos espetáculos - quem vivia pelos bastidores e estiver vivo hoje,deve se lembrar da confusão que foi para colocar na caixa do teatro os cenários da companhia “Os Artistas Unidos”).Procópio trazia no seu repertório textos de Moliére, Racine,José de Alencar,Joracy Camargo,Renato Viana, entre outros.Não perdi nenhum de seus espetáculos (a imprensa tinha direito a cadeira cativa) e na crônica dominical falei o que avaliei do comediante fazendo Joracy Camargo,Racine e Moliére no mesmo ritmo.Procópio adentrou a redação do Jornal do Povo no xixi dos pintos da segunda feira,bufando de ódio,o jornal amassado em uma das mãos enquanto na outra esgrimia sua bengala de castão de prata querendo saber quem tinha sido o peralvilho daquele jornaleco que tinha tido a ousadia de assacar contra sua dignidade artística,ele o maior comediante do país,comendador respeitado pela grande imprensa,venerado pela categoria artística. — É minha opinião; penso que esteja no meu direito,apresentei-me levantando-me de minha carteira,por trás da máquina de escrever. E o “comendador” parou seu alarido me encarando atônito, levantou o chapéu coco de cima da cabeça e retrucou voz teatralmente amaciada:“É apenas um pirralho que ainda não agüenta umas bengaladas.” E deu meia volta descendo as escadas da redação em passos rápidos. O que vai nesta coletânea é o meu testemunho do dia-