MERCOSUL-CHILE: RE-PENSANDO A RELAÇÃO Por MÁRIO MARCONINI Agosto 2001 2 MERCOSUL-Chile: Repensando a Relação RESUMO EXECUTIVO ................................................................................................................................. 3 PARTE I – MERCOSUL: RECOMPOR, REPENSANDO.......................................................................... 5 CONJUNTURA E COMPROMISSO ...................................................................................................................... 5 DEFINIÇÃO DO FUTURO .................................................................................................................................. 6 RECOMPOSIÇÃO E O NOVO EIXO .................................................................................................................... 7 OBJETIVOS: NOVOS E ANTIGOS ...................................................................................................................... 9 PARTE II – MERCOSUL-CHILE: NOVA MATRIZ, NOVO FUTURO ................................................ 11 CHILE: ESTAÇÃO PRIMEIRA ......................................................................................................................... 11 Fortalecer ou Enfraquecer o Bloco ........................................................................................................ 11 ACE-35: Tentativa Frustrada? ............................................................................................................... 12 Tarifas e Benefício Econômico ............................................................................................................... 13 TESTANDO PREMISSAS ................................................................................................................................. 16 Integração Eclética................................................................................................................................. 16 O Político ............................................................................................................................................................ 16 O Cultural............................................................................................................................................................ 18 O Econômico....................................................................................................................................................... 19 Inserção Diferenciada ............................................................................................................................ 21 Coesão: Possível ou Não? ...................................................................................................................... 23 CONCLUSÃO ................................................................................................................................................. 26 3 RESUMO EXECUTIVO Seria um erro supor que os problemas atuais do MERCOSUL advêm apenas de decisões recentes. As políticas claramente unilaterais, disputas abertamente bilaterais e visões conflituosas sobre a questão da inserção internacional das economias do bloco constituem o resultado de um processo que não dá conta de suprir demandas conceituais e institucionais já há algum tempo. A integração que se presencia no mundo atual é global e não apenas regional. Ou seja, com ou sem MERCOSUL, com ou sem ALCA, com ou sem União Européia, blocos regionais que não conseguirem evoluir para além do tarifário e não-tarifário dificilmente terão nas próximas décadas um lugar no horizonte estratégico como “sistemas regionais”. cada vez mais se afigura evidente que se a intenção de um bloco regional é sobreviver como “sistema regional”, com poder de decisão própria para dentro e para fora, seja na área econômica como até mesmo na área política e social, faz-se imperativo que uma definição presente do futuro do empreendimento seja dada o quanto antes possível. Apesar de uma relativa ausência institucional, o “MERCOSUL político” tem sido o que mais dá provas de compromisso e consistência. Em todos os momentos mais difíceis do bloco, a vontade política tem feito com que as coisas se resolvam da melhor forma possível, sempre injetando a necessária determinação para manter o MERCOSUL como um bloco coeso nos mais altos níveis decisórios, evitando assim a desagregação ou um recurso mais forte ao unilateralismo por parte de seus Estados Partes. Na base de tudo permanece a escolha para os Estados Partes entre agir juntos ou em separado; entre encontrar soluções comuns ou individuais; entre buscar soluções dentro em lugar de fora do bloco. Qualquer bloco de integração representa nesse contexto um desafio para seus integrantes, uma permanente oscilação entre forças centrípetas e centrífugas que levam seus Estados Partes a escolher a melhor forma de agir. O MERCOSUL passa por um momento especialmente complexo nesse sentido, que exige uma re-avaliação de rumos e metas. Essencialmente a noção de um regionalismo aberto se sustenta, porém requer novas ênfases. É preciso preservar as realizações dos primeiros dez anos de existência. É necessário adequar as ambições do bloco de forma a refletir a verdadeira condição de seus países e as novas realidades do mundo atual, tais como a tendência à regionalização entre países desenvolvidos e em desenvolvimento – como ilustra a própria agenda externa atual do MERCOSUL. É imperativo agregar temas onde progressos são possíveis e desejáveis, tais como a integração física, energia, a mobilidade de fatores de produção, a coordenação de política agrícola, a coordenação macroeconômica, as políticas “não-econômicas”. O MERCOSUL necessita sinalizar com mais precisão e determinação o que almeja conseguir e como pretende conseguí-lo. O aprofundamento da relação MERCOSUL-Chile nitidamente seria o melhor possível caso implicasse no fortalecimento do bloco como um todo. Com efeito, o ideal seria que o aprofundamento pudesse ser tal que o bloco se tornasse apenas um MERCOSUL de cinco países (ou seis, aplicando-se o mesmo critério à Bolívia), em lugar de permanecer um acordo de associação “4+1”. A premissa mais difícil de ser testada é a de se saber se basta aprofundar alguns compromissos para que a relação se fortaleça ou se no fundo o que se requer é uma reforma dos fundamentos básicos dessa relação. 4 A referência histórica nesse contexto é o fato de que a hesitação do MERCOSUL (sobretudo brasileira) em acomodar posições chilenas no ACE-35 diz respeito essencialmente à percepção de que aprofundar pontualmente em lugar de “sistemicamente” resultaria num enfraquecimento, e não num fortalecimento, do bloco, ao diluir preceitos cruciais à existência e identidade do MERCOSUL. Aparte a questão tarifária, a verdade é que as demandas chilenas no geral tendem a coincidir com elementos da própria agenda “interna” de aprofundamento do MERCOSUL: aprimorar disciplinas, tornar a aplicação de regras mais previsível, ampliar o horizonte normativo através da inclusão de novos temas, tornar o sistema de solução de controvérsias mais previsível e de maior acesso a partes interessadas, etc. A despeito da forte motivação e reais benefícios com a adesão do Chile ao MERCOSUL constatase ainda sérias dificuldades para viabilizar a plena integração. A maior restrição para a efetiva e plena incorporação chilena ao bloco continua sendo portanto a diferença existente entre as políticas de tarifas de importação do MERCOSUL e do governo de Santiago. A questão que se coloca na conjuntura que se apresenta em meados do ano 2001 é até que ponto esse elemento continuará de fato a representar uma dificuldade bilateral. Tudo depende da própria atitude a ser tomada pelo MERCOSUL com relação ao que o bloco percebe como um dos pilares de sua integração. A premissa básica em que se insere o presente estudo é que a relação MERCOSUL-Chile é importante demais para deixar de ser repensada de forma a viabilizar um processo de integração consistente e duradouro. Desta premissa básica decorrem outras premissas cujo teste contribuirá para balizar o tratamento do tema, a saber: 1. Um processo de integração entre o MERCOSUL e o Chile deve fundamentar-se em realidades políticas, culturais (no sentido mais do que nada institucional) e econômicas; a integração econômica segue sendo a força motriz do processo porém não pode ou deve desvincular-se de outros aspectos que possam reforçar o empreendimento, ao relativizar prioridades e estabelecer novas estruturas de direitos e obrigações; 2. A percepção de inserção no mundo varia entre os países membros plenos do MERCOSUL e o Chile. Com efeito, o debate sobre inserção permanece em aberto em cada um dos cinco países, tornando o desafio da integração especialmente ambicioso, sobretudo dadas as pendências econômicas e sociais de cada país; 3. Um processo de integração não pode ter lugar sem que haja um considerável nível de coesão entre os países participantes. Coesão requer objetivos comuns e compromisso por parte dos protagonistas do processo. Um bloco coeso é um bloco que privilegia soluções comuns para seus problemas, um bloco que olha para dentro antes de se posicionar para fora. Existe uma janela de oportunidade que emana da crise atual por que passa o MERCOSUL, porém se a intenção for de aproveitá-la é imperativo que se aja rápido: as demandas externas de negociação com o MERCOSUL, em particular as referentes à ALCA e à União Européia, exigem uma definição antes que seja tarde demais. Tanto para o Chile como para o MERCOSUL as chances de extrair concessões em áreas de interesse nessas negociações dependem diretamente da capacidade do bloco de se ajustar, se unir e se projetar para fora como uma entidade coesa e firme em seus propósitos. 5 PARTE I – MERCOSUL: RECOMPOR, REPENSANDO Conjuntura e Compromisso Ao vasto acervo de concretas realizações do MERCOSUL, deve-se agregar um igualmente vasto acervo de boas, porém não satisfeitas, intenções, de iniciativas horizontais e pontuais, porém com freqüência parcialmente cumpridas, de processos sofisticados porém às vezes em demasia complexos e de projetos ambiciosos porém em grande medida retóricos e irrealistas ou inoportunos. Permeando esse panorama de realizações e frustrações subsistem importantes diferenças conceituais sobre as grandes linhas do processo, sobre o próprio significado e implicação de sua possível evolução, sobre o mapa de políticas e instituições adequadas para alimentar o presente e dar fôlego a um futuro comum. Num primeiro momento as tendências centrífugas assustam, dando a impressão que o bloco está à deriva, ameaçado de perder seu centro de gravidade e conseqüentemente seu poder de aglutinação. Políticas claramente unilaterais, disputas abertamente bilaterais, visões conflituosas sobre a questão da inserção internacional das economias do bloco realçam os sintomas de um momento difícil. Existem, no entanto, razões e soluções que se associam ao momento atual e que demonstram que os indícios atuais de falta de coesão podem ser passageiros. As razões nos ajudam a compreender que o MERCOSUL não passa por um período tão sui generis quanto normalmente se supõe: existem elementos “naturais” do processo de integração que se desenlaçam, assim como novos desafios decorrentes de novas circunstâncias. As soluções nos ajudam a vislumbrar um futuro para o MERCOSUL que necessariamente implicará em meios e fins comuns ao mesmo tempo em que guardam pouca relação de afinidade ou semelhança com os esquemas lineares dos cronogramas de desgravação tarifária característicos do processo até o presente. Se presentemente existe uma "crise" do MERCOSUL, ela não surgiu do nada, nem tampouco de medidas recentes tomadas por um ou outro governo. No mínimo, ela é coincidente com, e não causadora de, um momento novo na vida do bloco, momento este caracterizado por uma clara exigência de re-definição de objetivos. A verdade é que depois de uma fase de moeda sobre-valorizada no Brasil que foi responsável por aumentos significativos no comércio intra-regional, o bloco encontra-se em face de desafios que se estendem por todo o espectro de medidas de política comercial - a começar pela própria Tarifa Externa Comum, e que dizem respeito à própria coesão do bloco - o que por sua vez diz respeito ao nível individual de satisfação de cada parceiro comercial com os benefícios derivados da integração. 6 Definição do Futuro A premissa básica à toda outra premissa é a de que o MERCOSUL encontra-se na hora certa para definir seu próprio futuro e que a falta de definição pode ser nociva dadas as urgências da agenda externa e do próprio processo de globalização. A verdade é que o mundo evolui rapidamente para uma integração econômica global e não apenas regional. Sem adentrar o debate sobre multilateralismo vs. regionalismo, o que se constata é que o mundo naturalmente caminha para a liberalização comercial através da eliminação tarifária e não-tarifária. Ou seja, com ou sem MERCOSUL, com ou sem ALCA, com ou sem União Européia, o fato é que blocos regionais que não conseguirem evoluir para além do tarifário e não-tarifário, dificilmente terão, como “sistemas regionais”1, lugar no horizonte estratégico no espaço de uma ou duas décadas. É lógico que protecionismos localizados, sobretudo em setores da velha economia, sobreviverão e se transformarão da forma que os parceiros econômicos mais poderosos conseguirem transformá-los, impô-los ou negociá-los com o resto do mundo. No entanto, cada vez mais se afigura evidente que se a intenção de um bloco regional é sobreviver como “sistema regional”, com poder de decisão própria para dentro e para fora, seja na área econômica como até mesmo na área política e social, faz-se imperativo que uma definição presente do futuro do empreendimento seja dada o quanto antes possível. Onde estará o MERCOSUL daqui cinco anos? Dez anos? Quinze anos? Essas perguntas não deveriam ensejar meros ensaios futurísticos e sim projetos concretos de como encarar cenários em grande medida previsíveis. É lógico que o imprevisível deverá sempre ter seu lugar reservado em qualquer esquema de ação que se projete para o futuro. No entanto, o que deveria nos preocupar é justamente o previsível, aquilo que não só se espera aconteça como já está acontecendo em outras partes do mundo e requer ações pró-ativas daqueles que ainda não se prepararam. A verdade é que o grande trunfo e triunfo do MERCOSUL é ter conseguido, no espaço de uma década, transformar-se num símbolo de sucesso e progresso nos mais variados círculos das sociedades da sub-região. Ou seja, o “símbolo MERCOSUL” vai além dos círculos governamentais e alcança os povos. Apesar de uma gritante falta de representatividade, de um “déficit democrático” bastante óbvio, o MERCOSUL manifestamente conta com apoio nas sociedades de seus Estados Partes, não por que as sociedades entenderam a essência do bloco; o nível de confusão sobre o que envolve o MERCOSUL é evidente, a começar pela própria imprensa de cada país. O apoio que se constata nessa mesma imprensa e em outras demonstrações de setores da sociedade vem da percepção pela sociedade da cooperação, coordenação, fraternidade, a paz e a união dos povos, e de outros elementos que compõem o complexo mosaico do “símbolo MERCOSUL”. O MERCOSUL não pode perder esse “atout”. Cultivá-lo no entanto requer visão e definição. O golpe fatal para o MERCOSUL seria que o símbolo de sucesso fosse substituído pelo símbolo de indecisão e mesmice. A sociedade então se encarregaria de destruí-lo naturalmente ao não prestar o apoio que mais do que nunca se faz necessário. A 1 A expressão é de Hélio Jaguaribe (1999). 7 chave para manter o bloco vivo e vivaz é ter clareza sobre o futuro. Nada alimenta mais um símbolo como o que se tornou o MERCOSUL na visão de seus povos do que uma visão clara de seu futuro. Nesse contexto, definir o que se quer e depois perseguí-lo é a melhor forma de restaurar a confiança e a credibilidade perdida. Recomposição e o Novo Eixo Atitudes e medidas recentes não constituem a principal causa das dificuldades do bloco. Constituem no entanto a comprovação de que o empreendimento já andava mal e que na falta de instrumentos e soluções comuns o apelo unilateral se tornava não apenas atrativo como também virtualmente inevitável. O questionamento da tarifa externa comum ou as próprias tendências centrífugas demonstradas pelos países membros em grande medida revelavam carências internas ao bloco, uma falta de compromisso e orientação que tinham por efeito a busca de estratégias individuais. Essa busca, no contexto de insuficiência institucional e estratégica comum, seria agravada pelas demandas advindas de uma conjuntura internacional cada vez mais complexa e imediatista. O vínculo que se faz ocasionalmente entre a situação argentina e a atitude brasileira no período pósdesvalorização do Real em 1999, apesar de exagerar na relação causa/efeito, serve para manter viva a crítica à inadequação do aparato disciplinar do MERCOSUL na medida em que põe em questão a capacidade do bloco de introduzir flexibilidade sem alterar rumos ou adulterar objetivos. A recente tomada de posição pelo governo argentino expôs a urgência da necessidade de que um novo equilíbrio seja encontrado. Ao colocar em cheque várias premissas econômicas do processo de integração, o que se logrou foi apontar para o fato de que o futuro do bloco passa não apenas por uma restruturação de prioridades como também por uma reavaliação da conveniência de manter o volet econômico, quase que de forma isolada, no centro do universo integracionista. A nova realidade do bloco evoca a necessidade de repensar o peso e a medida de vários elementos, dentre eles o político-social e o institucionalcultural. O lado econômico da equação é claramente o de mais fácil aferição. São os fluxos comerciais e de investimento que constituem o mais claro e transparente atestado do sucesso da aproximação dos povos, podendo ser detectados através de dados concretos das transações envolvidas. Temas de teor político, cultural, social e/ou institucional “passam desapercebidos” com maior facilidade, já que seus parâmetros não são tão facilmente mensurados. Além disso, quanto maior é a aproximação real dos povos em termos de seus regimes político/cultural/sócio/institucional, menor isto chama a atenção: as verdadeiras saliências, infelizmente, tendem a surgir com muito mais clareza no contexto de problemas pontuais; a consistência positiva nesses assuntos não chama muito a atenção, não “dá manchete”. Para o MERCOSUL, a opção de gradativamente promover o deslocamento do eixo de seu vigor integracionista na direção de compromissos de natureza política, cultural ou social, de 8 forma a melhor relativizar a importância econômica de suas realizações passadas e ambições futuras, pode constituir elemento central na reformulação de suas prioridades estratégicas. É algo não desprezível o fato de que os Estados Partes do MERCOSUL compartem hoje em dia uma mesma visão sobre importantes elementos de suas próprias agendas políticas, tais como o valor da democracia, do pluralismo, do valor da cultura, da necessidade de melhorar condições sociais de suas populações, assim como sobre temas de grande importância da agenda internacional (segurança, narcotráfico, países emergentes, etc.). O grande desafio seria no entanto o de lograr transformar essas coincidências de posicionamento em instrumentos comuns que possam implicar direitos e obrigações, numa rede de interesses mútuos cuja projeção para o resto do mundo seja comum e positiva. Essencialmente o que se coloca é como evoluir para além da diplomacia presidencial atualmente reinante no bloco para algo menos altivo porém mais institucional, previsível e de fácil acesso para as partes interessadas. Maior representatividade, por exemplo, é um objetivo que reflete os interesses individuais dos Estados Partes na medida em que um “déficit democrático” não só não ajuda o processo de integração como pode prejudicá-lo. Um compromisso sobre um tema como esse (que poderia envolver desde um maior envolvimento da Comissão Parlamentar do MERCOSUL até a sua substituição por algo mais “permanente” e representativo, por exemplo) constituiria uma forma de firmar o compromisso comum de todos os Estados Partes a favor da democracia – a começar, nesse caso, pelo próprio processo interno do MERCOSUL. Esse é um exemplo e existem outros. Porém, vale ressaltar que compromissos de natureza puramente política se nutrem da própria dinâmica política e sempre dependerão dos humores dos Estados envolvidos e da conjuntura em que se encontram. Esse tipo de lógica explica a dificuldade da solução de controvérsias no contexto das Nações Unidas comparada à relativa banalidade que se tornou o “entrar e sair” do sistema de solução de controvérsias da OMC. Disciplinas sobre temas políticos raramente conseguem passar de declarações políticas e alcançar algum rigor jurídico efetivo perante Estados que, por opção pontual ou estratégica, decidem não respeitá-las. Vale ressaltar que apesar de uma relativa ausência institucional, o “MERCOSUL político” tem sido o que mais dá provas de compromisso e consistência. Em todos os momentos mais difíceis do bloco, a vontade política tem feito com que as coisas se resolvam da melhor forma possível, sempre injetando a necessária determinação para manter o MERCOSUL como um bloco coeso nos mais altos níveis decisórios, evitando assim a desagregação ou um recurso mais forte ao unilateralismo por parte de seus Estados Partes. De uma certa forma, não faltam disciplinas para que o bloco avance com uma orientação política comum. Isto não deixa de ser um paradoxo: que no tema onde existem menos disciplinas formais, os avanços sejam os mais consistentes. Sejam quais forem os elementos que integrarão a nova configuração de direitos e obrigações entre os Estados Partes do MERCOSUL, a verdade é que existem certos objetivos de natureza “horizontal” que, se cumpridos, poderiam ajudar o MERCOSUL a sair do impasse estrutural que vem se criando desde a entrada em vigor do Protocolo de Ouro Preto em 1995. 9 Objetivos: Novos e Antigos O próprio Tratado de Assunção fez referência à importância da globalização como fenômeno, “em especial a consolidação de grandes espaços econômicos, e a importância de lograr uma adequada inserção internacional...”, assim como apontou ao processo de integração do MERCOSUL como “uma resposta adequada...” a esse fenômeno. A preocupação com a inserção internacional pressupõe uma capacidade do bloco de se adaptar aos acontecimentos. De fato, o Tratado em seu Preâmbulo também se refere aos princípios de “gradualidade, flexibilidade e equilíbrio” como fontes de orientação para o trabalho a ser desenvolvido. Esses princípios talvez sejam mais relevantes no presente do que em qualquer outro momento da curta história do MERCOSUL. Na base de tudo permanece a escolha para os Estados Partes entre agir juntos ou em separado; entre encontrar soluções comuns ou individuais; entre buscar soluções dentro em lugar de fora do bloco. Qualquer bloco de integração representa nesse contexto um desafio para seus integrantes, uma permanente oscilação entre forças centrípetas e centrífugas que levam seus Estados Partes a escolher a melhor forma de agir. O MERCOSUL passa por um momento especialmente complexo nesse sentido, que exige uma re-avaliação de rumos e metas. Essencialmente a noção de um regionalismo aberto se sustenta, porém requer novas ênfases. A necessidade de re-orientação, tanto no contexto presente quanto em termos de ações futuras, poderia se resumir ao cumprimento de quatro objetivos básicos condizentes com os princípios fundacionais do bloco: Preservação – é preciso preservar as realizações dos primeiros dez anos de existência. Muito comércio foi criado e com ele muitas relações entre seus países membros. Persistir para lograr avançar no processo de integração apesar de seus altos e baixos é imperativo e o primeiro passo é preservar o que já se fez evitando dissoluções de compromissos; Adequação – o MERCOSUL tem se caracterizado por metas às vezes demasiadamente ambiciosas. O próprio Tratado de Assunção se referia à conformação de um mercado comum em quatro anos, o que está longe de ser cumprido dez anos depois de sua entrada em vigor. É necessário adequar as ambições do bloco de forma a refletir a verdadeira condição de seus países e as novas realidades do mundo atual, tais como a tendência à regionalização entre países desenvolvidos e em desenvolvimento – como ilustra a própria agenda externa atual do MERCOSUL; Agregação – o MERCOSUL deveria evitar de perder muito tempo com temas de difícil solução no curto e médio prazo (como a própria questão da TEC) e buscar progressos em áreas onde progressos são possíveis e desejáveis, tais como a integração física, energia, a mobilidade de fatores de produção, a coordenação de política agrícola, a coordenação macroeconômica, as políticas “não-econômicas” (saúde, cultura, educação, etc.); 10 Sinalização – o MERCOSUL necessita sinalizar com mais precisão e determinação o que almeja conseguir e como pretende conseguí-lo. A flexibilidade que poderá ser exigida em momentos de sua evolução não deveria impedir que haja clareza sobre seus objetivos a médio e longo prazo. O momento atual é bastante fértil para a consideração do futuro do bloco. 11 PARTE II – MERCOSUL-CHILE: NOVA MATRIZ, NOVO FUTURO Chile: Estação Primeira Fortalecer ou Enfraquecer o Bloco O aprofundamento da relação MERCOSUL-Chile nitidamente seria o melhor possível caso implicasse no fortalecimento do bloco como um todo. Com efeito, o ideal seria que o aprofundamento pudesse ser tal que o bloco se tornasse apenas um MERCOSUL de cinco países (ou seis, aplicando-se o mesmo critério à Bolívia), em lugar de permanecer um acordo de associação “4+1”. A premissa mais difícil de ser testada é a de se saber se basta aprofundar alguns compromissos para que a relação se fortaleça ou se no fundo o que se requer é uma reforma dos fundamentos básicos dessa relação. A referência histórica nesse contexto é o fato de que a hesitação do MERCOSUL (sobretudo brasileira) em acomodar posições chilenas no ACE-35 diz respeito essencialmente à percepção de que aprofundar pontualmente em lugar de “sistemicamente” resultaria num enfraquecimento, e não num fortalecimento, do bloco, ao diluir preceitos cruciais à existência e identidade do MERCOSUL. O exemplo histórico aqui relevante é a percepção de que uma “incorporação” do Chile à união aduaneira constituía fator divisor entre os Estados Partes ao forçar a discussão de rebaixas tarifárias nem sempre bem-vindas por todos. Na medida em que o MERCOSUL se re-pensa e premissas básicas à sua existência, tais como a manutenção da TEC, são revisadas em favor de soluções firmes em seu propósito porém flexíveis em sua aplicação, a questão de uma inclusão do Chile ao MERCOSUL em lugar de um simples aprofundamento pontual ganha novo teor e vigor conceitual e prático. A partir do momento em que flexibilizar regras básicas se torna atrativo no contexto do objetivo maior de preservar realizações ao mesmo tempo em que se adequa, agrega e sinaliza (ver Parte I acima), um aprofundamento da relação atual que resulte no fortalecimento de um bloco único de cinco países se torna por sua vez plenamente viável. Ou seja, a flexibilidade que por vezes exigem conjunturas como a atual cria oportunidades para os processos de integração. No caso específico da relação MERCOSUL-Chile, o fato de que o MERCOSUL necessite dar uma “freada de arrumação” e reformular normas e posturas representa uma nova oportunidade tanto para o Chile quanto para o próprio MERCOSUL de explorar alternativas comuns que desemboquem num bloco fortalecido em sua relação com o mundo. Aparte a questão tarifária, a verdade é que as demandas chilenas no geral tendem a coincidir com elementos da própria agenda “interna” de aprofundamento do MERCOSUL: aprimorar disciplinas, tornar a aplicação de regras mais previsível, ampliar o horizonte normativo através da inclusão de novos temas, tornar o sistema de solução de controvérsias mais previsível e de maior acesso a partes interessadas, etc. De uma certa forma, então, ao admitir a necessidade de uma certa flexibilização tarifária, o MERCOSUL estaria abrindo uma nova janela de oportunidade para o aprofundamento não-tarifário e normativo do 12 acordo atual entre o MERCOSUL e o Chile, o que por sua vez resultaria de fato num bloco mais unido - possivelmente até mesmo único, dependendo da atitude política que se pretenda tomar uma vez aferidos os resultados desse aprofundamento. ACE-35: Tentativa Frustrada? A demora em acertar entendimentos com o NAFTA e o reconhecimento da relevância econômica e política dos países do MERCOSUL para o Chile fizeram com que fosse arquitetada uma fórmula que viabilizasse a associação chilena ao MERCOSUL, ainda que não consubstanciasse numa integração efetiva. Assim sendo, após um processo de negociações que se estendeu por cerca de dois anos, em junho/96, o Chile assinou um Acordo de Complementação Econômica que prevê a criação de uma Área de Livre Comércio com o MERCOSUL em 2004/2006, e o estabelecimento de um cronograma de desgravação tarifária automática. O acordo, "Acordo de Complementação Econômica" (ACE-35), que vigora desde 1º de outubro de 1996, estabelece a conformação de uma área de livre comércio em um prazo de dez anos, através de um Programa de Liberalização Comercial que se aplica aos produtos originários dos territórios partes. Tal programa consiste em desgravações progressivas e automáticas aplicáveis sobre os gravames vigentes para terceiros países no momento do despacho das mercadorias. Cerca de 80% do universo tarifário teve uma preferência inicial de 40% a partir do 1° de outubro de 1996, a qual se elevou para 48% em 1° de janeiro de 1997 e para 55% em janeiro de 1998, devendo chegar a sua liberação total em um prazo de oito anos - ou seja, 1° de janeiro de 2004. O restante do universo tarifário está registrado em anexos que contemplam, em cada caso, situações especiais com relação a grupos de produtos, as quais se traduzem em regimes de desgravação com diferentes prazos. Como conseqüência, as diversas categorias de produtos alcançarão tarifa “zero” de forma escalonada mediante regimes particulares que terão diferentes pontos de partida no tempo em alguns casos, e graus distintos de desgravação, com a liberação total em anos diferentes (2006; 2011; 2012 e 2014). Assim, o ACE-35 consolida as preferências negociadas na ALADI contemplando a diminuição de 40% nas tarifas vigentes sobre 60% dos produtos comercializados entre os cinco países, sendo que até 2004, a redução das tarifas deve alcançar 100% sobre 90% dos produtos (o chamado patrimônio histórico). Os bens considerados “sensíveis” terão alíquota zero em 2006 e os de “exceção” em 2011. O acordo contém também normas de origem, salvaguardas, tratamento sobre práticas desleais de comércio, restrições não-tarifárias, normas sanitárias e fitossanitárias, incentivos às exportações e outros aspectos, além de conter disposições sobre facilidades de transporte, manutenção dos acordos de promoção e proteção recíproca de investimentos, estímulo à celebração de acordos para evitar a dupla tributação, cooperação científica e tecnológica, compromisso de avançar até a liberação do comércio de serviços e promover pelas interconexões bio-oceânicas a integração física. 13 Decorridos quase cinco anos de implantação do Acordo, em que pesem as suas dificuldades operacionais determinadas pela complexidade das regras, há a percepção de positivos impactos econômicos para os países envolvidos. Do ponto de vista estratégico, vale ressaltar: • O Chile se constitui na extensão natural do cone sul, mantém fortes vínculos com a Europa e com a Orla do Pacífico, além dos Estados Unidos, o que lhe confere uma posição de “global trader” semelhante, conceitualmente, à posição brasileira, posições estas importantes em termos de inserção internacional dos países. Cabe destacar também as características qualitativas de sua economia já que o país exibe um dos maiores índices de renda per capita da região (cerca de US$ 4,8 mil), um Produto Interno Bruto (PIB) de aproximadamente US$ 75 bilhões e uma população de 15 milhões de habitantes. • É natural se supor que do ponto de vista chileno, o Acordo de Livre Comércio com o MERCOSUL representa em primeiro lugar acesso privilegiado a um mercado cujo PIB supera os US$ 750 bilhões de dólares, quase vinte vezes maior do que o PIB nacional e principalmente mais uma opção de integração no mercado globalizado. Outro aspecto a considerar é que a integração chilena ao MERCOSUL, inegavelmente, ampliará o poder de fogo do bloco nas negociações com nos grandes foros internacionais. A despeito da forte motivação e reais benefícios com a adesão do Chile ao MERCOSUL constata-se ainda sérias dificuldades para viabilizar a plena integração. A maior restrição para a efetiva e plena incorporação chilena ao bloco continua sendo portanto a diferença existente entre as políticas de tarifas de importação do MERCOSUL e do governo de Santiago. O MERCOSUL tem tarifas médias hoje em torno de 14% e o Chile pratica tarifa média de 9%, em trajetória de queda, devendo atingir 6%, em 2003. Mais relevante ainda é que a tarifa chilena é uniforme e o modelo de política tarifária adotado pelo Chile parece contar com um amplo consenso no país. A questão que se coloca na conjuntura que se apresenta em meados do ano 2001 é até que ponto esse elemento continuará de fato a representar uma dificuldade bilateral. Tudo depende da própria atitude a ser tomada pelo MERCOSUL com relação ao que o bloco percebe como um dos pilares de sua integração. Tarifas e Benefício Econômico Como o modelo de política tarifária chileno conta com um amplo consenso no país, recebe apoios de economistas de variadas tendências e tem sido aprofundado pelos diversos governos desde o início da década de noventa, um alteração na condução desta política parece ser um “non-starter” para o Chile. Assim sendo restaria como alternativa a revisão da política tarifária do MERCOSUL. Entretanto , mesmo ocorrendo a revisão para níveis mais baixos, não parece plausível no curto prazo a adoção da tarifa chilena por parte do MERCOSUL. 14 O MERCOSUL tem dado provas de sua dificuldade em promover rebaixas da TEC, a começar pela intenção de eliminar os três porcento agregados à TEC depois de difíceis discussões quadripartites quando da condenação da taxa de estatística argentina por um panel da OMC. O aumento da TEC em 1997 foi implementado de acordo com a mesma decisão que previa a eliminação do diferencial tarifário ao final do ano 2000, porém a eliminação, consistentemente anunciada por autoridades tanto do Brasil quanto da Argentina, deu lugar à intenção de dividí-la em duas etapas. O crescente déficit na balança comercial brasileira e a preocupante situação macro-econômica da Argentina no último trimestre de 2000 foram alegados como razões para evitar quaisquer rebaixas de alíquotas de importação. Da mesma forma e no mesmo contexto causal, a intenção de substituir o sistema de ex-tarifários no interior do bloco por uma rebaixa definitiva da TEC para produtos não-produzidos na sub-região seria postergada indefinidamente. As coisas mudaram um pouco com as recentes medidas adotadas pela Argentina. Tornou-se difícil imaginar na conjuntura atual que qualquer governo do MERCOSUL possa ou deva exigir da Argentina o cumprimento de seus compromissos originais relativos à TEC. Tornou-se claro que a melhor política no momento talvez seja a de permitir a flexibilização da TEC por algum tempo, de forma a sacá-la do contexto negociador para evitar a “contaminação” de outros temas da pauta oficial do MERCOSUL. Também se tornou claro, portanto, que com a aceitação da flexibilização de certos preceitos do MERCOSUL novas oportunidades se apresentam. Quanto à questão de benefícios comerciais, alguns elementos são aqui comentados com relação a ganhos para o MERCOSUL no mercado chileno. Em primeiro lugar, a verdade é que as alíquotas chilenas já são bastante baixas (média de 9% em 2000) e, mais importante ainda, prometem evoluir para baixo anualmente de forma a alcançar apenas 6% na média em 2003. Ou seja, quando 63% em valor (base 1998) do comércio bilateral MERCOSULChile estiver plenamente liberalizado, o diferencial de preferência que o MERCOSUL terá no Chile com relação ao resto do mundo será de apenas 6%. Outros 17% em valor do comércio bilateral só chegarão a este patamar de preferência em 2006, enquanto que 98% desse comércio só atingirá alíquota zero em 2011. Em segundo lugar, quando se leva em consideração que a participação do MERCOSUL nas importações chilenas dos produtos constantes dos três cronogramas de desgravação já é importante quando comparada com outros mercados e que a tarifa chilena já é linear, uniforme e relativamente baixa, constata-se que não haverão grandes benefícios para o MERCOSUL decorrentes de maiores preferências tarifárias por parte do Chile. Se o MERCOSUL já se destaca até em mercados considerados sensíveis no Chile (aqueles referentes aos produtos incluídos nos cronogramas de desgravação) em condições tarifárias atuais, não há razão para crer que um diferencial de poucos pontos percentuais nos próximos anos possa melhorar em muito esta situação. Em terceiro lugar, o que ocorre no Chile em termos tarifários nos próximos anos não se limita à Lei 19.589 (processo unilateral de redução de alíquotas de importação). Como veremos abaixo, o Chile é dotado de uma política comercial cuja característica principal é a 15 conformação de uma teia de acordos comerciais que não se limitam à América Latina e portanto têm o efeito de corroer quaisquer preferências obtidas pelo MERCOSUL. De fato, considerando os longos prazos dos cronogramas do ACE-35, o MERCOSUL, na reduzida preferência tarifária agregada que conseguirá no mercado chileno nos próximos anos, estará conseguindo chegar no Chile com preferências muito tempo depois que concorrentes importantes já houverem chegado, ganhado mercado, estabelecido redes de compradores e fornecedores e contatos de negócios e até mesmo evoluído para outros níveis de liberalização e preferências tais como os relativos a serviços e investimentos. O caso do México é talvez o mais explícito, dada a concorrência direta que esse país representa para os interesses do MERCOSUL: um ACE firmado em 1992 cuja liberalização ampla teve data e foi cumprida já em 1996 (ano em que MERCOSUL e Chile finalmente firmaram seu próprio ACE), transformado em 1998 em Tratado de Livre Comércio com vistas à abertura de mercados de serviços e de políticas de investimento bilaterais. Falar em 2004, 2006, 2011 e 2014 – os prazos do ACE-35, nesse contexto, indica o quanto o Chile representa e representará para o MERCOSUL no futuro próximo em termos de acesso preferencial a mercados. Finalmente, vale ressaltar que a noção de benefícios comerciais no mercado chileno implica uma percepção por parte do MERCOSUL de quanto vale ceder e conceder maiores preferências ao Chile em seu próprio mercado. Para os países do MERCOSUL que exportam no agregado menos do que 4% de suas exportações totais para o Chile (2% no caso do Brasil), o valor de aprofundar preferências ou “andar mais rápido” no processo de conformação de uma área de livre comércio parece bastante pequeno. Já a recíproca parece de interesse inverso: o Chile atualmente exporta 10% de suas exportações totais para o MERCOSUL e tem, sim, muito a ganhar considerando-se o que representariam maiores preferências tarifárias por parte do MERCOSUL, cuja base tarifária é bem mais alta do que a chilena. Nesse contexto, o interesse do Chile deveria ser muito maior do que o do MERCOSUL em aprofundar o acordo. Como seria de se esperar, o MERCOSUL tem resistido aprofundamentos2 e, conseqüentemente, adiantamentos em prazos para a conformação de uma área de livre comércio parecem igualmente pouco prováveis de aceitação consensual. Se as chances de aprofundar e/ou adiantar prazos para a área de livre comércio já são pequenas, como partir para algo mais ambicioso tal como uma União Aduaneira cujo nível de compromisso, além de exigir implicitamente progressos intra-zona (MERCOSULChile), vai além da troca de preferências bilaterais, inserindo-se na elaboração de políticas comerciais comuns, a começar pela própria política tarifária? O paradoxo que vale para o MERCOSUL “a quatro” vale também para o MERCOSUL “a cinco”: para avançar no projeto da união aduaneira (ou pelo menos para evitar de descartá-lo completamente) é necessário por de lado por algum tempo um de seus preceitos básicos (a TEC) como forma de evitar contratempos e atrasos em outros aspectos da agenda de integração que possam ser factíveis no curto e médio prazo (ex.: integração física). As negociações de aprofundamento de preferências bilaterais, mandatadas para começar em 1998, têm demonstrado resultados praticamente nulos. 2 16 Testando Premissas A premissa básica em que se insere o presente estudo é que a relação MERCOSUL-Chile é importante demais para deixar de ser repensada de forma a viabilizar um processo de integração consistente e duradouro. Desta premissa básica decorrem outras premissas cujo teste contribuirá para balizar o tratamento do tema, a saber: 4. Um processo de integração entre o MERCOSUL e o Chile deve fundamentar-se em realidades políticas, culturais (no sentido mais do que nada institucional) e econômicas; a integração econômica segue sendo a força motriz do processo porém não pode ou deve desvincular-se de outros aspectos que possam reforçar o empreendimento, ao relativizar prioridades e estabelecer novas estruturas de direitos e obrigações; 5. A percepção de inserção no mundo varia entre os países membros plenos do MERCOSUL e o Chile. Com efeito, o debate sobre inserção permanece em aberto em cada um dos cinco países, tornando o desafio da integração especialmente ambicioso, sobretudo dadas as pendências econômicas e sociais de cada país; 6. Um processo de integração não pode ter lugar sem que haja um considerável nível de coesão entre os países participantes. Coesão requer objetivos comuns e compromisso por parte dos protagonistas do processo. Um bloco coeso é um bloco que privilegia soluções comuns para seus problemas, um bloco que olha para dentro antes de se posicionar para fora. O teste de premissas portanto incide sobre três universos: a âmbito da integração, a visão de inserção no mundo e a viabilidade de coesão num bloco renovado. Integração Eclética O Político É indiscutível que a força motriz do processo de integração do MERCOSUL tem sido o comércio – ou seja, a integração comercial é a que tem sido a principal responsável pela evolução do bloco sub-regional. Isso no entanto não implica que o processo político em torno da integração do MERCOSUL tenha sido menos importante do que o processo econômico. É conhecido o fato que a integração que presenciamos hoje não teria sequer sido concebida e levada a cabo sem muita vontade política dos dois principais protagonistas sub-regionais: Brasil e Argentina. Como mencionado anteriormente no presente estudo, a determinação política exibida em momentos cruciais da história política e econômica dos dois países foi exemplar e evitou os piores riscos de desintegração ao mesmo tempo que apontou caminhos para crescentes níveis de integração. Estaríamos longe de poder afirmar que essa determinação política, seja em termos estáticos ou dinâmicos, iguala-se à uma integração política. No entanto, essa determinação foi 17 sempre vital em ditar rumos para o processo que, apesar de teor claramente econômico, desemboca por sua vez em maior convergência política. O processo é portanto um círculo “beneficioso” cuja gênese política requer progressos econômicos que possam perpetuar convergências políticas. No presente contexto, vale ressaltar elementos importantes de consideração relativos tanto à política interna quanto externa dos países em questão. À exceção do Paraguai, a política interna dos países do MERCOSUL e do Chile tem importantes traços de semelhança, decorrentes da condição comum de países recémdemocratizados, dotados de instituições atuantes porém carentes de reformas e de classes políticas relativamente pouco preparadas para enfrentar os desafios impostos tanto pela agenda nacional como internacional. Esse diagnóstico não é tão grave quanto pode parecer, dado o valor que representa a consolidação do regime democrático na sub-região, como garantia de que os rumos a serem trilhados serão pelo menos resultantes de processos pluralistas e abrangentes, ainda que complexos e de difícil manejo. Uma política interna nos moldes democráticos deverá seguir sendo um dos fatores determinantes mais importantes do futuro desenvolvimento dos países do MERCOSUL e do Chile e poderá tornar-se também um dos fatores indutores mais importantes do esforço integracionista na sub-região, dependendo do valor que esse esforço possa vir a ter na percepção do eleitorado e de seus representantes no médio e longo prazo. Nesse contexto, a agenda de reformas políticas nos países é também de grande relevância, de forma a capacitar regimes e agentes políticos e sociais a assimilarem demandas e agirem sobre questões de ordem sub-regional ou internacional. É na política propriamente externa que os mais imediatos desafios se apresentam para o aprofundamento da relação entre o MERCOSUL e o Chile. Em primeiro lugar, vale ressaltar que a relação entre os três (Argentina, Brasil e Chile), ou mesmo entre os cinco (incluindo a Uruguai e Paraguai), países participantes nunca foi tão boa, ou pelo menos tão “equilibrada”, num contexto tão complexo como o que se configura atualmente na subregião e no mundo. Esse fato, por si só, já representa um importantíssimo atout a ser preservado e cultivado, de forma a embasar qualquer novo esquema de relações que possa surgir a partir da dinâmica intrazona ou do enlace bilateral MERCOSUL-Chile atual. Uma maior explicitação de compromissos sobre temas políticos tais como a democracia, a paz ou os direitos humanos poderia ser especialmente positiva num novo contexto bilateral, sobretudo dada a crescente diferenciação que se estabelece entre o “eixo” MERCOSULChile e o resto da América do Sul. A possibilidade de concretizar uma posição de liderança política sub-regional não deve ser subestimada e representa uma forma efetiva de projetar um front comum e poderoso no contexto das presentes alianças multipolares. É evidente que a relação com as duas maiores superpotências atuais – os Estados Unidos e a União Européia, é central para o futuro de qualquer relação entre o MERCOSUL e o Chile. É lógico que a vertente propriamente econômica dessa relação é talvez a mais saliente, seja em virtude das cifras envolvidas, seja em virtude dos dois processos negociais atualmente em curso com vistas a uma liberalização comercial bilateral. No entanto, em temas propriamente políticos, o posicionamento que o MERCOSUL e o Chile optarem por privilegiar será também tanto mais forte quanto mais coeso for o “novo” bloco do cone sul. 18 Nos temas internacionais da atualidade, sejam eles os relativos à América do Sul, sejam eles os relativos ao mundo, um MERCOSUL+Chile renovado representará uma voz importante que não deixará de ser ouvida por nenhuma das duas superpotências ou por outras nações ou blocos de nações em outras partes do mundo. A lógica de que agir coletivamente é melhor do que agir individualmente aplica-se a países de todos os tipos e tamanhos, sobretudo no contexto de países cujas posições de princípio (democracia, paz, segurança, narcotráfico, meio-ambiente, normas trabalhistas, etc.) são em grande medida as mesmas. O Cultural O universo do que se refere aqui ao “cultural” é entendido como um conjunto de elementos que abrange além do cultural propriamente dito, o “social” e o “institucional”. As semelhanças entre as culturas nacionais do MERCOSUL e do Chile são conhecidas e são muito mais fortes do que é o caso entre os quinze atuais membros da União Européia, por exemplo – o que em princípio deveria facilitar objetivos e compromissos comuns. O que se constata, no entanto, é que por razões diversas, os trabalhos intra-MERCOSUL e MERCOSUL-Chile têm sofrido traumas e paralisações e que isso decorre apenas parcialmente de conjunturas externas. Existiria algo na própria cultura dos países, individual ou coletivamente, que seria também responsável por parte dos fracassos na subregião? A própria tendência de optar por objetivos inatingíveis (mercado comum em quatro anos), por exemplo, não seria prova de uma certa “falha” cultural? Ou será que a incapacidade de internalizar normas acordadas e/ou desrespeitá-las como se o MERCOSUL fosse apenas um detalhe diplomático não passaria de um fator conjuntural na vida de certos governos em certos países? Existe uma cultura comum que não funciona ou será que a cultura carece justamente de ser mais comum para poder funcionar? Esses são os tipos de perguntas do entorno socio-culturo-institucional que deveriam compor o cardápio de indagações fundamentais cujo esclarecimento poderia ajudar o processo subregional a progredir na direção de mais integração e mais disciplina. Claramente existem razões históricas que podem explicar uma série de diferenças e distinções entre as culturas nacionais da sub-região. Brasil, Argentina e Chile são países de origem ibérica, judeocristã, antigas colônias longínquas de suas metrópoles que em determinado momento tiveram a pretensão de se tornar independente e buscar um futuro próprio. Seus povos têm em comum uma ética que certamente não é em nada “weberiana” e conheceram durante muito tempo o que representa ser cidadão de um país que integra a “periferia” e não o “centro” do herdado sistema de nações-estado. Poder aproximar-se desse centro é uma aspiração cultural expressa e irreversível, restando hoje em dia apenas um poder de manobra em muitos aspectos limitado, com relação ao grau de aproximação que se pode desejar e/ou lograr. A verdade é que semelhanças ou distinções culturais, e suas conseqüências em nível nacional, não podem determinar por si só a vocação comum que uma região pode ter ou deixar de ter. Em outras palavras, a vocação integradora de um ou outro bloco não é algo 19 natural que emana sem restrições de atributos ou características consideradas favoráveis, condizentes ou indutoras. Vocação integradora é algo que se constrói com base em objetivos explicitados e compromissos cumpridos. Existe algo de extrema importância cultural em empreendimentos de integração que diz respeito à capacidade de se criar cultura: incitar nações-estado a se integrar requer a criação de uma cultura integracionista entre si e no seio de seus povos. O grande desafio do MERCOSUL e do Chile segue sendo lograr alcançar essa vocação e essa cultura – sem o que, qualquer esforço de aproximação ou aprofundamento permanecerá exposto a riscos de reversão e até mesmo deturpação. O Econômico O grande sucesso comercial representado pelo MERCOSUL está plenamente refletido nos dados sobre os fluxos de comércio de bens. No entanto, o fluxo só poderia aumentar já que o comércio era ínfimo e a própria geografia conspirava a favor de um crescimento natural das trocas sub-regionais. A anomalia era ter esse comércio reprimido por tanto tempo e por razões tão políticas. O volet investimento, no entanto, ainda não reflete o potencial que decorre da previsibilidade de disciplinas transparentes características de um acordo regional. A área automotiva se destaca não por um comércio livre que atraiu a presença de montadoras mundiais e sim por um comércio fundamentalmente administrado porém em grande consonância com as estratégias e necessidades de racionalização global das empresas investidoras. O livre comércio intra-zona seguiu grosso modo seu cronograma e hoje não existem tarifas aduaneiras entre os quatro Estados Partes. No entanto, o processo interno segue ameaçado por medidas não-tarifárias, unilateralismo, falta e "excesso" de instrumentos e suas conseqüentes controvérsias, o que historicamente encontra paralelos no processo de conformação da União Européia - em particular, durante as décadas de 70 e 80 quando o bloco europeu encontrava-se praticamente paralisado, em grande parte por inércia e inação própria. Nesse sentido, o MERCOSUL nos últimos anos parece ter claro a conveniência do objetivo máximo de conformar um mercado comum e até mesmo uma união econômica e monetária, porém na ausência de punho político forte o suficiente para forçar entendimentos em todas as áreas específicas que, juntas, permitirão a realização de tal objetivo. Seria diferente talvez se o MERCOSUL como um todo não soubesse o que quer. No entanto, dos quatro cantos da região afloram reiteradas confirmações de seguir no processo de integração e das benesses daí decorrentes. O que falta é uma visão e um plano comum de como projetar o bloco no futuro. O desafio é saber como enquadrar tarefas difíceis e delicadas num projeto que aponte para um futuro comum. Em relação ao comércio extra-zona, o objetivo fundamental de criar-se uma "barreira" externa comum como pedra angular de uma política comercial comum cumpriu-se, ainda que com grande hesitação e instabilidade, no que diz respeito a uma tarifa externa comum. O estabelecimento de uma TEC desde 1995, com cronograma de convergência para itens inicialmente excetuados até no máximo onze anos mais tarde (2006), foi uma grande realização e certamente sinalizou para o mundo que o MERCOSUL caminhava para uma política comercial comum. Seis anos mais tarde, testemunhamos uma política comercial 20 pouco coesa e certamente pouco comum em todos os aspectos que a deveriam compor, sendo sua maior saliência a negociação 4+ com vasta gama de países e de blocos regionais. Nesse contexto, uma das maiores façanhas do MERCOSUL tem sido sua presença como bloco ao lado de trinta outros países nas negociações para a conformação de uma Área de Livre Comércio para as Américas (ALCA). A façanha é tanto maior quanto é ausente uma política comercial verdadeiramente comum entre os quatro Estados Partes - seja em termos de medidas aduaneiras, de defesa comercial, ou da própria forma de "manusear" a TEC permitindo importantes perfurações (drawback, admissão temporária, zonas francas, etc.). Falta de clareza sobre temas como o próprio Chile, por exemplo, também não pressagia claros horizontes comuns, o que, no entanto, não impediu que compromissos nos mais altos níveis políticos fossem assumidos. Se existe um problema fundamental no MERCOSUL no presente momento, esse problema tem pouco a ver com as recentes demonstrações de discórdia e conflitos comerciais e muito a ver com o fato que a integração na sub-região está rapidamente atingindo um nível que requer uma nova visão de como proceder. O que se torna cada vez mais claro é que não basta cumprir as regras atuais ou mesmo flexibilizá-las – como é o caso com a barreira externa do MERCOSUL par excellence, a TEC; que não basta agregar assuntos à pauta negociadora e estabelecer prazos para a eliminação de barreiras entre os quatro países.; que não basta confirmar a cada seis meses nos mais altos níveis o compromisso de integração, anunciando a cada vez medidas pontuais que demonstram que o processo está meramente vivo, ainda que sem uma clara definição de como mantê-lo vivo no médio e longo prazo; e, certamente, que não basta falar em compromissos em demasia ambiciosos tais como a moeda única sem antes disso traçar caminhos para criar as condições necessárias tanto para a integração dos mercados propriamente dita como para a convergência macroeconômica. A questão de aprofundar a relação com o Chile surge portanto num momento especialmente fértil para novas estratégias e empreendimentos. Como é sabido, a relutância inicial por parte do Chile em associar-se ao MERCOSUL encontrava explicação na possibilidade de adesão ao NAFTA e na instabilidade econômica do Brasil e da Argentina, fatores que poderiam influenciar negativamente o comportamento e a qualificação da economia chilena e afetar o avançado grau de abertura econômica consolidado no país. Entretanto, o relativo sucesso do Plano Real na estabilização de preços, a dificuldade de associação ao NAFTA, o restrito tamanho do mercado chileno e a sua dependência do comércio exterior levariam o Chile a empenhar-se na busca da formação de acordos bilaterais ou de complementação econômica com os países membros da ALADI Associação Latino-Americana de Integração. Sem dúvida destacar-se-ia dentre todos seus esforços de integração a decisão de se associar aos países do MERCOSUL para formar uma zona de livre comércio ao mesmo tempo em que pleiteava sua inclusão no NAFTA. Seis anos mais tarde, a adesão plena do Chile ao MERCOSUL depende ainda em grande medida da estratégia que os quatro Estados Partes resolverem adotar para o bloco no médio e longo prazo. Se houver um reconhecimento de que elementos da política comercial do MERCOSUL tais como contemplados na prática até agora devam ser revistos, aprimorados ou, em alguns casos, descartados, a incorporação do Chile pode se tornar factível ou até mesmo atraente, dependendo dos novos objetivos acordados. Se, por exemplo, a estrutura tarifária chilena puder contribuir para tornar a estrutura da TEC mais condizente com as 21 realidades produtivas e de competitividade do MERCOSUL como um todo, talvez a negociação de uma barreira externa comum não seja tão difícil quanto possa levar a crer um exame mais detalhado do acordo já existente entre o MERCOSUL e o Chile – o ACE-35. Talvez o incentivo de reformular prioridades seja tão grande que novos quid-pro-quo’s possam ser estabelecidos entre os diversos temas de negociação, de forma a agilizar a conformação da área de livre comércio entre o MERCOSUL e o Chile ao mesmo tempo em que se viabiliza uma estratégia comum de inserção nos mercados internacionais para as duas partes. Nesse sentido, a adesão plena do Chile ao MERCOSUL só será viabilizada caso as negociações intra-MERCOSUL avancem – em particular, com relação ao futuro da união aduaneira e da estratégia do bloco perante países terceiros. A participação do próprio Chile nesse processo não deveria ser subestimada, sendo de especial utilidade na esfera da coordenação macroeconômica e dos demais temas institucionais. Inserção Diferenciada O Chile é o único país da América Latina que consolidou, desde meados da década de oitenta, as reformas estruturais necessárias à estabilização da economia. A robusta estrutura econômica do Chile transparecia desde 1991, ano de assinatura do Tratado de Assunção: um crescimento da ordem de 5%, com oito anos de crescimento ininterrupto, 18% de inflação anual e coeficiente de abertura comercial dos mais altos (40%) representado pela relação entre comércio internacional e PIB. Este cenário positivo se manteve e ressaltava a trajetória crescente das reservas estrangeiras que não foi revertida nem mesmo diante da crise do México. Enquanto todos os países da América Latina, especialmente a Argentina, tomavam drásticas providências para evitar a desvalorização de suas moedas, o peso chileno valorizou-se 7% ante o dólar em 1995. O país exibia a manutenção do crescimento ininterrupto, redução da dívida externa, acesso ao mercado voluntário de crédito, superávit comercial em ascensão, legislação restritiva a entrada de capitais especulativos, reforma tributária ampla, combate à sonegação, poupança interna comparável a dos “tigres asiáticos”, dentre outros indicadores positivos. Em processo paralelo à inserção chilena com base em uma economia de mercado aberta ao exterior, surgem preocupações com a diversificação de mercados e a especialização exportadora. Uma nova estratégia, então conhecida como "segunda fase exportadora", instaura-se fundamentada na necessidade de buscar a produção de bens de maior valor agregado, numa maior articulação dos setores produtivos com o exportador, melhoras de qualidade, e o desenvolvimento de exportações de serviços. Nesse contexto, tornavam-se imperativos os aumentos de produtividade, mais altos níveis de tecnologia e melhor gerenciamento de empresas. Vale ressaltar que nesse contexto insere-se também a ênfase de promover investimentos diretos chilenos no exterior com base nos excedentes da conta capital da balança de pagamentos chilena. 22 O restabelecimento do clima de confiança e a estabilidade da economia chilena contrastavam com a estagflação e o desalento que caracterizam boa parte dos países da América Latina – entre eles o Brasil e a Argentina. Entretanto, apesar do pioneirismo na implantação bem sucedida de planos de estabilização, o Chile mantinha de certa forma uma posição de isolacionismo no continente já que estava desde 1976 afastado do pacto Andino e sem se integrar ao MERCOSUL. A participação do Chile em acordos comerciais bilaterais inicia-se a partir da apreciação pelas autoridades nacionais do valor desses arranjos como instrumentos facilitadores do acesso de produtos chilenos a mercados protegidos ou cada vez mais definidos por preferências acordadas entre países membros de blocos de integração. Vários elementos justificam a mudança de posição chilena com relação a negociações sobre abertura comercial e integração, dentre os quais as vantagens de um sistema negociado de regras e disciplinas, inclusive sobre a solução de controvérsias, a possibilidade de inclusão de novos temas de interesse chileno tais como serviços e investimentos e o maior peso negocial adquirido quando membro de um novo bloco econômico. O perfil chileno de maior abertura possível para o exterior, seja através dos acordos da OMC, seja através de acordos bilaterais com países e/ou blocos de integração contrasta em certa medida com as estratégias adotadas pela Argentina e pelo Brasil. Apesar dos dois últimos países terem também adotado como estratégia geral uma abertura gradativa ao mundo centrada num regionalismo aberto, à diferença do Chile, Argentina e Brasil centraram seus esforços na conformação de uma união aduaneira sub-regional, negociando sua inserção na economia mundial em grande medida (em grau menor na área financeira do que na comercial) de forma conjunta, em acordos do tipo “4+”. O próprio Chile constituiu um dos países com os quais o Brasil e a Argentina, através do MERCOSUL, negociaram um acordo de livre comércio. O Chile mostra-se agressivo e pragmático na busca de parceiros preferenciais, celebrando uma multiplicidade de acordos bilaterais além de optar por um paradigma de disciplinas comerciais e não comerciais GATT-plus e em certos casos NAFTA-plus. Em contrapartida o MERCOSUL tem adotado uma postura mais cautelosa, preocupando-se com os impactos de esquemas de liberalização preferencial sobre sua indústria e seus mercados domésticos e tem como paradigma de disciplinas comerciais os acordos do GATT, enfrentando dificuldades para implementar propostas GATT-plus até mesmo em suas negociações internas. Esta diferença de paradigmas dificulta a negociação MERCOSUL-Chile pois implica enfoques diferentes em relação aos objetivos e à metodologia das negociações. Essa particularidade estratégica não é de pouca conseqüência e revela em grande medida uma diferença primordial nos processos de inserção perseguidos pelos três países. Ainda que a estratégia adotada pelo Brasil e a Argentina seja dificultada na prática por uma considerável falta de posicionamentos de fato comuns em temas de grande importância, a verdade é que existe e persiste entre os dois países uma vontade política significativa no seio do MERCOSUL para avançar em conjunto apesar das dificuldades. O contraste com o Chile tem sido bastante nítido nesse contexto. De uma certa forma, o que se coloca é até que ponto os contrastes da perspectiva chilena face a intenção por parte do Brasil e da Argentina de proceder em conjunto podem ser superados, assimilados ou transformados em 23 algo que possa contribuir para uma melhor inserção dos três países no mercado internacional. Além das particularidades das economias dos três países (maior ou menor ênfase nos setores primário, secundário e/ou terciário da economia, por exemplo), pesa muito o elemento político no questionamento estratégico das opções de inserção que se apresentam na conjuntura atual. A questão básica que se coloca é se os cinco países teriam a capacidade ou a vontade política de trabalhar para a conformação de um front verdadeiramente comum face ao mundo. Que isso seria bastante positivo para todos em termos de peso no jogo internacional de influências parece ser ponto pacífico. Resta saber se existe o substrato econômico que possa dar consistência a um tal empenho político. Ou ainda, resta saber se a possibilidade de fato existe de que, na falta de razões econômicas suficientes, se substitua um empenho político suficientemente poderoso para compensá-las. Coesão: Possível ou Não? Re-pensar a relação MERCOSUL-Chile implica considerar como tornar a relação mais previsível e concreta, menos vulnerável a fatores externos e mais sensível a demandas e oportunidades internas. Sendo a premissa básica a de que a relação pode fortalecer-se e com ela um “novo” bloco unido e talvez até único, torna-se imprescindível a abordagem do ingrediente central de toda integração: a coesão entre os países integrantes. Sem coesão não há integração e coesão só se consegue com uma adequada repartição de custos e benefícios entre os partícipes. Basta um desses partícipes não se considerar de alguma forma ganhador no processo de integração para que sua atitude seja menos do que comprometida com esse processo. Com tal falta de compromisso, o processo sofre como um todo e com ele a coesão do bloco. O MERCOSUL passa sim por um momento desafiador, e demonstrações de falta de coesão tais como as declarações individuais a favor da antecipação da ALCA ou as negociações individuais entre Estados Partes e terceiros países, o atestam com grande eloqüência. Coesão é uma questão de equilíbrio interno, entre direitos e obrigações e custos e benefícios repartidos entre os Estados Partes. Qualquer tentativa de restaurar o equilíbrio interno com compensações externas obrigatoriamente logrará precisamente o efeito oposto: o desequilíbrio interno. Coesão requer, portanto, que o “cálculo” do equilíbrio interno seja feito e respeitado, sem o que não existe coesão. Coesão significa união nas ambições e nos objetivos. Sem ela, é difícil imaginar que surja empenho político suficiente para engajar todos os protagonistas da integração num projeto comum, com metodologias adequadas ao ritmo e à lógica econômica, no contexto de instituições que inspirem segurança e previsibilidade nos direitos e nas obrigações. De uma certa forma, todos os problemas atuais do MERCOSUL, inclusive sua relação com o Chile, subordinam-se à capacidade do bloco de se auto-analisar e reestruturar o "tabuleiro" de interesses e compromissos. Uma das premissas básicas é que existem indícios suficientes para supor que falta coesão ao bloco e que novos quid-pro-quo’s devem ser estabelecidos. Como toda nova iniciativa, existem riscos e oportunidades, porém pode-se supor que é 24 difícil exigir cada vez maiores níveis de custos e obrigações na ausência de correspondentes níveis de benefícios e direitos. Um “salto para frente” pressupõe solidez “para trás”. Num processo de integração econômica que envolve a diversidade de interesses presentes numa região como o MERCOSUL, seria ingênuo supor que coesão seja algo que possa ser criado, forçado ou promovido apenas por esforços diplomáticos – na ausência de uma clara reflexão, nos compromissos acordados, dos limites de tolerância de cada país participante. Ou seja, a menos que o processo de integração aparente resultar e de fato resulte em progressos concretos para os partícipes, esse processo correrá sempre o risco de descarrilamento – ou, pelo menos, de falta de rumo. A questão, portanto, que se coloca é como assegurar que o processo de integração do MERCOSUL possa satisfazer (ou desagradar) igualmente a todos ao mesmo tempo em que aponte para um futuro, que além de comum, seja cada vez mais promissor. Ocorre, alternativamente, que na medida em que as relações econômicas entre os membros do bloco se estreitam, o que se entende por futuro promissor necessariamente deve ser comum – ou seja, um futuro comum deixa de ser uma opção e passa a ser uma necessidade. Para os países pequenos do bloco talvez isso seja mais manifesto dado o vínculo natural que se estabelece entre fluxos de comércio, finanças e investimento e o crescimento de seus parceiros comerciais. Para os países grandes, além de prevalecer, ainda que num grau menor, a mesma lógica de vinculação entre os fluxos sub-regionais, sobressai-se também a opção de inserção no mercado internacional – seja pela maior concorrência introduzida de forma gradativa pelo comércio intra-zona, seja pela agregação de eficiência proporcionada pela integração física com países vizinhos e contíguos, seja pelo maior peso específico que a sub-região logra atingir num mundo de blocos regionais. Assegurar a coesão implica portanto assegurar um equilíbrio de direitos e obrigações, e custos e benefícios entre os países membros, de forma a torná-los zelosos do processo de integração e a identificar nele sua melhor opção estratégica de inserção. Equilíbrios resultam de um exercício de dar e receber, onde os benefícios compensam custos, e direitos compensam obrigações. Coesão nesse sentido requer trocas entre países membros, de forma a tornar o processo interno do bloco um atrativo maior do que uma inserção direta no mercado internacional. Como lograr essa façanha é o grande desafio de aprofundar a relação MERCOSUL-Chile. Os elementos de troca devem ser explicitados e um sistema de pesos e medidas concebido num esforço de harmonizar as percepções de ganhos e perdas. Se o conceito de troca se limitar à esfera econômica, é difícil vislumbrar um equilíbrio de benefícios entre os Estados Partes do MERCOSUL e o Chile. Os seguintes elementos ilustram algumas das dificuldades nesse contexto: • Além da questão tarifária não representar grandes ganhos para o MERCOSUL dado o nível já reduzido da tarifa linear chilena aplicada ao resto do mundo, o tamanho do mercado chileno contrastaria em grande medida com o tamanho do mercado de suas contrapartes. • Além disso, na medida em que o Chile já se adiantou na eliminação de medidas não-tarifárias, como resultado de seu cumprimento dos acordos da OMC ou de 25 outros acordos de livre comércio, os Estados Partes do MERCOSUL, mesmo sem negociação, já competem com o resto do mundo em condições não-discriminatórias – ou seja, os Estados Partes do MERCOSUL já competem em condições de igualdade com o resto do mundo no mercado chileno no tocante a medidas nãotarifárias, de forma que um aprofundamento do ACE-35 nesse aspecto não traria nenhuma expansão de comércio para o MERCOSUL. Já a recíproca (a eliminação de medidas não-tarifárias no MERCOSUL) seria verdadeira, tornando o Chile um grande ganhador nesse hipotético intercâmbio de liberalização não-tarifária. • A situação é semelhante em serviços e compras governamentais: além das diferenças de escala dos mercados em questão, o Chile se beneficiaria de um grande efeito liberalizador por parte do MERCOSUL em setores que ainda exibem grandes deficiências regulatórias, enquanto que o MERCOSUL melhoraria em muito pouco seu atual empenho exportador, dado que o mercado chileno de serviços já se encontra em grande medida aberto para interesses de países terceiros. Uma vez mais, a recíproca é verdadeira, tendo o Chile muito a ganhar com uma genuína abertura dos mercados de serviços do MERCOSUL3 Mesmo se adotando uma visão mais neo-clássica dos benefícios do comércio internacional e da abertura comercial, visão essa que rejeita a noção de que o comércio seja um jogo de soma zero (“zero-sum game”) ou a perspectiva de que o custo de abrir mercados para o Chile, dada a sua dimensão econômica, não é tão alto e por isso poderia ocorrer sem grandes custos para o MERCOSUL, a verdade é que os benefícios econômicos de um aprofundamento da abertura comercial nos países do MERCOSUL, em particular no Brasil e na Argentina, nitidamente seriam maiores em termos relativos para o Chile4 do que seriam os benefícios na situação inversa para o MERCOSUL. Além disso, a teoria neoclássica deixa de incorporar o fato de que negociações, cujos benefícios econômicos são percebidos como mal distribuídos entre os países participantes, podem encontrar considerável resistência política nesses países e se tornarem inviáveis. O que a teoria neoclássica negligencia portanto é a economia política das negociações comerciais. A necessidade de compensar concessões é um conceito importantíssimo nessas negociações e independe dos ganhos reais proporcionados pela maior concorrência e previsibilidade normativa nos mercados domésticos. A necessidade de compensar depende de percepções da realidade, e não da realidade em si, constituindo assim um conceito por natureza político que apesar de sua natureza não pode ser descartado da consideração de acordos de integração. É importante que fique claro que a verdadeira troca entre o MERCOSUL e o Chile possivelmente deverá extrapolar o domínio econômico para adentrar o domínio político, o fazendo de duas formas distintas: Persistem, é claro, importantes diferenças de grau de abertura entre as quatro economias do MERCOSUL. No agregado, no entanto, é indiscutível que o Chile tenha avançado mais na liberalização de seu setor terciário do que o fizeram os Estados Partes do MERCOSUL. 4 É evidente que em termos absolutos a tendência é que os números sejam maiores para as exportações chilenas do que para suas contrapartes do MERCOSUL 3 26 • No contexto de temas de teor propriamente político, tais como defesa e segurança, narcotráfico, direitos humanos, etc.; • No contexto de temas de teor propriamente econômico, onde a decisão política pode ser determinante para alterar rumos e compor novas estratégias. A decisão de se fazer representar como um bloco em foros internacionais políticos tais como as Nações Unidas se insere no primeiro contexto referido acima. Já a decisão de permitir ou não a países membros de um acordo de integração a negociação individual de acordos com terceiros países, por exemplo, se insere no segundo contexto: teor econômico, decisão política. Um quid-pro-quo que compensaria “desequilíbrios” econômicos, ou que pelo menos viabilizaria a aceitação política de um aprofundamento da relação MERCOSUL-Chile, necessariamente envolveria compromissos políticos de ambas as naturezas. É de se esperar, portanto, que o MERCOSUL necessite de gestos políticos que demonstrem o empenho político chileno de aprofundar a relação e viabilizar um bloco de integração que “olha para dentro antes de se posicionar para fora”. Se esse tipo de “compensação” não existir, é difícil imaginar que algo um pouco além do já existente ACE35 possa assegurar um bloco coeso: faltará coesão porque nas horas cruciais o risco dos países agirem individualmente seria grande já que os desequilíbrios “internos” ao agrupamento teriam de ser resolvidos através de ações e atitudes “externas” a ele. Existe uma janela de oportunidade que emana da crise atual por que passa o MERCOSUL, porém se a intenção for de aproveitá-la é imperativo que se aja rápido: as demandas externas de negociação com o MERCOSUL, em particular as referentes à ALCA e à União Européia, exigem uma definição antes que seja tarde demais. Tanto para o Chile como para o MERCOSUL as chances de extrair concessões em áreas de interesse nessas negociações dependem diretamente da capacidade do bloco de se ajustar, se unir e se projetar para fora como uma entidade coesa e firme em seus propósitos. A decisão política que falta para que um MERCOSUL “à cinco” seja realidade diz respeito não tanto à inserção internacional que cada país membro privilegia e sim à inserção internacional que lhes é imposta pelas várias formas de protecionismo localizado por parte dos países da OCDE. Mais do que um aprofundamento da relação MERCOSUL-Chile nos moldes do acordo já existente o que se deveria buscar é uma reforma e transformação desse acordo em algo muito mais significativo: um bloco coeso e eficaz na defesa de seus interesses, cuja marca possa impor respeito e assim extrair concessões dos grandes parceiros comerciais da sub-região. Conclusão Os eventos mais recentes presenciados no MERCOSUL representaram a culminação de uma situação já então reinante no bloco de insuficiência conceitual e institucional. Problemas bilaterais e atitudes unilaterais simplesmente refletiram a falta de foros, instrumentos e objetivos estratégicos comuns, o que na conjuntura atual representa uma oportunidade para repensar rumos e metas quadripartites. A relação com o Chile tem um lugar especial nesse contexto, representando ao mesmo tempo um desafio talvez mais viável do que em momentos passados assim como um elemento possivelmente facilitador e 27 agregador para o MERCOSUL na medida em que contribua para uma definição do posicionamento da sub-região perante o resto do mundo – a começar pela própria América Latina. Em face da possibilidade de benefícios econômicos bastante desiguais entre os protagonistas de uma relação MERCOSUL-Chile renovada, repensar essa relação implica ir além do âmbito econômico e buscar uma integração “eclética” onde variáveis de cunho político e sócio-cultural possam também figurar de maneira proeminente no mosaico de direitos e obrigações, custos e benefícios, e interesses sistêmicos e localizados, possivelmente resultantes de um novo esforço negociador. Além dos pesos e medidas que a premissa de “integrar ecleticamente” introduz à análise, outros elementos de valor deverão compor o quadro analítico: as diferenças de visão de inserção no mundo entre as partes e a viabilidade de coesão que possa exibir um “novo” bloco MERCOSUL-Chile. Existem boas razões para se supor que seja possível e amplamente desejável aprofundar a relação MERCOSUL-Chile, repensando matizes já existentes entre as duas partes e projetando possíveis compromissos comuns face ao desafio da globalização e da regionalização que se observa com muito vigor em todo o mundo. Partindo da premissa de que existe um claro interesse estratégico por parte de ambas as partes de estabelecer uma frente unida que possa ter mais peso no jogo de blocos característico das relações internacionais do momento, o trabalho passa a ser rico em detalhes e demandante de grande criatividade. O desafio é grande, porém não pela falta de elementos com os quais compor uma nova relação.