A Taxa de Propaganda e Publicidade
Roberto Tauil – janeiro de 2007.
A imprensa noticiou, recentemente, um caso interessante: a Prefeitura do Rio de
Janeiro considerou como propaganda a estampagem da marca e do número do
DDD da empresa telefônica nos orelhões públicos espalhados pela cidade. E por
este motivo, está lançando a correspondente taxa de propaganda contra a
empresa de telefonia.
Voltam, então, as conhecidas perguntas: "estampar a marca de uma empresa já
se basta como fato gerador da taxa de publicidade?"; "o que vem a ser, afinal,
propaganda e publicidade?"; "qual é, de fato, o fato gerador da "Taxa de
Propaganda e Publicidade?". Pretendemos responder neste artigo tais perguntas,
ou, quem sabe, criar uma perplexidade maior.
Algumas leis municipais
As leis municipais adotam diversas definições relativas ao fato gerador desta taxa.
A lei do Rio de Janeiro diz assim:
"A Taxa de Autorização de Publicidade tem como fato gerador o exercício regular,
pelo Poder Público Municipal, de autorização, vigilância e fiscalização, visando a
disciplinar a exploração de meios de publicidade ao ar livre ou em locais expostos
ao público".
Já a lei do Município de Curitiba define de forma diferente:
"É hipótese de incidência das taxas de que trata o artigo anterior, a atividade
municipal de vigilância, controle e fiscalização do cumprimento da legislação
específica ditada pelo exercício do poder de polícia na salvaguarda do interesse
público, relativamente à pretensão do interessado".
Observa-se que o legislador curitibano partiu de uma premissa genérica ao
identificar o fato gerador das taxas de poder de polícia, entre as quais assinala a
que denomina simplesmente de "taxa de publicidade", enquanto o do Rio de
Janeiro especifica a autorização.
O Município de São Luiz legisla de forma mais meticulosa:
"A taxa de licença para publicidade será devida pela atividade municipal de
vigilância, controle e fiscalização quanto às normas concernentes à estética
urbana, a poluição do meio ambiente, higiene, costumes, ordem, tranqüilidade e
segurança pública, a que se submete qualquer pessoa que pretenda utilizar ou
explorar, por qualquer meio, publicidade em geral, em vias e logradouros públicos
ou em locais visíveis ou de acesso ao público, nos termos do regulamento, sendo
que:
a)
sua validade será a do prazo constante no respectivo alvará;
b)
não se considera publicidade as expressões de indicação, tais como placas
de identificação dos estabelecimentos, tabuletas indicativas de sítios, granjas,
serviços de utilidade pública, hospitais, ambulatórios, prontos-socorros e, nos
locais de construção, as placas indicativas dos nomes dos engenheiros, firmas e
arquitetos responsáveis pelo projeto ou pela execução de obra pública ou
particular".
Nota-se que o legislador da Capital do Maranhão excluiu, pelo menos para efeitos
tributários, do conceito de publicidade as placas exclusivamente identificativas dos
estabelecimentos, além de outras dispensas.
Neste teor, uma placa na frente de um bar, com os dizeres: "Bar do Manoel", seria
publicidade ou mera indicação do nome do estabelecimento? E o famoso símbolo
do McDonalds, na frente da lanchonete, seria publicidade ou placa identificativa?
Temos, porém, outras questões a desvendar. O fato gerador no Rio de Janeiro
ocorre, conforme o enunciado da lei, no momento da autorização da licença, mas,
aparentemente, permanece a incidência por força da atividade regular de
vigilância e fiscalização. Em Curitiba e São Luiz a incidência decorre do exercício
de vigilância, controle e fiscalização, atuações regulares e permanentes, dando a
entender que a taxa é cobrada anualmente, mas não pela licença inicial.
Tais assuntos serão discutidos mais adiante. Vamos, inicialmente, comentar o
conceito de propaganda e de publicidade.
Conceito de propaganda e publicidade
Propaganda:
A palavra propaganda é originária do latim (propaganda, gerúndio de propagare),
que significa "coisas que devem ser propagadas", ou seja, propagação de
princípios, idéias, conhecimentos ou teorias.
Publicidade:
A palavra publicidade, derivada do francês publicité, tem a qualidade do que é
público, aquilo que é feito em público.
Assim, a propaganda está mais vinculada ao verbo, propagar, gerar uma
informação, divulgar, enquanto a publicidade está mais ligada ao substantivo, o
nome, ou ao adjetivo, a qualidade.
Poderíamos, então, dizer que a propaganda é o conjunto de técnicas de
divulgação, com o objetivo de persuadir e influenciar pessoas sobre determinado
sentido. Já a publicidade é o resultado do objeto aplicado.
Por sua vez, A American Marketing Association, segundo o Dicionário Brasileiro
de Comunicação – 1977, define propaganda e publicidade da seguinte forma:
Propaganda – 1. Qualquer forma impessoal (non personal) de apresentação e
promoção de idéias, bens e serviços, cujo patrocinador é identificado. 2.Técnica
de criar opinião pública favorável a um determinado produto, serviço, instituição ou
idéia, visando orientar o comportamento humano das massas num determinado
sentido.
Publicidade - 1. Divulgação, ato de tornar pública alguma coisa, notícia, fato;
informação pública. 2. Propaganda comercial. 3. Técnica de informação (paga ou
graciosa), sobre idéias e fatos de interesse de empresas, governos ou outras
instituições, sem que necessariamente se identifique o patrocinador.
Neste contexto, e para fins de cobrança da taxa de que se trata, as expressões
propaganda e publicidade podem ser consideradas sinônimas, não provocando
qualquer indisposição jurídica denominar a taxa apenas de publicidade, ou de
propaganda.
Vale ressaltar que a propaganda pode ser de um determinado produto, cujo
objetivo é o de procurar vender o produto, e institucional, quando o objetivo é o de
procurar conseguir firmar o nome ou a imagem de uma empresa ou instituição.
Com base neste aspecto, um letreiro fixado em local público, apenas com o nome
ou a marca de uma empresa, não deixaria de ser propaganda ou publicidade. O
objetivo, neste caso, não é de vender determinado produto, e, sim, de fixar a
imagem institucional da empresa.
Neste particular, foi visto que o Município de São Luiz não considera publicidade
as placas de identificação do estabelecimento, dando a entender que o letreiro
frontal ao estabelecimento serviria apenas como identificação. Deste modo, a
placa "Bar do Manoel", em frente ao bar, ou o símbolo do Mc Donalds, em frente
da lanchonete, serviriam, tão-somente, para identificar o estabelecimento? Mas, o
grande totem do Carrefour, por exemplo, instalado no pátio do supermercado,
visto, porém, a longa distância, não seria publicidade?
Na verdade, em termos exclusivamente conceituais, qualquer placa ou letreiro,
mesmo instalado em frente ao estabelecimento, não deixa de ser publicidade. O
que o legislador de São Luiz decidiu foi, apenas, desconsiderar esse tipo de
publicidade para efeitos de incidência da taxa.
Poder de Polícia
Sabe-se que todas as taxas são vinculadas à contraprestação de um serviço
público, ou ao exercício do poder de polícia administrativa. Interessa-nos, no caso,
o exercício de poder de polícia.
A expressão polícia transmite a idéia de manter a boa ordem pública. Ensina
Bernardo Ribeiro de Moraes (1) que a expressão "poder de polícia" (police power)
surgiu pela primeira vez, em 1827, utilizada por Marshall, no caso Brown x
Maryland, alcançando questões sobre a segurança, moralidade ou salubridade
públicas. A expressão foi, assim, fruto de criação jurisprudencial, passando a
Suprema Corte Federal americana a entender na expressão um sentido de
interesse público em geral, não restrita à manutenção da ordem e da segurança.
Poder de polícia nos remete, então, ao bem-estar público, tendo a Administração o
dever de assegurá-lo, mesmo com o uso de restrições à liberdade plena dos
cidadãos e da propriedade privada. O poder de polícia pode ser malefício para
alguém quando for, ao mesmo tempo, benefício para a coletividade.
Dentro do direito positivo, surgiram, assim, normas jurídicas de restrições a
liberdade individual e obrigações de não-fazer, em vista do interesse coletivo,
estendendo ao Estado o direito e o dever de interferir e disciplinar os diversos
campos da vida social.
O Código Tributário Nacional traz o conceito de poder de polícia:
"Art. 78. Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que,
limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou
abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à
higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao
exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do
Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos
individuais ou coletivos".
Observa-se, portanto, que a característica fundamental do poder de polícia é o
interesse público, quando concernente aos aspectos relatados. Em outras
palavras, qualquer atividade lícita exercida por um particular, que não prejudique o
interesse público nos aspectos discriminados, estaria excluída da ação de poder
de polícia exercida pelo Estado. Um bom exemplo são os impressos distribuídos
na porta dos supermercados com as ofertas de produtos. Se tais impressos são
exclusivos aos freqüentadores do estabelecimento, entregue nas suas portas, que
prejuízo irá provocar ao bem-estar público? Ao contrário, interessa aos fregueses
saber os produtos ofertados. Entretanto, se os mesmos impressos são distribuídos
nas vias públicas, provocando sujeira nas calçadas e aumentando o trabalho de
limpeza, o impresso, que não deixa de ser uma forma de publicidade, estará
prejudicando a higiene e, por conseqüência, o interesse público.
Neste teor, vale a pergunta: em que afeta o interesse público uma placa fixada na
porta da sala de um prédio, com os dizeres: "Dr. Pedro Álvares Cabral –
Advogado"? Esta placa seria uma publicidade? Sim, não deixa de ser publicidade,
mas não poderia ser alvo de poder de polícia se em nada interfere com o interesse
público! Evidente que há placas e placas, mas desde que obedeça às normas do
condomínio, em tamanho e formato, não há que se falar em poder de polícia e,
pior, em cobrança da taxa respectiva.
No dizer de Antonio Theodoro Nascimento (2), "a União, Estados e Municípios
exercitam o poder de polícia, reprimindo atividades ilícitas e regulamentando e
fiscalizando as lícitas, na medida em que o interesse da coletividade o reclamar".
E a propaganda/publicidade pode afetar o interesse da coletividade nos seguintes
aspectos:
- segurança;
- higiene;
- urbanismo;
- propriedade;
- meio ambiente;
- costumes;
- tranqüilidade pública.
A segurança é um dos fatores de maior importância no exercício do poder de
polícia. Um letreiro pendurado na marquise, um engenho instalado no terraço de
um prédio, um boneco gigante sobre um posto de gasolina, são exemplos que
exigem do Poder Público uma autorização prévia e fiscalizações periódicas, com
vistas a proteger os moradores e transeuntes.
A higiene está mais restrita à distribuição de panfletos nas ruas. Muitos Municípios
ignoram, não proíbem, ou fiscalizam, essa desenfreada distribuição de
propaganda. Em certas ocasiões, há mais distribuidores de panfletos nos sinais de
trânsito, do que malabaristas e limpadores de pára-brisas! Uma concorrência
injusta com as crianças.
As normas de urbanismo de uma cidade vedam, em geral, a livre instalação de
painéis de propaganda, limitando-os a espaços previamente autorizados. Há,
também, Municípios que não permitem letreiros de tamanhos superiores ao
previsto em regulamento. Tem uma cidade no Brasil (por nós visitada), que não
permite ao comércio pendurar papéis ou cartolinas com nomes de produtos e
respectivos preços na frente do estabelecimento. Enfeia a cidade. A lei prevê
multa severa para quem a desobedece.
O direito de propriedade deve, também, ser protegido dos anúncios de
propaganda e publicidade. Placas e letreiros podem prejudicar a visão de uma
propriedade vizinha, ou atrapalhar sua atividade comercial. Há que considerar,
neste aspecto, também, os bens públicos que não podem ser instrumento de
propaganda, como os viadutos, as pontes e até mesmo os postes e orelhões que
não são bens públicos, mas de utilidade pública.
A instalação de publicidade em locais protegidos é normalmente proibida. Fincar
um outdoor no meio de um bosque, colocar propaganda nas areias da praia, pintar
a pedra de um morro, são poluições visuais que as leis de posturas não toleram,
ou não deveriam tolerar.
Apesar da mudança persistente nos costumes, ainda temos certas tradições que
deveriam ser respeitadas pelos anunciantes. A velha expressão "bons costumes",
corroída neste tempo de sociedade em rede, resiste sobranceira em alguns
resquícios de suas origens que ainda constituem elementos da nossa cultura.
E, finalmente, a tranqüilidade pública, a ser observada na autorização de
propaganda e publicidade. A preservação do sossego público é dever da
Administração, mas, infelizmente, pouco atendida. Carros de som, caminhões de
gás com corneta, bicicletas com alto-falante, tem de tudo. E (por que não?) até
mesmo sinos de igreja badalando em horário impróprio.
A Taxa de propaganda e publicidade
Todos sabem que taxa é um tributo cujo valor está destinado a custear a
contraprestação do serviço público correspondente. Aliás, a receita proveniente de
taxa deveria ser dinheiro carimbado, isto é, para uso exclusivo de manutenção do
serviço que a origina. Mas, não é assim. O dinheiro entra na vala comum do cofre
público e nada se conjuga entre a compatibilidade da receita com o custo a ser
mantido. São poucos os administradores que procuram examinar se a taxa está
dando "lucro" ou "prejuízo". Se estiver dando "lucro", significa que o seu valor está
superestimado. Se estiver dando "prejuízo", significa que o serviço está oneroso
demais, ou a taxa está subestimada. Em ambos os casos, porém, constata-se
uma deficiência de gestão. Ou se melhora o serviço, ou se reduz o valor da taxa,
este seria o caminho.
De qualquer forma, a taxa de propaganda e publicidade é legítima se houver,
como em todas as taxas, a contraprestação da atividade pública. Se a
Administração Pública não fizer a sua parte, não há custo a ser coberto, não há
taxa.
É preciso, pois, quadro fiscal regular, estável, de carreira, com funções
regulamentares, descritas em lei, com atribuições de examinar, autorizar, controlar
e fiscalizar as propagandas e publicidades requeridas. Não se trata de um exame
preliminar que somente licencie o objeto: é um trabalho permanente, de
sucessivas intervenções, com o propósito de constatar se a propaganda
permanece em condições normais de uso, principalmente no aspecto de
segurança.
Não há, porém, que se alegar que a taxa só é legítima quando houve,
concretamente, a fiscalização da publicidade. O fundamental é a existência real do
poder de polícia. A fiscalização anda nas ruas e só intima ou notifica contribuinte
quando constata visualmente alguma irregularidade. De resto, passa ao largo,
sem incomodar o responsável pela publicidade. Não significa, portanto, que não
houve fiscalização; não houve, apenas, formalização da fiscalização.
Ao mesmo tempo, não deve a Administração descuidar-se de sua
responsabilidade. Se um letreiro desprender-se da marquise e cair na cabeça de
um transeunte, por motivos evidentes de má conservação, a Prefeitura será tãoresponsável quanto o dono do estabelecimento, por incúria e omissão. O tal
poder-dever da Administração transmite a idéia de obrigação de fazer, de cuidar, e
não apenas força de poder.
E não alegar, também, que o letreiro era "clandestino", não autorizado. Ora, cabe
à fiscalização cumprir a lei, reprimindo e autuando quem instalou letreiros
irregulares. Além de autuar o infrator, exigir sua retirada imediata. Afinal, o poder
de polícia visa o bem-estar da coletividade. Por isso, mesmo não licenciado, a
responsabilidade da Administração se mantém perante a Justiça.
O valor da taxa
As leis de diversos Municípios estabelecem como base de cálculo da taxa de
propaganda e publicidade o tamanho ou o espaço ocupado pelo anúncio. A nosso
ver, tamanho ou espaço ocupado nada tem a ver com o preço da taxa, pois em
nada altera o trabalho da fiscalização. Tanto faz fiscalizar um anúncio de dois
metros quadrados e um de três metros quadrados.
A diferença está na complexidade do engenho. Evidente que um engenho
luminoso, pesado, instalado no terraço de um prédio, que exige até projeto de
engenharia, leva um tempo bem superior de fiscalização do que um simples
letreiro preso na fachada de uma loja. O custo do primeiro é, logicamente, superior
ao segundo.
Em uma decisão do STJ (R/E 78.048/SP) (3), o relator, Ministro Ari Pargendler,
escreveu: "A Taxa de Licença de Publicidade não pode ter como base de cálculo o
espaço ocupado pelo anúncio na fachada externa do estabelecimento, porque o
trabalho da fiscalização independe do tamanho da placa de publicidade (CTN, art.
78)". Concordamos com o Ministro.
O melhor caminho de estabelecer a base de cálculo da taxa seria a de fixar
valores por unidade, distinguindo apenas por espécie de anúncio: letreiro simples
fixado em parede, letreiro sob marquise, engenho luminoso, cartaz colado,
outdoor, panfleto, carro de som etc.
Há, também, uma nítida diferença de trabalho entre o momento da concessão da
licença e a fiscalização posterior, anual. A licença inicial exige maiores custos da
Administração, ocupando mais servidores na análise do pedido e no
processamento. Por conseqüência, a taxa inicial deveria ter um valor diferenciado,
superior aos demais.
(1) – "Compêndio de Direito Tributário", 5ª ed., 1º Volume, Rio de Janeiro,
Forense, 1996.
(2) – "Preços, Taxas e Parafiscalidade", Tratado de Direito Tributário Brasileiro,
Coord. de Aliomar Baleeiro, Rio de Janeiro, Forense, 1977.
(3) – Transcrita da obra de Célio Armando Janczeski, "Taxas - Doutrina e
Jurisprudência", Curitiba, Juruá, 2000.
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