COMUNIDADES DE PRÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS Resumo Neste trabalho discuto as Comunidades de Prática (CoP), como possibilidade de inovação na escola, baseada em M. Marques, em Wenger e Lave, criadores dos conceitos de CoP e aprendizagem situada, mesclando a teoria com a minha prática pedagógica, num exercício de práxis educativa. Procuro criticamente prospectar possibilidades de superação da escola tradicional, cotejando‐as com práticas contemporâneas como os coletivos de arte e mais especificamente com a Escola da Ponte portuguesa. Palavras‐chave: comunidades de prática; aprendizagem situada; ciências. Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli FURG [email protected] X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.1
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COMUNIDADES DE PRÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli INTRODUÇÃO Inicialmente esclareço o que entendo por inovações: são mudanças que persistem, revelando‐se como marcos temporais epistemológicos, operando transformações duradouras na educação. Essa definição é importante, pois há muitas tentativas de mudanças, dados os graus de ineficiência da escola e por outro lado, a consequente busca por melhorias. Assim mudanças são tentadas, em termos práticos e teóricos, mas nem todas chegam a constituir‐se inovações. Um exemplo são os tempos e as rotinas escolares que ainda obedecem à lógica fordista: sinais sonoros de entrada, saída, marcação dos tempos das aulas, fila formada pelos alunos, etc. Essa lógica persiste na escola em geral há cerca de cem anos, em que pese as teorias educacionais desenvolvidas e implantadas ao longo desse tempo. Isso demonstra que essas teorias não trouxeram inovação verdadeira às práticas escolares, pois não foram capazes de operar mudanças. Saviani, in Garcia 1995, estabelece quatro níveis de inovação em educação, iniciando por modificações apenas nos métodos, passando por meios para‐institucionais para atingir as finalidades educacionais e no 4º nível, mudam as finalidades da educação, buscando‐se os meios adequados para alcançá‐las. Divido o texto em três partes, considerando a contextualização da educação, onde já insiro algumas ideias sobre CoP, trazendo o conceito de aprendizagem situada e finalmente propondo vários questionamentos amadurecidos ao longo da escrita. Embora compreendendo os efeitos das dinâmicas do macrocosmo (sistemas escolares) no cotidiano escolar, vou centrar a análise no cosmo e no microcosmo, que são respectivamente a turma no seu ambiente de aula e certos grupos que se formam, ocasionalmente em uma turma. A esses grupos especiais, extemporâneos, que muitas vezes mantem e espraiam suas atividades para além do objetivo inicial, estou chamando microcosmo e é neles que por vezes ocorrem interações com potencial de transformarem‐se em CoP. O leitor crítico deste texto pode argumentar que não vale a pena deter‐se em fenômenos escolares extemporâneos e ocasionais. Porém tomo emprestado da teoria de sistemas, a ideia de que propriedades emergentes podem surgir e de fato surgem no ambiente escolar, quando se propicia aos alunos certas atividades que combinam X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.2
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COMUNIDADES DE PRÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli liberdade, responsabilidade e autonomia. Entretanto, na maioria das vezes, essas propriedades que poderiam ser geradoras de novas formas de organização da aula e da escola, são desperdiçadas, em favor das dinâmicas já instituídas. Note‐se aí o contrassenso existente no fato de estarmos todos cientes da necessidade de mudanças na educação; e ao mesmo tempo, na prática, resistentes a propostas inovadoras, se elas macularem a organização escolar, como a regulação dos tempos, dos espaços e das atividades. Exemplifico: certa vez tive um aluno que se interessava muito pelas Ciências Naturais e pela tecnologia, por isso amava as aulas de Ciências, entretanto estava em uma condição psicológica que não lhe permitia querer dedicar‐se às outras disciplinas. Percebendo essa situação, propus à escola que o deixasse passar a manhã no laboratório de Ciências, exercendo um papel como o de um monitor, auxiliando na aula, no preparo de experimentos, propondo explicações para os fenômenos, com o compromisso que eu, como professora faria todo empenho para que o aluno retornasse a sua turma, assim que se sentisse apto. A ideia era não perdê‐lo e ir fazendo com que ele encontrasse sentido nas demais atividades escolares. A escola considerou a minha proposta inadequada e o aluno evadiu‐se, pois não se enquadrou no esquema escolar. Estudando posteriormente a esse episódio, o conceito de aprendizagem situada de Lave, que embasa o estudo de Wenger sobre CoP, encontrei respaldo teórico, em termos de aprendizagem situada, para essa proposta. Lave considera que a aprendizagem é indissociável da prática social, questiona a noção de transferência de conhecimentos (pedagogias tradicionais), à qual contrapropõe a noção de aprendizagem situada, entendida como construção de competências no engajamento em práticas sociais, em grupos sociais e em contextos específicos. Foi isso precisamente que propus proporcionar ao aluno. Segundo Wenger e Lave: “os alunos inevitavelmente participam de CoP...” (Lave e Wenger 1991, p. 29, tradução minha). Se isto é verdade, me parece que há um fenômeno de aprendizagem acontecendo, necessitando que nós professores façamos um esforço para enxerga‐lo e agir de acordo, na perspectiva de descentralizar a práxis educativa do ensino, guiando‐a para a aprendizagem. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.3
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COMUNIDADES DE PRÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli O exemplo concreto descrito convida a refletir sobre quantos alunos nossos historicamente fazem esse percurso de inadequação, desinteresse, ausências até evadir‐
se da escola. Será que adequações particulares não teriam revertido situações como essa e ainda proporcionado novas perspectivas de dinâmicas escolares? Esse caso mostra ainda que embora se diga e escreva‐se – em documentos oficiais, trabalhos acadêmicos e fóruns diversos – que a escola irá centrar a sua ação na aprendizagem, considerando as particularidades de cada aluno, ela segue cegamente, centrando a sua ação no ensino e, mais agudamente, nas metodologias tecnicistas que privilegiam a uniformização e a padronização, traduzida nos escores, registros, controle das atividades, dos tempos e dos espaços. A partir desse diagnóstico, proponho o estudo do que eu identifico como embriões das CoP na escola, embora a sua ocorrência seja esporádica e circunstancial, mas ainda assim com potencial de ser útil à práxis educativa e à aprendizagem dos alunos. Algumas reflexões sobre CoP As CoP ocorrem predominantemente à distância, através das mídias digitais. Os elementos das CoP são o domínio, a comunidade e a prática, sendo que o primeiro é o que forma a identidade da comunidade, legitimando a sua existência, é o tema ou tópico, são as situações vividas no grupo que afirmam os propósitos da comunidade aos membros. Comunidade é o tecido social da aprendizagem e prática é o conhecimento específico que a comunidade desenvolve, partilha e mantém. A seguir discutimos sinteticamente cada um desses elementos. Segundo Wenger, McDermott, & Snyder, 2002, citados por Marques (2008, p. 67): “Sem compromisso com um domínio uma comunidade consiste num grupo de amigos”. Ainda segundo a autora, esse elemento detém uma natureza evolutiva, uma vez que os problemas são resolvidos e são definidos novos, surgem novas tecnologias e novas demandas que acarretam novas perspectivas. O elemento comunidade pressupõe a existência de interações baseadas em respeito e confiança mútuos, fazendo os membros se sentir encorajados a partilhar ideias, expor‐se, formular e colocar para o grupo questões difíceis e, ao mesmo tempo X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.4
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COMUNIDADES DE PRÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli exercitar a habilidade de ouvir cuidadosamente. Dessa forma criam‐se confiança e respeito mútuos, o que confere segurança emocional para aprender. Completando essa breve exposição sobre os elementos constitutivos das CoP, a prática é formada por um conjunto de formas de ação, socialmente definidas, num domínio específico e corresponde ao conhecimento que a comunidade desenvolve, partilha e mantém. Fazem parte da prática atividades conjuntas, mediante a interação, a produção de artefatos, que são a própria criação dos produtos de conhecimento. Segundo Wenger, McDermott, & Snyder, citados por Marques, a prática: Constitui um produto do passado, ao corresponder à história da acção e conhecimento desenvolvidos, e encontra‐se orientada para o futuro, por fomentar a investigação dos últimos avanços no campo. A prática inclui os repositórios que os membros partilham, incorpora formas de comportamento, uma perspectiva relativa a problemas e ideias, um estilo de pensamento e até uma posição ética. Em suma, corresponde a uma mini‐cultura (Marques, 2008, p. 69). Os elementos essenciais da aprendizagem, segundo a teoria sobre CoP são pertencimento e participação; não causalidade entre ensino e aprendizagem; e a prática como meio de atingir a aprendizagem. Em que pese a maioria das CoP aconteça online, centraremos nossa reflexão neste texto, nos fenômenos escolares em que grupos de estudantes de uma turma que se sentem à vontade e produtivos, reunindo‐se para partilharem conhecimentos, ideias, práticas, situações vividas, assim formando sua identidade, embora transitória, legitimando a sua existência enquanto grupo, afirmando os propósitos aos membros, desenvolvendo e produzindo conhecimento novo e legitimado pelo tecido social da própria comunidade. Essas características são as de uma comunidade de prática, segundo Wenger 2014: “grupos de pessoas que se unem em torno de um mesmo tópico ou interesse. Essas pessoas trabalham juntas para encontrarem meios de melhorar o que fazem, seja na resolução de problemas da comunidade, seja na aprandizagem diária”. Wenger trata de CoP lato sensu, discorrendo sobre a sua ocorrência em governos, associações, organizações mais amplas, mas chama a atenção para as particularidades do conceito nas práticas educativas, dividindo‐as em duas dimensões espaciais: X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.5
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COMUNIDADES DE PRÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli internamente que seria como organizar experiências educacionais que fundamentam a aprendizagem escolar, na prática, através da participação em CoP sobre esse próprio tema; e externamente, que seria como conectar a experiência dos alunos com práticas concretas, através da participação em comunidades mais amplas para além dos muros da escola. Há ainda para esse autor uma dimensão temporal, que se refere à aprendizagem ao longo da vida dos alunos, através da sua participação em CoP focadas em temas de seu interesse, conforme Wenger, 20141. Nas palavras do autor: A partir desta perspectiva a escola já não é mais o locus privilegiado da aprendizagem. Não é um mundo fechado, 1,2,,auto‐suficiente, em que os alunos adquirem conhecimento a ser aplicado fora, mas a parte de um sistema de aprendizagem mais amplo. A sala de aula não é o evento de aprendizagem primário. É a própria vida que é o principal evento de aprendizagem. As escolas e as salas de aula ainda tem um papel a desempenhar nesta visão, mas elas têm que estar a serviço da aprendizagem que acontece no mundo (Wenger, 2014, p. 5, tradução minha)2. Postulo que esses embriões de coletivos escolares, que poderiam se tornar CoP, formam‐se nos nossos ambientes escolares, porém eles são efêmeros. Para corroborar esta possibilidade, trago o conceito de “sentimento de comunidade” (McMillan & Chavis, citados por Marques, 2008) como sentimento não estático de pertença relacionado à frequência de interações, à partilha de valores e experiências vividas, ao desenvolvimento de afinidades e reconhecimento aos membros. Ora isso tudo não se vive em uma turma escolar? Se fizermos uma avaliação retrospectiva de nossa trajetória escolar, seja como estudantes ou como docentes, provavelmente vamos nos lembrar de uma tarefa executada em grupo, para a qual despendemos muito mais energia do qur nas atividades cotidianas, também aprendemos mais e melhor, talvez ainda hoje lembremo‐nos das vivências ocorridas em tal situação, das aprendizagens e das amizades construídas. Essas construções se dão muito provavelmente através do empenhamento mútuo (mutual 1
Fonte: http://wenger‐trayner.com/theory/ From this perspective, the school is not the privileged locus of learning. It is not a self‐contained, closed world in which students acquire knowledge to be applied outside, but a part of a broader learning system. The class is not the primary learning event. It is life itself that is the main learning event. Schools, classrooms, and training sessions still have a role to play in this vision, but they have to be in the service of the learning that happens in the world. 2
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COMUNIDADES DE PRÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli engagement) dos integrantes do grupo, que é uma das dimensões das CoP. As outras dimensões interligadas entre si são o empreendimento conjunto (joint enterprise) e repertório partilhado (shared repertoire). De acordo com Marques, baseada em Wenger, a dimensão do empreendimento conjunto é bem mais que a partilha de um objetivo comum, “resulta de um complexo processo coletivo de negociação e de mútua responsabilização, num sistema de interdependência. Reflete a própria força motriz do envolvimento das pessoas em comunidades e é definido por estas...” (Marques, 2008, p. 66). “Assim, mesmo quando a comunidade se encontra condicionada por constrangimentos externos, são os seus membros que produzem a sua prática” (Wenger, 1998b). Essa é uma característica que parece haver na Escola da Ponte de Portugal, à qual faremos referência ulterior e também em escolas que criam condições próprias de resolução dos problemas, muitas vezes contando apenas com suas próprias forças, à revelia das entidades mantenedoras (macrocosmo). O empenhamento mútuo espelha o funcionamento da comunidade de prática, dimensão pela qual as pessoas “sustentam densas relações”3 (Wenger, 1998b, p. 74) em torno do objetivo comum. Finalmente o repertório partilhado da comunidade de prática forma‐se ao longo do tempo, pela convivência e interações dos membros que criam um espólio de recursos de negociação de significado, ao buscarem em conjunto o objetivo da comunidade. Se esses grupos – com dinâmicas que levam à excelência de aprendizagem e a relações pessoais gratificantes – chegam a constituir‐se, por que eles não perduram? Um dos motivos, penso que seja o já apontado anteriormente: no afã de cumprir as regulações e rotinas baseadas no ensino – em detrimento da aprendizagem – voltamos ao “conforto” das rotinas pré‐estabelecidas desde sempre, que regulam os tempos, os espaços e os procedimentos havidos nesse espaço‐tempo escolar. Ressalto que essas dinâmicas que percebo nos ambientes escolares, nas turmas de estudantes não são CoP, 3
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COMUNIDADES DE PRÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli mas são embriões dessa possibilidade, e poderiam vir a ser CoP, se trabalhadas para essa finalidade. Wenger ao exemplificar CoP, menciona grupos de alunos: CoP são formadas por pessoas que se envolvem em um processo de aprendizado coletivo em um domínio compartilhado do esforço humano: a aprendizagem tribo para sobreviver, (...), uma panelinha de alunos que definem a sua identidade na escola, uma rede de cirurgiões explorando novas técnicas... Nasce dessa análise a minha proposta: utilizar de modo generativo, essas “panelinhas” para que os alunos desenvolvam o que Wenger e Lave chamam de aprendizagem situada. Antes de explicar o que vem a ser esse conceito, chamo a atenção para a necessidade de nós professores abrirmos mão das pretensas comodidades de fazer o que sempre se fez e o como sempre se fez, pelo simples motivo de que a educação que tem sido feita foi boa para apenas uma pequena parcela da população estudantil, como ficará claro em item ulterior. Wenger designa ainda as etapas do ciclo de vida das CoP, pontuando as cinco fases porque elas passam, quais sejam: potencial, expansão, maturidade, sustentabilidade e transformação4. Nas CoP, dependendo entre outros fatores, da fase em que elas estão, coexistem diversos tipos de saber: o saber da ação (que é a capitalização da experiência), o saber teórico da disciplina (os raciocínios lógicos que levam à teorização), o saber tácito ou implícito (saber informal não documentado, inerente às habilidades de uma pessoa ou grupo); o saber profissional (habilidades e aprendizagens relativas ao contexto de trabalho) e o saber explícito (conhecimento declarado, explicitado e explicado). Aprendizagem situada Segundo Lave e Wenger (1991), a aprendizagem situada é aquela cuja perspectiva é a impossibilidade de separar o empírico do teórico, onde o aprendiz é o ator da sua 4
Para uma explicação detalhada sobre essas fases, pode‐se consultar a tese de doutoramento de Margarida Marques, referenciada neste texto. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.8
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COMUNIDADES DE PRÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli prática social, construindo o conhecimento como o produto dessa sua prática social que ocorre, obviamente, num espaço social. O conceito origina‐se da teoria social da prática, que tem raízes em Vygotsky e Bordieu. Para Vygotsky as interações sociais desempenham papel central no desenvolvimento cognitivo e cultural, que acontece do social para o individual e sucedendo‐se à aprendizagem, ou seja, é a aprendizagem que desencadeia esses desenvolvimentos. O construtivismo social ou sócio construtivismo atribui especial papel à cultura e ao contexto em que se insere o aprendiz, valorizando a natureza colaborativa da aprendizagem. É justamente essas interações que permitem que a aprendizagem possa acontecer, mesmo que o conhecimento a ser construído esteja além das capacidades temporais do indivíduo sozinho. Através da interação social, Vygotsky aposta na Zona de Desenvolvimento Proximal, que é uma zona potencial de desenvolvimento do indivíduo, que se concretiza na interação com os pares. Essa zona é a diferença entre o que pode (funções e atividades) o indivíduo sozinho e o que passa a poder, em interação com o grupo, em termos de aprendizagem. A Teoria da Atividade postula que a atividade se dá em três etapas: a sendo a atividade o nível mais alto, sendo realizada a través das ações, que são o nível intermediário, e estas através das operações, que seriam o nível mais baixo, porque de acordo com a teoria, seriam executadas inconscientemente, através das experiência direta com o objeto. As ações acontecem num contexto preciso, isto é com uma finalidade, fazendo com que a atividade seja um fenômeno dinâmico de desenvolvimento histórico, que opera transformações no ambiente. Mas essas etapas não são estanques e dependem também do observador. A aprendizagem situada não é vista como aquisição individual de um saber, num processo que tem início meio e fim. Tampouco é guiada por alguém que sabe para alguém que não sabe. Na perspectiva teórico‐prática de Lave e Wenger a aprendizagem é um modo de pertencimento ao grupo social. Lave também postula que os alunos naturalmente integram comunidades, mas essas comunidades nem sempre são CoP. Marques 2008 baseada em Wenger 1998b, postula que: X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.9
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COMUNIDADES DE PRÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli Ao longo da nossa vida enveredamos num processo constante de negociação da nossa identidade, mediante uma sucessão de formas de participação em comunidades, inseridas num leque que varia desde a participação periférica legitimada até à participação plena. Deste processo continuado resultam trajectórias de aprendizagem individuais, que constituem parte de histórias de aprendizagem de uma, ou várias, CoP. Essa negociação de identidades acontece mediante a aprendizagem situada, que é o tipo de aprendizagem que ocorre nas CoP, num movimento, do ponto de vista individual, que vai da participação periférica legítima e participação total ou completa. Através da primeira os alunos, ou participantes conhecem os outros integrantes da comunidade, as atividades, as relações, os artefatos usados nessa comunidade, os conhecimentos e as práticas ai desenvolvidas. É a intenção pessoal que gera o compromisso com a aprendizagem e o significado desta vai se configurando através do processo de transformar‐se em participante total. Esse processo envolve a aprendizagem do conhecimento de habilidades, não apenas o conhecimento teórico. Por outro lado aprendizagem situada é mais do que aprender fazendo. É aprendizagem no contexto da comunidade de prática, por isso na aprendizagem situada não faz sentido falar em conhecimento geral ou abstrato; o conhecimento e a aprendizagem ocorrem na e pela comunidade. Em que pese os autores atribuam à intenção pessoal a força para passar da participação periférica legítima para a participação total; a aprendizagem situada pressupõe a visão relacional da pessoa e da aprendizagem. Em vez de focar a atenção nos processos cognitivos e estruturas conceituais envolvidos na aprendizagem; eles pensam em ‘que compromissos sociais fornecem o contexto adequado para a aprendizagem acontecer’. Segundo os autores: Para uma comunidade de prática funcionar, ela precisa gerar e se apropriar de um repertório compartilhado de ideias, compromissos e memórias. Também precisa desenvolver vários recursos, tais como ferramentas, documentos, rotinas, vocabulário e símbolos que, de alguma forma acumulam o conhecimento da comunidade. Em outras palavras, trata‐se de prática (ver práxis): modos de fazer e abordar as coisas que são compartilhadas em alguma medida significativa entre os membros. (Wenger, 2014, p. 4, tradução minha)5. 5
For a community of practice to function it needs to generate and appropriate a shared repertoire of ideas, commitments and memories. It also needs to develop various resources such as tools, documents, X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.10
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COMUNIDADES DE PRÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli Nessa perspectiva prática e significado estão associados entre si e à aprendizagem por meio da negociação de significados, que se dá na prática social. Isso acontece, segundo o autor, por meio da interação de dois processos complementares: a participação e a reificação, sendo que a primeira expressa‐se pelo reconhecimento mútuo entre os participantes e a segunda pela transformação de conceitos abstratos em realidades concretas que tem forma própria. Pela reificação o participante tem condições de alargar as práticas da comunidade no tempo e no espaço, i. é levando‐a ao futuro e partilhando‐as com outros. Para Wenger pela reificação a comunidade transforma a realidade, criando objetos de conhecimento, cristalizando a experiência havida na própria comunidade. A reificação pode expressar‐se como um objeto físico, por exemplo um logotipo, ou por uma ideia associada à comunidade. A ideia chave para compreender a aprendizagem situada é o fato de que ela não envolve apenas a competência pessoal do aprendiz; mas além desta, as competências desenvolvidas no grupo social. Uma vez que as CoP são um assunto pouco pesquisado no Brasil, trago alguns exemplos sobre um possível análogo a elas. Ao procurar material sobre o tema, deparei‐
me com os coletivos de arte, que são organizações abertas e flutuantes, em termos de objetivos, número de pessoas e atividades. São coletivos que prescindem da autoria6, tão cara a certos ramos da arte, especialmente aqueles relacionados à mídia. Sobre coletivos artísticos, na perspectiva de serem parecidos às CoP, destaco algumas ideias, para a seguir cotejá‐las com as possibilidades em educação: Arte no plural ou arte em colaboração, parceria. Neste campo de uma autoria expandida, de uma identidade artística ampliada, vem‐se produzindo cada vez mais notícias: são agrupamentos, fusões de artistas para um objetivo comum, que apresentam toda uma vertente contemporânea, embora durante muito tempo “o mundo da arte tenha tentado frear tacitamente os projetos em colaboração, porque não se ajustavam às suas expectativas”, como apontaram em 2002 Helena routines, vocabulary and symbols that in some way carry the accumulated knowledge of the community. In other words, it involves practice (see praxis): ways of doing and approaching things that are shared to some significant extent among members. 6
Se a autoria é importante a certos ramos da arte, o que dizer da autoria para o cientista e o acadêmico? Sem ela a própria vida acadêmica fica inviável no modelo de fazer Ciência e pesquisa que hoje temos. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.11
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COMUNIDADES DE PRÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli Cabello e Ana Carceller, duas significativas artistas espanholas (NAVAS, 2009). De fato – exceto nas experiências das primeiras vanguardas, seladas por propósitos comuns (objetivos, manifestos, praxes expositivas), o que facilitava a colaboração entre artistas, ou das neovanguardas posteriores, aportando experiências corais, e até com outro senso do coletivo e do público –, só a partir do último terço do século vem‐se reconhecendo melhor esta área de criação estética, que se pauta em formas diversas, artistas‐equipe, em dupla, artistas em grupo, em rede.... (idem, 2009). Nesta recente fase pós‐crise global, o fazer colaborativo é um assunto quente. Ainda que iniciativas do tipo comecem a se configurar como uma alternativa impactante aos modos de produção e circulação de bens e de subsistência vigentes, o trabalho solidário ou cooperativo já se confirma como um modelo que pode nos conduzir, num futuro incerto, a uma sociedade algo mais justa (LABRA, 2009). ...um traço forte que une a maioria dos coletivos artísticos atuais, a abolição da autoria individual e de um líder, começa a se delinear como plataforma apenas nos anos 1980. Só então é que o mentor intelectual do grupo passa a ser a coletividade, tal como vemos hoje em dia. Uma boa tradução da ideia de diluição do autor é Luther Blissett, uma entidade libertária surgida no final dos anos 1990, encarnada por pessoas no mundo todo que executam textos e atos públicos com esse nome. A existência de Blissett é um fenômeno possibilitado pela internet e reflete também o espírito da mídia tática ou mídia ativismo – que vem a ser a criação coletiva na esfera da cultura livre digital (idem, 2009). Também a Ciência é feita em grande medida pelo cientista anônimo, que integra as equipes dos projetos de pesquisa, tanto nas universidades, como nas empresas. A esse respeito a lei brasileira7 diz que a propriedade intelectual é da empresa, em detrimento do autor da ideia, embora a jurisprudência nacional (decisões das cortes) esteja ultimamente conferindo interpretações particularizadas sobre a autoria e a posse intelectual. Entre essas ideias sobre os coletivos artísticos, que podem ter um paralelo às CoP, destaco, nos trechos acima, a colaboração, nítida característica das CoP, que parecem também querer estabelecer outro senso do coletivo e do público, ou através desse senso novo, operar alguns mudanças necessárias na prática educativa. Também a qualidade de entidade libertária, se pode atribuir a ambos: os coletivos artísticos e as CoP. Por serem ambos libertários, tanto o mundo da educação, quanto o mundo da arte tenha tentado frear tacitamente os projetos em colaboração, porque não se ajustavam às suas 7
Lei nº 12.853, de 14 de agosto de 2013 e Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.12
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COMUNIDADES DE PRÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli expectativas. E finalmente destaco, como ponto de convergência entre as CoP e os coletivos e como objetivo de ambos: o trabalho solidário ou cooperativo já se confirma como um modelo que pode nos conduzir, num futuro incerto, a uma sociedade algo mais justa. Testando teoricamente as CoP Com o objetivo de refletir sobre as possibilidades das CoP na escola, coloco alguns questionamentos: podem as CoP na escola ser confundidas com alegres ilhas de eficiência e produtividade escolar? Isso poderia ser uma coisa boa para os estudantes? Se considerarmos que as CoP possam ser as novas unidades escolares, transcendendo a organização escolar presente, portanto prescindindo das turmas, dos escores, das salas de aula, do currículo rigidamente prescrito, dos tempos e espaços regulados, dos componentes curriculares8 definidos, como seria a gestão e a organização escola? Se considerarmos ainda que nessa proposta utópica de escola não haja horários a serem cumpridos, nem obrigatoriedade de frequência, como fica o caráter da obrigatoriedade da educação escolar, que afinal de contas, no Brasil é uma conquista relativamente recente e importante? Como ficarão as dinâmicas dentro da escola? Essas premissas trazem o risco do laissez faire na educação? A Escola da Ponte de Portugal pode ser um modelo a ser seguido? Lave e Wenger, alertam para o risco de se romantizar as CoP, onde ocorrem relações de poder, como em qualquer instância educativa. Outros autores apontam as fragilidades das CoP, quais sejam: a automática associação entre os dois conceitos, ou seja, havendo uma comunidade ela será generativa de aprendizagens específicas, o que só ocorre se tiverem presentes os elementos e as características apontadas ao longo do texto, que configuram as CoP. Para que as CoP tenham êxito é necessária uma certa 8
Segundo Marques, ‐ baseada em alguns autores, entre eles José Pacheco, diretor da Escola da Ponte ‐ ha que se pensar toda uma “gestão curricular intencional” em se tratando do trabalho docente com foco em CoP, sendo que essa gestão abrange a consciência e a apropriação pelo professor das variadas concepções de currículo, bem como dos níveis diferentes de decisão de implantação desse currículo e até dos momentos diferentes em que são tomadas essas decisões e ainda que aspectos do currículo são privilegiados nos diferentes níveis e nas diferentes situações educativas MARQUES (2008, p. 21 e seguintes). X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.13
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COMUNIDADES DE PRÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli regulação, ou para ser fiel às concepções que embasam as CoP, uma autorregulação necessária, para que a comunidade não se torne grande demais, fechada demais, parada no tempo, estagnando a busca de conhecimentos. Enfim, são recomendações pertinentes a qualquer estrutura ou grupamento humano com um objetivo específico. Entre as características das CoP destacam‐se, segundo Wenger, a heterogeneidade, a participação emergente e intencional (voluntária); a interação social interna; a identidade comunitária ao longo do tempo e as interações externas, ou com o mundo; a mutualidade proporcionada por interesses comuns; a negociação; a convergência e a coordenação (ações coordenadas). Numa comunidade de prática as competências não são pré‐definidas, mas criadas na ação, ao longo da convivência entre estilos e formas diferentes de trabalho. A avaliação é partilhada, isto é todos avaliam e são avaliados. Essas características existem na Escola da Ponte, por isso vamos explorar, neste texto, algumas das suas diretrizes, tentando avaliar as possibilidades de aproximação teórica entre CoP em educação e a práxis desenvolvida nesta escola. Tentativa similar foi feita por Barbara Rogoff e seus colegas (2001). Eles estudaram o trabalho de uma escola inovadora em Salt Lake City, focando sua atenção em como a comunidade escolar foi capaz de trabalhar em conjunto para desenvolver uma aprendizagem que ocorre através da participação conjunta dos alunos. Entretanto em uma publicação sua de 20109 não se vê referência ao termo CoP, somente a comunidade de aprendizagem e a comunidade de aprendizes. Ainda segundo Wenger, uma comunidade de prática é um grupo de indivíduos com conhecimentos, habilidades e experiências distintas, que se envolvem de modo ativo em processos de cooperação, compartilhando conhecimentos, interesses, recursos, perspectivas, atividades e, sobretudo práticas para a construção de conhecimento tanto pessoal, como coletivo. Uma comunidade de prática gera e se apropria de um repertório compartilhado de ideias, objetivos e memórias; desenvolve recursos como ferramentas, documentos, rotinas, vocabulários e símbolos, que carregam consigo o reconhecimento acumulado pela comunidade, (EL‐HANI, 2012). Nessa mesma publicação, o autor, 9
Mind, Culture, and Activity, Volume l, No. 4. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.14
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COMUNIDADES DE PRÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli opinando sobre a formação de uma comunidade de prática, congregando professores e acadêmicos do ensino de Ciências, coloca a importância de se “produzir contextos heuristicamente férteis para o diálogo..." (idem, 2012). Essa facilitação ao diálogo é importante, tanto na formação dos alunos, na perspectiva da construção dos conhecimentos, para sua aprendizagem significativa, como na formação de professores, onde poderá engendrar as interações na perspectiva da interdisciplinaridade, e das possibilidades de inovação na prática educativa. Para aprofundar a reflexão sobre CoP na educação, trago o exemplo da Escola da Ponte, em Porto, Portugal. Embora não haja referências nos seus documentos disponíveis à CoP, as práticas lá desenvolvidas e a própria filosofia da escola descrita nos documentos oficiais apontam, para dinâmicas próximas ao que estou postulando neste texto: que certas dinâmicas de aprendizagem em ambiente escolar podem, se orientadas por professores com conhecimento de causa, respaldados pela estrutura escolar, vir a constituir‐se como CoP. Modelo Escola da Ponte As iniciativas do tipo Escola da Ponte, de flexibilizar as dinâmicas escolares, permitindo entre outras coisas, que os alunos escolham o que vão estudar a cada dia, podem justificar‐se por um alinhamento da escola com a realidade do mundo infantil e infanto‐juvenil desde as últimas décadas do séc. XX, quando a criança e o adolescente tem poder de escolha em diversos aspectos da sua vida, como grupo de amigos, consumo, influência na escolha da escola, roupas, etc. Entretanto autonomia não deve ser confundida com desleixo e desresponsabilização da escola para com os educandos, em que pese a própria escola, através de seus atores sociais, venha diagnosticando essa desresponsabilização por parte de alguns pais, independente da classe social a que pertençam. Essa realidade se percebe nos discursos ouvidos dos pais e responsáveis, do tipo: “não sei mais o que faço com fulano” ou “espero que aqui na escola deem um jeito nele”; e também pelos não discursos, i. é quando os pais são tão omissos que a escola não os encontra, não consegue sequer fazer contato para tratar da vida do estudante. Também em relação aos pais o modelo Escola da Ponte é interessante, pois estes são considerados parte imprescindível no funcionamento da escola, dando suporte e X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.15
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COMUNIDADES DE PRÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli mesmo sustentando o modelo de trabalho da escola, até junto a instâncias superiores, conforme depoimento do diretor da escola José Pacheco: Neste momento, os pais estão em conflito com o Ministério da Educação. Ao longo desses quase 30 anos, quiseram acabar com nosso projeto. Eu, como funcionário público, sigo um regime disciplinar que me impede de tomar posições que transgridam a lei, mas o ministro não tem poder hierárquico sobre as famílias. Portanto, se o governo discordar de tudo aquilo que fazemos, defronta‐se com este obstáculo: os pais. Eles são a garantia de que o projeto vai continuar (PACHECO, 2004). Em se tratando de pensar um modelo de escola baseado na Escola da Ponte10 é necessário ter em mente todos os aspectos envolvidos no fenômeno educativo como a organização curricular, os tipos possíveis de dessa organização, a formação inicial e continuada de professores, o modelo de gestão, a relação com a mantenedora, as concepções sobre ensino e aprendizagem, as expectativas dos pais e dos estudantes, entre tantos outros aspectos mais específicos, como a avaliação da aprendizagem. Desde a perspectiva das CoP a aprendizagem é um fenômeno social, que ocorre no contexto da experiência vivida e da participação no mundo, modificando o sujeito, sendo geradora de identidade. As práticas compartilhadas geram aprendizagem conjunta e situada, que pode ser capaz de gerar criatividade, através de conexões significativas. 10
Conteúdo exposto no site da Escola: Bem vindo à Escola da Ponte Era preciso repensar a escola, pô‐la em causa. A que existia não funcionava, os professores precisavam mais de interrogações do que de certezas. Concluímos que só pode haver um projeto quando todos se conhecem entre si e se reconhecem em objetivos comuns. Apercebemo‐nos que um dos maiores óbices ao desenvolvimento de projetos educativos consistia na prática de uma monodocência redutora que remetia os professores para o isolamento de espaços e tempos justapostos, entregues a si próprios e à crença numa especialização generalista. Percebemos que se há alunos com dificuldades de aprendizagem, também os professores têm dificuldades de ensino. Obrigar cada um a ser um outro igual a todos, é negar a possibilidade de existir como pessoa livre e consciente. Na nossa escola todos trabalham com todos. Assim, nem um aluno é aluno de um professor mas sim de todos os professores, nem um professor é professor de alguns alunos, é professor de todos os alunos. Hoje, a nossa Escola assenta na autonomia dos alunos. Inserido no sistema oficial de ensino português, é um projeto reconhecido e admirado, um pouco por todo o mundo, essencialmente pelas virtualidades de uma aprendizagem alicerçada em valores como a solidariedade e a co responsabilização dos educandos. Este é, também, um modelo pedagógico que serve de inspiração a outras escolas e realidades, sendo visitada anualmente por uma média de 1000 pessoas dos mais diferentes quadrantes educacionais e culturais. Fonte: http://www.escoladaponte.pt/ri.pdf Acesso em 23/06/2013. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.16
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COMUNIDADES DE PRÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli Considerações finais Em se tratando de assunto novo no Brasil e com relativamente pouca bibliografia, coloco algumas questões que tem por objetivo concluir a escrita, entretanto deixando clara a impossibilidade de concluir o assunto: Existe correspondência entre essas premissas das CoP e algo que já estudamos ou com alguma realidade docente vivenciada? Aproxima‐se do aprender a aprender? As CoPs seriam um caminho lógico a ser iniciado nos dias atuais, uma vez que o conhecimento só pode ser coletivo no terceiro milênio, dada a sua vastidão e diversidade sendo impossível de ser reunido e dominado por uma só pessoa, ou pequeno grupo? Essa questão nos remete ao conhecimento em rede, do qual participam naturalmente muitos atores, ‐ e sobre o qual escrevem alguns autores – numa diversidade de perspectivas teóricas e práticas. Seja como for há uma certeza: A educação continua insubstituível para constituir sujeitos, mas a escola, pelo menos tal como ela é hoje, está obsoleta, por isso deve ser modificada. Assim se impõe ultrapassar o modelo fordista de escola, onde os tempos e os espaços ainda são controlados como no alvorecer da revolução industrial, até porque historicamente já estamos vivendo uma nova revolução: a da informação e da virtualização das relações entre as pessoas, entre estas e o conhecimento. Referências BRITO, M. C. P. S. Impacto da Introdução das TICs na Partilha do Conhecimento em CoP na Organização: Um estudo de caso numa organização cooperativa de crédito. Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau Mestre em Estatística e Gestão de Informação pelo Instituto Superior de Estatística e Gestão de Informação da Universidade Nova de Lisboa, 2012, Lisboa. EL‐HANI. C.N. CoP, pesquisa colaborativa e núcleos de pesquisa em ensino de ciências nas escolas: inovação educacional e democratização da produção de conhecimento. Disponível em: http://jornaldaciencia.org.br/Detalhe.php?id=82049. GARCIA. W. E. (coord). Inovação Educacional no Brasil. São Paulo, Editores Associados, 1995. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.17
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COMUNIDADES DE PRÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli MARQUES, M. M. Gestão Curricular Intencional numa CoP Online. 2008. MATOS, J. F. Aprendizagem como participação em CoP mediadas pelas TIC, Challengers, 2005 – IV Conferência Internacional sobre Tecnologias da Informação e Comunicação, 11 – 13, maio, Braga. Disponível em: www.edu.fc.ul.pt/docentes/;fmatos/comunicacoes.html. Acesso em 25/05/2013. NAVAS, A. M. http://www.dasartes.com/site/index.php?option=com_content&view=article&id=101&Ite
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