Os desafios da participação popular no Orçamento Participativo na cidade de Montes Claros Solange Santos Araújo1 Carlos Renato Theóphilo2 RESUMO O município de Montes Claros do Estado de Minas Gerais implantou sua primeira experiência de orçamento participativo (OP). A gestão participativa busca favorecer a prática da democracia através da participação popular. A descentralização e a participação têm sido assumidas como elementos fundamentais para enfrentar os problemas da gestão das políticas públicas, sobretudo em nível local. As experiências de gestão participativa suscitam algumas indagações: o orçamento participativo, enquanto instrumento de uma gestão democrática, tem viabilizado a participação dos cidadãos? As participações dos sujeitos locais têm influenciado as decisões do poder público? Em vista desse interesse, este estudo objetivou analisar de que forma se configurou a participação popular dos sujeitos locais envolvidos no processo do Orçamento Participativo (OP) no município de Montes Claros. Para tanto, a metodologia deste estudo compreendeu na utilização de parte dos resultados de trabalho acadêmico realizado no ano de 2009. E buscou-se na literatura abordagens que tratam do Orçamento Participativo no Brasil desde o surgimento aos objetivos e metodologia de trabalho; E em seguida, como foco principal deste estudo, fez-se uma abordagem mais detalhada do Orçamento Participativo na cidade de Montes Claros. Os resultados do estudo revelaram que a experiência de OP em Montes Claros envolveu desafios à participação popular, desde a escolha e execução das demandas às questões da qualidade da própria participação. Apesar dos desafios e limitações, o OP viabilizou a participação dos cidadãos. No que se refere à influência da participação dos sujeitos locais sobre as decisões do poder público, ainda foi considerada restrita atentando ao fato do baixo nível de alocação orçamentária, o que impossibilitou o total atendimento das demandas. Por outro lado, evidenciou-se o comprometimento do governo municipal para com a sociedade ao buscar atender as demandas levantadas pela população. A conclusão do estudo destaca que, considerando o contexto das práticas políticas tradicionais deste município, o processo envolveu uma participação ativa dos sujeitos locais, com perspectivas de transformação social. PALAVRAS-CHAVE: Gestão democrática; Orçamento Participativo; Participação Popular 1 Bacharel em Ciências Contábeis/UNIMONTES e Mestranda do PPGDS/Mestrado em Desenvolvimento Social/UNIMONTES E-mail: [email protected] 2 Professor Doutor do Departamento de Ciências Contábeis/UNIMONTES e do PPGDS/Mestrado em Desenvolvimento Social/UNIMONTES 1- Introdução A descentralização e a participação têm sido assumidas como elementos fundamentais para enfrentar os problemas da gestão das políticas públicas, sobretudo em nível local. A participação, além de elemento instrumental no processo de tomada de decisões, exerceria uma função educativa no que diz respeito à preparação do povo para exercer a sua soberania. (SILVA, 2003, p. 297) Algumas administrações públicas municipais ao assumirem propostas de uma gestão participativa buscam favorecer a prática da democracia através da participação popular. Para tanto, utilizam-se da prática do Orçamento Participativo, conhecido também pela sigla OP. O Orçamento Participativo (OP) é uma modalidade de orçamento em que governo e sociedade definem onde serão feitos os investimentos para a cidade. Em meio às cidades que adotaram o Orçamento Participativo, encontrou-se o município de Montes Claros do Estado de Minas Gerais que implantou sua primeira experiência de orçamento participativo (OP) na gestão pública do período de 2005-2008. Porém, deve-se ressaltar que, esta modalidade de orçamento foi interrompida na gestão seguinte. Não foi dado continuidade ao processo de Orçamento Participativo. O presente trabalho se propõe a uma análise de um dos aspectos essenciais que guia as propostas de modelos democráticos de gestão pública: a participação popular. Essa experiência de gestão participativa na cidade de Montes Claros suscitou algumas indagações: o orçamento participativo, enquanto instrumento de uma gestão democrática, viabilizou a participação dos cidadãos neste município? As participações dos sujeitos locais influenciaram as decisões do poder público? Em vista desse interesse, este estudo objetivou analisar de que forma se configurou a participação popular dos sujeitos locais envolvidos no processo do Orçamento Participativo (OP) no município de Montes Claros. Para tanto, a metodologia deste estudo compreendeu na utilização de parte dos resultados de trabalho acadêmico realizado no ano de 2009. E buscou-se na literatura abordagens que tratam do Orçamento Participativo no Brasil desde o surgimento aos objetivos e metodologia de trabalho; E em seguida, como foco principal deste estudo, fez-se uma abordagem mais detalhada do Orçamento Participativo na cidade de Montes Claros. 2 – Orçamento Participativo: instrumento de democratização da gestão pública O Orçamento Participativo (OP), implantado em diferentes administrações municipais do Brasil, é considerado um inovador modelo de gestão de caráter democrático no sentido de mostrar que é possível a participação popular nas gestões dos municípios. Dias (2008, p.5), declara que, “em pouco mais de década e meia o Orçamento Participativo transformou-se num tema importante de reflexão, que interpela a ação governativa dos poderes públicos, o sentido da participação das pessoas e a própria democracia”. De maneira simples, Giannotti (2004, p. 140) conceitua o Orçamento Participativo dizendo que “trata-se de chamar o povo para participar das definições sobre como gastar as verbas existentes, dentro das prioridades da cidade”. O principal objetivo do Orçamento Participativo é encorajar uma dinâmica e estabelecer um mecanismo sustentado de gestão conjunta dos recursos públicos, através de decisões partilhadas sobre a distribuição dos fundos orçamentários e de responsabilização administrativa, no que diz respeito à implementação dessas decisões. (SANTOS, 2003, p.471) Conforme Wilges (2006, p.136), a primeira experiência brasileira que teve a participação direta da população, segundo as publicações existentes, ocorreu no Município de Pelotas (RS), nos anos de 1984, 1985 e 1986, usando o slogan “Todo o Poder Emana do Povo”. Mais tarde, a partir de 1986, em Vila Velha (ES) e Uberlândia (MG), iniciaram-se experiências concretas de discussão do Orçamento Municipal com a população. Mas, foi em Porto Alegre (RS), em 1989, que a experiência de “Orçamento Participativo” iniciou-se, de fato, tornando-se pública e vindo a ser premiada nacional e internacionalmente (TEIXEIRA E GRAZIA, 2003). A partir de 1989 a experiência se popularizou através do formato implementado em Porto Alegre, tornando-se uma referência concreta de participação para o país. Segundo Santos (2003, p. 467), o Orçamento Participativo elaborado na cidade de Porto Alegre apresenta uma estrutura calcada num processo de participação popular guiado por três princípios básicos: a) Todos os cidadãos têm direito de participar, sendo que as organizações não detêm, pelo menos formalmente, status ou prerrogativas especiais; b) A participação é dirigida por uma combinação de regras de democracia direta e democracia representativa e realiza-se através de instituições de funcionamento regular cujo regime interno é determinado pelos participantes; c) Os recursos de investimento são distribuídos de acordo com um método objetivo baseado em uma combinação de “critérios gerais” – critérios substantivos, estabelecidos pelas instituições participativas com vista a definir prioridades – e de “critérios técnicos” – de viabilidade técnica ou econômica, definidos pelo executivo, e normas jurídicas federais, estaduais ou pela própria cidade, cuja implementação cabe ao executivo. 3 - Orçamento Participativo em Montes Claros: Surgimento, estrutura e organização. Para um melhor entendimento acerca dos desafios da participação popular no Orçamento Participativo no município de Montes Claros, faz-se necessário uma breve abordagem sobre o contexto político-social desta cidade. As relações sociais e políticas estabelecidas em Montes Claros nos anos 40 e 50 revelou um modelo político coronelista, marcavam-se pela dependência mútua entre seus agentes, pela prática do favor e dos compromissos. (PEREIRA, 2002, p.93) As elites políticas de Montes Claros não enxergavam (ou não queriam enxergar) que a população era capaz de expressar-se politicamente. Até a década de 1980 a cidade foi administrada por representantes da elite local, constituída por profissionais autônomos, como médicos, ou representantes da oligarquia rural. Os partidos políticos prevalentes eram os mais conservadores. (PEREIRA, 2010, p.2) O perfil da política local de Montes Claros demonstrou a dificuldade de acesso da população em ter uma efetiva e consolidada participação política ao longo de sua história. Por isso, Demo (2001, p.24) nos esclarece que, As várias formas e dinâmicas do associativismo são fundamentais para o exercício da própria democracia, porque é onde aprendemos a eleger a deseleger, a exigir prestação de contas, a reivindicar rodízio no poder, a competir em clima de negociação, a reclamar representatividade das lideranças, a insistir na legitimidade dos processos de acesso ao poder e assim por diante. No ano de 2005, o governo municipal propôs uma gestão administrativa dos recursos públicos baseada na participação popular, onde os cidadãos auxiliariam o administrador público nas escolhas dos investimentos. De acordo com Benevides (1998, p.194), “a introdução do princípio da participação popular no governo da coisa pública é, sem dúvida, um remédio contra aquela arraigada tradição oligárquica e patrimonialista.” Neste governo, dirigido pela coligação política PPS-PT3, foi aprofundada a proposta de governança solidária para a gestão 2005-2008. O Decreto Municipal nº. 2.265 de 15/08/2006 em seu artigo 2º estabeleceu os princípios, objetivos, estrutura e procedimentos da Governança Solidária no município de Montes Claros/MG, e a define como: (...) uma rede intersetorial e multidisciplinar que se organiza territorialmente para promover espaços de convivência capazes de potencializar a cultura da solidariedade e cooperação entre governo e sociedade local, por meio da promoção de um ambiente social de diálogo e cooperação, com alto nível de democracia e conectividade, estimulando a constituição de parcerias entre todos os setores da sociedade, através do protagonismo do cidadão gestor, ativo, fortalecido e capacitado para perseguir e alcançar o desenvolvimento sustentável para governar. (MONTES CLAROS, Decreto nº 2.265 de 15 de agosto de 2006) Na cidade de Montes Claros o orçamento público foi um instrumento de um novo modelo de planejamento orçamentário e gestão participativa, de acordo com o Art.13º Inciso II que aborda acerca da participação popular na Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO, Lei nº 3.764 de 22 de junho de 2007. Em conformidade com o Art. 2 do decreto 2.387/07 que dispôs sobre o Regimento Interno da Comissão de Orçamento Participativo – COP, o Orçamento Participativo definiu-se como (...) um processo de participação direta da população na elaboração do planejamento e execução orçamentária do Município de Montes Claros. (MONTES CLAROS, Decreto nº 2.387 de 05 de setembro de 2.007) Foi instituído através do Decreto Municipal nº 2.364, de 25 de junho de 2007 a Comissão de Coordenação do Orçamento Participativo – COP, com a incumbência de promover a mobilização, o planejamento, a discussão, a fiscalização e deliberação dos assuntos relativos ao processo de elaboração do Orçamento Participativo, bem como de acompanhar a execução orçamentária das prioridades apontadas pelo OP. Eram atribuições da COP, Art.2º [...] I- estudar e analisar as propostas definidas nas Plenárias Deliberativas para viabilizá-las no Orçamento de 2.008; II- elaborar e encaminhar ao Chefe do Poder Executivo Municipal o Plano de Investimentos e uma matriz orçamentária como proposta para a LOA 2.008; III- eleger a Coordenação na primeira reunião Ordinária da Comissão do Orçamento Participativo – COP; IV- realizar, pelo menos bimestralmente, reunião com os Delegados e com a População dos 13 pólos do Município. (Montes Claros, Decreto Municipal nº 2.364 de 25 de junho de 2007) 3 Partido Popular Socialista – Partido dos Trabalhadores /PPS-PT. Tendo como Prefeito o Dr. Athos Avelino Pereira. A COP foi integrada por: 93 (noventa e três) Delegados titulares e 93 (noventa e três) Delegados suplentes eleitos pela sociedade civil; 19 (dezenove) Delegados titulares e 19 (dezenove) Delegados suplentes eleitos pelos Conselhos Municipais; 18 (dezoito) Delegados titulares e 18 (dezoito) suplentes indicados pelo Executivo Municipal. No artigo terceiro, em seus primeiro e segundo parágrafos, esclareceu que: Art.3º [...] §1º. Os membros da Comissão de Coordenação do Orçamento Participativo - COP devem exercer seus mandatos de forma gratuita, vedada a percepção de qualquer vantagem de natureza pecuniária. §2º. Os membros da Comissão terão mandato de 01 (um) ano, podendo ser reconduzidos por nova indicação dos órgãos públicos e das entidades representativas da sociedade civil organizada. (Montes Claros, Decreto Municipal nº 2.364 de 25/06/2007) 3.1 – Divisão das regiões O município de Montes Claros foi dividido em 13 Pólos Regionais (12 na área urbana e 1 na área rural, que por sua vez, foi dividido em 4 setores administrativos), conforme a figura 1. Esta divisão territorial planejada pela administração municipal considerou fatores econômicos, sociais e culturais das populações de cada região. Os bairros que compuseram cada pólo regional foram: 1 - Pólo “Santos Reis”: Santos Reis, Condomínio Pai João, Nossa Senhora Aparecida, Bela Vista, Bela Paisagem,Vila Atlântida, Vila São Francisco de Assis, Amazonas, Jardim Brasil, Vila Áurea, Santa Efigênia, Nova Morada, Vila Alice, Vila Antônio Narciso, Jardim Eldorado, Vila Castelo Branco, Cidade Industrial , Quintas da Boa Vista e Vila Cedro. 2 - Pólo “Renascença”: Renascença, Raul José Pereira, Alice Maia, Tancredo Neves, Vila Tiradentes, Santa Cecília e Floresta. 3- Pólo “JK”: JK, Raul Lourenço, Planalto, Universitário, Jaraguá I, Jaraguá II, Jaraguá III, Clarice Athayde Vieira, Village do Lago I, Village do Lago II, São Lucas e Nova América. 4 - Pólo “Vila Oliveira”: Vila Oliveira, Barcelona Park, Jardim Panorama I, Jardim Panorama II, Todos os Santos, Vila Mauricéia, Melo, Jardim São Luís, São Norberto e Ibituruna 5 - Pólo “Centro”: Centro, Edgar Pereira, Vila Toncheff, Jardim América, Vila Três Irmãs, Vila Brasília, Vila João Gordo, São José, Roxo Verde, Cidade Santa Maria, Vila Guilhermina, Cândida Câmara, Santo Expedito, Funcionários e Sagrada Família. 6 - Pólo “São João”: São João, Vila Marciano Simões, Cidade Cristo Rei, Vila Regina, Vera Cruz, Esplanada, Vila Tupã e Alcides Rabelo. 7 - Pólo “Independência”: Independência, Santa Lúcia, Regina Peres, Carmelo, Monte Carmelo, Parque Pampulha, Santa Laura, Interlagos, Guarujá, Acácias, Vila Real, Chácara Ceres, Recanto dos Araçás e Jardim Primavera. 8 - Pólo “Major Prates”: Major Prates, Morada do Sol, Augusta Mota, Canelas II, Vargem Grande, São Geraldo, Jardim São Geraldo, Chiquinho Guimarães, Chácara dos Mangues, Jardim Liberdade, Morada do Parque, Morada da Serra, Chácara Paraíso e Residencial Serrano. 9- Pólo “São Judas”: São Judas Tadeu, São Judas Tadeu II, Morrinhos, Vila Progresso, João Botelho, Cidade Nova, Canelas, Vila Luiza, Sumaré, Vila Antônio Canelas, Antônio Pimenta, Dr João Alves, Cristo Rei, Conjunto Havaí, Conjunto José Carlos de Lima, Vila Maria Cândida e Vila Telma 10 - Pólo “Cintra”: Cintra, Jardim Alvorada, Nossa Senhora de Fátima, Francisco Peres, Francisco Peres II, Santa Rita, Santa Rita II, Clarindo Lopes, Vila Senhor do Bonfim, Vila São Luís, Monte Alegre, Lourdes e Ipiranga. 11- Pólo “Delfino”: Delfino Magalhães, Vila Sion, Duque de Caxias, Alto da Boa Vista, Santo Antônio I, Santo Antônio II, Conjunto Bandeirantes, Jardim Olímpico, Novo Delfino, Vila Anália, Vila Camilo Prates, Vila Camilo Prates Prolongamento, Jardim Palmeiras, Colorado, Veneza Park e Vila Fênix. 12 - Pólo “Maracanã”: Maracanã, Joaquim Costa, Vila Grayce, Cyro dos Anjos, Vila Campos, Dona Gregória, José Corrêa Machado, Alterosa, Nossa Senhora das Graças, Santo Inácio, Vila Itatiaia, Conjunto Olga Benário, Santa Rafaela e Santo Amaro. 13 - Pólo “Rural”. Área Urbana PÓLOS REGIONAIS URBANOS Área Rural PÓLOS REGIONAIS RURAIS Pólos rurais 01 01 02 01 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 Santos Reis Renascença JK Vila Oliveira Centro São João Independência Major Prates São Judas Cintra Delfino Magalhães Maracanã Figura 1 - Divisão Geográfica do Município em Pólos Regionais Fonte: Site Prefeitura de Montes Claros/MG, 2007, adaptado pela autora. 3.2 - A metodologia do OP em Montes Claros A metodologia de trabalho na cidade de Montes Claros consistiu em 4 etapas: as duas primeiras constituídas de assembléias com ampla participação popular e as duas últimas realizadas pela Comissão do Orçamento Participativo e Revisão do Plano Diretor (COP). As informações a seguir que trata das etapas do OP foram extraídas da Apostila informativa intitulada de “Orçamento Participativo/2008” elaborada pela Governança solidária e Secretaria de Planejamento e Coordenação Estratégica de Montes Claros/MG. 1a Etapa – Convite à comunidade e explicação sobre o OP A primeira etapa foi iniciada com reuniões preparatórias em todos os pólos explicando e convidando a população para participar do processo. O objetivo foi sensibilizar a população para a importância do Planejamento Orçamentário Participativo, com o Executivo fazendo um balanço das ações dos primeiros anos de governo e capacitando a população para as etapas do processo. A etapa foi finalizada com o Prefeito solicitando em todos os pólos que a população de cada bairro se reunisse e levantasse suas necessidades e demandas prioritárias para que fossem entregues na segunda etapa do processo. 2a Etapa – Entrega das demandas levantadas pela comunidade e escolha do delegado Um importante instrumento de gestão foi desenvolvido nesta etapa – o Diagnóstico Participativo. Na medida em que as comunidades urbanas e rurais apresentaram seus anseios, problemas e prioridades o corpo técnico da prefeitura construiu um quadro geral da atual situação da cidade, localizando os principais problemas e as demandas da população. Após o término da 2a etapa a equipe técnica da Secretaria de Planejamento e Coordenação Estratégica e da Secretaria de Governança Solidária compilaram e tabularam os dados do diagnóstico e fizeram um levantamento orçamentário aproximado das demandas levantadas no Diagnóstico Participativo. Este trabalho técnico foi realizado com a participação de todas as secretarias, dele resultou uma análise que visava dar subsídios à elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA). O Orçamento Participativo passou a ser construído em escalas ações de curto prazo em 2007; médio prazo em 2008; longo prazo em 2009. 3a Etapa – Elaboração dos critérios estabelecidos pela COP Foram elaborados os critérios para cada grupo de demandas divididas por setores das políticas públicas municipais – Meio Ambiente, Educação, Esportes e Lazer, Políticas Sociais, Saúde, Cultura, Agricultura e Infra-Estrutura. Houve a formação de Comissões constituídas por Delegados da COP para trabalhar junto com as secretarias na elaboração do Planejamento Estratégico por área de ação e investimento. Uma vez definidos os critérios e feita uma análise técnica preliminar das demandas, a Diretoria de Orçamento, com o suporte de todas as Secretarias analisou a previsão orçamentária de 2008. Tecnicamente definiu a disponibilidade financeira e integrou as demandas do OP dentro do Orçamento Geral do Município. 4a Etapa: Apresentação do Plano estratégico de ações e de investimento Esta etapa do Plano Estratégico de ações e de investimento de curto e médio prazos foi construída numa parceria das Secretarias com o COP, em reuniões das Comissões Temáticas e Assembléias, sob a coordenação das Secretarias de Planejamento e Coordenação Estratégica e Governança Solidária. Este plano foi construído com base nas demandas das comunidades urbanas e rurais e critérios elaborados pela COP somados a critérios técnicos setoriais. 4 – Eleição das prioridades: poder de decisão dos cidadãos? Discutir o processo de escolha e da execução das demandas de cada região significa questionar o poder decisório dos cidadãos e a inversão de prioridades. De acordo com Dias (2002, p.74), a inversão de prioridades consiste em “um redirecionamento da administração pública priorizando os segmentos mais carentes da sociedade”. Para a escolha das demandas alguns critérios são estabelecidos. Esses critérios construídos em reuniões temáticas com o COP foram definidos de acordo com a área temática. Um dos desafios da participação popular no Orçamento Participativo de Montes Claros residiu na questão dos participantes em muitas vezes não entenderem o que era uma prioridade, ou seja, qual a necessidade primária de cada região, conforme alguns relatos de entrevistados: “No momento da escolha muitas pessoas não entendiam o que era prioridade e dificultava na escolha das prioridades”. (I.S - Coordenadora de Pólo Regional, entrevistada em 08/09/09) “A questão da quantidade de demandas que eram muitas e a população tinha dificuldade de colocar as prioridades. E isso dava muita discussão”. (V.P - Coordenadora de Pólo Regional, entrevistada em 15/09/09) Mas essa dificuldade é explicada pelo fato de que a população desta cidade não estava habituada a ser ouvida pelo poder público e muito menos acostumada a efetuar levantamentos de quais as necessidades existentes em cada bairro - às quais não eram poucas, daí a dificuldade nas escolhas das demandas. Isso pode ser comprovado na fala de um morador: “Os problemas foi porque nossos bairros precisam de muitas coisas e foi difícil achar as que temos mais necessidades”. (J.C - morador do Pólo Regional Santos Reis, entrevistado em 02/10/09) Para exemplificar como eram definidos os critérios para a escolha das necessidades dos pólos regionais, no Quadro 1, a seguir, são apresentados os critérios para a área temática de infra-estrutura e de saúde para a definição de prioridades para o Pólo Regional Santos Reis. QUADRO 1 Critérios temáticos para o Pólo Santos Reis Critérios temáticos para a infra-estrutura 1º Priorizar demandas de bairros com menor número de ruas asfaltadas e ruas asfaltadas pela metade; Asfalto 2º Priorizar vias de acesso com maior fluxo de ônibus,veículos e pedestres; 3º Priorizar ruas que sejam ligadas a outros bairros e tenham acesso a serviço público; 1º Priorizar demandas de locais que tenham inundações; Drenagem 2º Priorizar áreas de risco; 3º Priorizar ruas que estejam previstas asfalto e que precisam de drenagem; 1º Priorizar demandas de ruas, becos e vilas; Iluminação 2º Priorizar ruas com alto risco de violência; 3º Priorizar demandas das vias de acesso às escolas; Colocação 1º Priorizar demanda de locais onde já existem prática de carroceiros de cascos depositarem entulhos; 1º Priorizar demandas de reformas de praças,e quadras que estão em condições precárias; Políticas 2º Priorizar demandas de locais que agregam maior número de programas urbanas sociais; 3º Priorizar demandas das vias de acesso às escolas. Critérios temáticos para a Saúde 1º Priorizar demandas de bairros que não possuem equipes de PSF; 2º Priorizar demandas dos bairros que possuem PSF e precisam estruturar a rede física; 3º Priorizar demandas dos bairros com maior índice de vulnerabilidade social (baixa renda, violência, etc.); Fonte: Elaboração própria. Dados coletados na Ata de Reunião do Pólo Regional Santos Reis, pág.14. Conforme análise do Gráfico 1, a seguir, pouco mais da metade das demandas levantadas pela população tiveram como área temática a infraestrutura, que envolve investimentos como drenagem, iluminação pública, pavimentação asfáltica, calçamento de ruas, dentre outras. Essas demandas de infraestrutura representam 54% do total das demandas do Orçamento Participativo em Montes Claros, o que demonstra, até então, a ausência de investimentos nesta área temática e ao fato da população ter concentrado suas demandas nesta área para obterem investimentos a curto prazo. Por outro lado, não chegaram a 18 % a soma das demandas das áreas de saúde e de educação. Gráfico 1 – Prioridades eleitas no Orçamento Participativo - 2008 Prioridades eleitas por área temática Segurança Pública 3,7% Políticas Sociais 6,2% Cultura 0,4% Planejamento 1,9% Outras 2,2% Infraestrutura 54,2% Esporte 5,4% Meio Ambiente 8,2% Saúde 10,1% Educação 7,7% Fonte: Prefeitura de Montes Claros/SEPLAN, 2008 – adaptado pela autora. Observa-se no Gráfico 2, a seguir, que do total das demandas eleitas pela população para o orçamento público do ano de 2008, somente 43% foram atendidas e 9% estava em execução. E que 47% das demandas não foram atendidas porque não havia recursos econômicos suficientes para viabilizá-las. Gráfico 2 – Situação das demandas no OP - 2008 Ressalta-se que, não houve no OP em Montes Claros uma definição de como seriam distribuídos os recursos para a execução das demandas. Para atender as demandas, o governo municipal alocou as demandas para as secretarias municipais por área temática.Com isso, a execução das demandas ira acontecendo aos poucos, de acordo com a disponibilidade de recursos públicos. O Gráfico 3, a seguir, mostra ainda a distribuição das demandas nos 13 pólos regionais do município de Montes Claros. Ao analisá-lo, verifica-se uma variação nos percentuais de prioridades atendidas nesses pólos regionais, como exemplo, nos pólos Delfino Magalhães, Maracanã, São Judas e Vila Oliveira atingiram 50% das demandas, já nos pólos Centro, Independência e São Judas, não atingiram 30% das demandas concluídas, ao passo que no pólo Rural foi atendido em 71 % das demandas. Percebendo assim que, foram destinados para regiões mais carentes de Montes Claros considerada parcela dos recursos em demandas de infraestrutura. Gráfico 3 – Situação de demandas em todas as regiões Mesmo não sendo atendidas as demandas em sua totalidade nos pólos regionais, ainda assim moradores mencionam a importância do OP que possibilita oportunidade de poder de decisão, conforme alguns relatos: “É uma maneira de dar uma chance pros moradores de decidirem o que realmente precisam pro seu bairro”. (G. – moradora do bairro Cidade Industrial, entrevistada em 03/10/09). "É uma forma de exercer a cidadania. De respeitar a vontade e necessidade da região". (C. – moradora do bairro Santos Reis. entrevistada em 02/10/09) "O OP dá uma condição de saber exatamente o que o povo necessita" (H. - moradora do bairro Bela Paisagem, entrevistada em 30/09/09) Destaca-se que, um dos fatores que contribuíram para que essa partilha do poder entre governo e sociedade não acontecesse de forma plena foi a questão da limitação de recursos públicos para investir nas demandas. Segundo Wampler (2003), é importante existir no governo a capacidade de investir recursos para assim serem criadas condições necessárias para que os cidadãos se tornem os tomadores de decisão, caso contrário,“quando a capacidade de investimento é limitada, os orçamentos participativos não oferecem aos cidadãos a habilidade para tomar decisões que exercerão impacto diretamente sobre suas vidas”. (WAMPLER, 2003,p.81) 5 – De que qualidade de participação no OP em Montes Claros estamos falando? Outro desafio da participação popular no OP em Montes Claros refere-se à questão da qualidade da própria participação. Um aspecto interessante de se observar é o fato de que, a cidade de Montes Claros mesmo não possuindo ao longo de sua história política e social, uma forte e consolidada tradição prévia de participação política, no momento da realização das reuniões plenárias surpreendeu-se no quesito quantidade de participantes nas reuniões, pois foi bem significativo, conforme poderá ser visto na Tabela 1. Isso porque a vontade em participar e expressar suas reivindicações era desejo de uma sociedade até então marcada por uma política tradicional. Ao analisar a Tabela 1, identifica-se que uma região considerada vulnerável como o Pólo Santos Reis apresentou maior nível de participação (1.953 participantes) muito superior às regiões de nível socioeconômico mais elevado, como Pólo Centro (193 participantes). Isso nos lembra o que disse Marquetti (2003, p.135) que “O OP foi capaz de „colocar no poder‟ setores pobres da população que nunca tiveram voz ativa na definição da ação do Estado”. Tabela 1– Participação nas plenárias do OP em Montes Claros POLOS I CICLO II CICLO 182 193 Centro 225 532 Cintra 338 372 Delfino Magalhães 455 760 Independência 253 342 JK 432 672 Maracanã 304 377 Major Prates 382 343 Renascença 523 412 Rural 793 1.953 Santos Reis 252 280 São João 213 276 São Judas 262 227 Vila Oliveira TOTAL 4.614 6.739 Fonte: Prefeitura de Montes Claros (2007) O desafio foi manter essa considerada quantidade de pessoas, pois à medida que os participantes definiam em comum acordo e através de votação as principais prioridades a serem executadas, outros participantes deixavam de participar das reuniões pelo fato de suas demandas não serem escolhidas e atendidas. Silva (2003) nos esclarece que a participação pode ser mencionada em diferentes aspectos, tanto no simples fato de tomar parte em uma reunião como quando da definição de prioridades a serem alcançadas. Por isso, segundo este autor, a participação deve ser analisada em função do nível ou qualidade da mesma4. 4 Ver Silva (2003) que propõe uma escala de qualidade de participação que se apresenta do menor para o maior nível: 1) Não participa; 2) Passiva; 3) Informativa; 4) Consultiva; 5)Consulta obrigatória; 6) Propositiva; 7) Cogestão; 8) Delegação; 9) Auto-gestão. Ressalta-se também que é participando que se aprende a participar, a criar uma cultura de participação, conforme nos esclarece Demo (2001, p.24), As várias formas e dinâmicas do associativismo são fundamentais para o exercício da própria democracia, porque é onde aprendemos a eleger a deseleger, a exigir prestação de contas, a reivindicar rodízio no poder, a competir em clima de negociação, a reclamar representatividade das lideranças, a insistir na legitimidade dos processos de acesso ao poder e assim por diante. As práticas em processos participativos são importantes para desenvolver nos participantes uma cultura cidadã. Como afirma Gonh (2003, p.43), (...) os novos experimentos participativos desempenham também papel educativo aos seus participantes; à medida que fornecem informações, os capacitam à tomada de decisões e desenvolvem uma sabedoria política. Eles contribuem para o desenvolvimento de competências e habilidades a partir das experiências que vivenciam. Neste sentido, contribuem para o desenvolvimento político dos indivíduos. Mesmo que durante uma curta vigência do OP em Montes Claros, pode-se dizer que, a população foi orientada para uma qualidade de participação ativa e de co-gestão, uma vez que, as opiniões dos cidadãos foram ouvidas nas plenárias e levadas em consideração na definição das prioridades. Porém, como não houve continuidade no processo participativo devido à administração local ter sido assumida por outro gestor público5, nos impossibilita de apresentar análises e resultados que apontem para uma formação efetiva de cultura de participação política da cidade. Considerações finais O Orçamento Participativo é uma metodologia de gestão pública, voltado para a organização democrática da participação popular, objetivando o melhor uso dos recursos públicos através de tomadas de decisões com base em discussão com a sociedade sobre prioridades de investimentos. Este trabalho pretendeu analisar de que forma se configurou a participação popular dos sujeitos locais envolvidos no processo do Orçamento Participativo (OP) no município de Montes Claros. O Orçamento Participativo viabilizou a participação dos cidadãos, mesmo encontrando alguns desafios a essa participação. O baixo nível de alocação orçamentária mostrou que o poder de decisão da população não aconteceu de forma plena, posto que não havia recursos suficientes para o atendimento das demandas. Contudo, evidenciou-se o comprometimento do governo com a sociedade ao atender as demandas levantadas pela população. Dessa forma, o OP em Montes Claros superou o caráter consultivo defendido por Silva (2003) ao abordar que neste tipo de participação a opinião é ouvida mas não levada em 5 Nas eleições municipais de 2008, a coligação do partido político PPS-PT não conseguiu reeleger seu candidato a prefeito para dar continuidade ao processo de gestão participativa. Com isso, foi interrompido o processo de Orçamento Participativo nesta cidade, posto que a Prefeitura de Montes Claros foi assumida pelo partido político do PMDB para a gestão 2009-2012 tendo como prefeito Luiz Tadeu Leite. consideração na hora da definição das prioridades. Pois, nesse município o OP possibilitou um espaço público de co-gestão, tendo em vista que a população participou das ações públicas. Ao longo da história política do município não foram facilitados espaços públicos que possibilitassem uma efetiva e forte participação ativa da sociedade nos processos políticos, posto que as elites políticas prevaleciam no poder, revelando um modelo político coronelista na região. Entende-se que, essa existência de uma pouca tradição de participação política em Montes Claros reflete no impacto para a formação da cultura política, percebendo isso como um grande desafio à participação popular no OP. Como disse Benevides (1998, p.194), “Os costumes, não há como negar, representam um grave obstáculo à legitimação dos instrumentos de participação popular. Daí sobrelevar-se a importância da educação política como condição inarredável para a cidadania ativa”. O OP nesta cidade buscou por essa formação de cultura de participação dos cidadãos, pois a participação exercida neste processo de Orçamento Participativo envolveu uma participação ativa com perspectivas de transformação social, considerando o contexto das práticas políticas tradicionais deste município. REFERÊNCIAS BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A Cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular. 3ª ed. São Paulo: Ática, 1998. DEMO, Pedro. Pobreza política. 6. ed. Campinas: Autores Associados, 2001. (Polêmicas do nosso tempo ; 27) DIAS, Márcia Ribeiro. Sob o signo da vontade popular: O Orçamento Participativo e o dilema da Câmara Municipal de Porto Alegre. 1 ed. Belo Horizonte: UFMG, 2002 DIAS, Nelson. Orçamento Participativo: Animação Cidadã para a Participação Política. SIG-Lisboa, 2008. Tiragem 1.000 exemplares. MONTES CLAROS (Cidade). Decreto nº. 2.265 de 15 de agosto de 2006. Estabelece os princípios, objetivos, estrutura e procedimentos da “Governança Solidária” no Município de Montes Claros. MONTES CLAROS (Cidade). Decreto nº 2.364, de 25 de junho de 2.007. Institui a “Comissão de Coordenação Do Orçamento Participativo”, no âmbito Municipal. MONTES CLAROS (Cidade), Decreto nº 2.387 de 05 de setembro de 2.007. Dispõe sobre o Regimento Interno da Comissão de Orçamento Participativo – COP. PEREIRA, Laurindo Mékie. A Cidade do favor: Montes Claros em meados do século XX. Montes Claros, MG: Ed. Unimontes, 2002. 241 p. SANTOS, Boaventura de Souza. Democratizar a democracia: Os caminhos da democracia participativa. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. SILVA, Tarcísio da. Da participação que temos à que queremos:o processo do Orçamento Participativo na cidade de Recife. In: AVRITZER, Leonardo; NAVARRO, Zander. A inovação democrática no Brasil: o orçamento participativo. São Paulo: Cortez, 2003. TEIXEIRA, Ana Claudia; GRAZIA, Grazia de; et all. Orçamento Participativo: Democratização da gestão pública e controle social. FNPP – Fórum Nacional de Participação Popular (2003). Disponível em http://dc102.4shared.com/doc/clfunk1I/preview.html .Acesso em 11 de fevereiro de 2012. WAMPLER, Brian. Orçamento Participativo: uma explicação para as amplas variações nos resultados. In: AVRITZER, Leonardo; NAVARRO, Zander. A inovação democrática no Brasil: o orçamento participativo. São Paulo: Cortez, 2003. WILGES, Ilmo José. Finanças Públicas: Orçamento e Direito Financeiro. 2. ed. atualizada e ampliada, Porto Alegre: AGE, 2006.