Foto: Divulgação / ABIQUIFi ENTReVISTA José Correia da Silva Presidente da ABIQUIFi Alberto Sarmento Paz C 6 onhecedor profundo do mercado da Indústria de Farmoquímica e de em 2010, para a nomenclatura atual e, nacional farmoquímico e de in- Insumos Farmacêuticos e Produtores de certa forma, renovou nosso compro- sumos farmacêuticos, bem como da de Matéria-Prima para Medicamentos misso de lutar por uma indústria forte própria indústria farmacêutica, José (gestão 2012-2014), Correia tem uma e moderna no Brasil”, explica Correia. Correia da Silva é um entusiasta do longa história em associações de clas- fortalecimento da indústria da saúde se (é um dos fundadores e exerceu a Revista da SBCC: Quais os objetivos instalada no Brasil, e atua para que presidência da ASSIBRAL – Associa- principais da ABIQUIFi? todos os atores envolvidos – governo, ção Brasileira das Indústrias de Arti- José Correia: A entidade tem uma empresas nacionais e multinacionais gos para Laboratórios e da ABIFINA longa história de mais de três décadas, do setor, universidades e fornecedores – Associação Brasileira das Indústrias cuja missão primordial continua a mes- de matéria-prima – se unam para que o de Química Fina), além de atuar na ma: promover a produção e exportação Brasil possa se tornar um dos players FIESP – Federação das Indústrias de insumos farmacêuticos ativos (dro- globais no campo dos biofármacos de São Paulo, onde é conselheiro do gas) e inativos (excipientes), para usar e biomedicamentos. “Acredito que o setor de Comércio Exterior, e no setor uma terminologia mais atual. Também chamado Complexo Industrial da Saú- privado (é sócio-presidente da Formil desde seu início congregou empresas de seja uma peça fundamental para o Química, Formil Veterinária e Alpha- de capital nacional e multinacionais. desenvolvimento do país. Além do ca- partners Consultoria). Temos a visão de empresa instalada ráter social que a produção de medica- A entidade foi fundada em 1983 como no Brasil, gerando empregos, recursos mentos envolve, criar condições para a ABIQUIF – Associação Brasileira da e conhecimento para o País. instalação de um sistema de inovação Indústria de Farmoquímica, com o e de produção de medicamentos com objetivo de representar de maneira Revista da SBCC: A ABIQUIFi tem base biotecnológica vai ampliar nossas ativa as empresas que se dedicavam à grande interação com as entidades do competências e ampliar o dinamismo produção de adjuvantes farmotécnicos setor farmacêutico, o que levou a essa industrial nacional”, comenta. ou insumos não ativos, inclusive incen- aproximação? Atual presidente do Conselho da tivando a exportação desses produtos. José Correia: Nossos clientes são do ABIQUIFi – Associação Brasileira “A evolução do setor levou à mudança, setor farmacêutico (humano ou veteri- nária), só isso já seria suficiente para sil é dependente de produção farmo- cenário mude, levando a um equilíbrio uma aproximação entre as entidades. química, isso é um erro de avaliação maior, como se verifica atualmente na Além disso, como sempre atuamos no enorme. As empresas fabricantes têm Itália e Espanha. setor nacional e internacional, com a competência industrial estabelecida proposição de incentivar a exporta- para produzir qualquer insumo por Revista da SBCC: A ABIQUIFi tem ção, alguns interesses são comuns. síntese química. Não existe processo adotado o termo “internacionalização” Mas há um dado a mais: o grande algum que uma empresa local não no seu discurso. O que significa na impacto do regulatório farmacêutico possa repetir. Portanto, existe com- prática? na escolha do produto farmoquímico. petência de produção, gestão e pes- José Correia: O conceito de interna- No momento que o regulatório deter- quisa. Agora precisamos incorporar cionalização envolve uma série de prá- mina que o fornecedor deva ter uma nesse cenário a decisão econômica ticas que, ao final, tem como objetivo determinada condição, ele impacta de produzir. O Brasil chegou a produ- ampliar a produção local. A exportação diretamente no nosso negócio. E, con- zir mais de 70% de sua necessidade farmoquímica, por exemplo, é mais fá- sequentemente, temos de nos adaptar de princípios ativos – percentual ainda cil do que a farmacêutica, em função a essa nova condição. Revista da SBCC: Por falar em regulatório, quais os procedimentos relacionados à produção farmoquímica no Brasil? José Correia: Esse é um assunto importante e que a entidade vem se debruçando para que avance cada vez mais. Atualmente, temos um documento formalizado, Boas Práticas na Fabricação de Produtos Intermediários e Insumos Farmacêuticos Ativos, e uma RDC que insitucionaliza o registro de alguns poucos fármacos. Agora, deste ter um regulatório muito mais As empresas fabricantes de farmoquímicos no Brasil têm competência industrial estabelecida para produzir qualquer insumo por síntese química. Existe competência de produção, gestão e pesquisa complexo. Então, uma ação básica foi organizar um PSI – Programa Setorial Integrado sob nossa coordenação em parceria com a APEX-Brasil – Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos e com apoio de diversas entidades setoriais: ABIFINA – Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades, INTERFARMA – Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa, PRÓ GENÉRICOS – Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos e Genéricos e SIN- estamos trabalhando junto à ANVISA DUSFARMA – Sindicato da Indústria – Agência Nacional de Vigilância Sani- de Produtos Farmacêuticos do Estado tária para a elaboração de algum pro- de São Paulo. Realizado desde 2009, o cedimento mais abrangente na área de maior no caso dos antibióticos. Passa- PSI tem apresentado boas oportunida- registros, assim como o sucedido com da essa época de produção a qualquer des. Na última ação, em uma rodada de os medicamentos. Como a associação custo, o mercado foi se acomodando e negócios durante a FCE Pharma 2012, não abriga empresas importadoras de definindo quais os insumos deveriam fizemos 89 reuniões com compradores insumos farmacêuticos ativos ou ina- ser continuados e os que deveriam ser do Chile, da Colômbia e do Peru e que tivos, atuamos unicamente com foco descontinuados, em função de sua resultou em vendas previstas de US$ 7 no desenvolvimento da indústria local, competitividade no mercado local e milhões nos próximos 12 meses. Essa facilitando uma postura mais proativa global. Mas isso faz parte do proces- é uma das ações de internacionaliza- junto às autoridades governamentais. so, tanto que as empresas têm um vo- ção da entidade, talvez a mais visível. lume alto de exportação. O importante Revista da SBCC: O setor farmoquí- é termos a competência para produzir Revista da SBCC: E como atuar para mico instalado no Brasil se posiciona todo o portfólio de insumos farmacêu- a internacionalização de empresas para atender às demandas? ticos. Com a ampliação do regulátorio multinacionais que operam no Brasil? José Correia: Usa-se dizer que o Bra- brasileiro de insumos acredito que o José Correia: Nosso objetivo é o 7 ENTReVISTA mesmo, atuar para que as operações possibilidade, em que a venda ou aqui- buição – com a Farmácia Popular e locais de multinacionais possam con- sição de empresas não são as únicas outras iniciativas estaduais vai indicar correr com as operações localizadas ferramentas. O maior entrave para a onde os laboratórios devem buscar em outros países e, dessa forma, am- criação de joint-ventures nesses mol- produção mais acentuada. Temos uma pliar a importância e a produção das des era mesmo a questão cultural. “cesta” de produtos de interesse do unidades brasileiras, seja para atender o mercado doméstico ou para expor- Revista da SBCC: No Brasil, a capa- com nichos específicos, de produtos tar. Também acompanhamos de perto cidade de ingerência do estado é bas- que são de interesse da iniciativa pri- a formação de joint-ventures entre tante grande. Como isso se dá nesse vada. Abre-se um leque de oportunida- empresas nacionais e multinacionais. negócio? des, pois são esses últimos produtos Temos um exemplo recente desse tipo José Correia: Tradicionalmente, o que tem forte potencial de exportação. de operação que gerou ganhos para governo brasileiro é um grande com- Não é comum um “exportável” estar na todas as partes. O parceiro estrangei- prador e financiador, o que não o difere lista de prioridades do governo. ro já tem experiência e estrutura em do de outros países. O que é uma si- várias localidades, tem uma gover- tuação diferenciada é o estado como Revista da SBCC: Então, na verdade, nança corporativa mais consolidada, produtor de medicamentos. Isso leva é quase mandatório que o governo logística e promoção global, atuação o governo a deter conhecimento na participe? em nichos de mercado, uso comum produção, distribuição e logística de José Correia: Sim, na perspectiva de da capacidade industrial de terceiros, medicamentos. Hoje, por exemplo, o que o governo, como maior comprador, compliance mais sofisticado entre ou- governo é o único fabricante de vaci- tenha o papel de liderar o processo de tros fatores; e a empresa nacional tem nas humanas no Brasil. Para garantir qualificação. E essa participação não um processo decisório rápido, atua- o sucesso e não dependência externa é propriamente uma novidade. Quan- ção horizontal, disposição de crescer, do Programa Nacional de Imunização do se entendeu que havia a necessi- e habilidade de trabalhar em um mer- – PNI, os principais centros de produ- dade de se criar polos petroquímicos, cado interno muito grande e forte. O primeiro ponto, não perder a produção local, foi alcançada; e ainda há outros ganhos, como a internacionalização do conhecimento de gestão. A empresa nacional entra em um processo já com o apoio das melhores práticas. Enfim, melhora-se o processo de uma maneira virtuosa e sem necessidade de grandes investimentos. 8 estado, porém há um grande campo, Os governos são grandes compradores e financiadores em todo o mundo. O que difere o governo brasileiro é sua presença como produtor de medicamentos nos anos de 1960, o chamado modelo tripartite previa a participação de uma grande empresa nacional, a Petrobrás; uma multinacional, que detinha conhecimento; e uma empresa nacional. A tecnologia foi repassada para os parceiros, inclusive a entidade pública e depois esta definiu se continuava ou não na produção. Há uma ressalva: naquele época a decisão foi por um processo de substituição total das im- Revista da SBCC: Podemos consi- portações, com seus erros e acertos. derar que isso pode ser o começo da No caso do setor farmacêutico a pro- multinacionalização de empresas bra- posta é mais pontual. sileiras? ção, Butantan e FioCruz, acabaram José Correia: Sem dúvida. E se essa se associando a multinacionais para Revista da SBCC: O senhor se refere joint-venture tiver resultados positivos incorporar novas tecnologias, além do à produção de medicamentos por bio- – e esperamos que sim – ela passa a próprio investimento em pesquisa e tecnologia? ser um case interessante para ambas desenvolvimento. Então, não há como José Correia: O projeto de biotecno- as culturas empresariais. Outras em- o governo não estar nesta discussão. logia na produção de medicamentos presas farmacêuticas estão olhando Ele é o maior comprador e suas polí- é bastante instigante e fundamental para esse processo como uma nova ticas de saúde, que incluem a distri- para o desenvolvimento do Brasil, e conta com a participação de algumas agências de fomento oficiais, como o BNDES e a FINEP. Mas é importante avaliarmos o sentido desses investimentos. Tirando a área de vacinas, a produção de biotecnologia em escala industrial no Brasil carece de competência. Temos algo na universidade Tirando a área de vacinas, a produção de biotecnologia no Brasil em escala industrial carece de competência Esse processo passa por uma vertente interessante. A grande maioria dos gastos feitos em biomedicamentos é bancada pelo governo brasileiro; diferentemente dos medicamentos, digamos, sintéticos, em que o governo representa cerca de 30% do negócio. Nos biomedicamentos, o governo tem mas não temos capacidade industrial mais de 90% da demanda. Outro dado: instalada, nem muitos profissionais de- em 2009, o Ministério da Saúde iden- dicados. Quando falamos de medica- tificou que 2% das compras eram de mentos biotecnológicos (substâncias décadas. Então, boas práticas, regu- base biológica, porém esse percentual terapêuticas como proteínas recom- latório, gestão de resultados, riscos, representou 41% dos valores totais binantes, anticorpos monoclonais e enfim tudo que envolve a produção in- gastos com medicamentos. Fica claro versões recombinantes de hemoderi- dustrial em larga escala é bem recen- porque há um grande interesse em vados, como exemplo), estamos nos te. O Brasil não tem essa competência propor essa instalação da competên- referindo a algo bem específico de e é preciso agregá-la rapidamente cia local. uma área relativamente nova se ima- para diminuir a dependência. Preci- ginarmos que no mundo esse esforço samos ter a competência para saber, Revista da SBCC: Como está a forma- tem cerca de 40 anos, e que evoluiu daqui a alguns anos, como usá-la, o ção de associações de empresas para de forma significativa nas últimas duas que já fazemos na síntese química. o investimento em biomedicamentos? ENTReVISTA José Correia: Evoluindo de maneira Revista da SBCC: Quais empresas plo, está trabalhando há cerca de 15 muito consistente. E o momento é esse estão envolvidas no processo de bio- anos em biotecnologia, desde que for- mesmo, pois nos próximos três anos tecnologia? mou seus consórcios, criou um sistema vencerão patentes importantes, como José Correia: Foram formados dois de financiamento e firmou parcerias Pegfilgrastina, Rituximab, Herceptin, grandes consórcios em 2011: Bionovis com multinacionais. Isso significa que Trastuzumab e Adalimumab, de alto (reune Aché, EMS, Hypermarcas e estão 15 anos à nossa frente de nós? valor de mercado. Diferentemente da União Química) e Origen (Eurofarma, Não necessariamente. Dou um exem- farmacêutica tradicional, na qual mes- Cristália, Libbs e Biolab), ambos com plo prático: se hoje um país não tiver mo antes de vencer a patente já exis- apoio do BNDES, que tem uma linha de sistema de telefonia e resolver investir, tem várias possibilidades de compra no investimento destinada exclusivamente evidentemente não vai instalar um sis- mundo e o Brasil tem competência de para projetos de biotecnologia voltada tema a cabo e sim instalar um sistema fazer tanto os insumos quanto os medi- à produção de medicamentos. Eles digital, que é mais eficiente e barato. camentos, no caso do biomedicamen- estão montando suas estruturas para Ou seja, o Brasil vai abarcar a tecno- to não temos essa possibilidade. Com contratar, definir platafoma de produção logia disponível, que é sensivelmente o advento de consórcios, que também e teremos no Brasil, no mínimo, duas melhor do que a que foi abarcada pela não é novidade, pois existem vários de plantas industriais de biotecnologia. Coreia há 15 anos. Existem empreen- biotecnologia espalhados pelo mundo, pode-se gerar essa competência num prazo relativamente curto. Revista da SBCC: Por que os consórcios para a produção de biomedicamentos? José Correia: Essa é uma tecnologia que muda muito rapidamente em busca de pureza, de rendimento, de Uma área de produção de biotecnologia é praticamente uma unidade de produção totalmente em condições de salas limpas e japoneses que têm mais de 30 anos e precisam ser renovados. Vamos sair com o que podemos chamar de estado da arte da biotecnologia. Entre 5 e 10 anos o Brasil vai estar com produção interessante, competência, gestão e tecnologia para ser um dos atores importantes em biotecnologia para a indústria farmacêutica, evidentemente ambientes diferenciados de produção, se não tomarmos nenhum atalho que de dosificação e mesmo de sistemas possa por em risco todo o trabalho que de diagnóstico das endemias. Isso Revista da SBCC: A ABIQUIFi partici- impulsiona arranjos empresariais para pou desse arranjo de consórcios? reduzir riscos e ganhar velocidade no José Correia: Não. Nossa missão Revista da SBCC: O que pode colocar processo. Uma área de produção de é incentivar a produção local, com em risco esse projeto? biotecnologia é praticamente uma uni- possibilidade de exportação e inter- José Correia: Um ponto importante é dade de produção totalmente em con- nacionalização, ou seja, a perspectiva o investimento em pesquisa e desen- dições de salas limpas, pois o trabalho está totalmente alinhada com o que volvimento. Para a absorção rápida envolve organismos vivos e o controle acreditamos. Como englobamos to- e completa da melhor tecnologia dis- rigorosíssimo em todas as etapas do dos os insumos, procuramos, quando ponível temos de formar profissionais processo que começa e acaba em possível, repassar aos atores públicos qualificados em todas as áreas, pois áreas limpas. Por maior que seja a em- e privados todas as informações que se não tivermos competência em P&D presa, se ela investir sozinha em uma possam ajudar no processo de tomada e know how de produção industrial se- unidade para biomedicamentos – que de decisões. remos sempre dependentes. Temos de vai demorar cerca de dois anos para 10 dimentos europeus, norte-americanos está sendo minuciosamente planejado. adquirir todas aquelas competências ficar pronta e levará outro ano para Revista da SBCC: O Brasil pode recu- que já temos em síntese química para testes, ajustes e validação das autori- perar o tempo perdido? a produção de biofármacos. dades – estará correndo um altíssimo José Correia: Essa é uma discussão risco econômico. recorrente. A Coreia do Sul, por exem- Mais informações, acesse: www.abiquifi.org.br