Língua Portuguesa para os anos iniciais Língua Portuguesa para os anos iniciais Introdução E ste material que você está recebendo, prezado acadêmico do curso de Pedagogia EAD, foi exclusivamente preparado para que seu conhecimento relacionado ao ensino da língua portuguesa para os anos iniciais se amplie, dando-lhe novas perspectivas e ideias para suas aulas. Para isso, sustentados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais e por demais teóricos da área, elaboramos este livro com um cuidado todo especial. Detivemos-nos, assim, nos cinco primeiros capítulos, a uma abordagem mais conceitual, explorando alguns pontos fundamentais para o sucesso do professor e do ensino de nossa língua materna. Depois, nos últimos cinco, direcionamos nosso estudo para um viés mais prático. O primeiro capítulo, por exemplo, mostra-nos o que devemos levar em conta ao pensar, de um modo geral, em uma definição do ensino de língua portuguesa. Já o segundo e terceiro capítulos trabalham com a questão da escrita e da oralidade dentro da sala de aula, debatendo essa problemática. No quarto, uma perspectiva atual de texto e de leitor é apresentada, o que dialoga com demais disciplinas que aqui cursamos, em uma inter-relação proposital e necessária. E fechamos essa primeira metade no Capítulo 5, discutindo aquilo que se denomina de transversalidade temática. No sexto capítulo, já na segunda parte de nosso material, abordaremos alguns aspectos ligados à ortografia e à gramática, para, no seguinte, debatermos o conteúdo língua portuguesa para os anos iniciais. No oitavo, apresentaremos alguns métodos e práticas de reflexão sobre o ensino da língua, o que se liga diretamente com o próximo, o nono capítulo, em que trabalharemos o texto como unidade de ensino. E, no décimo, por fim, discutiremos alguns tópicos de extrema importância para a escolha dos livros didáticos dessa nossa matéria. iv Referências Bibliográficas Por fim, resta-nos desejar a todos um belo trabalho e uma boa aprendizagem, que juntos façamos da educação de nosso país algo ascendente, buscando, sempre, a partir da criatividade e da paixão pelo ensino, proporcionar aos nossos alunos um ambiente para a perfeita construção do conhecimento. Autores Prof. Ítalo Ogliari Doutor em Letras pela PUCRS e professor do curso de Letras e de Pedagogia EAD da Universidade Luterana do Brasil. Autor de cinco livros e de inúmeros textos publicados no Brasil e no exterior. Visite: www.italoogliari.com Prof. Castilho Schneider Graduado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em Língua Inglesa pela UFRGS. É professor do curso de Letras da Universidade Luterana do Brasil desde 1988 e atualmente trabalha na Educação a Distância nos cursos de Letras e Pedagogia como tutor. É autor do romance “Depois da Praça” (Editora da Ulbra – 2004). Profa. Maria Lizete Schneider Graduada em Letras pelo Centro Educacional La Salle de Ensino Superior e especialista em Língua Portuguesa e Linguística do Texto pela Universidade do Vale do Sinos (UNISINOS). Também é doutoranda em Filologia Espanhola, Moderna y Latina pela Universidad de les Illes Balears. É professora dos Cursos de Letras e de Pedagogia na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Profª Darlize Teixeira de Mello Doutora em Educação (2012) pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na linha de pesquisa Estudos Culturais em Educação. É professora adjunta do Curso de Pedagogia (Campus Canoas) na Universidade Luterana do Brasil e atual vice-coordenadora do NECCSO. Também é autora de vários textos na área da educação, além de capítulos de livros. Sumário 1. História e caracterização do ensino da língua portuguesa segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).........................7 2. Que fala cabe à escola ensinar?..............................................22 3. Que escrita cabe à escola ensinar?..........................................38 4. O texto e o leitor em sua atual perspectiva...............................50 5. A Língua Portuguesa e alguns temas transversais......................62 6. Conteúdos de Língua Portuguesa nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.......................................................................74 7. Ortografia e gramática.............................................................98 8. Métodos e práticas de reflexão sobre o ensino da língua........112 9. O Texto como Unidade de Ensino...........................................133 10. Livros didáticos e o ensino da língua materna: algumas análises possíveis............................................................................152 Ítalo Ogliari Capítulo 1 História e caracterização do ensino da língua portuguesa segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)  N este nosso primeiro capítulo, veremos o que os Parâmetros Curriculares Nacionais da Língua Portuguesa para os anos iniciais dizem sobre a relevância social do domínio da língua materna para o sujeito e como esse olhar se construiu ao longo de nossa história. Abordaremos a atenção dada ao ensino da Língua Portuguesa 8 Língua Portuguesa para os anos iniciais por um viés linguístico e veremos como tudo isso ocorreu, chegando à ideia de Letramento, que caracteriza e se torna o principal objetivo do trabalho que envolve a língua materna na escola de hoje. Capítulo 1 História e caracterização do ensino... 9 O domínio da língua e sua história na educação Dominar a língua materna, tanto em sua forma oral quanto escrita, é requisito indispensável para a participação do ser humano como cidadão, pois é por meio da linguagem que o homem se comunica, se informa, defende suas ideias, se expressa, constrói visões de mundo e produz conhecimento. Somos seres da linguagem e necessitamos dela para nos relacionarmos. Por isso, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais da Língua Portuguesa, ao trabalhar nossa língua, “a escola tem a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos1, necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos” (PCNs, 1997, p. 15). Mas tudo isso, se olharmos para nossa história, é um pensamento relativamente novo. Segundo Rodolfo Ilari, em seu artigo intitulado Linguística e ensino da língua portuguesa como língua materna, as primeiras reflexões de um linguista brasileiro sobre o ensino de nossa língua datam de 1957 e estão contidas em um ensaio de Joaquim Mattoso Câmara Jr., chamado Erros de escolares como sintomas de tendências do português no Rio de Janeiro. O texto afirmava que muitos erros encontrados pelos professores de ensino fundamental e médio, tanto na fala quanto na escrita 1 É interessante lembrarmos aqui que a Linguística é a ciência que estuda os fatos da linguagem. Criada por Ferdinand de Saussure, ela se dedica aos estudos a respeito da língua como um fenômeno vivo. A pesquisa linguística, por isso, é feita por filósofos, sociólogos e demais cientistas da linguagem que se preocupam em investigar quais são os desdobramentos e nuances envolvidos na linguagem humana e suas transformações. 10 Língua Portuguesa para os anos iniciais de seus alunos, nada mais eram do que inovações pelas quais a língua portuguesa falada na época estava passando: [...] o texto de Mattoso Câmara sugeria também que era equivocado tomá-los como sintoma de outra coisa – por exemplo, de alguma incapacidade fundamental dos próprios alunos – e recomendava que, ao lidar com suas classes de crianças e adolescentes, nossos mestres do ensino fundamental e médio tomassem a situação linguística então vigente no Brasil como pano de fundo do ensino de língua materna. (ILARI, 2013, p. 01-02) A mensagem do estudioso, no contexto do final dos anos 1950, era altamente inovadora. Mas ele estava calcado nos pressupostos de uma ciência recém-chegada ao Brasil: a Linguística, que interpretava de maneira nova uma situação que se tornava cada vez mais comum devido à democratização do ensino, que ocorria e promovia o ingresso maciço de crianças e adolescentes das classes populares brasileiras em uma escola até então destinada à elite. Segundo Ilari, esses dois fenômenos (a presença cada vez mais numerosa de alunos provenientes da classe popular no ensino fundamental e médio e a difusão nesse mesmo ensino de ideias originadas na Linguística) deram um novo rumo à abordagem da língua portuguesa dentro das escolas, que até hoje devemos levar em conta. Aplicadas à situação brasileira, essas ideias levaram os educadores e estudiosos a perceber que, dentro daquilo que reconhecemos como "o português brasileiro", convivem várias Capítulo 1 História e caracterização do ensino... 11 "línguas". Até então, víamos a língua como uma imagem de grande uniformidade. Mas, de repente, percebeu-se que essa suposta uniformidade não era verdadeira e, no fundo, até mesmo preconceituosa, já que antes apenas olhávamos para uma única língua: língua-padrão. O português-brasileiro não inclui apenas a língua trabalhada esteticamente pelos grandes escritores, ou a expressão altamente formal dos documentos oficiais; abrange também variedades regionais como o dialeto caipira, os falares do tapiocano e do guasca ou as gírias dos malandros cariocas e dos seringueiros da Amazônia; inclui ainda diferentes variedades correspondentes à estratificação socioeconômica da população brasileira. (idem, p. 06) Por tudo isso, tomou força na década de 60, como também nos explica Rodolfo Ilari, a ideia de que, para se compreender a realidade linguística brasileira, seria preciso, antes de mais nada, documentá-la cuidadosamente. Assim, surgiram várias pesquisas e a elaboração de atlas linguísticos regionais. O pioneiro foi o Atlas Prévio dos Falares Baianos, de Nélson Rossi (1960-62). Houve também o Projeto de Estudo da Norma Urbana Culta, que teve, entre seus inspiradores, o linguista Ataliba T. de Castilho. Conhecido pela sigla NURC, esse projeto centrou suas atenções nas cinco capitais brasileiras que contavam na época com mais de um milhão de habitantes (São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador e Porto Alegre). Para esse estudo, foram gravadas cerca de 1570 horas de entrevistas, que re- 12 Língua Portuguesa para os anos iniciais sultou na prova, hoje aparentemente óbvia, de que “ninguém fala conforme recomendam os gramáticos”. (Idem, p. 08) Seguindo nossa história, Ilari nos conta que o mesmo Ataliba T. de Castilho, já na década de 80, lançaria outro grande projeto de descrição: o Projeto da gramática do português falado, sendo esse apenas o início do surgimento de tantos e tantos outros trabalhos e pesquisadores importantes, que tomariam como reflexão a nossa língua materna e seu ensino dentro da escola, como, por exemplo, Marcos Bagno (professor da Universidade de Brasília, escritor, poeta e tradutor, se dedica à pesquisa e à ação no campo da educação linguística, com interesse particular no impacto da sociolinguística sobre o ensino), Magda Soares (professora titular emérita da Faculdade de Educação da UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais – e pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da CEALE), Maria Cecília Mollica (professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde mantém seus estudos em teoria e análise linguística e sociolinguística aplicada, variação e mudança, variação, educação e educação de jovens e adultos) e Maria Luiza Braga (professora titular do Departamento de Linguística e Filologia da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro e dedica-se ao estudo dos fenômenos abordados segundo o enfoque funcionalista em linguística em sua interface com as contribuições da metodologia da Teoria da Variação). Capítulo 1 História e caracterização do ensino... 13 A língua portuguesa na escola hoje e o Letramento A partir dos anos 80 (depois da grande e efetiva consolidação dos estudos linguísticos, com o vimos), o ensino de Língua Portuguesa nas escolas passa então a ser o centro da discussão e a principal forma de melhorar a qualidade da educação no País. Isso ocorre exatamente porque os índices brasileiros de repetência nas séries iniciais, inaceitáveis mesmo em países muito mais pobres, estavam (e ainda estão) diretamente ligados à dificuldade que a escola tem de ensinar a ler e a escrever no sentido mais amplo dos termos. Por isso, no ensino fundamental, o eixo do debate concentrou-se na questão da leitura e da escrita, e até hoje é o principal foco dessa problemática. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa dos Anos Iniciais: Essa dificuldade se expressa com clareza nos dois gargalos em que se concentra a maior parte da repetência: no fim da primeira série (ou mesmo das duas primeiras) e na quinta série. No primeiro, por dificuldade em alfabetizar; no segundo, por não conseguir garantir o uso eficaz da linguagem, condição para que os alunos possam continuar a progredir até, pelo menos, o fim da oitava série. (PCN, 1997, p. 14) Essas evidências de fracasso escolar apontam, ainda em nossos dias, à necessidade da reestruturação do ensino de Língua Portuguesa, com o objetivo de encontrar formas de garan- 14 Língua Portuguesa para os anos iniciais tir, de fato, a aprendizagem da leitura e da escrita. O professor precisa compreender alguns aspectos importantes desse processo de aprendizagem. Crianças de famílias mais favorecidas muitas vezes apresentam, por exemplo, muito mais desenvoltura para lidar com a realidade escolar do que os filhos de famílias menos favorecidas, pois possuem menores oportunidades de participação em atividades sociais e menos experiências significativas mediadas pela escrita, e essa diferença, que se expressa no desempenho, marca, como vimos em nossa breve história, a vida escolar dessas crianças desde o seu início. Além disso, é preciso também compreender que a alfabetização não é um processo baseado em memorizar. Para aprender a ler e a escrever, é necessário que se construa um conhecimento de natureza conceitual, pois não basta saber apenas o que a escrita representa, mas também de que forma ela representa graficamente a linguagem. Isso porque, segundo os PCNs (p. 15): As condições atuais permitem repensar sobre o ensino da leitura e da escrita considerando não só o conhecimento didático acumulado, mas também as contribuições de outras áreas, como a psicologia da aprendizagem, a psicologia cultural e as ciências da linguagem. O avanço dessas ciências possibilita receber contribuições tanto da psicolinguística quanto da sociolinguística; tanto da pragmática, da gramática textual, da teoria da comunicação, quanto da semiótica, da análise do discurso. Capítulo 1 História e caracterização do ensino... 15 No entanto, não são apenas os avanços do conhecimento científico por si que promovem as mudanças no ensino. As mudanças significativas são oriundas de um novo olhar que se dá às finalidades da educação. Elas acontecem quando percebemos que a sociedade exige movimentos novos, que revisemos alguns conceitos. Isso porque o ato de ler e de escrever hoje não pode ser mais percebido como um movimento em que um sujeito decifra um código, mas saber que o domínio da língua, o que nos remete ao início deste capítulo, tem estreita relação com a possibilidade de plena participação social. Por isso, precisamos ter, hoje, “um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural”. (Idem, p. 21) O que a escola precisa fazer é promover o Letramento, que, para Magda Soares, “é mais que alfabetizar, é ensinar a ler e escrever dentro de um contexto onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida do aluno” (2003, p. 03). E tudo isso considerando os diferentes níveis de conhecimento prévio de nossos estudantes, para que, durante os nove anos do ensino fundamental, “cada aluno se torne capaz de interpretar diferentes textos que circulam socialmente, de assumir a palavra e, como cidadão, de produzir textos eficazes nas mais variadas situações”. (PCN, 1997, p. 21) Nunca podemos nos esquecer, como professores, que o conhecimento é uma construção social e que a língua é um conjunto de signos sociais e históricos. Ela possibilita ao homem, a partir da palavra, dar sentido ao mundo e à realidade. Dominar a língua materna em sua amplitude (o que inclui a leitura e a escrita) é aprender não só as palavras, mas também os seus significados culturais e sociais. E, nesse ponto, temos 16 Língua Portuguesa para os anos iniciais outro grande problema, pois aquilo que é assimilado por muitos alunos ao longo da escolaridade não está sendo suficiente para uma vida pessoal e profissional de sucesso e para o exercício de uma cidadania crítica e interventiva. Desse modo, de acordo com João Paulo Rodrigues Balula e Luísa Maria Lopes Martin (2010, p. 02), “desenvolver competências de compreensão na leitura é um dos objetivos essenciais da escolarização dos cidadãos”, e é isso que precisamos fazer, e é com esse objetivo que deve se caracterizar o ensino de Língua Portuguesa nos anos iniciais e nos demais anos subsequentes. A capacidade de usar a leitura e a escrita é uma questão de dignidade na vida do cidadão. Uma vida de analfabetismo e sem Letramento é uma vida de exclusão. Capítulo 1 História e caracterização do ensino... 17 Recapitulando Neste nosso primeiro capítulo, vimos como os Parâmetros Curriculares Nacionais da Língua Portuguesa direcionados aos anos iniciais tratam a problemática social do domínio da língua materna e sua importância para o sujeito como cidadão. Conhecemos um pouco da história dos estudos acerca da linguagem e ficamos sabendo como esse olhar linguístico se construiu como revisão sobre a forma de abordagem da língua portuguesa na escola. E percebemos, por fim, que dominar a língua materna, tanto em sua forma oral quanto escrita, é requisito indispensável para a participação do ser humano como cidadão, já que é a partir da linguagem que ele se comunica, se informa, se expressa e produz conhecimento. 18 Língua Portuguesa para os anos iniciais Exercícios Agora, sem voltar ao texto, mas verificando o que você consegue lembrar em relação ao que acabou de estudar, realize os exercícios abaixo: 1) Marque a alternativa que completa a sentença: A primeira necessidade de se repensar o ensino da Língua Portuguesa nas escolas brasileiras surgiu no final da década de, com . a) 60/a democratização do ensino, que ocorria e promovia o ingresso maciço de crianças e adolescentes das classes populares brasileiras em uma escola até então destinada à elite. b) 50/a centralização do ensino, que ocorria e promovia o ingresso maciço de crianças e adolescentes da elite brasileira em uma escola até então destinada às classes populares. c) 50/a democratização do ensino, que ocorria e promovia o ingresso maciço de crianças e adolescentes das classes populares brasileiras em uma escola até então destinada à elite. d) 60/a centralização do ensino, que ocorria e promovia o ingresso maciço de crianças e adolescentes da elite brasileira em uma escola até então destinada às classes populares. e) 50/a democratização do ensino, que ocorria e promovia o ingresso maciço de crianças e adolescentes da elite brasileira em uma escola até então destinada às classes populares. Capítulo 1 História e caracterização do ensino... 19 2) Marque V ou F nas afirmativas que seguem: ( ) O verdadeiro português-brasileiro é apenas a língua trabalhada pelos grandes escritores e pelos que dominam a norma culta. ( ) A partir da linguística, percebeu-se que a língua é um fenômeno uniforme. ( ) Os problemas com o ensino da Língua materna nas escolas são mais do que educacionais, são sociais. 3) A partir de nossas leituras, é possível afirmar que, após a década de 80 e a solidificação dos estudos linguísticos no Brasil, o ensino de Língua Portuguesa nas escolas passa então a e da educação no País. a) fortalecer sua antiga forma/tornar-se a principal área de pesquisa; b) ser o centro da discussão/busca tirar um antigo e penoso compromisso; c) ser o centro da discussão/a última forma de melhorar a qualidade; d) ser o centro da discussão/o principal caminho para melhorar a qualidade; e) fortalecer sua antiga forma/o principal caminho para melhorar a qualidade. 20 Língua Portuguesa para os anos iniciais 4) Como se chama o processo (ou fenômeno) de leitura e escrita existente dentro de um contexto, em que esses elementos tenham sentido e façam parte de forma significativa da vida do cidadão? a) Linguagem; b) Linguístico; c) Letramento; d) Científico; e) Democratização. 5) Marque V ou F nas afirmativas que seguem: ( ) Podemos afirmar, como professores, que o conhecimento não é uma construção social. ( ) O ensino da Língua Portuguesa tem, hoje, a função de tornar o aluno capaz de interpretar e produzir os diferentes textos que circulam socialmente e nas mais variadas situações. ( ) Nossos estudos, por fim, mostraram que Alfabetização e Letramento são a mesma coisa. Referências BALULA, João Paulo Rodrigues; MARTIN, Luísa Maria Lopes. Ler e escrever no século XXI: Apontamentos de um percurso de educação não formal. Congresso Iberoamenricano de Educacion. Buenos Aires, República Argentina, 13, 14 e 15 de Setembro, 2010. Disponível em: Capítulo 1 História e caracterização do ensino... 21 <http://repositorio.ipv.pt/bitstream/10400.19/495/1/ Balula%26Martins%28201%29.pdf.>. ILARI. Rodolfo. Linguística e ensino da língua portuguesa como língua materna. Disponível em: <http://www.museulinguaportuguesa.org.br/files/ mlp/texto_3.pdf. Acessado em 12/04/2013.>. PCNs. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: 1997. MARTINS, Maria da Esperança de Oliveira; SÁ, Cristina Manuela. Ser leitor no século XXI: importância da compreensão na leitura para o exercício pleno de uma cidadania responsável e ativa. In.: Saber & Educar, 13, 2008. pp. 235-245. SOARES, Magda. O que é Letramento. In.: Diário do Grande ABC. Sexta-feira, 29 de agosto de 2003. Gabarito: 1) c; 2) F, F, V; 3) d; 4) c; 5) F, V, F; Ítalo Ogliari Capítulo 2 Que fala cabe à escola ensinar?  N este capítulo, discutiremos o papel da escola no debate acerca da linguagem oral. Veremos que além de uma abordagem, muitas vezes, mínima desse tema dentro da sala de aula, a comunicação oral está permeada de preconceitos e equivocadamente vinculada à escrita e a uma normatividade. Isso torna necessário repensarmos alguns de nossos conceitos e a maneira de trabalharmos a Língua Portuguesa falada no ambiente escolar. Capítulo 2 Que fala cabe à escola ensinar? 23 A oralidade, o professor e a diversidade Ora, as línguas não existem sem as pessoas que a falam, e a história de uma língua é a história de seus falantes. Louis-Jean Calvet A Língua Portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais, ou seja, inúmeros dialetos diferentes. É possível identificarmos as pessoas geográfica e socialmente pela forma como falam. Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito comum considerarmos as variedades linguísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas, e debater essa diversidade e esses preconceitos é, com toda a certeza, um dos grandes papéis da escola ao ensinar a Língua Portuguesa, já que ela (a Língua) é algo inserido em um tempo e um espaço. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais do ensino de Língua Portuguesa, é possível considerar a aprendizagem de Língua Portuguesa na escola como resultantes da articulação de três variáveis: o aluno, a língua e o ensino (PCNs, 1997, p. 24): ÂÂO aluno, o primeiro elemento dessa tríade, é o sujeito da ação de aprender, aquele que age sobre o objeto de conhecimento. ÂÂO segundo elemento, o objeto de conhecimento, é a Língua Portuguesa, tal como se fala e se escreve fora da 24 Língua Portuguesa para os anos iniciais escola, a língua que se fala em instâncias públicas e a que existe nos textos escritos que circulam socialmente. ÂÂE o terceiro elemento da tríade, o ensino, é, nesse enfoque teórico, concebido como a prática educacional que organiza a mediação entre sujeito e objeto do conhecimento. Para que essa mediação aconteça, no entanto, o professor deverá planejar, implementar e dirigir as atividades didáticas, com o objetivo de desencadear, apoiar e orientar o esforço de ação e reflexão do aluno. Observa-se, porém, que a afirmação que aponta o conhecimento como uma construção do aprendiz vem sendo interpretada de maneira, muitas vezes, equivocada, como se fosse possível que os alunos aprendessem os conteúdos escolares simplesmente por serem expostos a eles. “Esse tipo de desinformação — que parece acompanhar a emergência de práticas pedagógicas inovadoras — tem assumido formas que acabam por esvaziar a função do professor”. (Idem, p. 25) É necessário, por isso, que nunca esqueçamos, ainda mais ao debatermos um tema difícil como o da diversidade linguística e a oralidade, o papel do professor como um mediador importante entre o aluno e seu amadurecimento sobre tais questões. É ele quem (levando sim em conta as experiências do aluno, mas trabalhando de maneira como só ele foi preparado para fazer) irá conduzi-lo ao melhor caminho, abordando, principalmente, toda a problemática existente entre fala e escrita e entre nossa diversidade cultural e linguística. No entanto, para que ele seja devidamente capaz de guiar esse aluno em um debate seguro sobre esses Capítulo 2 Que fala cabe à escola ensinar? 25 aspectos, é necessário que esteja atualizado, o que, às vezes, é algo distante da realidade. De acordo com Rodolfo Ilari, em sua obra A linguística e o ensino da Língua Portuguesa (1997, p. 103), muitos professores: continuam investindo a maior parte de seus esforços no ensino da terminologia gramatical; continua enorme os espaços reservados aos exercícios; a escola continua ignorando as variedades regionais e sociais [...] os usos da língua na escola continuam em grande medida artificiais, como se o aprendizado fosse para a escola, não para a vida. E esse problema não está somente na abordagem da Língua Portuguesa. Realmente, na maior parte do tempo, parece que estamos ensinando apenas para testes escolares, não para a vida e para o exercício de uma cidadania digna. Precisamos mudar isso. E é só a partir de uma perspectiva nova, que nós, professores, estaremos preparados para o verdadeiro ensino da Língua Portuguesa em relação a sua complexidade e embate entre os fenômenos da oralidade e da escrita, derrubando em nós também os antigos preconceitos, o que trataremos agora. 26 Língua Portuguesa para os anos iniciais Variações e preconceito: um olhar sociolinguístico sobre o ensino da língua portuguesa A problemática do preconceito que acompanha a sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentada, na escola, já nos primeiros anos, “como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença” (PCN, 1997, p. 26). Para que isso seja possível, e para que haja um adequado ensino de nossa Língua Portuguesa, nós educadores precisamos nos livrar de duas ideias um tanto ultrapassadas: 1o – O de que existe uma única forma “certa” de falar: a que se parece com a escrita e que geralmente a identificamos com facilidade nos meios de comunicação veiculados em rede nacional, como telejornais, novelas etc. 2o – E o de que a escrita é o espelho da fala, sendo preciso “consertar” a fala do aluno (seu dialeto ou sotaque) para evitar que ele escreva errado. De acordo com os PCNs para o ensino de Língua Portuguesa nos anos iniciais, essas duas crenças produziram, por muito tempo em nosso ensino (e ainda se perpetuam), uma prática de mutilação cultural que: além de desvalorizar a forma de falar do aluno, tratando sua comunidade como se fosse formada por incapazes, denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos, por mais prestígio que um deles tenha em um dado momento histórico. (Idem, p. 26) Capítulo 2 Que fala cabe à escola ensinar? 27 Imagem disponível em: http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/ palavreado/preconceito-linguistico/image_preview Marcos Bagno, por exemplo, estudioso que já destacamos em nosso primeiro capítulo, busca, em sua obra Preconceito linguístico: o que é, como se faz desconstruir a ideia preconceituosa de que somente quem fala de acordo com a Norma Culta é que fala a nossa língua. E ainda afirma que "o preconceito linguístico se baseia na crença de que só existe uma única língua portuguesa digna desse nome e que seria a língua ensinada nas escolas, explicada nas gramáticas e catalogadas nos dicionários". (BAGNO, p. 12) Bagno, nesse seu trabalho, aponta também oito grandes mitos do preconceito linguístico, sendo eles as ideias de que: 28 Língua Portuguesa para os anos iniciais 1. A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente; 2. Brasileiro não sabe português, só em Portugal se fala bem português; 3. Português é muito difícil; 4. As pessoas sem instrução falam tudo errado; 5. O lugar onde melhor se fala português é no Maranhão; 6. O certo é falar assim porque se escreve assim; 7. É preciso saber gramática para falar e escrever bem; 8. O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social. Isso tudo faz o preconceito linguístico ser um preconceito como qualquer outro. Faz com que estereótipos sejam criados, constrói imagens distorcidas da realidade e exclui pessoas, necessitando ser igualmente combatido: É um verdadeiro acinte aos direitos humanos, por exemplo, o modo como a fala nordestina é retratada nas novelas de televisão, principalmente da Rede Globo. Todo personagem de origem nordestina é, sem exceção, um tipo grotesco, rústico, atrasado, criado para provocar o riso, o escárnio e o deboche dos demais personagens e do espectador. No plano linguístico, atores não nordestinos expressam-se num arremedo de língua que não é falada em lugar nenhum no Brasil, muito menos no Nordeste. Costu- Capítulo 2 Que fala cabe à escola ensinar? 29 mo dizer que aquela deve ser a língua do Nordeste de Marte! Mas nós sabemos muito bem que essa atitude representa uma forma de marginalização e exclusão. (BAGNO, p. 44) E a questão que está colocada aqui, nesse nosso debate, e que é importante que fique clara, não é o problema de se falar certo ou errado. Não estamos debatendo sobre falar correto ou falar de forma errada, equivocada, que prejudica, inclusive, a comunicação, mas compreender que as variações linguísticas não são necessariamente erros, que a oralidade é diferente da escrita e saber qual a melhor forma de utilizar a fala, observando as características do contexto de comunicação; ou seja, o que precisamos saber é aprender a adequar o nosso discurso às diferentes situações comunicativas. Temos que saber ajustar satisfatoriamente o que falar e como falar, considerando para quem e por que se diz determinada coisa. Basta pensarmos, por exemplo, que a língua é como a roupa que utilizamos: em determinados momentos, estamos e podemos ficar mais à vontade, em outros, precisamos estar com algo mais bem elaborado. Dessa maneira, o ensino da língua portuguesa na escola deve também mostrar (sendo este um de seus mais relevantes papeis e que discutiremos a partir daqui) “o que é variedade linguística e quais variedades e registros da língua oral são pertinentes em função da intenção comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se dirige” (PCN, 1997, p. 26). A questão central do debate sobre a oralidade não é, então, a de correção da forma gramatical, mas de sua ade- 30 Língua Portuguesa para os anos iniciais quação às circunstâncias que se está inserido, ou seja, de utilização eficaz da linguagem. Falar bem é falar adequadamente, é produzir o efeito pretendido. O papel da escola Se pararmos para pensar, é bem fácil perceber que as instituições e os contextos sociais fazem diferentes usos da linguagem oral. Um cientista, por exemplo, ao conversar com outro sujeito de sua área utiliza determinadas palavras que a maioria de nós não compreende. Da mesma forma, é possível notar outros tipos diferentes de discurso, e que todos dependem do contexto, como a fala de um político, de um professor, de um religioso, de um feirante, de um repórter, de um radialista, enfim: todos eles tomam a palavra para falar em voz alta e utilizam diferentes registros em razão das também diferentes instâncias nas quais essa prática se realiza. E, no que se refere à linguagem oral, são esses os aspectos que a escola deve abordar desde cedo. De acordo com os PCNs de Língua Portuguesa para os Anos Iniciais: cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral nas diversas situações comunicativas, especialmente nas mais formais: planejamento e realização de entrevistas, debates, seminários, diálogos com autoridades, dramatizações etc. Trata-se de propor situações didáticas nas quais essas atividades façam Capítulo 2 Que fala cabe à escola ensinar? 31 sentido de fato, pois seria descabido “treinar” o uso mais formal da fala. A aprendizagem de procedimentos eficazes tanto de fala como de escuta, em contextos mais formais, dificilmente ocorrerá se a escola não tomar para si a tarefa de promovê-la. (PCNs, 1997. p. 26) Um ponto importante destacado pelos PCNs de Língua Portuguesa para os Anos Iniciais está na ideia perigosa de que “não é papel da escola ensinar o aluno a falar: isso é algo que a criança aprende muito antes da idade escolar”. Com certeza as crianças aprendem a falar antes de entrarem para a escola. Sobre isso não há dúvidas. Mas isso não significa que a oralidade não deva ser trabalhada em sala de aula. Talvez seja por essa ideia errônea de que a fala não faz parte do ambiente escolar que a escola não tenha tomado para si a tarefa importante de abordar o uso e as formas da língua oral. E essa problemática se agrava quando percebemos que sempre que a escola tentou trabalhar a questão da oralidade, ela fez de forma equivocada, apenas corrigindo fala “errada” dos alunos com a esperança de evitar que eles escrevessem errado. Mas assim ela apenas reforçou o preconceito contra aqueles que falam diferente da variedade considerada de prestígio. Expressar-se oralmente é algo que requer confiança em si mesmo. Isso se conquista em ambientes favoráveis à manifestação do que se pensa, do que se sente, do que se é. Assim, o desenvolvimento da capacidade de expressão oral do aluno depende consideravelmente de a escola constituir-se num ambiente que respeite e acolha a vez e a voz, a dife- 32 Língua Portuguesa para os anos iniciais rença e a diversidade. Mas, sobretudo, depende de a escola ensinar-lhe os usos da língua adequados a diferentes situações comunicativas. De nada adianta aceitar o aluno como ele é, mas não lhe oferecer instrumentos para enfrentar situações em que não será aceito se reproduzir as formas de expressão próprias de sua comunidade. É preciso, portanto, ensinar-lhe a utilizar adequadamente a linguagem em instâncias públicas, a fazer uso da língua oral de forma cada vez mais competente. (Idem, p. 27) Por fim, temos então que mostrar aos nossos alunos que as situações de comunicação diferenciam-se conforme o grau de formalidade que exigem. Isso é algo que depende do assunto tratado, da relação entre os interlocutores e da intenção comunicativa. E precisamos mostrar, também, que a variedade linguística existente nas diversas regiões e classes não são necessariamente erros. A capacidade de uso da língua oral que as crianças possuem ao ingressar na escola foi adquirida no espaço privado (contextos comunicativos informais, coloquiais, regionais e familiares) e ela precisa ser respeitada e discutida. Necessitamos rever urgentemente nossa forma de abordagem da fala no contexto escolar, exercitá-la, debatê-la e apresentar à criança um ambiente de reflexão para que ela possa se apropriar e compreender melhor a complexidade da linguagem oral. Capítulo 2 Que fala cabe à escola ensinar? 33 Recapitulando Neste nosso segundo capítulo, apresentamos a você, futuro pedagogo, a relevância e a necessidade que há em se abordar a linguagem oral dentro do ambiente escolar. E também vimos que, dentro desse contexto, estamos carregados de preconceitos que precisam ser desconstruídos primeiramente em nós para, só assim, trabalharmos com nossos alunos, relativizando, dessa forma, a ideia de erro e mostrando que a fala é como uma vestimenta, havendo roupas propícias para determinados lugares e momentos. Exercícios Agora, sem voltar ao texto, mas verificando o que você consegue lembrar em relação ao que acabou de estudar, realize os exercícios abaixo: 1) Quais das afirmativas abaixo fazem parte dos grandes mitos do preconceito linguístico (ou seja: fazem parte dos grandes problemas que geram nossos preconceitos em relação à Língua Portuguesa)? I. Brasileiro não sabe português, só em Portugal se fala bem português; 34 Língua Portuguesa para os anos iniciais II. Português é uma língua como qualquer outra e possui as mesmas dificuldades de qualquer outro idioma; III. As pessoas sem instrução não falam necessariamente errado; IV. O certo é falar assim porque se escreve assim; V. É preciso saber gramática para se falar e se escrever bem. a) I, II e III b) II, III e IV c) I, IV e V d) Todas fazem parte e) Nenhuma faz parte 2) Marque a alternativa que completa corretamente a sentença abaixo: Um dos grandes preconceitos linguísticos que temos está na ideia de que somente quem fala de acordo com é que fala a nossa língua, pois o preconceito linguístico se baseia na crença de que , que seria a língua ensinada . a) a maioria/não existe só uma única língua portuguesa digna/em casa. b) a maioria/só existe uma única língua portuguesa digna/ na escola. Capítulo 2 Que fala cabe à escola ensinar? 35 c) a norma culta/só existe uma única língua portuguesa digna/em casa. d) a norma culta/só existe uma única língua portuguesa digna/na escola. e) a maioria/não existe só uma única língua portuguesa digna/nas ruas. 3) Marque V ou F nas afirmativas que seguem: ( ) A oralidade é diferente da escrita, e pensar assim é o melhor caminho para compreendermos com mais amplitude o fenômeno da linguagem oral. ( ) Falar bem é falar certo, de acordo com as normas gramaticais. ( ) Falar bem é adequar o discurso à circunstância que se está inserido. 4) Que fala cabe à escola ensinar? a) Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral nas diversas situações comunicativas, especialmente nas mais simples. b) Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral apenas nas situações comunicativas de sala de aula, deixando as demais elaborações linguísticas a cargo família. c) Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral apenas nas situações comunicativas de sala de aula, 36 Língua Portuguesa para os anos iniciais deixando as demais elaborações linguísticas a cargo das demais instituições sociais. d) Não cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral, pois a fala é aprendida em casa. Cabe, isso sim, apenas o ensino da escrita nas normas mais formais. e) Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral nas diversas situações comunicativas, especialmente nas mais formais. 5) De acordo com o que estudamos, qual é uma das principais formas de preconceitos? a) O ato de corrigir alguém quando não está usando a linguagem de acordo com o contexto. b) Os estereótipos socialmente criados, que se cristalizam culturalmente. c) O estranhamento causado por alguém de uma região ao ouvir o dialeto de outra. d) A abordagem da linguagem oral dentro da sala de aula. e) Relativizar a ideia de erro linguisticamente falando. Referências BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2006. ILARI. Rodolfo. Linguística e ensino da língua portuguesa como língua materna. Disponível em: <http://www.museulin- Capítulo 2 Que fala cabe à escola ensinar? 37 guaportuguesa.org.br/files/mlp/texto_3.pdf.>. Acessado em 12/04/2013. PCNs. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: 1997. Gabarito 1) c; 2) d; 3) V, F V; 4) e; 5) b. Ítalo Ogliari Capítulo 3 Que escrita cabe à escola ensinar? N  este capítulo, discutiremos o papel da escola acerca do trabalho que lhe cabe referente à escrita e à produção textual. Veremos que o ambiente escolar carrega, sobre a escrita, uma grande responsabilidade, e que muitas vezes algumas de nossas práticas como educadores ao trabalhar a produção textual pode ser revista. Basta, para isso, ampliarmos nossas ideias sobre as possibilidades dos trabalhos ligados à escrita, possível e necessário desde os primeiros anos. Capítulo 3 Que escrita cabe à escola ensinar? 39 O que é a escrita? Escrever (dentre as mais variadas maneiras existentes de comunicação) faz parte da realidade do homem há séculos e possui inúmeras funções, sendo talvez a mais importante forma que o ser humano encontrou para guardar seu conhecimento e suas memórias, seu passado. Podemos perceber, na história da humanidade, registros da prática da escrita nas mais antigas civilizações. A pictografia (as conhecidas gravuras encontradas nas cavernas, com mais de 8.000 anos a.C.) é um exemplo dos primórdios do que viria a ser, futuramente, a escrita como a conhecemos hoje e que vamos aprendendo e desenvolvendo desde cedo. Sabemos, todos nós, que o primeiro passo dado ao universo da escrita nos anos iniciais é o processo de alfabetização. O domínio da escrita alfabética, no entanto, segundo os PCNs, e como também apontam os demais estudiosos da área, não garante ao aluno a possibilidade de compreender e produzir textos em linguagem escrita de forma efetiva. Essa aprendizagem exige um trabalho mais amplo e mais complexo do apenas alfabetizar. A escrita é uma forma de produção textual discursiva com objetivos de comunicação e que, diferentemente da linguagem oral (que inclui gestos, tom de voz etc.) possui também suas especificidades, seus materiais, caracterizando-se por sua constituição gráfica, entre outros elementos, como bem sabemos, e que chegam ao nível estético. Escrever, assim, é uma atividade física e simbólica e que precisa de um sistema para ser exercida. Dessa forma, produzir um texto equivale a decidir o que se 40 Língua Portuguesa para os anos iniciais vai escrever e qual a forma adequada de fazê-lo, corrigindo, reescrevendo e reorganizando o conteúdo. De acordo com Maria Alice de Mello Fernandes, em seu artigo intitulado O processo da produção textual escrita, escrever trata-se de um processo de planejamento, em que se encaixa a textualização, a revisão e a edição, formando assim um conjunto de ações, de procedimentos que o aluno coloca em prática para ajustar seus conhecimentos. No caso de escritores iniciantes (nossos recém-alfabetizados) além desses procedimentos e decisões, as questões referentes ao princípio alfabético figuram com destaque entre as reflexões que explicitam. Para a autora, “escrever é uma habilidade e, para que ela se desenvolva, há necessidade de que o indivíduo participe de um processo que envolve três etapas: planejamento, textualização e revisão/reescritura, o que exige bastante empenho”. (2013) Apesar de tudo isso, há um problema aí que precisa ser observado com cuidado. É comum, segundo Fernandes, professores estabelecerem que, em uma aula, os alunos devam escrever seus textos, cujos temas são indicados por eles ou escolhidos pelo(s) aluno(s), imaginando ser possível, nesse tempo exíguo, passar por todas as etapas que o processo de produção textual exige. Precisamos mudar algumas formas que já se mostraram ultrapassadas e sem muito sucesso. Se escrever implica revisar, reescrever, ajustar e organizar as ideias, um texto só pode ser considerado satisfatoriamente pronto depois de revisado e tratado. Como exemplo disso, temos uma frase do célebre escritor Ernest Hemingway, ao dizer que: Capítulo 3 Que escrita cabe à escola ensinar? 41 "Reescrevi 30 vezes o último parágrafo de Adeus às Armas antes de me sentir satisfeito." Ernest Hemingway Por isso, esse trabalho de reescritura (uma das melhores formas de se trabalhar a produção escrita) não deve ser feito dentro de um mesmo período de tempo. O interessante é que um mesmo texto seja trabalhado por vários encontros e em diferentes momentos, o que não é uma tarefa fácil para os pequenos. É preciso habilidade do professor para criar meios de motivação para que seu aluno tenha interesse em rever um texto seu que já foi feito. Redigir em circunstâncias erradas, com certeza, faz do ato de escrever uma atividade estressante e bloqueadora, não criativa e prazerosa, principalmente por se tornar, do mesmo modo, uma ação sem contexto, sem um objetivo claro. De acordo com Josette Jolibert (1994, p. 16): a produção de um escrito pode proporcionar: prazer de inventar, de construir um texto, prazer de compreender como ele funciona, prazer de buscar as palavras, prazer de vencer as dificuldades encontradas (o prazer do ‘Ah! Sim!...), prazer de encontrar o tipo de escrita e as formulações mais adequadas à situação, prazer de progredir, prazer da tarefa levada até o fim, do texto bem apresentado. 42 Língua Portuguesa para os anos iniciais Além do prazer, o aluno precisa saber e perceber que a escrita tem funções importantes e é bastante útil para sua vida. O próprio MEC preocupa-se muito com isso e vem desenvolvendo ações com a finalidade de formar jovens e crianças com a capacidade para usar a escrita nas mais diversas práticas sociais e com autonomia. Lembre-se: (Imagem capturada do Portal Todo o Livro. Disponível em: https://www. todolivro.com.br/) Capítulo 3 Que escrita cabe à escola ensinar? 43 Mas para isso, para que haja sucesso nesse trabalho com o texto, o aluno precisa perceber a importância da escrita em sua vida e a necessidade de praticá-la, o que acontece quando o professor consegue contextualizá-la, fazê-la ter um sentido para a criança. Uma atividade de produção textual, quando descontextualizada, parece ter apenas a função escolar e o texto parece ser escrito apenas para agradar o professor. Isso precisa ser revisto. Texto e contexto É possível constatar, como bem tivemos experiências no papel de aluno que já fomos dentro de nossas salas de aula, que um trabalho de produção textual de forma contextualizada, em que aquela produção caracteriza-se por não ter um sentido, é feito na maioria das situações. Isso mostra que o professor de Língua Portuguesa nem sempre está preparado para desenvolver, junto aos alunos, esse processo de extrema relevância: a produção textual. E é sobre este e outros aspectos, como o que discutimos antes em relação à necessidade de se trabalhar um mesmo texto por mais de uma aula, que Maria Alice de Mello Fernandes questiona: De que adianta o professor trabalhar exigindo do aluno uma redação a cada aula, se ele não investe no desenvolvimento das habilidades necessárias? Para que serve o professor ter pilhas e mais pilhas de textos para serem corrigidos e avaliados se esse “produto” das aulas não revela o crescimento do 44 Língua Portuguesa para os anos iniciais aluno? Com tantos textos, como o professor poderá corrigi-los e avaliá-los de forma que os “erros” sejam meios de perceber as insuficiências a serem superadas? (FERNANDES, 2013) Um aluno, antes de produzir um determinado texto, tem que ter a plena consciência da função daquilo que está produzindo. O professor, antes de cobrar-lhe um texto, deve discutir esse assunto com sua turma e mostrar como o texto, dentro nossas casas, nas ruas e nas inúmeras situações cotidianas, faz parte de nossas vidas. O aluno precisa ver o sentido no texto que lhe é cobrado. Há, e isso nós também temos de reconhecer e buscar superar, uma grande dificuldade de trabalhar produção de texto no início da alfabetização. Esse problema tem como uma de suas origens a ideia de que a criança ainda não tem boa ortografia, sendo esse um empecilho para a prática textual. Isso é um equívoco. O papel da escola acerca da escrita Como vimos no capítulo anterior, ao chegar a sua idade de alfabetização dentro da escola, a criança já está com a linguagem oral bem desenvolvida. Isso ocorre porque ela recebe estímulos para desenvolvê-la, e adequar essa fala às diferentes situações é justamente o papel da escola a partir de então, desconstruindo preconceitos e valorizando também a oralidade. Por outro lado, os diversos tipos e possibilidades do Capítulo 3 Que escrita cabe à escola ensinar? 45 trabalho com a escrita é, esse sim, uma competência essencialmente da escola, o que não significa que deva ser apenas dela. No entanto, sobre esse aspecto, há sobre a escola uma maior responsabilidade: ensinar não só a ler, mas a escrever. Por isso, cabe ao educador, mais do que nunca, elaborar um trabalho que vise às diversas possibilidades de abordagem da escrita de maneira que realmente possam ser aplicadas, nunca esquecendo, como estudamos, de garantir um espaço ao exercício e debate sobre a oralidade. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s, 1996, p. 34) o objetivo da prática de produção de textos na escola é o de “formar escritores competentes capazes de produzir textos coerentes, coesos e eficazes”. Considera-se como fator fundamental que a escola, na pessoa do educador, provoque estímulos capazes de alcançar a capacidade criadora da criança, no sentido de instigar a produção de textos e não somente a leitura, pois esse processo é extremamente importante para a aquisição de conhecimentos futuros, garantindo, assim como acontece por meio do letramento, a possibilidade de participação ativa do sujeito como cidadão. O trabalho em torno da produção textual nas séries iniciais deve ser desenvolvido, por fim, a partir de mecanismos que proporcionem o exercício da produção de texto de forma coerente dentro de relações e contextos vivos na realidade dos alunos que estão dentro das salas de aulas. 46 Língua Portuguesa para os anos iniciais Recapitulando Neste nosso terceiro capítulo, vimos que o papel da escola referente ao trabalho acerca da escrita e da produção textual carrega uma grande responsabilidade, e que muitas vezes algumas de nossas maneiras de abordagem da produção de textos pode ser revista, como as práticas isoladas e descontextualizadas, fazendo um texto ser produzido em um único encontro sem que seja trabalhado e retrabalhado posteriormente, assim como a ideia de que a criança, nos primeiros anos de sua escolarização, ainda não possui capacidade para a produção de texto. Exercícios Agora, sem voltar ao texto, mas verificando o que você consegue lembrar em relação ao que acabou de estudar, realize os exercícios abaixo: 1) Marque V ou F nas afirmativas que seguem: ( ) O bom texto é aquele que sai pronto já na primeira tentativa de escrita, um bom aluno não precisa revisar seu texto. ( ) Uma criança, ao chegar ao primeiro ano escolar, possui a linguagem escrita e a linguagem oral desenvolvidas de modo semelhante. Capítulo 3 Que escrita cabe à escola ensinar? 47 ( ) Contextualizar produção textual é uma das melhores formas de dar sentido ao trabalho realizado pelo aluno. 2) Marque a alternativa que completa a sentença: A produção textual já pode ser exercitada com os alunos _______________, lembrando sempre que escrever é um ato que exige um trabalho de ______________ das ideias, extremamente importante para o desenvolvimento intelectual do indivíduo. a) a partir do terceiro ano do ensino fundamental/organização b) a partir do quarto ano do ensino fundamental/organização c) a partir do terceiro ano do ensino fundamental/desconstrução d) no início de sua alfabetização/organização e) no início de sua alfabetização/desconstrução 3) Leia as afirmativas abaixo: I) É papel da escola formar pessoas capazes de produzir textos coerentes, coesos e eficazes. II) A escrita é uma atividade recente do ser humano. III) A linguagem escrita é diferente da oral em inúmeros aspectos. Agora, marque a alternativa correta: 48 Língua Portuguesa para os anos iniciais a) Apenas a I está certa. b) Apenas a II está certa. c) Apenas a III está certa. d) A I e a III estão certas. e) A II e a III estão certas. 4) O ato de escrever exige-nos três etapas significativas, que são: a) autoconhecimento, planejamento e escritura; b) autoconhecimento, textualização e escritura; c) planejamento, textualização e revisão/reescritura; d) planejamento, textualização e autoconhecimento; e) planejamento, revisão e reescritura. 5) De acordo com apontamentos realizados pelo Ministério da Educação, “A apropriação do sistema da escrita é um processo gradual e cada criança terá seu próprio ritmo. Muitas capacidades desse eixo podem não estar consolidadas logo no primeiro ano de escolaridade e vão demandar mais tempo”. Isso significa que: a) Todas as crianças geralmente assimilam o processo e a prática da escrita mais ou menos ao mesmo tempo. b) O professor precisa estar ciente e atento à heterogeneidade dentro de sua sala de aula, adotando estratégias diferentes em determinados casos. Capítulo 3 Que escrita cabe à escola ensinar? 49 c) O professor precisa definir um método de trabalho a seguir, independente do ritmo de cada um. d) O aluno de primeiro ano não deve ainda ter contato com o texto escrito, mas apenas em sua forma oral. e) O professor, por necessidade, deve dar atenção total à escrita em suas atividades, podendo deixar a prática da comunicação oral para mais tarde. Referências FERNANDES, Maria Alice de Mello Fernandes. O processo da produção textual escrita. Disponível em: <http://www. unigran.br/interletras/ed_anteriores/ n2/inter_estudos/processo.html>. Acessado em: 22/06/2013. JOLIBERT, Josette. Formando crianças produtoras de textos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. PCNs. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: 1997. SERAFINI, Maria Teresa. Como escrever textos. São Paulo: Globo, 1994. Gabarito 1) F, F, V; 2) d; 3) d; 4) c; 5) b. Ítalo Ogliari Capítulo 4 O texto e o leitor em sua atual perspectiva M  esmo sabendo que já abordamos em outras disciplinas a ideia de texto, assim como a de leitura e a de leitor, o que faremos, neste quarto capítulo do nosso material de Língua Portuguesa para os Anos Iniciais, é propor uma reflexão que amplie ainda mais esses conceitos a partir de uma visão atual e elucidativa não somente daquilo que permeia a ideia de textualidade, mas também de sua recepção, para que cheguemos aos nossos alunos preparados para um trabalho significativo e motivador ligado à prática da leitura. Capítulo 4 O texto e o leitor em sua atual perspectiva 51 O que é, afinal, um texto? Ao iniciarmos esta parte de nosso estudo com uma indagação, assim como já fizemos em outros capítulos, convidamos, na verdade, você, acadêmico, a refletir. E se reflexão significa, em parte, abstração, vamos começar nosso estudo sobre o texto propondo que você imagine uma estrada reta e perfeitamente plana, sem buracos nem nada. Imaginou? Pois bem. Agora, inverta. Imagine que essa estrada esteja com muitos buracos, mas muitos buracos mesmo, e diga, para si mesmo, em qual das duas estradas o caminho é mais fácil. Obviamente a primeira, não é mesmo? No entanto, os buracos não impedem, necessariamente, que você chegue ao fim da estrada, ao seu destino. Apenas o caminho é mais difícil, trabalhoso e sofrido; passível, em alguns casos, de desistência até. Ou seja: até é possível se chegar ao fim de uma estrada com muitos buracos, mas com certeza o passeio não será nada agradável. Agora, por fim, imagine que, além de uma estrada com muitos buracos, você encontre, nessa sua viagem, uma 52 Língua Portuguesa para os anos iniciais ponte quebrada, onde, embaixo, há um grande precipício. O que é possível fazer? Nada além de dar meia volta e abandonar sua trajetória, pois você chegou a um ponto impossível de ser ultrapassado. Se você é atento, possivelmente já percebeu que estamos, com essa breve história sobre estradas e passeios, usando uma metáfora ou uma alegoria para falar do texto. Tudo o que aconteceu em nossas viagens (da estrada plana à esburacada) é exatamente o que acontece em um processo de leitura. Um texto, em uma visão atual, é visto como um lugar que possui inúmeras lacunas (buracos). Na verdade, um texto é totalmente formado de buracos, que vão sendo preenchidos por nós no ato da leitura a partir de nossas experiências. Esses buracos, ou melhor, essas lacunas nada mais são do que (inicialmente) as próprias palavras, e nossa capacidade de preenchê-las está em nosso vocabulário. Um texto é formado por palavras, e cada uma das palavras é um pequeno buraco (uma lacuna, espaço em branco) a ser preenchido por nós no momento da leitura. Se durante nossa leitura conseguimos preencher todas as lacunas, nossa estrada será plana e nossa viagem prazerosa, fazendo com que cheguemos ao fim de forma perfeitamente satisfatória, compreendendo tudo o que o texto nos diz. Mas, se durante a leitura vamos deixando alguns buracos em aberto, nossa viagem começa a ficar chata e difícil, e chegaremos ao final sem termos compreendido muito do que o texto quis nos dizer. Em alguns casos, os buracos são tantos e vão se acumulando de maneira que abrimos um abismo, impedindo-nos de Capítulo 4 O texto e o leitor em sua atual perspectiva 53 chegar ao seu fim ou até terminarmos, mas sem um mínimo necessário de compreensão. Em um processo de leitura, cada buraquinho que vamos deixando para trás, em aberto, vai se acumulando com outro e prejudicando nossa compreensão. No entanto, o processo interpretativo e de leitura não se trata apenas disso, “não se dá linearmente, de maneira cumulativa, em que a soma do significado das palavras constituiria o significado do texto” (TERZI, 2002, p. 15). Esse trajeto nada mais é do que apenas o primeiro problema que temos que vencer. A leitura é, na verdade, um jogo dialógico entre texto e leitor, juntamente com sua capacidade de construir, a partir de tudo isso, conhecimento. Há ainda outro detalhe nesse jogo de leitura, que são os conceitos. Muitas vezes sabemos o que uma palavra significa, mas ela pode estar sendo utilizada dentro de alguma linguagem técnica, muitas vezes até mesmo vinculada a outra, e significar algo diferente daquilo que se está acostumado a pensar, como o próprio conceito de Leitura de Mundo, de Paulo Freire, que não significa ler o planeta terra como se ele fosse um livro, mas a capacidade que desenvolvemos de relações entre as coisas. Então, ler, como podemos notar, é um ato de interação e não apenas um movimento passivo, em que o leitor apenas recebe informações, o que discutiremos agora. 54 Língua Portuguesa para os anos iniciais Leitura, leitor e recepção: uma visão atualizada Por muito tempo, o ato de ler foi visto como uma atividade de mão única, sendo o leitor, como falamos há pouco, um mero receptor, como alguém que, a partir da leitura, apenas recebesse uma carga nova de conhecimento sem que também enviasse ou remetesse algo ao texto, justamente para preencher suas lacunas e completá-lo. Isso porque um texto “não traz tudo pronto para o leitor receber de modo passivo”. (KLEIMAN, 2004, p. 36) Como vimos e já dissemos aqui, novamente estamos adentrando na questão do texto, mas agora em uma abordagem mais cognitiva do que a que discutimos quando falamos em Letramento. Agora, estamos debatendo o processo de leitura em si, a leitura em seu mecanismo. E estamos fazendo isso porque compreender esse processo, ainda para Kleiman, é extremamente importante, pois “os professores, em especial os de Língua Portuguesa, precisam ter clara concepção do que é leitura para utilizar os textos escritos em suas aulas”. (Idem, p. 20) Sabe-se que o leitor, hoje, possui um papel ativo, visto que o sentido do que ele está lendo é construído a partir do seu conhecimento de mundo, em um processo psicolinguístico que começa com uma representação linguística codificada pelo escritor e termina com o significado. Ou seja, um texto não carrega sentido em si mesmo, ele apenas dá direções para que o leitor construa o sentido. Capítulo 4 O texto e o leitor em sua atual perspectiva 55 A partir de tais ideias, podemos pensar o ato de ler como “um processo que envolve tanto a informação encontrada na página impressa – um processo perceptivo – quanto à informação que o leitor traz para o texto – seu pré-conhecimento, um processo cognitivo”. (LOPES, 1996, p. 138) Leitura é diálogo! A leitura na escola A leitura, pela neurologia, é considerada o melhor de todos os exercícios para o cérebro. Trata-se de uma atividade que deve ser tratada com muito cuidado e com muita atenção pelo professor dos anos iniciais, já que as maiores deficiências de leitura também se dão por um descuido nesse período escolar. A prática da leitura é um dos pontos mais fundamentais para a aprendizagem de todas as disciplinas do currículo escolar, sobre isso não há dúvidas. O desenvolvimento do interesse e da capacidade de leitura contribui diretamente para o sucesso da escolarização. Trata-se do melhor termômetro para medir o grau de aprendizado de um estudante. O sucesso da aprendizagem está ligado à capacidade do aluno de ler e interpretar um texto: quanto melhor for, mais ele consegue construir conhecimento; e quanto mais precária ela for, mais difícil será para ele essa construção e seu poder de fazer relações 56 Língua Portuguesa para os anos iniciais entre o lido e sua realidade, e isso reflete em outras matérias também, não apenas em língua portuguesa. De acordo com Glenda Andrade e Silva, em seu artigo A leitura no contexto escolar (2011, p. 93): O desenvolvimento da competência leitora dos alunos, nas séries finais do Ensino Fundamental, é uma preocupação frequente nos estudos sobre o ensino de Língua Portuguesa e imprescindível à consolidação da capacidade crítica dos estudantes. Por isso, torna-se necessário o trabalho com textos de forma constante em sala de aula, enfatizando aspectos discursivos a fim de contribuir com a produção de seus conhecimentos. Existem, atualmente, três procedimentos problemáticos de aplicabilidades da leitura em sala de aula. O primeiro é a conhecida ideia de decodificação composta de uma série de automatismos e de identificação que em nada modifica a visão de mundo do aluno. É uma postura tradicional, na qual o estudo do texto seria a única unidade de sentido. Não há, aí, uma preocupação com o leitor, pois a constituição do sentido estaria apenas ligada às palavras, e por isso é denominada de Decodificação. A segunda forma de prática pode ser chamada de Avaliação. Trata-se de um tipo de prática recorrente nas escolas e que geralmente inibi a formação de leitores ao invés de promover. É a leitura cobrada por meio de resumos e preenchimento de fichas, atividade que conduz o aluno à total desmotivação. Capítulo 4 O texto e o leitor em sua atual perspectiva 57 A Terceira, por fim, é a Autoritária, que nasce, segundo Kleiman (2004, p. 23), “da existência de uma falsa integração de leitura executada em sala de aula”, em que apenas é estabelecido um monólogo, geralmente mediado pela voz do professor e que está relacionada diretamente com todo o ensino e com a leitura e abordagem do livro didático. Isso porque o livro didático, quando utilizado como única ferramenta no tratamento de textos na sala de aula, acaba sempre por anular a capacidade de interpretação do aluno. Além de equivocada, não desenvolve o senso crítico de ninguém, e prejudica também a formação de um discurso próprio do aluno, que deve ser formado a partir do confronto de seu discurso com outros discursos. A experiência do leitor, isto é, o seu conhecimento de mundo, é imprescindível para a construção de sentidos. O que temos então a dizer como fechamento desta parte de nossos estudos, é que uma aula ideal de leitura se constitui de um conjunto de trocas verbais e conceituais entre professor e aluno. O professor precisa lembrar que a compreensão do texto consiste na construção do sentido que é produzido, fazendo da sala de aula, como diria o linguista Bakhtin, no melhor sentido possível, uma arena de conflitos. 58 Língua Portuguesa para os anos iniciais Recapitulando Neste nosso quarto capítulo, propomos uma reflexão que ampliasse nosso conceito de leitura a partir de uma visão atual e elucidativa. Primeiro, discutimos a ideia de textualidade e depois a questão do mecanismo de recepção no diálogo texto/leitor. A partir daí, vimos que existem alguns equívocos no tratamento do texto em sala de aula, muito praticados até hoje, e percebemos a necessidade de estarmos mais bem preparados em relação a tudo isso, para que possamos proporcionar aos nossos alunos um trabalho significativo e motivador ligado à prática da leitura. Exercícios Agora, sem voltar ao texto, mas verificando o que você consegue lembrar em relação ao que acabou de estudar, realize os exercícios abaixo: 1) Marque V ou F nas afirmativas que seguem: ( ) O ato de leitura pode ser melhor compreendido como um movimento dialógico. Capítulo 4 O texto e o leitor em sua atual perspectiva 59 ( ) O processo de leitura é um movimento de recepção de via única, em que o leitor recebe, a partir do que lê, um determinado conhecimento. ( ) Quando falamos em leitura na sala de aula, estamos falando, necessariamente, dos livros de literatura infantil. 2) Marque a alternativa que completa corretamente a sentença abaixo: O leitor tem um papel no processo de leitura, visto que o sentido do que ele está lendo é construído a partir do seu . a) passivo/interesse b) decisivo/total entendimento do texto c) ativo/conhecimento de mundo d) passivo/conhecimento de mundo e) ativo/interesse 3) Leia as afirmações abaixo e depois marque a alternativa adequada: I) O texto carrega sentido em si mesmo. II) Todo o texto possui indeterminações. III) A prática da leitura é um dos pontos mais fundamentais para a aprendizagem de todas as disciplinas do currículo escolar. 60 Língua Portuguesa para os anos iniciais a) Apenas a I está correta. b) Apenas a II está correta. c) Apenas a III está correta. d) A I e a II estão corretas. e) A II e a III estão corretas. 4) Marque V ou F nas afirmativas que seguem: ( ) Dos procedimentos de abordagem do texto em sala de aula, existe atualmente apenas um que podemos considerar problemático. ( ) A ficha de leitura é uma prática construtiva e deve ser trabalhada desde cedo. ( ) A leitura do livro didático tende a ter uma caráter de monólogo, e isso deve ser evitado. 5) O que quis dizer Bakhtin ao afirmar que a sala de aula deve ser uma arena de conflitos? a) Que professor e aluno devem se respeitar. b) Que aluno e professor devem compreender que há uma grande diferença de conhecimento entre um e outro. c) Que há, na sala de aula, uma hierarquia inabalável. d) Que professor e aluno devem discutir os assuntos que estão sendo trabalhados em sala de aula. Capítulo 4 O texto e o leitor em sua atual perspectiva 61 e) Que o aluno deve estar em constante guerra com seu professor. Referências KLEIMAN, A. Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas: Pontes, 2004. TERZI, S. B. A construção da leitura. Campinas: Pontes, 2002. LOPES, L. P. Moita. Oficina de linguística aplicada: a natureza social e educacional dos processos de ensino-aprendizagem de línguas. Campinas: Mercado de Letras, 1996. SILVA, Glenda Andrade e. A leitura no contexto escolar: realidade passiva de mudanças? In.: Revista Ao pé da Letra – Volume 13.1 – 2011. pp. 93-118. Gabarito 1) V, F, F; 2) c; 3) e; 4) F, F, V; 5) d. Ítalo Ogliari Capítulo 5 A Língua Portuguesa e alguns temas transversais N  este quinto capítulo, veremos que existem alguns assuntos ligados à nossa realidade que são fundamentais para a formação de um sujeito ético e justo, assim como essenciais para a construção de uma sociedade mais igualitária e livre de muitos preconceitos ainda existentes. Aprenderemos, também, que esses pontos de debate são chamados, dentro dos PCN’s, de Temas transversais, justamente por serem questões passíveis de transcorrer por inúmeras disciplinas, sendo a Língua Portuguesa um excelente espaço para sua abordagem. Capítulo 5 A Língua Portuguesa e alguns temas transversais 63 O que são temas transversais? Antes de qualquer debate acerca do ensino da Língua Portuguesa e a transversalidade de temas, precisamos compreender o que isso significa e qual seu objetivo. A partir da aspiração de se construir uma sociedade mais livre, mais justa e mais solidária, e da tentativa de se combater a pobreza e as desigualdades sociais, percebeu-se, nos últimos anos, a necessidade que havia em se abordar e promover a reflexão sobre determinados problemas de nossa realidade dentro do ambiente escolar: fruto do sonho de uma sociedade sem preconceitos de raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. De acordo com Elizabeth Fernandes de Macedo, em artigo intitulado Os Temas Transversais nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, p. 25): A realidade social seria inserida nas disciplinas por meio de uma estratégia curricular denominada temas transversais. Esses temas não são disciplinas, mas devem perpassar todas as disciplinas em função de sua importância social. A despeito dessa importância, os temas transversais serão introduzidos sempre que a lógica disciplinar permitir. A partir disso, alguns temas foram eleitos como centrais no que se refere às problemáticas expostas acima e constituídos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's) dentro de seis áreas: ÂÂÉtica: que envolve questões ligadas ao respeito mútuo, à justiça, diálogo e solidariedade; 64 Língua Portuguesa para os anos iniciais ÂÂOrientação Sexual: que envolve questões ligadas ao corpo como matriz da sexualidade, às relações de gênero e prevenções das Doenças Sexualmente Transmissíveis; ÂÂMeio Ambiente: que envolve questões ligadas aos ciclos da natureza, à sociedade e ao manejo e conservação do meio ambiente; ÂÂSaúde: que envolve questões ligadas ao autocuidado e à vida coletiva; ÂÂPluralidade Cultural: que envolve questões ligadas às diversas formas e manifestações culturais do nosso Brasil; ÂÂTrabalho e Consumo: que envolve questões ligadas ao consumismo, aos meios de comunicação de massas, publicidade, vendas, Direitos Humanos e Cidadania dentro de uma sociedade capitalista. Como atuam os temas transversais? Os Temas transversais (que, como vimos, são pontos de debate crítico sobre a nossa realidade) expressam conceitos e valores básicos para uma democracia e para a construção de uma cidadania plena, abordando questões importantes e urgentes da sociedade contemporânea. A partir desses temas, os alunos podem construir significados e conferir sentido não somente àquilo que aprendem, mas à sua própria realidade e lugar como cidadão. Por isso, os Parâmetros Curriculares Nacionais, ao propor uma educação comprometida com a cida- Capítulo 5 A Língua Portuguesa e alguns temas transversais 65 dania, elegeram, baseados no texto constitucional, princípios segundo os quais devem orientar a educação escolar, sendo eles (PCN’s, 1998, p. 21): ÂÂDignidade da pessoa humana Implica respeito aos direitos humanos, repúdio à discriminação de qualquer tipo, acesso a condições de vida digna, respeito mútuo nas relações interpessoais, públicas e privadas. ÂÂIgualdade de direitos Refere-se à necessidade de garantir a todos a mesma dignidade e possibilidade de exercício de cidadania. Para tanto, há que se considerar o princípio da equidade, isto é, que existem diferenças (étnicas, culturais, regionais, de gênero, etárias, religiosas etc.) e desigualdades (socioeconômicas) que necessitam ser levadas em conta para que a igualdade seja efetivamente alcançada. ÂÂParticipação Como princípio democrático, traz a noção de cidadania ativa, isto é, da complementaridade entre a representação política tradicional e a participação popular no espaço público, compreendendo que não se trata de uma sociedade homogênea e sim marcada por diferenças de classe, étnicas, religiosas etc. É, nesse sentido, responsabilidade de todos a construção e a ampliação da democracia no Brasil. ÂÂCorresponsabilidade pela vida social Implica partilhar com os poderes públicos e diferentes grupos sociais, organizados ou não, a responsabilidade pelos destinos da vida coletiva. 66 Língua Portuguesa para os anos iniciais A necessidade da inclusão de tais debates surge no momento em que se percebe que ainda vivemos em uma sociedade marcada por relações sociais hierarquizadas e por privilégios que reproduzem um elevadíssimo nível de desigualdade, injustiça e exclusão social. Novos atores, novos direitos, novas mediações e novas instituições redefinem o espaço das práticas cidadãs, propondo o desafio da superação da marcante desigualdade social e econômica da sociedade brasileira, com sua consequência de exclusão de grande parte da população na participação dos direitos e deveres. Trata-se de uma noção de cidadania ativa, que tem como ponto de partida a compreensão do cidadão como portador de direitos e deveres, além de considerá-lo criador de direitos, condições que lhe possibilita participar da gestão pública. (Idem, p. 20) Assim, tanto os princípios constitucionais quanto a legislação daí decorrente (como o Estatuto da Criança e do Adolescente) os Temas transversais atuam como um instrumento que orienta e legitima a busca de transformações na realidade. Discutir a cidadania do Brasil de hoje significa apontar a necessidade de transformação das relações sociais nas dimensões econômicas, políticas e culturais, para garantir a todos a efetivação do direito de ser cidadão. Caracterizados, então, por esse conjunto de assuntos que podem aparecer transversalizados em áreas determinadas do currículo, os Temas transversais tornam-se, por tudo isso, um Capítulo 5 A Língua Portuguesa e alguns temas transversais 67 trabalho de extrema relevância a ser empregado já na Educação Básica. E podem servir como um eixo unificador, em torno do qual se organizam as disciplinas, sendo trabalhados, obviamente, de modo coordenado e não como um assunto descontextualizado nas aulas, pois, como já falamos em capítulos anteriores, nunca podemos esquecer essa contextualização, ou seja, como aponta Macedo, a partir de uma articulação, ou seja: “a seleção e organização do conhecimento em cada área deveria ter por fundamento os temas transversais, defendidos pelo próprio documento como tendo uma importância inegável na formação dos jovens”. (MACEDO, 1998, p. 25) A transversalidade em Língua Portuguesa A área de Língua Portuguesa oferece inúmeras possibilidades de trabalho com os temas transversais, uma vez que está presente em todas as situações de ensino e aprendizagem e serve de instrumento de produção de conhecimentos. Além de desenvolver a capacidade de compreender textos orais e escritos, o exercício da Língua Portuguesa a partir da transversalidade deve propor ao aluno assumir a palavra e produzir textos em situações de participação social. Ao propor que se ensine aos alunos o uso das diferentes formas de linguagem verbal (oral e escrita), busca-se o desenvolvimento da capacidade de atuação construtiva e transformadora. O domínio do diálogo na explicitação, discussão, contraposição e argumentação de ideias é fundamental na aprendiza- 68 Língua Portuguesa para os anos iniciais gem da cooperação e no desenvolvimento de atitude de autoconfiança, de capacidade para interagir e de respeito ao outro. A aprendizagem precisa então estar inserida em ações reais de intervenção, a começar pelo âmbito da própria escola. (PCN’s, 1997, p. 36) Os conteúdos dos temas transversais podem contextualizar significativamente a aprendizagem da língua e fazer o trabalho dos alunos reverter em produções de interesse do convívio escolar e da comunidade. Há, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, inúmeras situações possíveis. Basta, para isso, selecionarmos textos que dialoguem com a realidade do aluno frente ao seu contexto sociocultural, trabalhando e instigando, nele, seu senso crítico. Para isso, no entanto, é necessário um professor atento a essas questões. Eleger a cidadania como eixo central da educação escolar, dessa maneira, implica mostrar que a realidade social, por ser constituída de diferentes classes e grupos, é contraditória, plural, polissêmica, e que essa constituição nada mais é do que um processo histórico permanente, perfeitamente transformável pela ação social. Assim, educadores e educandos estabelecem uma determinada relação com o trabalho que fazem (ensinar e aprender) e a natureza dessa relação pode despertar um novo olhar sobre a realidade, muito mais crítico e político: A relação educativa é uma relação política, por isso a questão da democracia se apresenta para a escola assim como se apresenta para a sociedade. Essa relação se define na vivência da escolaridade em sua forma mais ampla, desde a estrutura escolar, em como a escola se insere e se relaciona com a Capítulo 5 A Língua Portuguesa e alguns temas transversais 69 comunidade, nas relações entre os trabalhadores da escola, na distribuição de responsabilidades e poder decisório, nas relações entre professor e aluno, no reconhecimento dos alunos como cidadãos, na relação com o conhecimento. (PCN’s, 1998, p. 23) O debate de determinados problemas dentro do ensino da Língua Portuguesa, ao incluir, por exemplo, questões que possibilitem a compreensão e a crítica da realidade, oferece aos alunos a oportunidade de se apropriarem deles como instrumentos para refletir e mudar sua própria vida. Trata-se de um projeto que, a partir da experiência educativa, ensina valores, atitudes, conceitos e práticas sociais, possibilitando o desenvolvimento da autonomia e o aprendizado da cooperação e da participação social, fundamentais para que os alunos se percebam como cidadãos. Porém, esse não é um processo simples: não existem receitas ou modelos prefixados. É, como nos apontam os PCN’s: um fazer conjunto entre aprender e ensinar, orientado por um desejo de superação e transformação. O resultado desse processo não é controlável nem pela escola, nem por nenhuma outra instituição: será forjado no processo histórico-social. A contribuição da escola, portanto, é a de desenvolver um projeto de educação comprometida com o desenvolvimento de capacidades que permitam intervir na realidade para transformá-la. (Idem) Um projeto pedagógico com esse objetivo fará, com toda a certeza, que o aluno possa, futuramente, posicionar-se em re- 70 Língua Portuguesa para os anos iniciais lação às questões sociais, interpretá-las e intervir na realidade de forma significativa e coerente para o bem comum. Recapitulando Vimos então, neste nosso quinto capítulo, que existem alguns pontos críticos ligados à nossa realidade que precisamos levar para dentro da sala de aula e que são fundamentais para a formação de um cidadão e para a construção de uma sociedade mais igualitária e livre de preconceitos. Aprendemos que esses pontos de debate são chamados, dentro dos PCN’s, de Temas Transversais, e que possuem esse nome por serem questões passíveis de transcorrer por inúmeras disciplinas, sendo a Língua Portuguesa um excelente espaço para sua abordagem, já que nos possibilita trabalhar ligados diretamente à realidade e à nossa contemporaneidade. Exercícios Agora, sem voltar ao texto, mas verificando o que você consegue lembrar em relação ao que acabou de estudar, realize os exercícios abaixo: Capítulo 5 A Língua Portuguesa e alguns temas transversais 71 1) O que significa o conceito de transversalidade empregada aos temas que discutimos neste capítulo? a) Significa que são temas atuais. b) Significa que são temas que não fazem mais parte do currículo escolar. c) Significa que são temas que podem perpassar por todas as disciplinas. d) Significa que são temas antigos e agora retomados com novas ideias. e) Significa que são temas ligados apenas a algumas disciplinas. 2) Escolha a alternativa que completa corretamente a sentença abaixo: Os Temas transversais podem ser entendidos como para a construção de uma . a) um conjunto de regras/escola moderna b) um conjunto de regras/cidadania plena c) um conjunto de conceitos e valores básicos/escola moderna d) um conjunto de conceitos e valores básicos/cidadania plena e) um conjunto de parâmetros curriculares/educação mais sólida 72 Língua Portuguesa para os anos iniciais 3) Marque V ou F nas afirmativas abaixo: ( ) O repúdio à qualquer tipo de discriminação pode ser considerado uma das principais bandeiras levantadas pelos Temas Transversais. ( ) A Língua Portuguesa pode ser considerada a melhor disciplina para se trabalhar os Temas Transversais. ( ) As possibilidades e formas de trabalharmos os Temas Transversais em Língua Portuguesa são muito grandes, visto que estão em nosso dia a dia, nos jornais, na TV, nas revistas etc. 4) Escolha a alternativa que completa corretamente a sentença abaixo: Debater aspectos ligados à cidadania em nosso país, hoje, significa mostrar que das relações sociais nas dimensões econômicas, políticas e culturais, para garantir a todos o direito . a) já há uma total transformação/a uma cidadania plena. b) ainda existe uma necessidade de transformação/ir e vir. c) ainda existe uma necessidade de transformação/a uma cidadania plena. d) já há uma total transformação/ir e vir. e) já há uma total transformação/de uma nova vida. Capítulo 5 A Língua Portuguesa e alguns temas transversais 73 5) Marque V ou F nas afirmativas abaixo: ( ) Educação é política (no sentido mais amplo e social da palavra). ( ) Trabalhar alguns Temas Transversais a partir da arte literária, por exemplo, é uma possibilidade coerente para a abordagem de questões importantes dentro da disciplina de Língua Portuguesa. ( ) Formar cidadãos sábios é o eixo central da educação escolar. Referências BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais/Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1998. MACEDO, Elizabeth Fernandes de. Parâmetros curriculares nacionais: a falácia dos temas transversais. Revista de Educação AEC – Um balanço educacional brasileiro. Brasília, AEC, v. 27, n. 108, jul/set 1998. PCNs. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: 1997. Gabarito 1) c; 2) d; 3) V, F, V; 4) c; 5) V, V, F. Castilho Francisco Schneider Maria Lizete da Silva Schneider Capítulo 6 Conteúdos de Língua Portuguesa nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental Capítulo 6 Conteúdos de Língua Portuguesa nos... 75 Até o momento, você já estudou diversos aspectos relativos ao ensino da língua portuguesa nos anos iniciais de escolarização. No presente capítulo, vamos analisar, a partir do que propõem os Parâmetros Curriculares Nacionais e de algumas atualizações posteriores estabelecidas pelo Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, os conteúdos principais do ensino de língua portuguesa nos anos iniciais. Inicialmente, poder-se-ia perguntar: por que ensinar à criança uma língua que ela já sabe falar, cujas estruturas frasais mais complexas, na visão chomskiana, ela já internalizou? Nesse sentido, encontramos apoio nos Parâmetros Curriculares Nacionais, que passaremos a chamar de PCNs. Ao afirmar que “a linguagem verbal”, enquanto atividade discursiva, “tem como resultado textos orais e escritos, produzidos para serem compreendidos” e que “os processos de produção e compreensão se desdobram, respectivamente, em atividades de fala e escrita, leitura e escrita”, os PCNs deixam evidente que ensinar Língua Portuguesa é tarefa que vai muito além do que pode pressupor a questão acima formulada. Assim, fica claro que o objetivo principal do ensino de Língua Portuguesa é expandir as possibilidades do uso da linguagem verbal, ampliar e flexibilizar a capacidade de domínio das quatro habilidades linguísticas básicas: falar, escutar, ler e escrever. 76 Língua Portuguesa para os anos iniciais Os PCNs são explícitos, quando estabelecem que essas quatro habilidades devem nortear a seleção dos conteúdos de língua portuguesa para o ensino fundamental e devem ser “organizadas em torno de dois eixos básicos: o uso da língua oral e escrita e a análise e reflexão sobre a língua”. Embora os guias curriculares, hoje em uso, já não organizam mais os conteúdos de língua portuguesa de acordo com o esquema: alfabetização – ortografia – pontuação – leitura em voz alta – interpretação de texto – redação – gramática, na prática, essa é ainda a estruturação predominante. Os PCNs igualmente propõem esses conteúdos, porém “organizados em função do eixo USO → REFLEXÃO → USO”, o que é traduzido nos currículos como • Oralidade; • “Prática de leitura”; • “Prática de produção de texto”; e • “Análise e reflexão sobre a língua”. Essa abordagem (USO – REFLEXÃO – USO) leva a pressupor um tratamento cíclico, uma vez que tais conteúdos, em variados graus de aprofundamento e sistematização, fazem-se presentes ao longo de toda a escolaridade. Capítulo 6 Conteúdos de Língua Portuguesa nos... 77 Para assegurar a continuidade da aprendizagem, o documento PCN propõe uma sequenciação de conteúdos conforme alguns critérios: ÂÂpartir dos conhecimentos prévios dos alunos “em relação ao que se pretende ensinar, identificando até que ponto os conteúdos ensinados foram realmente aprendidos; ÂÂconsiderar o nível de complexidade dos diferentes conteúdos como definidor do grau de autonomia possível aos alunos”; ÂÂlevar em conta o grau de aprofundamento possível dos conteúdos, diante da possibilidade de compreensão do aluno em diferentes momentos de seu processo de aprendizagem. O documento indica que os critérios e a sequenciação de conteúdos a serem ensinados em cada ciclo compete à escola. Mesmo assim, alerta para a necessidade de respeitar o que estabelece a Resolução nº 7, de 14 de dezembro de 2010, a qual fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino fundamental de 9 anos, estabelece, no art. 30, que os 3 anos iniciais do ensino fundamental devem assegurar a alfabetização e o letramento, mas também o desenvolvimento das diversas formas de expressão, incluindo o aprendizado da língua portuguesa, a literatura, a música e demais artes, a educação física, assim como o aprendizado da matemática, da ciência, da história e da geografia. 78 Língua Portuguesa para os anos iniciais Por outro lado, não podemos deixar de considerar aqui as atualizações estabelecidas pelo Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Em sua essência, ele consiste em um documento que, orientado pelo Decreto nº 6.094, de 24.04.2007, estabelece um compromisso formal assumido pelos governos federal, do Distrito Federal, dos estados e municípios de assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental. Ao aderir ao Pacto, os entes governamentais comprometem-se a: I. Alfabetizar todas as crianças em língua portuguesa e em matemática. II. Realizar avaliações anuais universais, aplicadas pelo Inep, junto aos concluintes do 3º ano do ensino fundamental. III. No caso dos estados, apoiar os municípios que tenham aderido às Ações do Pacto, para sua efetiva implementação. Capítulo 6 Conteúdos de Língua Portuguesa nos... 79 O uso da língua oral Pelo fato de a criança saber falar bem antes da idade escolar, a escola tem negligenciado a tarefa de ensinar os usos e as formas da oralidade. Quando o fez, a prática foi inadequada, pelo menos na visão sociopedagógica de hoje, pois a ênfase era orientada no sentido de corrigir a fala que a criança trazia de casa, considerada uma variedade desprovida de prestígio social. Temia-se que o aluno fosse transferir essa variedade para a escrita. Hoje, isso é considerado preconceito sociolinguístico. A expressão oral eficiente necessita apoiar-se na autoconfiança que, por sua vez, requer ambientes que favoreçam a livre manifestação daquilo que se pensa, sente e é. Assim, a capacidade da expressão oral depende de ambientes que respeitem a voz e a vez, as diferenças e a diversidade dos aprendizes. O importante é que a escola ensine ao aluno “os usos da língua adequados a diferentes situações comunicativas”. (PCN) Situações comunicativas distinguem-se pelo grau de formalidade exigida e dependem do assunto, do contexto e da relação entre os interlocutores. Nunca se deve ignorar que a capacidade do uso oral da língua que a criança traz para a escola está lastreada no falar de ambientes privados, informais, coloquiais e familiares. Portanto, cabe à escola deixar claro e explicitar o quê e como aprimorar uma habilidade linguística que a criança já domina: a língua oral. Isso requer planejamento pedagógico que garanta “atividades sistemáticas de fala, escuta e reflexão sobre a língua”. (PCN) 80 Língua Portuguesa para os anos iniciais Concluindo e enfatizando a importância da oralidade, convém não esquecer que, embora, hoje, possa parecer difícil imaginar línguas sem escrita, mesmo sabendo que elas ainda existem em bom número, a humanidade, por milhares de anos, comunicou-se apenas pela oralidade. A leitura como prática social Cabe aqui formular um segundo questionamento, uma vez que tanto a aprendizagem da leitura quanto a leitura para a aprendizagem requerem considerável esforço por parte de uma criança: por que um ser humano quer ou precisa dominar a habilidade da leitura? Enquanto prática social, a leitura deve ser vista, preferencialmente, como um meio e não como um fim. O ato de aprender a ler, conseguir saber ler, constitui uma resposta a um objetivo, a uma necessidade pessoal da criança, a qual quer conhecer e entender a profusão de imagens, traços, figuras, que ela visualiza no seu dia a dia. Segundo os PCNs, “na vida real, não se lê só para aprender a ler, não se lê de uma única forma, não se decodifica palavra por palavra”, tampouco se lê para responder a perguntas que visem verificar a compreensão Capítulo 6 Conteúdos de Língua Portuguesa nos... 81 ou o preenchimento exaustivo de fichas, nem mesmo se lê em voz alta com frequência. Com isso, todavia, o documento não postula que na escola não se deva jamais responder a perguntas sobre leituras, desenhar o que um texto pode sugerir, ou ler em voz alta. Essa necessidade infantil de conhecer, interpretar e identificar glifos, imagens, informações úteis ou inúteis que preenchem todos os espaços públicos, independe da classe social a que a criança possa pertencer. Tanto a criança pendurada em uma carroça de papeleiro, como aquela andando de ônibus, ou em um carro particular pergunta para os adultos que a acompanham o que dizem a profusão de outdoors, de letreiros, de placas coloridas que praticamente poluem nossas cidades e estradas. Por outro lado, a leitura deve ser uma prática constante nos anos iniciais de escolarização, o que pressupõe trabalhar com diversificação de objetivos e textos. Há que se considerar que o esforço intelectual necessário para compreender e aproveitar as informações fornecidas por um texto podem variar muito. Alguns textos, com uma leitura rápida e superficial, podem ser facilmente compreendidos, ao passo que há textos que requerem um enorme esforço e releituras. Enfim, respondendo à questão formulada sobre a função social que o ato da leitura pode desempenhar, cabe observar que há uma gama de razões para um cidadão ler, tais como: a título de diversão, ler a fim de escrever, ler com o intuito de estudar, “ler para descobrir o que dever ser feito, ler 82 Língua Portuguesa para os anos iniciais buscando identificar a intenção do escritor, ler para revisar”. (PCN) Além do mais, o ato da leitura proporciona a riquíssima experiência de poder “vivenciar” e “sentir”, em poucos dias ou em um curto prazo, fatos histórico-sócio-culturais que, na realidade fatual, levaram décadas ou séculos para se desenrolar. Os PCNs enfatizam que a formação de leitores é tarefa que requer “condições favoráveis para a prática da leitura”, o que vai além da simples disponibilização de recursos materiais, uma vez que o uso que se faz de tais recursos e de livros em geral é mais determinante para despertar a prática e o gosto pela leitura. Veja algumas das condições que favorecem tal prática: • uma boa biblioteca na escola; • um acervo de classe com livros e outros materiais; • organização de momentos de leitura livre, nos quais o professor também lê; • possibilitar ao aluno a escolha de suas leituras; • empréstimo de livros na escola; • construção de uma política de formação de leitores. Capítulo 6 Conteúdos de Língua Portuguesa nos... 83 Ao lado de condições favoráveis, é importante desenvolver propostas didáticas que visem à formação de leitores. Nesse sentido, os PCNs fazem algumas sugestões como: ÂÂleitura diária – silenciosa, em voz alta ou pela escuta; ÂÂleitura colaborativa – o professor lê com a classe um texto e vai questionando os alunos sobre pistas que permitam a atribuição de certos sentidos; ÂÂprojetos de leitura – com objetivos que sejam compartilhados por todos os envolvidos; ÂÂatividades permanentes de leitura – situações didáticas regulares que visem à formação de atitudes favoráveis à leitura; ÂÂleitura feita pelo professor (em voz alta) – pode vir a encantar alunos e despertar o interesse por textos mais complexos. O documento PCN lista uma série de razões que justificam a prática intensiva da leitura. Veja algumas dessas vantagens: ÂÂamplia a visão de mundo e insere o leitor na cultura letrada; ÂÂleva a vivenciar emoções, fantasias e amplia a imaginação; ÂÂpossibilita produções orais, escritas e outras linguagens; ÂÂinforma sobre como escrever bem; ÂÂexpande os conhecimentos sobre a própria leitura; 84 Língua Portuguesa para os anos iniciais ÂÂauxilia a compreensão da relação entre fala e escrita; ÂÂfavorece a estabilização das formas ortográficas. A escrita na idade certa O segundo aspecto fundamental, no ensino da língua portuguesa, que a criança precisa aprender a manejar na idade certa, isto é, nos anos iniciais, é a escrita. Aqui, também podemos formular as perguntas: por que, para quem, onde e como escrever? Cabe ressaltar a importância da organização de situações contextualizadas, quando se pretende levar a criança a produzir seus textos. Não tem mais sentido pedagógico querer que a criança escreva só por escrever, para agradar ao professor ou obter nota. Se o ato de ler vai muito além da mera decodificação de letras, o ato de ensinar a escrever vai além das práticas centradas apenas na codificação de sons em letras. “Ao contrário”, segundo os PCNs, “é preciso oferecer aos alunos inúmeras condições semelhantes às que caracterizam a escrita fora da escola”. A escrita eficaz requer o planejamento mental do discurso e, portanto, do texto, em função da razão de produzi-lo e do leitor a quem se destina. Essa eficácia se caracteriza pela Capítulo 6 Conteúdos de Língua Portuguesa nos... 85 máxima aproximação entre a intenção de quem escreve e a interpretação de quem lê. O processo de aprender a dominar a escrita pressupõe a aprendizagem dos aspectos notacionais da mesma, conforme expõem os quadros abaixo que apresentam os blocos de conteúdos adaptados dos PCNs, o princípio alfabético e as restrições da ortografia “no interior de um processo de aprendizagem dos usos da língua escrita”. (PCN) Uma das principais e mais prováveis razões das enormes dificuldades para a boa produção textual, segundo o PCN, consiste, justamente, no “fato de a escola colocar a avaliação como objetivo da escrita”. Por isso, nos diferentes níveis de escolarização, é tão comum os professores se depararem com narrações que não narram uma história, com dissertações que não expõem ideias, com textos argumentativos que não defendem pontos de vista. Fica evidente, assim, que há uma vasta gama de razões que podem levar a criança a escrever, sem a intenção explícita de atribuir valores. O educador, consciente dessa realidade, pode conduzir alunos dos anos iniciais a escrever para informar, agradecer, pedir, explicar, reclamar, convencer, prometer, exigir, lembrar, discutir, concordar, discordar, avacalhar, impressionar, lamentar, narrar, valorizar, desvalorizar, encantar etc. Tudo isso pode ser feito em sala de aula ou fora dela, sem objetivar intenção avaliativa. Os PCNs evidenciam que a competência para produzir textos coesos e coerentes, bem elaborados, mesmo nos anos 86 Língua Portuguesa para os anos iniciais iniciais de escolarização, pressupõe a prática continuada de variados tipos e gêneros de textos. Estamos aí diante da questão do ensino e do tratamento pedagógico que deve ser dispensado aos gêneros textuais. A criança já tem compreensão de distinguir que se pode escrever em diferentes circunstâncias, dependendo do objetivo e do destinatário. Assim, a pedagogia é instrumento norteador para, a partir do ensino da escrita, formar cidadãos da cultura escrita. 4. Reflexão e análise sobre a língua Refletir sobre e analisar certos aspectos da linguagem é uma atividade que, segundo o PCN, apoia-se em dois fatores, quais sejam: “a capacidade humana de refletir, analisar, pensar sobre os fatos e os fenômenos da linguagem”; e “a propriedade que a linguagem tem de poder referir-se a si mesma”, a metalinguagem. Essa atividade tem como principal objetivo a melhoria da capacidade de compreensão e expressão escrita e oral dos alunos. No dia a dia do uso da língua falada, quando alguém pergunta: “o que você quis dizer com isso?”, ele está fazendo reflexão sobre a língua. E, segundo os PCNs, atividades desse tipo podem ser uma fonte importante de questionamentos, de Capítulo 6 Conteúdos de Língua Portuguesa nos... 87 análises e organização de informações, desde que didaticamente planejadas. No que diz respeito aos textos escritos, a prática de análise e reflexão sobre a língua oportuniza trazer à tona os saberes implícitos dos alunos, o que, por sua vez, permite formulação de hipóteses sobre como funciona a linguagem, sobre novos sentidos de formas linguísticas já conhecidas, sobre a constatação de regularidades do sistema da escrita e dos aspectos ortográficos e gramaticais. No que concerne à língua oral, tal prática auxilia a explicitar o que os alunos, inconscientemente, já sabem utilizar. Trabalhar com a reflexão sobre a língua também é importante no que diz respeito às atividades de leitura. Elas permitem a compreensão de diferentes sentidos que podem ser atribuídos aos textos. Os PCNs chamam de “recepção ativa” a prática de análise e reflexão “que tem relação com a produção oral e com a prática da leitura”. Nesse caso, podem servir de apoio elementos não linguísticos, tais como imagens, trilha sonora etc. Assim, trabalhar didaticamente com a análise e reflexão linguística constitui ponto de partida para exploração ativa da linguagem bem como a observação de regularidades no funcionamento da mesma. Na sequência, apresentamos, de forma resumida, os blocos de conteúdos, os quais foram adaptados a partir do que propõe o documento PCN. Você também poderá acessar o site pacto.mec.gov.br/ em que constam os livros do Pacto Nacio- 88 Língua Portuguesa para os anos iniciais nal pela Alfabetização na Idade Certa com material específico para os três anos iniciais do ensino fundamental. Além disso, no seu curso, ocorre uma disciplina com o nome de Alfabetização e Letramento e o seu respectivo livro (da professora Raquel Usevicius Hahn) que aprofundam esse estudo. Optamos por apresentar os blocos de acordo com o PCN, mesmo não tendo mais a estrutura de quatro anos, pois a base de conteúdos continua ancorada nos quatro pilares essenciais na aprendizagem de uma língua, quais sejam: falar, ler, escrever e refletir sobre a língua. Adaptado do pcn Bloco de conteúdos do primeiro ciclo (1º e 2º ano), segundo o PCN: Língua oral: usos e formas – Participação em situações de uso oral da língua que requerem ouvir, intervir, explicar, perguntar e responder a perguntas. – Expressão clara de experiências, sentimentos e opiniões. – Narração de fatos com relação de causalidade e temporalidade e de histórias conhecidas. – Descrição de personagens, cenários, objetos. – Exposição oral a partir de suporte escrito. – Adequação da linguagem a situações mais formais, como na escola. Capítulo 6 Conteúdos de Língua Portuguesa nos... 89 Língua escrita: usos e formas. Prática de leitura – Escuta de textos lidos em aula. – Atribuição de sentido, coordenando texto e contexto (com auxílio). – Elaboração de antecipações, inferências em relação ao conteúdo. – Emprego de dados a partir da leitura para retificar ou confirmar suposições prévias. – Busca e consulta a fontes de diferentes tipos, bem como manuseio de livros e uso de acervo de bibliotecas. Prática de produção de texto – Produção de textos levando em conta o objetivo e o destinatário e os seguintes aspectos: a) notacionais: – conhecimento sobre o sistema de escrita; – separação de palavras; – divisão do texto em frases, sinais de pontuação, uso de maiúscula; – distinção entre discurso direto e indireto com uso de travessão ou aspas; – estabelecimento de regularidades e irregularidades ortográficas; – utilização do dicionário para solucionar dúvidas. b) discursivos: – organização das ideias de acordo com as características textuais de cada gênero; – substituição de “e”, “aí” “então” etc. por elementos coesivos e emprego de conectivos adequados à linguagem escrita; – utilização de estratégias de escrita: planejar, fazer rascunho, revisar etc. 90 Língua Portuguesa para os anos iniciais Análise e reflexão sobre a língua – Análise da qualidade da produção oral própria e alheia, em função da compreensão do ouvinte e da adequação à situação comunicativa. – Escuta ativa, atribuição de significado e percepção da intencionalidade de diferentes textos via rádio, televisão, telefone etc. – Leitura para alunos que ainda não leem: – relação entre fala/escrita com textos conhecidos de cor; – relação entre texto e contexto para verificar ou antecipar sentidos. – Análise dos sentidos em diferentes leituras individuais e identificação da validação desses sentidos. – Análise quantitativa e qualitativa da relação entre segmentos falados e escritos. – Revisão orientada do próprio texto durante o processo de produção e após a elaboração do rascunho, considerando gênero adequado e aspectos gramaticais e linguísticos. Bloco de conteúdos do segundo ciclo (3º e 4º ano), segundo o PCN: Língua oral: usos e formas – Audição ativa, a partir de falas via telefone, rádio, televisão, com inferências sobre intenções implícitas de sentido figurado ou de humor, bem como captação do sentido de linguagens não verbais (gestos, expressão facial, entonação etc.). – Uso de recursos eletrônicos de áudio e vídeo. Língua escrita: usos e formas: Capítulo 6 Conteúdos de Língua Portuguesa nos... 91 Prática de leitura – Atribuição de sentido, coordenando texto e contexto. – com utilização de antecipações e inferências em relação ao conteúdo e à intenção; – uso de dados para confirmar ou retificar suposições de sentido. – Emprego de recursos variados, como dicionários etc., para resolver dúvidas. – Uso de diversas modalidades de leitura (para revisar, obter informação rápida). – Apoio orientado em acervos, como bibliotecas, jornais, revistas, enciclopédias etc. Prática de produção de texto – Produção te textos levando em conta os seguintes aspectos: a) notacionais: – divisão em frases por meio do uso de maiúsculas e pontuação adequada; – distinção entre discurso direto e indireto; – identificação de regularidades e irregularidades ortográficas; – compreensão das regras gerais de tonicidade. b) discursivos: – organização de ideias de acordo com cada gênero; – uso dos recursos de coesão e coerência e pontuação adequados; – emprego correto da concordância e regência verbal e nominal. – Uso de diferentes fontes para resolver dúvidas, bem como planejamento, rascunho e revisão de texto. – Uso da escrita como recurso de estudo, com anotações de exposições orais. 92 Língua Portuguesa para os anos iniciais Análise e reflexão sobre a língua – Análise e comparação da qualidade de produções orais próprias e alheias em diversas situações comunicativas. – Análise de diferentes sentidos de um texto nas diferentes leituras individuais. – Revisão das próprias produções textuais, durante e depois da produção, considerando correção gramatical, adequação de gênero, coerência e coesão. – Apoio em textos considerados bem escritos, observando regularidades e o emprego de usos linguístico-gramaticais. Considerações finais Dominar a língua oral e escrita constitui uma ferramenta importante de participação social, uma vez que é a partir do domínio dessas habilidades que o ser humano se comunica, expressa seu pensamento, forma opinião e tem acesso à opinião alheia, enfim, elabora sua visão de mundo. Nos dias atuais, o ensino da leitura e da escrita está apoiado em uma vasta gama de conhecimentos didáticos acumulados, bem como na contribuição de diversas áreas, tais como psicologia da aprendizagem, psicologia cultural e ciências da linguagem. Além disso, essas ciências ainda se apoiam na psicolinguística, na sociolinguística, na gramática textual, na teoria da comunicação, na semiótica, na análise do discurso etc. Capítulo 6 Conteúdos de Língua Portuguesa nos... 93 O documento PCN e respectivas atualizações posteriores, por meio do Pacto Nacional de Alfabetização, enfatizam, muito corretamente, a importância de contextualizar o conteúdo a ser ensinado e de inseri-lo em situações efetivamente comunicativas. Como exemplo, menciona a palavra “pare” que, quando pintada em um cruzamento, constitui um texto de uma só palavra, portador de sentido completo, enquanto a mesma palavra, apresentada em uma lista de palavras que começam com “p”, não constitui texto algum. Recapitulando Neste capítulo, você teve oportunidade de estudar e analisar, embora não de forma exaustiva, os conteúdos que devem ser desenvolvidos nos anos inicias de escolarização, do primeiro ao quinto ano. Isso abrange a abordagem de aspectos relacionados à fala, à leitura, à escrita e aos estudos de análise e reflexão linguística. Os conteúdos estudados no presente capítulo foram embasados no documento PCN, embora o mesmo já tenha sofrido atualizações posteriores por meio do Pacto Nacional pela Alfabetização, mas manteve os quatro critérios elementares mencionados anteriormente. Você foi exposto aqui aos principais conteúdos e aspectos linguístico-culturais que a idealização da educação brasileira propõe como a mais adequada para a formação e alfabetização das crianças na idade certa. 94 Língua Portuguesa para os anos iniciais Exercício 1. Observe a assertiva: conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais, o ensino de língua portuguesa deve expandir os usos e as competências relativas à linguagem falada e escrita. A afirmação acima pode ser considerada a) parcialmente verdadeira. b) verdadeira, de acordo com os PCNs. c) parcialmente inverídica, com base nos PCNs. d) de acordo com os PCNs, duvidosa. e) contrária ao que recomenda os PCNs. 2. Assinale a única alternativa correta. a) Das quatro habilidades linguísticas, a mais importante é falar. b) Análise e reflexão sobre a língua são aspectos irrelevantes para a seleção de conteúdos de Língua Portuguesa no ensino fundamental. c) Os programas curriculares de hoje não são mais estruturados com base em esquemas tradicionais e gramaticais, embora sua presença ainda predomine. d) A abordagem baseada no trinômio – USO – REFLEXÃO – USO aplica-se apenas aos anos iniciais de escolarização. Capítulo 6 Conteúdos de Língua Portuguesa nos... 95 e) Os conhecimentos socioculturais prévios das crianças não são relevantes para uma alfabetização eficiente. 3. Considere as assertivas e, após, assinale a opção correta. I – O ensino fundamental de 3 anos assegura e garante a alfabetização plena a qualquer criança. II – O Pacto Nacional pela Alfabetização propõe o compromisso de assegurar que as crianças sejam alfabetizadas até os oito anos. III – A escola não tem levado em conta a oralidade, por considerar que a criança já sabe falar. a) São verdadeiras as afirmações II e III. b) Somente a I é verdadeira. c) Estão corretas somente as alternativas I e II. d) Somente a III é verdadeira. e) Estão corretas as alternativas I e III. 4. Assinale a sequência correta, após analisar e considerar as afirmações verdadeiras (V) ou falsas (F). ( ) Na visão sociopedagógica atual, corrigir a fala que a criança traz de casa é considerado incorreto. ( ) As diferenças e diversidades do domínio da língua que a criança traz de seu meio devem ser valorizadas. 96 Língua Portuguesa para os anos iniciais ( ) A coloquialidade e a informalidade são aspectos ausentes na fala que a criança traz para a escola. ( ) Compete à escola aprimorar as habilidades linguísticas que a criança traz de seu meio. a) F, F, V, V. b) V, F, V, F. c) V, V, F, F. d) F, V, F, V. e) V, V, F, V. 5. Assinale a alternativa que contempla uma afirmação inverídica. a) Fatos históricos e sociais podem ser vivenciados por quem tem o hábito de ler. b) Propostas didáticas em condições favoráveis são recursos importantes na formação de leitores. c) Na aprendizagem da escrita, é pouco relevante que a criança saiba por que e para quem seus textos são destinados. d) A contextualidade é um aspecto fundamental no trabalho de desenvolver habilidades de escrita. e) Fora da escola não se escreve só por escrever e é importante que a escola leve isso em consideração. Capítulo 6 Conteúdos de Língua Portuguesa nos... 97 Bibliografia Livreto do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – Ministério da Educação. <http://pacto.mec.gov.br/images/pdf/pacto_livreto.pdf> Parâmetros curriculares nacionais. 2, Língua Portuguesa: Esnino de primeira à quarta série, 1997. <http://portal.mec. gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf> Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: currículo na alfabetização: concepções e princípios: ano 1: unidade 1/ Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. – Brasília: MEC, SEB, 2012. <http://pacto.mec.gov.br/images/pdf/Formacao/Ano_1_Unidade_1_MIOLO.pdf> Gabarito 1) b; 2) c; 3) a; 4) e; 5) c. Castilho Francisco Schneider Maria Lizete da Silva Schneider Capítulo 7 Ortografia e gramática  N o capítulo anterior, você se debruçou sobre os blocos de conteúdos do primeiro e do segundo ciclos, os quais foram adaptados a partir dos PCNs. Você deve ter percebido, nesse capítulo, que, mesmo nos anos iniciais de escolarização, a criança já precisa ser iniciada não só na leitura e na escrita, mas também em aspectos gramaticais e notacionais, segundo o PCN. Tais aspectos estão intimamente ligados à alfabetização na idade certa. No presente capítulo, você tomará contato com algumas considerações estabelecidas pelos PCNs sobre a importância de ensinar aspectos gramaticais que possam conduzir os alunos a perceber, de maneira dedutiva, algumas regularidades e irregularidades gramaticais da língua. Contudo, a ênfase do capítulo estará centrada no Capítulo 7 Ortografia e gramática 99 ensino e na aprendizagem de nuances e fórmulas para aprimorar o domínio da ortografia nos anos iniciais de escolarização, principalmente sob a inspiração do professor Artur Gomes de Morais, cujas experiências relatadas no livro “Ortografia: ensinar e aprender” terão destaque aqui. 100 Língua Portuguesa para os anos iniciais O ensino da gramática Segundo o PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), é relevante ensinar aspectos gramaticais, mas o ideal para explorar e ensinar os mesmos é que eles sejam selecionados a partir das produções escritas pelos alunos. Considerando a função da metalinguagem, isto é, a propriedade da língua poder referir-se a si mesma, os professores têm consciência de que aspectos gramaticais precisam ser abordados em sala de aula, partindo sempre do que os alunos já sabem. Saber identificar as classes gramaticais não é garantia de ser capaz de produzir bons textos. Para os PCNs (1997), o critério de relevância de aspectos problemáticos a serem priorizados “deve ser composto pela combinação de dois fatores: por um lado, o que pode contribuir para maior adequação e legibilidade dos textos e, por outro, a capacidade dos alunos em cada momento”. Essa proposta deixa implícita a inutilidade de bombardear crianças em fase de alfabetização com termos da gramática tradicional. Assim, o critério do que deve ser ensinado consiste em utilizar apenas os termos úteis para abordar determinado conteúdo e facilitar a comunicação nas atividades de reflexão sobre a língua. Veja que, por exemplo, é possível abordar e ensinar a concordância sem falar em sujeito ou em verbo. Da mesma forma, os alunos podem ser orientados a aprender a noção de “proparoxítona” analisando e estabelecendo regularidades na acentuação para deduzirem a regra. Capítulo 7 Ortografia e gramática 101 O PCN é claro nesse sentido, ao afirmar que o princípio didático básico das atividades... é sempre o mesmo: partir do que os alunos já sabem sobre o que se pretende ensinar e focar o trabalho nas questões que representam dificuldades para que adquiram conhecimentos que possam melhorar sua capacidade de uso da linguagem. Nesse sentido, pretende-se que o aluno evolua não só como usuário, mas que possa assumir, progressivamente, o monitoramento da própria atividade linguística. Assim, os conhecimentos sobre os aspectos gramaticais têm sua utilidade durante a produção de textos, quando quem escreve pode monitorar sua escrita, assegurando coerência, coesão e correção. 7.2 Ortografia Inicialmente, queremos definir no que consiste a ortografia. Morais (2008) afirma que “a ortografia é uma convenção social cuja finalidade é ajudar a comunicação escrita”. Na prática pedagógica de muitos educadores, ainda se verifica a abordagem do ensino desse aspecto gramatical nos termos considerados não recomendáveis pelos PCNs: “... o ensino da ortografia dá-se por meio da apresentação e repetição verbal de regras, com sentido de fórmulas, e da correção que o professor faz das 102 Língua Portuguesa para os anos iniciais redações e ditados, seguida de uma tarefa onde o aluno copia várias vezes as palavras que escreveu errado. E, apesar do grande investimento feito nesse tipo de atividade, os alunos, se bem que capazes de recitar as regras quando solicitados, continuam a escrever errado.” O referido documento deixa claro que a aprendizagem da ortografia, embora dependa consideravelmente da memória, não se caracteriza como um processo passivo, sendo, sim, uma construção individual, para a qual a intervenção pedagógica tem muito a contribuir. Retomando a definição de Morais relativa à ortografia, queremos, inicialmente, deixar claro o caráter convencional da ortografia, isto é, o fato de a grafia da imensa maioria das palavras das línguas estar sujeita a convenções. Vamos, aqui, expor dois exemplos. Segundo Morais, a palavra “tio” pode sofrer diferentes pronúncias, o que desmascara a falsa noção de que tudo seria mais fácil “se pudéssemos escrever as palavras tal como as falamos”. Dessa forma, a referida palavra, na realização fonética de um carioca, poderia ficar “tchiô”, enquanto a pronúncia mais provável de um pernambucano poderá ser “tiu”. Portanto, para Morais (2008), são falsas a ideia e a possibilidade de equivalência fala/escrita, uma vez que a língua oral também está sujeita a variações e pronúncias que mudam de região para região, quando não de uma pessoa para outra ou até mesmo de acordo com a circunstância comunicativa em que o falante se expressa. Capítulo 7 Ortografia e gramática 103 Outro exemplo que o autor nos fornece para corroborar o caráter de palavras como “pharmácia”, “rhinoceronte”, “archeologia”, “thermômetro”, “commércio” e “encyclopédia”, utilizadas até o início do século passado e que foram substituídas por meio de algumas reformas. Nesse sentido, é interessante você observar que as palavras dos exemplos acima, de origem latina e grega, também ocorrem na língua inglesa, porém, na escrita dessa língua, elas mantêm as grafias “ph= f”, “che = qu”, “th = t”, “rh= r” e consoantes duplas. Isso ocorre pelo simples fato de a língua inglesa, mais conservadora em termos de grafia, não ter convencionado alterar esses grupos de letras, embora, em termos fonológicos, isso não faria nenhuma diferença. Essa natureza convencional constitui algo que a criança não descobre sozinha, uma vez que, mesmo já dominando a habilidade de ler e produzir seus primeiros textos, ela ainda não domina a norma ortográfica, a qual, com o avanço da escolarização obrigatória e a disseminação dos meios de comunicação de massa, precisa sujeitar-se, em cada país, a “uma forma unificada de escrever”. (Morais, 2008) Segundo Morais (2008), “a ortografia é uma invenção relativamente recente”. O espanhol e o francês de três séculos atrás não tinham ainda uma ortografia definida. Na língua portuguesa, apenas no século XX foram estabelecidas normas ortográficas comuns ao Brasil e Portugal. Para o autor, “é importante compreender que a definição de normas ortográficas, para a língua, refletiu também mudanças nas práticas culturais de uso da escrita e do acesso a esta” (Morais, 2008). Ele também chama atenção para o fato de a segmentação das 104 Língua Portuguesa para os anos iniciais palavras escritas, com espaços em branco entre elas, ser uma invenção recente. Muitos educadores das séries iniciais, ainda hoje, consideram que ortografia é algo que não se ensina, em nome do respeito ao aluno, cujos conhecimentos prévios devem ser aceitos sem interferências pedagógicas. Mesmo assim, esses mesmos educadores, em muitos casos, continuam cobrando e avaliando, aprovando e reprovando seus alunos com base na grafia correta. Morais (2008) denomina essa atitude de “crueldade pedagógica”. O ensino da gramática em geral e da ortografia, até meados do século passado, era pautado em métodos tradicionais os quais não priorizavam a formação de alunos leitores e de produtores de textos. Assim, tais abordagens passavam ao largo dos conhecimentos linguísticos e discursivos que têm muito a contribuir para o ensino e a aprendizagem de gramática. Todavia, em oposição aos métodos tradicionais, alguns professores passaram a adotar uma atitude espontaneísta, apostando que as crianças aprenderiam a escrever certo naturalmente, por meio da leitura e da prática. Essa postura, hoje, é considerada superada, pois a percepção pedagógica dos dias atuais entende que os conteúdos gramaticais são passíveis de ser ensinados e compreendidos pelos alunos, a partir de reflexão e análise linguística que os conduzem à dedução das regras que norteiam a escrita. Morais (2008) ainda expõe e propõe mais uma atividade para desencadear reflexões ortográficas, à qual denomina “reescrita com transgressão ou correção”. Houve considerável re- Capítulo 7 Ortografia e gramática 105 sistência por parte dos professores da escola envolvida. Na atividade, as crianças são induzidas a transgredir propositalmente grafias, na intenção de discutir com elas e levá-las a corrigir, alcançar, descobrir e produzir a forma certa de escrever palavras. Novamente, foi utilizado um texto que os alunos já conheciam e haviam ouvido e lido anteriormente, no caso, as revistinhas de Chico Bento. Após a leitura dos gibis, e a familiarização com o personagem, as crianças concluíram que ele “falava errado”. Na primeira tira escolhida, apresentava os seguintes diálogos. – Chico, sua casa tá pegando fogo! – Vamo lá apagá! – Uai?! Pru que ocê ta levando os pexe, Chico? – Pra fritá, uai! – Acho qui a mãe num vai podê fazê armoço hoje! Ao serem solicitadas a identificar o que estaria errado na escrita, as crianças chegaram a algumas conclusões: – os verbos apareciam sem o "r" final; – os personagens Chico e Zé Lelé falavam “vamo”, “ocê”, “pru”, “armoço”. A partir dessas constatações das crianças, foi conduzida uma discussão com elas sobre conceitos e preconceitos, sobre as falas de distintas regiões e classes sociais, sobre o fato de não falarmos exatamente como escrevemos e sobre os cuidados que precisamos ter ao escrever. 106 Língua Portuguesa para os anos iniciais No passo seguinte, foi solicitado que as crianças reescrevessem a história, narrando-a, sem diálogos e, imediatamente, questionaram: “mas a gente não vai mais escrever errado, não é professora?”. A partir dessa atividade, foram discutidos com as crianças a relatividade do “errado” e do “certo”, os preconceitos linguísticos, questionando os critérios ideológicos, históricos e sociopolíticos, os quais levam pessoas a pensar que certas formas de usar a língua são boas e que outras formas são “degenerescências do idioma”. Assim, essa atividade propiciou o uso do “erro” ortográfico para “descriminalizar” o erro e como ponto de partida para a tomada de consciência político-social e de cidadania. Considerações finais A vivência, a prática de escrita e as noções prévias nos anos iniciais de escolarização precisam constituir o ponto de partida no desenvolvimento de atividades para a abordagem de aspectos gramaticais. É, pois, fundamental que os professores dessas séries iniciais não só respeitem às características e à capacidade de compreensão de seus alunos, mas também procurem atualizar-se permanentemente no que diz respeito às novas abordagens pedagógicas vindas à luz nas últimas décadas e lastreadas na linguística textual e nas análises e reflexões sobre a língua. Capítulo 7 Ortografia e gramática 107 Recapitulando No capítulo que agora concluímos, você foi exposto a alguns pontos de vista relacionados ao ensino de aspectos gramaticais para crianças que se encontram nos primeiros dois ciclos de escolarização, conforme definem os PCNs e o Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa. A ênfase do capítulo recai sobre a atual visão de como os educadores de hoje podem ensinar à criança a deduzir normas ortográficas, sem precisar decorar uma infinidade de regras e sem ter conhecimentos da etimologia, origem e evolução da grafia de cada palavra. Ela pode ser levada, gradualmente, a deduzir as regularidades e irregularidades convencionadas pela sociedade no uso da grafia atual. Exercício 1. Considere as assertivas e, após, indique a alternativa correta. I – Os Parâmetros Curriculares Nacionais recomendam a abordagem de aspectos gramaticais a partir do que os alunos escrevem. II – A identificação das classes gramaticais é uma atividade que auxilia a boa produção textual. III – Não tem sentido bombardear crianças em anos iniciais com a terminologia gramatical. 108 Língua Portuguesa para os anos iniciais a) Somente a afirmação I é verdadeira. b) Somente a afirmação III é verdadeira. c) São verdadeiras as afirmações I e III. d) Estão corretas as assertivas I, II e III. e) Somente I e II estão corretas. 2. Uma das afirmações abaixo não condiz com o que você estudou no Capítulo 7. Indique-a. a) Tudo o que ocorre na ortografia consiste, basicamente, em uma convenção social. b) O PCN recomenda o ensino da ortografia pelo estudo sistemático das regras. c) O PCN condena o ensino da ortografia por meio do estudo e repetição de regras. d) Aprender a ortografia é, em grande parte, um conquista individual. e) O apoio pedagógico pode contribuir em vários aspectos na aprendizagem de normas ortográficas. 3. Assinale a única alternativa correta. a) Morais (2008) discorda da ideia de que seja possível uma equivalência entre escrita e fala. Capítulo 7 Ortografia e gramática 109 b) No Brasil, são poucas as diferenças na pronúncia de uma região para outra. c) O normal é que as crianças descubram por conta própria o caráter convencional dos aspectos ortográficos. d) É irrelevante que em um país haja uma uniformidade na escrita. e) As normas ortográficas da língua portuguesa começaram a ser definidas a partir do século dezoito. 4. Considere as afirmações abaixo como V (verdadeiras) e F (falsas). Após, assinale a opção que apresenta a sequência correta. ( ) É impossível conduzir crianças dos anos iniciais no sentido de deduzirem regularidades e irregularidades gramaticais. ( ) É recomendável que se utilize somente os termos gramaticais úteis ao refletir-se sobre a língua. ( ) Nem sempre a escrita praticada segmentou as palavras com espaços entre elas. ( ) Ainda há educadores que consideram que não se deve ensinar ortografia. ( ) A criança é capaz de aprender sozinha os usos corretos da grafia e ao professor cabe cobrar isso nas avaliações. a) V, F, V, F, V. b) F, V, F, V, F. 110 Língua Portuguesa para os anos iniciais c) V, V, F, F, V. d) F, V, V, V, F. e) F, F, V, V, F. 5. Com base no que foi estudado no Capítulo 7, assinale a única opção correta. a) Na primeira metade do século XX, já era considerado prioridade formar alunos leitores. b) A valorização da leitura e da formação de alunos produtores de textos deve-se ao alto índice de alfabetização na metade do século passado. c) O espontaneísmo consiste na aposta de que a criança, com o tempo, a prática e a leitura aprenderá a grafia correta por conta própria. d) Na abordagem de aspectos gramaticais, a prática e vivência constituem atitudes irrelevantes. e) O espontaneísmo ainda hoje é considerado uma atitude adequada durante o processo de alfabetização; Bibliografia Parâmetros curriculares nacionais. Livro 2, Língua Portuguesa: Ensino de primeira à quarta série, 1997. <http://portal. mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf> Capítulo 7 Ortografia e gramática 111 MORAIS, Artur Gomes de. Ortografia: ensinar e aprender. 4. ed. São Paulo: Ática, 2008. ______ (org.) – O aprendizado da ortografia. 3.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. Gabarito 1) c; 2) b; 3) a; 4) d; 5) c. Castilho Francisco Schneider Maria Lizete da Silva Schneider Capítulo 8 Métodos e práticas de reflexão sobre o ensino da língua  N o capítulo anterior, você teve a oportunidade de estudar aspectos relacionados ao ensino e aprendizagem do domínio da ortografia da língua portuguesa, nos termos em que é sugerido pelo documento PCN. Já no presente capítulo, você verá o que é proposto pelo mesmo documento e por outros estudiosos e pesquisadores, para aprofundar as reflexões metodológicas e práticas relativas ao ensino de língua, e o quanto os horizontes e as percepções foram ampliadas nas últimas décadas com os modernos estudos linguístico-pedagógicos. Capítulo 8 Métodos e práticas de reflexão sobre o ensino da língua 113 Vimos, nos capítulos anteriores, quais conteúdos ensinar nas séries iniciais do ensino fundamental, além de gramática e ortografia. Cabe, agora, tecer alguns comentários sobre métodos e práticas de reflexão sobre como ensinar a língua nos aspectos de leitura, escrita, produção de texto. 114 Língua Portuguesa para os anos iniciais Como tem sido e como deveria ser o ensino da língua materna. Queremos iniciar o presente capítulo com duas perguntas elementares que nos são dirigidas pela professora Lígia Martha Coimbra da Costa Coelho (2009): “Qual língua é trabalhada na escola, nas séries iniciais do Ensino Fundamental? Ensina-se uma língua?” As indagações da professora fundamentam-se no que ela denomina de “uma angústia latente por parte dos alunos” de Letras e Pedagogia em relação ao que ensinar e como ensinar e tal angústia cresce à medida que aumenta o compromisso desses futuros professores com as posturas político-pedagógicas pautadas na realidade das crianças com que irão trabalhar. Já ficou claro, em outros capítulos do presente livro, que a postura dos PCNs diante do ensino da língua materna está alinhada ao avanço dos estudos relativos às ciências da linguagem, os quais apontaram novos rumos a partir da década de 70 do século XX. Até então, o ensino da língua pautava-se em fundamentos filológicos e na Gramática Tradicional, o que resultava em práticas calcadas no uso de livros didáticos prontos e na aplicação de exercícios repetitivos, com o emprego de textos fragmentados cuja leitura, no mais das vezes, levava a criança a considerar o ato de ler como um desprazer. Na Capítulo 8 Métodos e práticas de reflexão sobre o ensino da língua 115 escrita de redações, o objetivo principal era serem corrigidas pelo professor e não a intenção de levarem à reflexão sobre a língua, o que conduzia ao senso comum de que é difícil aprender a nossa língua. Essa visão, em termos político-pedagógicos, estava ancorada na concepção de língua externa ao sujeito/usuário, concebida como um sistema acabado, pronto e único. Muitos educadores ainda não conseguiram superar essas fórmulas de abordagem no ensino da língua, até porque toda sua formação ocorreu dentro dos moldes da Gramática Tradicional e porque o processo das novas ciências da linguagem e dos conhecimentos linguísticos ainda estão em gestação. A esse respeito, Coelho (2009) cita Brito (1997), o qual afirma que os processos de coesão e coerência textual não se incorporam facilmente ao ensino porque estão fora do âmbito da gramática normativa e, portanto, dentro dessa perspectiva de língua, não se submetem à norma culta, pelo menos tal como esta é apresentada pelas gramáticas escolares. Conforme explicita Coelho (2009), não se pode dizer que seja novidade o fato de que “até hoje, na prática político-pedagógica com o Ensino Fundamental” o ensino da língua materna ainda continue lastreado na (GT) Gramática Tradicional. Por outro lado, Coelho (2009) deixa bem claro que os PCNs já não endossam nem a metodologia e tampouco as concepções político-pedagógicas subentendidas na aplicação das práticas baseadas na decoreba de “regras”/normas gramaticais, na fragmentação textual, na escrita de redações para 116 Língua Portuguesa para os anos iniciais correção e avaliação. Muito pelo contrário, o PCN constitui um documento que está em consonância com as ciências da linguagem e os conhecimentos linguísticos que, embora ainda estejam em processo experimental e de contínuo aprimoramento, já trouxeram profundas alterações e contribuições para as concepções didático-pedagógicas dos dias de hoje. Coelho (2009) confirma que nos PCNs “não estão estabelecidos objetivos que privilegiem os estudos gramaticais; não há reflexões acerca da necessidade de se realizarem redações, nem metas de elevação da prontidão em leitura”, e sim “trabalho com a diversidade de textos, com a oralidade, com a prática de reflexão sobre a língua”. Os objetivos traçados pelo documento para o Ensino Fundamental apresentam amplitude: abordam desde a expansão do uso da linguagem nos diferentes níveis e situações sociais, reconhecem o respeito às variedades linguísticas e valorizam a leitura como “fonte de informação, via de acesso aos mundos criados pela literatura e possibilidade de fruição estética”. (PCNs, 1997) Tal abordagem proposta pelos PCNs visa, acima de tudo, à melhoria das capacidades de compreensão e expressão das crianças do Ensino Fundamental, seja em situações de comunicação oral ou escrita. Atividades de análise linguística, didática e adequadamente planejadas, constituem uma fonte de questionamentos, de análise, uma forma de organizar as informações sobre a língua. Ao longo do processo de ensino, tais atividades devem vir antes de práticas de reflexões metalinguísticas. Só assim terão sentido para os alunos. Capítulo 8 Métodos e práticas de reflexão sobre o ensino da língua 117 Práticas de reflexão sobre a língua Brito (2009), fundamentado em Paulo Freire (1982), apresenta-nos uma proposta para o ensino da língua portuguesa que ele chama de transdisciplinar, uma vez que a língua é o meio que veicula todos os conteúdos escolares e a prática da escrita e da leitura constituem atividades que, inevitavelmente, estão presentes em todas as matérias. O autor propõe alguns princípios diretivos para o ensino da leitura e da escrita. Inicialmente, ele enfatiza que o trabalho com escrita e leitura é um processo contínuo, presente em qualquer estudo, seja na preparação do que e como se pretende executar uma atividade, seja na avaliação do que foi dito ou escrito. Como exemplos, Brito (2009) menciona que o estudo da realidade brasileira e sua história, a investigação sobre o corpo, seus valores e funcionamento, a reflexão sobre os processos naturais e sociais, o resgate das trajetórias de vida e a investigação da cultura local – tudo isso supõe a leitura de textos e a produção de roteiros, sínteses, resumos, comentários, registro de informações, relatórios, relatos, elaboração de esquemas, tabelas, gráficos, construção de argumentos. Isso implica que a criança leia, redija textos, faça opções entre recursos linguísticos já dominados e aprenda a aprimorar outros. 118 Língua Portuguesa para os anos iniciais Ainda segundo Brito, faz-se necessária uma redefinição da concepção de leitura, a qual não pode ficar restrita ao mais fácil. Compete à escola cumprir seu papel e superar a “pedagogia do gostoso” e o “reducionismo didático”. Isso pressupõe trabalhar, desde os anos iniciais, com textos que “vão além do referencial cotidiano” da criança. Nesse sentido, a imprensa diária e os periódicos, com sua vasta gama de textos de maior ou menor grau de complexidade, oferecem infinitas possibilidades de leitura. Em relação à escrita, o autor igualmente insiste na importância de a criança escrever constantemente, produzindo trabalhos e estudos, organizando conhecimentos, sempre em interlocução com o mundo e o meio em que vive dentro e fora da escola. Brito (2009) deixa claro que tais procedimentos didático-pedagógicos requerem grande empenho por parte do educador e uma dedicação persistente e contínua de leitura e escrita por parte do educando e acrescenta que esse é o “caminho para definir o modo de aprender a ler e a escrever”. (Brito, 2009) Coelho (2009), por seu turno, também propõe três princípios que, conjuntamente, configuram a natureza dos conhecimentos linguísticos e que podem nortear o trabalho com a língua materna. Um primeiro princípio contrapõe-se à ultrapassada concepção de “língua como estrutura pronta e acabada” (Coelho, 2009) ao propor levar sempre em conta a função social da língua, o que implica compreender todas as suas possibilidades interlocucionais e de uso, o que já caracteriza o segundo princípio. Para nos apresentar o terceiro princípio, a autora busca apoio em Bagno (2001): “na educação formal, Capítulo 8 Métodos e práticas de reflexão sobre o ensino da língua 119 não se aprende uma língua; trabalham-se suas possibilidades de uso por meio da pesquisa, prática capaz de levar à apreensão dessa língua”. Isso leva o usuário a pensar e a refletir sobre sua língua e apreendê-la, seja como objeto de estudo ou como formadora de sua cidadania. O ensino da leitura e da escrita é, pois, atribuição da escola e insere a criança, desde os anos iniciais, na cultura escrita e no conhecimento associado a ela. Cabe aqui dar ênfase à importância desempenhada pelo trabalho em grupo quando se objetiva praticar análise e reflexão sobre a língua nos anos iniciais. É no grupo que ocorre a discussão de estratégias, a resolução de questões problemáticas, a busca por alternativas, a verificação de hipóteses, a comparação de opiniões diferentes e a colaboração entre os envolvidos no processo de avançar na resolução das tarefas de aprendizagem. Como já foi postulado em outra parte do presente livro, o PCN estabelece como princípio didático elementar sempre “partir do que os alunos já sabem sobre o que se pretende ensinar e focar o trabalho nas questões que representam dificuldades para que adquiram conhecimentos que possam melhorar sua capacidade de uso da linguagem”. Referenciais e estratégias orientadores de leitura e escrita Brito (2009) apresenta-nos uma série de atividades e passos que podem auxiliar o professor dos anos iniciais no trabalho 120 Língua Portuguesa para os anos iniciais com a leitura e a escrita na língua materna. Para o autor, ler constitui um processo que vai além da simples decodificação e supõe: – que a criança seja envolvida em eventos produtores de sentidos mediados por textos escritos; – que haja intelecção com esses textos (com ou sem auxílio de outro leitor). O autor propõe duas situações complementares de leitura aplicáveis ao longo do processo pedagógico: – leitura autônoma – o leitor é capaz de solucionar as dúvidas que surgem no processo e não depende de auxílio externo; – leitura assistida – um leitor mais experiente que já conhece o texto acompanha o aprendiz. Usualmente, uma leitura é realizada com alguma finalidade, o que sugere diferentes modos e posturas do leitor diante do texto. Este pode fazer ÂÂleitura por lazer; ÂÂleitura relacionada a ações do dia a dia; ÂÂleitura com vistas à formação pessoal; ÂÂleitura para realizar atividade profissional; ÂÂleitura de estudo. Da mesma forma que há diferentes estratégias e abordagens para a leitura, também ocorre em relação à escrita. Para Capítulo 8 Métodos e práticas de reflexão sobre o ensino da língua 121 Brito (2009), “produção de texto não é o mesmo que redação. Toda ação de ‘pensar escrito’ é uma produção de texto”. Geralmente, escreve-se menos do que se lê. Há textos que requerem maior preparação e há os que, com a escrita mais próxima do uso cotidiano, exigem menos de quem escreve. A tipologia e o gênero de produções escritas igualmente dependem do objetivo, do interlocutor, do veículo e do meio de circulação. Os escritos abrangem basicamente textos – pessoais – cartas, diários, pensamentos; – relacionados à vida prática – bilhete, lista, receita, agenda; – relativos à profissão – agenda, memorandos, cartas, textos analíticos ou expositivos; – de estudo – resumo, síntese, ficha, relato, relatório. Concluindo, segundo Brito (2009), “o domínio dos recursos da escrita se adquire no uso e na reflexão sobre o uso. Para ele, a educação linguística precisa objetivar “a criação de situações em que os educandos possam, a partir do que já sabem e de seus vínculos, desenvolver habilidades linguísticas” ligadas à leitura e à escrita. Relatos de experiências Gostaríamos de encerrar o presente capítulo relatando, a título de exemplificação, algumas experiências práticas que foram 122 Língua Portuguesa para os anos iniciais aplicadas por diferentes profissionais em locais e com turmas distintas dos anos iniciais. Passaremos, agora, a descrever o relato desses educadores, colocando em prática algumas atividades relativas a assuntos referentes à reflexão sobre o ensino da língua. O primeiro relato está publicado no artigo “O ensino da gramática contextualizado com as dificuldades dos alunos: uma prática possível” de Silvana Soares Siqueira Rocha. Veja, pois, a experiência que uma aluna da Universidade Estadual de Maringá, em estágio na Área de Linguagem, vivenciou, juntamente com professores regentes de turmas de segundos anos, em uma escola municipal do Paraná. Estagiária e professoras discutiram a proposta e optaram pelo gênero conto. Organizaram o trabalho em duas etapas com os contos “Os três desejos” e “Cinderela I”. Este último foi mostrado em DVD aos alunos. Antes da preparação para a produção do texto, foram realizadas atividades de oralidade e leitura, compreensão e interpretação do conto e traçadas as condições, como: o quê? onde? como? por quê? quando? Só então foi proposto o enunciado para a tarefa: “Agora, tente escrever a primeira versão do conto. Crie outro título para a história e, se quiser, pode também mudar o final”. O texto abaixo foi produzido por uma das alunas da estagiária. Capítulo 8 Métodos e práticas de reflexão sobre o ensino da língua 123 Figura 1 – Texto produzido por uma aluna de 2ª série do Ensino Fundamental – I ensino da gramática contextualizado com as dificuldades dos alunos: uma prática possível Silvana Soares Siqueira Rocha (PG-UEM). A partir do texto da aluna, enquanto objeto de estudo da língua, diversas atividades, envolvendo conhecimentos gramaticais, podem ser propostas. Ele enseja trabalhar com paragrafação, ortografia, elementos de coesão, pontuação, acentuação etc. Rocha (2010) observa que “não se deve propor a revisão de todos os aspectos de uma vez só nas séries iniciais”, porque a criança ainda não apresenta maturidade para fazer a revisão dos próprios textos. Além disso, o processo todo precisa ser mediado pelo professor, conduzindo as crianças, por exemplo, 124 Língua Portuguesa para os anos iniciais a pensar nos fatos que compõem o conto para justificar a divisão em parágrafos, por exemplo, e assim por diante. O processo de análise gramatical, sob mediação do professor, pode principiar por uma proposta de paragrafação do texto, escrevendo a versão primeira no quadro, já sem os erros de ortografia, mas com destaque das sílabas e letras que apresentam dúvidas, como “começou, acabasse, transformou, chegando, irmãs, príncipe etc.” Para apresentar e justificar a divisão em parágrafos, deve-se levar os alunos a refletir sobre fatos que formam a história, dirigindo-lhes perguntas que possam justificar a segmentação, tais como: “O que aconteceu com a Cinderela logo depois que a madrasta e as irmãs saíram para ir ao baile? Quais as transformações que a fada madrinha fez? O que a fada madrinha disse à Cinderela? O que aconteceu quando Cinderela chegou ao baile? Por que Cinderela saiu correndo do baile sem se despedir do príncipe? O que Cinderela perdeu no meio do caminho de volta para casa? Como o príncipe encontrou Cinderela? O que aconteceu depois?” Também seria cabível levar os alunos a refletir sobre alguns elementos coesivos, propondo possíveis substituições para a palavra Cinderela, empregada oito vezes, ou estimulando-os a substituírem o emprego repetido da palavra “daí” para introduzir uma reflexão sobre as diferenças entre fala e escrita. Dependendo do número de aulas e do tempo disponível, as reflexões poderiam avançar sobre questões de pontuação, acentuação e ortografia. Capítulo 8 Métodos e práticas de reflexão sobre o ensino da língua 125 Outro relato de experiência de ensino que buscamos no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, ano 3, unidade 5, capítulo Relatando uma experiência no 3º ano do Ensino Fundamental: os gêneros textuais a serviço da ampliação dos conhecimentos dos alunos, de Leila Nascimento da Silva et. al. O mesmo foi aplicado em uma escola municipal de Igarassu em PE, em uma turma de 25 alunos, com variados níveis de escrita. O projeto da aplicação era multidisciplinar, envolvendo Língua Portuguesa, Ciências, História e Geografia. Nas situações didáticas surgidas na aplicação, os alunos, de um terceiro ano, perceberam a necessidade de ler e produzir diferentes textos, como adivinhas, fichas técnicas de animais, texto de divulgação científica, mapas, tabelas, relatos históricos, biografias e cartazes. Essa diversidade textual pode ser atribuída ao objetivo do projeto que buscava investigar a biodiversidade e a preservação ambiental na Mata Atlântica, partindo de um projeto anterior, elaborado por alunos de Pedagogia da UFPE, envolvendo os cuidados com animais e a riqueza da fauna. Durante dez aulas, foi desenvolvida a experiência que teve seu auge em uma exposição de fichas técnicas sobre os animais e um cartaz educativo. A professora e os alunos, a partir das ideias lançadas, fizeram adequações, acrescentaram atividades e iniciaram o estudo do tema. A professora que aplicou o projeto embasou a experiência no livro “Você Sabia” da professora Zuleika de Felice Murrie, o qual lança curiosidades sobre a fauna brasileira com os nomes populares dos animais. 126 Língua Portuguesa para os anos iniciais Foram exploradas diversas adivinhas relacionadas às características e aos nomes dos animais. Mediante a leitura da professora, os alunos eram desafiados a responder às adivinhas. Integrando diferentes áreas do saber, as crianças participaram de forma lúdica e a professora teve oportunidade de proporcionar acesso a um texto de tradição oral bem pertinente ao trabalho de alfabetização. Textos curtos, com perguntas e respostas, auxiliam o aluno a ampliar a fluência na leitura e a formular inferências, capacidade fundamental ao leitor proficiente, pois ajudam a estabelecer relações de causa e efeito. Assim, além de trabalhar os gêneros textuais e dinamizar sua aula, ajudou as crianças a ampliar o aprendizado de ciências naturais. Junto com os alunos, a professora montou uma lista de animais típicos do bioma da Mata Atlântica, promovendo reflexões sobre a grafia desses nomes. Veja o que a professora relatou sobre um desses momentos: Capítulo 8 Métodos e práticas de reflexão sobre o ensino da língua 127 “Escrevi o nome dos bichos no quadro, por exemplo: BICHO-PREGUIÇA Letra que começa____ Letra que termina_____ Quantas letras tem?______ Quantas sílabas tem?_____ Convidei uma aluna que estava no nível bem inicial de escrita para vir ao quadro e responder junto comigo essas questões: - O nome bicho-preguiça, começa com que letra? - Com BI. - Tem certeza que começa com BI? - Tenho. É com BI. - Presta atenção, Será que é BI mesmo? Quero saber como é o nome da letra e não da sílaba BI. A letra não é a sílaba que começa a palavra. É uma só e não duas, entende? Você acha que é BI a letra que começa a palavra bicho-preguiça? - Ôxe, tia! Então é a letra B sozinha, né? - Sim, começa com a letra B a palavra bicho-preguiça. E com qual letra termina? - Com a letra A. - Com a letra A? - É. - Por quê? - Porque o nome é bicho-preguiça - Isso mesmo! Que bom! Agora, olha o nome e responda quantas letras ele tem. Ela contou todas as letras e disse: treze. É treze, né? - Isso mesmo! E quantos pedacinhos (sílabas) ele tem? Ou melhor, quantas vezes nós abrimos a boca para falar a palavra bicho-preguiça? - duas e depois três - Vamos então separar esses pedacinhos que contamos? Nesse momento ela separou a palavra escrevendo como ia pronunciando e olhando para a palavra escrita no quadro. Foi interessante como ela conseguiu segmentar a palavra certinha! Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: o trabalho com os diferentes gêneros textuais na sala de aula: diversidade e progressão escolar andando juntas: ano 03, unidade 05 128 Língua Portuguesa para os anos iniciais Dessa forma, a professora conduz alunos em processo de alfabetização a refletir sobre princípios da escrita e sobre a percepção de que palavras variam quanto ao número, ordem das letras e a contagem oral de sílabas. Recapitulando O capítulo que agora encerramos pode ser caracterizado como uma tentativa, embora não exaustiva, de expor a você algumas proposições para trabalhar nos anos iniciais atividades linguístico-pedagógicas que privilegiem as recomendações dos PCNs, as quais estão fundamentadas nos conhecimentos linguísticos desenvolvidos a partir da década de 70. Você viu o quanto tais posicionamentos ampliaram a visão relativa às possibilidades didáticas que podem e, preferencialmente, devem nortear o trabalho dos educadores que exercem sua profissão em classes de séries iniciais. Foi dada relevância à necessidade de oportunizar atividades que tenham como ponto de partida os conhecimentos prévios e as experiências socioambientais de que as crianças provêm. O capítulo também enfatizou a necessidade de superar as abordagens da gramática tradicional no ensino da leitura e da escrita na língua materna em favor de posturas a práticas fundamentadas nos estudos linguísticos mais recentes. Capítulo 8 Métodos e práticas de reflexão sobre o ensino da língua 129 Exercício 1. Considere as assertivas como V (verdadeiras) ou F (falsas). Após, indique a sequência correta. ( ) A professora Lígia M. Coelho acha que não vale a pena ensinar uma língua. ( ) A mesma professora propõe que a língua a ser ensinada na escola é a língua padrão. ( ) A visão que se tem sobre o ensino da língua materna ampliou-se nas últimas décadas. ( ) As posturas político-pedagógicas não precisam levar em conta a realidade do meio em que a criança vive. a) F, F, V, V. b) V, V, F, F. c) F, V, F, V. d) V, F, V, F. e) F, F, V, F. 2. Observe as alternativas que seguem e assinale aquela que contempla uma verdade. a) A fundamentação filológica continua sendo o norte do ensino da língua materna. b) As ciências da linguagem e os estudos a elas relacionados são endossados pelos PCNs. 130 Língua Portuguesa para os anos iniciais c) Exercícios repetitivos são recomendados pelos PCNs para fixar conhecimentos gramaticais. d) Escrever redações é uma atividade necessária para aprimorar habilidades de escrita. e) A língua é um instrumento de comunicação pronto e acabado e, como tal, precisa ser estudada. 3. Analise as assertivas para assinalar a alternativa que contempla a verdade. I – A coerência textual, segundo Brito, integra os estudos de natureza gramatical. II – Nos dias atuais, a prática pedagógica que ainda continua presente no ensino de língua está baseada na gramática tradicional. III – A coesão textual tem uma vinculação direta com os estudos da gramática. a) Apenas II é verdadeira. b) Apenas I é verdadeira. c) I e II são verdadeiras. d) Apenas III é verdadeira. e) II e III são verdadeiras. 4. Marque a alternativa que está incorreta de acordo com o que você viu no capítulo. Capítulo 8 Métodos e práticas de reflexão sobre o ensino da língua 131 a) O PCN já está atualizado em relação aos modernos estudos linguísticos. b) As ciências da linguagem continuam em processo de aprimoramento e flexibilização. c) Trabalhar a diversidade textual e a reflexão sobre a língua é irrelevante para o ensino da língua nos anos iniciais. d) A leitura proporciona acesso ao mundo da literatura. e) Os PCNs apontam formas de aprimorar a capacidade das crianças para a compreensão de situações comunicativas. 5. Marque a alternativa que apresenta afirmação verdadeira. a) Segundo Brito (2009), é fundamental que a leitura se restrinja ao mais fácil para a criança. b) Periódicos têm pouca utilidade para a exploração de atividades de leitura em sala de aula. c) Os princípios norteadores propostos por Coelho (2009) não servem para orientar o trabalho com língua materna. d) Brito (2009) destaca que é importante que a criança escreva e produza trabalhos e estudos e organize seus conhecimentos. e) Apenas os professores precisam de bastante dedicação e persistência para trabalhar com leitura e escrita. Bibliografia BRITO, Luiz Percival Leme. In: CORREA, Djane Antonucci; SALEH, Pascoalina Bailon de Oliveira (org.). Práticas de le- 132 Língua Portuguesa para os anos iniciais tramento no ensino: leitura, escrita e discurso. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. COELHO, Lígia Martha (org.) et. Al. Língua materna nas séries iniciais do Ensino Fundamental: de concepções e de suas práticas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. O ENSINO DA GRAMÁTICA CONTEXTUALIZADO COM AS DIFICULDADES DOS ALUNOS: UMA PRÁTICA POSSÍVEL Silvana Soares Siqueira Rocha (PG-UEM). 1º CIELLI – Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários e 4º – Colóquio de Estudos Linguísticos e Literários. 2010. SILVA, Leila Nascimento da; SILVA, Adriana M. P. da; CARVALHO, Ana Beatriz Gomez; TEIXEIRA, Francimar Martins. In: Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: o trabalho com os diferentes gêneros textuais na sala de aula: diversidade e progressão escolar andando juntas: ano 03, unidade 05/ Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Brasília: MEC, SEB, 2012. <http://pacto.mec.gov.br/images/ pdf/Formacao/Ano_3_Unidade_5_MIOLO.pdf> Práticas de letramento no ensino: leitura, escrita e discurso:/ Marcos Bagno [et al.]; organização Djane Antonucci Correa. São Paulo: Parábola Editorial; Ponta Grossa, PR: UEPG, 2007. Gabarito 1) e; 2) b; 3) a; 4) c; 5) d. Castilho Francisco Schneider Maria Lizete da Silva Schneider Capítulo 9 O Texto como Unidade de Ensino  N o presente capítulo, você verá quatro abordagens relacionadas à textualidade, isto é, ao trabalho com textos nos anos iniciais. Partamos do princípio de que um texto qualquer, selecionado por um educador ou aleatoriamente escolhido, pode ser explorado sob quatro formas. Ele pode, em primeiro lugar, ser utilizado como ponto de partida para estudar aspectos da língua falada e escrita, aspectos culturais, humorísticos, linguístico-gramaticais, abrangendo o estudo e a percepção dos múltiplos gêneros textuais etc. Em segundo lugar, a partir de textos prontos, as crianças de anos iniciais podem ser encaminhadas a ampliar a compreensão e o conhe- 134 Língua Portuguesa para os anos iniciais cimento de seu vocabulário, auxiliando-as a interpretar diferentes materiais e conteúdos das diversas disciplinas. Um terceiro uso linguístico que o educador pode executar para acionar ou disparar habilidades de domínio textual é o desenvolvimento da escrita por parte das crianças, levando-as a produzir os próprios textos e a aprimorar a competência na produção textual. Por fim, o domínio sobre o funcionamento de aspectos linguístico-gramaticais também pode ser introduzido e ampliado por meio da exploração adequada de materiais escritos. Com base nessas quatro percepções, será desenvolvido o presente capítulo. Capítulo 9 O Texto como Unidade de Ensino 135 Tipologias e gêneros textuais O ato de escrever consiste em uma interação a distância entre quem escreve e um leitor. O que você escreve é pensado em sua mente em forma de projeto textual. Um texto escrito tem como objetivo fazer algum sentido para um leitor (conhecido ou não) e, eventualmente, induzi-lo a agir ou a tomar alguma atitude. Nesse sentido, enquanto educador(a), pedagogo(a) você pode disparar uma imensa gama de atividades com crianças em início de escolaridade, tanto a partir de material escrito por outros, quanto no sentido de conduzi-las a produzir seus próprios textos. Aqui, cabe ressaltar a importância de você ter uma noção clara da distinção de tipologias de texto e gêneros textuais, os quais têm sido abordados de forma equivocada. Veja abaixo a diferença. Tipos de texto: dissertativo consiste em um texto em que o autor expõe e defende ideias e as fundamenta. narrativo texto em que contamos um ou mais fatos, os quais se desenvolvem em um determinado tempo, lugar, com personagens, modo de ação etc. descritivo consiste em uma exposição, em forma de palavras, das características que compõem determinado objeto, pessoa, ambiente, paisagem etc. argumentativo é a apresentação de fatos e razões lógicas (argumentos) que fundamentem e comprovem uma afirmação ou ideia e convençam o leitor/ouvinte. injuntivo indica procedimentos a ser realizados, instruindo e orientando o leitor/ouvinte. 136 Língua Portuguesa para os anos iniciais Veja, agora, exemplos de apenas alguns dos muitos gêneros textuais: carta, bilhete de fofoca, artigo de opinião, receita, conto de fadas, crônica, resenha, artigo científico, reportagem, notícia, charge, lista de compras, blog, e-mail, chat etc. Mesmo nos anos iniciais, a criança já é capaz de entender essa diferença ao produzir textos e ao ouvir, ler e refletir sobre textos. Drey e Silveira (2010) deixam claro: “os tipos são limitados e geralmente se referem à forma linguística na qual o texto é organizado”, enquanto “os gêneros são inúmeros”. Mais adiante, as autoras, citando Magda Soares (1999), observam que “os gêneros deveriam ser objeto de trabalho pedagógico na escola”, estabelecendo dois grupos: gêneros da fala (leitura) e os da escrita. Todos os gêneros podem ser explorados com crianças dos primeiros anos de escolarização, até porque qualquer atividade escrita, necessariamente, há de pertencer a algum gênero. A criança pode, por exemplo, fazer um bilhete para anexar a um cartão do dia das mães ou dos pais. Com certeza, o aspecto mais relevante na escolha do gênero a ser empregado vai depender, basicamente, do objetivo, da intenção e do destinatário do material escrito. Capítulo 9 O Texto como Unidade de Ensino 137 Texto: compreensão, interpretação e vocabulário Uma das múltiplas atividades ensejadas a partir de textos, sejam esses de terceiros ou das próprias crianças, consiste na exploração do vocabulário empregado. Conhecer o significado das palavras é elementar para a compreensão de qualquer texto. Os sentidos do vocabulário empregado em qualquer material escrito podem ser abordados de diversas formas, tais como dedução orientada pelo contexto, discussão com os colegas, dicas do(a) professor(a), consulta a dicionários etc. Quem lê um texto sem entender nada fica frustrado, o que constitui um aspecto importante a ser considerado por quem tem o poder de escolher e apresentar os materiais impressos a ser trabalhados em sala de aula, no caso, os educadores. A compreensão e a interpretação adequada de textos permeia todas as disciplinas e quaisquer conteúdos que venham a ser abordados em uma sala de aula. Tal afirmação aplica-se desde o primeiro ciclo da alfabetização, conforme delineado pelos PCNs e no Pacto de Alfabetização na Idade Certa até os bancos escolares universitários. Por essa razão, nunca é demais repetir que ler precisa constituir um ato que faça sentido, que parta de um objetivo a ser alcançado pelo leitor, que seja uma tarefa agradável aos sentidos e desenvolva a abrangência de conhecimentos e de crescimento cultural e científico. 138 Língua Portuguesa para os anos iniciais O que o professor pode fazer com o texto na sala de aula. As práticas pedagógicas que envolvem as produções textuais nos anos iniciais evoluíram significativamente, a tal ponto que, segundo Vidal (2005), a concepção e a forma de produzir e analisar tais escritos e “o paradigma da abordagem pedagógica da produção textual foi um dos que mais se transformou nessas últimas décadas”. Naquela época, os iniciantes escreviam “composições” e “redações”, que deram lugar ao termo “texto”. Aquelas, geralmente, eram escritas apenas para fins avaliativos, com cobrança de correção ortográfica e sintática. A partir dos estudos de linguística textual, de análise do discurso, da oralidade e do letramento, aquela orientação pedagógica tornou-se obsoleta. Hoje, percebe-se como essencial que as produções textuais tenham um caráter de interlocução real, um sentido social e uma finalidade de comunicação efetiva e não apenas se destinem a um fictício leitor-corretor-avaliador. Nesta parte do capítulo, você vai estudar algumas das condições elementares necessárias que possam conduzir alunos dos anos iniciais do ensino fundamental, enquanto “autores em processo de formação” (Marcuschi e Leal, p. 132), a produzir textos eficazes, coesos e coerentes. É tarefa que pressupõe escrever tendo em vista um objetivo claro: para que, para quem, onde e como escrever. Estamos, então, diante das funções básicas da existência da escrita. Segundo Marcuschi e Leal (p. 136), se “o aprendiz não sabe para quem está escrevendo, fica impossibilitado de tomar decisões quanto ao que deve ser dito”, quanto ao estilo a ser empregado. Capítulo 9 O Texto como Unidade de Ensino 139 Partindo dessas quatro condições (funções) da escrita (para que, para quem, onde e como), os PCNs definem a prática da produção de textos como “um complexo processo comunicativo e cognitivo, como atividade discursiva”. (PCN) A formação de escritores competentes, o que não significa formar literatos nem escritores profissionais, é tarefa para cuja consecução e sucesso é fundamental proporcionar as condições, para que os alunos criem seus próprios textos e possam avaliar e compreender o percurso criador. Para fins do presente capítulo, a formação da competência significa, basicamente, promover a capacidade de redigir. Você já viu, no capítulo cinco, que um dos mais sérios obstáculos no caminho da aquisição da competência em produção textual é “o fato de a escola colocar a avaliação como objetivo da escrita” (PCN, p. 49). Marcuschi e Leal (2009), a respeito dessa realidade confirmam: “Daí resulta que o propósito atribuído ao texto pelo aprendiz é o de atender uma exigência escolar, um exercício de escrita, sem outro significado além de agradar ao professor”. Competente em escrita é a pessoa que, a partir das realidades socioculturais e ambientais em que está inserida, é capaz de produzir um discurso e escolher o gênero pelo qual o mesmo se realizará. O PCN é claro: “escritor competente é alguém que planeja o discurso e, consequentemente, o texto, em função do seu objetivo e do leitor a quem o mesmo se destina”. Essa competência ainda pressupõe a capacidade de olhar o próprio texto como um objeto e ser capaz de analisá-lo, considerando aspectos como clareza, ambiguidade, re- 140 Língua Portuguesa para os anos iniciais dundância, completude etc. O bom produtor de texto não costuma considerar aquilo que escreveu como definitivo, acabado e perfeito. Ao contrário, ele é capaz de revisar, reescrever, até que seu texto se torne satisfatório para determinado momento ou finalidade. Aqui cabe abrir um parênteses sobre a multiplicidade de discursos hoje existentes e seu papel nas produções textuais dos alunos dos anos iniciais de escolarização. O caráter dialógico, no sentido bakhtiniano, marca presença em qualquer texto que a criança venha a escrever na escola e precisa ser compreendido e levado em conta pelo educador. Mello (2008) observa, em relação a isso, que se trata da incorporação ao próprio discurso... das vozes de outros enunciadores e personagens discursivos – o(s) interlocutor(es), a opinião pública em geral ou o senso comum –, ou seja, o coro de vozes que se manifesta comumente em cada discurso, já que o pensamento do outro é constitutivo desse discurso, não sendo possível separá-los radicalmente. Com a citação acima, fundamentada, por Mello, em Bakhtin, deixamos clara a importância que a noção de alteridade e o pensamento dos outros representam nas produções textuais da criança, como, aliás, em qualquer texto escrito. Para Mello, citando Bakhtin (1992), “os enunciados de cada discurso têm um percurso que faz com que carreguem a memória de outros discursos, palavras, enunciados são atravessados por muitos discursos. Capítulo 9 O Texto como Unidade de Ensino 141 Exemplo: A professora Darlize Teixeira de Mello, em seu capítulo “A Produção Textual e a Multiplicidade de Discursos”, o qual integra o livro Múltiplas alfabetizações e alfabetismos (2008), ilustra bem o processo de interlocução entre os discursos presentes na produção escrita de crianças dos anos iniciais e a realidade extraescolar, fato que caracteriza o caráter dialógico de tais produções. O trabalho da professora Darlize retrata duas atividades pedagógicas em uma escola municipal porto-alegrense com crianças do terceiro ano do primeiro ciclo. A primeira consistia em um jornal-mural “Hora da Notícia”. No primeiro dia da semana, a professora levava um jornal local e lia uma notícia que julgava ser do interesse do grupo. Então, a reportagem era discutida e as crianças eram convidadas a escrever uma notícia (manchete) sobre algo que haviam vivenciado no fim de semana. Esses escritos eram colocados no jornal mural da sala. Em função do estudo que a turma estava realizando sobre a comunidade, a turma planeja, como segunda atividade, construir um livro com os textos dos alunos. No material produzido, evidenciou-se a presença da multiplicidade discursiva a partir de expressões como “minha mãe disse que...”, “o vizinho falou que...”, “deu na tevê”, “minha irmã me contou”, “se Deus quiser...” etc. Tais enunciadores genéricos marcam presença nos discursos das crianças, o que corrobora o caráter dialógico do discurso infantil. 142 Língua Portuguesa para os anos iniciais Como estudar aspectos linguísticos a partir do texto. É importante que você entenda o que um(a) professor(a) dos anos iniciais pode fazer com e a partir de um texto na sala de aula. Em princípio, qualquer aspecto linguístico ou gramatical pode ser explorado com base em textos. Com a evolução de modernas abordagens pedagógicas, há múltiplas formas de usar e trabalhar textos em sala de aula/ensino/educação/formação. Exemplificaremos a presente parte deste capítulo com um trabalho desenvolvido pelo professor Artur Gomes de Morais, no qual ele aponta, de maneira simples e prática, como um educador pode desenvolver atividades e pode abordar reflexões sobre ortografia, sem se perder nas práticas tradicionais do ensino gramatical. Algumas atividades são inspiradas em exercícios tradicionais, reinventados com a intenção de propiciar a focalização de questões ortográficas e a consequente reflexão dos alunos sobre elas. Outras são mais inovadoras, pressupondo uma ruptura bem evidente com as atitudes de medo de errar arraigadas em tantos educadores. (Morais, 2008) O autor propõe reflexões ortográficas desencadeadas a partir de diferentes tipos de atividades. Queremos deixar claro que todos e quaisquer aspectos linguístico-gramaticais podem ser trabalhados com base em textos, além de aspectos culturais, regionais, sociais, conceitos e/ou preconceitos linguísticos. Capítulo 9 O Texto como Unidade de Ensino 143 Ditado interativo A primeira atividade Morais chama de “Ditado interativo”. Consiste, basicamente, em utilizar textos já conhecidos pelas crianças para fazer ditados, convidando-as a focalizar e discutir questões ortográficas apontadas durante a realização da atividade. Segundo Morais, “isso permite que o ditado interativo não repita a velha tradição de usar um texto como mero pretexto para a condução de exercícios de análise linguística” e enfatiza a importância do fato de as crianças já conhecerem o texto e terem discutido previamente os significados em torno dele, propiciando que a atenção seja direcionada para palavras que o professor queira focalizar ou que as próprias crianças tenham escolhido para tema de discussão. Durante um ditado interativo, um educador faz diversas interrupções para questionar os alunos se no trecho há palavras que eles acham mais difíceis e propõe a discussão das razões dessas dificuldades. Também pode propor que as crianças façam transgressões mentalmente ou por escrito, no intuito de discutir por que uma seria errada e a outra não. Para Morais (2008), ao professor compete questionar, dirigir, orientar as dúvidas, e as respostas e soluções partem dos alunos. Nessa proposta, não faria sentido bombardear crianças de séries iniciais com explicações etimológicas para lhes ensinar ortografia. Em uma das experiências concretas dirigidas e aplicadas em uma turma de terceira série de uma escola pública, o objetivo da professora era nortear as crianças em relação à grafia de G ou GU, pois constatou que elas se enganavam muito no emprego dessas letras. O trecho escolhido para o ditado transversaliza para História do Brasil: “Os portugueses trou- 144 Língua Portuguesa para os anos iniciais xeram os negros para o Brasil./ Os escravos trabalhavam nos canaviais/ e guardavam os engenhos./ Os capatazes guiavam os negros às plantações; e os vigiavam/ fazendo o trabalho./ Quem não obedecesse, era castigado”. Nas barras foram feitas interrupções para discutir com as crianças sobre o emprego do G e GU nas palavras assinaladas. Como ocorre em grande parte de situações didáticas, novidades surgiram e ajustes se fizeram necessários. As crianças apresentaram propostas como: - escrever com GUE de portugueses não é difícil; - um novato de primeira série poderia escrever o som “guê” apenas com G, mas o som ficaria “Ge”; - “guiavam” é mais difícil, só com G ou com QU, o som fica diferente; - engenhos é palavra difícil, com G ou com J fica o mesmo som, aí precisa usar dicionário. Durante esse tipo de atividade, outras dúvidas, diferentes do planejado, podem surgir, levantadas pelos alunos, e não devem ser ignoradas pelo educador, mesmo que extrapolem reflexões apenas ortográficas. Capítulo 9 O Texto como Unidade de Ensino 145 Releitura com focalização Partindo do princípio de que “os textos escritos existem para serem lidos, comentados, degustados” e de que “usar um texto desconhecido para desencadear a reflexão ortográfica seria distorcer a natureza e as finalidades do ato de ler um texto pela primeira vez, Morais (2008) propõe fazer a releitura de um texto já conhecido, focalizando a atenção na grafia de palavras selecionadas sobre as quais deseja refletir com os alunos. Nessa mesma turma de terceira série em que foi aplicada a modalidade reflexiva anterior, a professora selecionou a fábula “A cigarra e a formiga”, já lida anteriormente, com o intuito de levar as crianças a formularem suas próprias regras sobre a grafia do R e RR. Foram focalizadas as palavras: “cigarra”, “formiga”, “inverno”, “verão”, “durante”, “trabalho”, “trigo”, “respondeu”. As crianças chegaram às seguintes reflexões: – “no começo das palavras não se escreve com RR. Só usa RR no meio ou no fim; – “quando o som é forte, como o R de ‘rato’, e aparece no meio das palavras, entre vogais, tem que ser RR”; – “o R quando está no começo das palavras é forte”; - “usa um R só quando tem som fraco no meio da palavra ou no fim”. 146 Língua Portuguesa para os anos iniciais Essas foram as conclusões das crianças no primeiro dia, mas o trabalho com a letra R ou RR prosseguiu em sete ocasiões, e as reflexões eram afixadas em um “quadro de regras”. Conclusão Você, caro aluno, poderia questionar se tudo o que aqui se propõe é plausível nos anos iniciais de escolarização. Respondemos que sim, pois textos, mesmo literários e de qualidade acessível à compreensão infantil, são abundantes em todas as literaturas. O que é preciso para o êxito dessa tarefa é, acima de tudo, a contextualização e a oportunização de as crianças escreverem em condições semelhantes às que caracterizam a escrita fora da escola. É, pois, fundamental que a criança escreva em condições reais, com motivações de comunicação efetiva. Capítulo 9 O Texto como Unidade de Ensino 147 Recapitulando No capítulo que agora fechamos, você teve a oportunidade de estudar diferentes abordagens que podem ser empregadas pelos educadores das séries iniciais. Inicialmente, apontou-se como textos podem ser ponto de partida para trabalhar aspectos da oralidade e da escrita, envolvendo a compreensão dos tipos e gêneros textuais. Da mesma forma, os textos podem embasar estudos que visem ampliar a capacidade de compreender e interpretar materiais escritos bem como o domínio vocabular. O desenvolvimento da habilidade de as crianças de anos iniciais produzirem seus próprios textos constitui o terceiro aspecto abordado no capítulo. Por último, foi considerada a possibilidade de introduzir o estudo, a análise e reflexão sobre aspectos gramaticais da língua. Exercício 1. Considere as assertivas abaixo e, após, assinale a resposta correta. I. Para Vidal (2005), as práticas pedagógicas que envolvem as produções textuais nos anos iniciais evoluíram consideravelmente nas últimas décadas. II. Para explorar e estudar vocabulário com as crianças, o ideal é empregar, preferencialmente, textos de terceiros. 148 Língua Portuguesa para os anos iniciais III. A criança já é capaz de deduzir o sentido de alguns vocábulos, ainda que desconhecidos, a partir do contexto de um material escrito. a) As três assertivas são verdadeiras. b) A primeira e a terceira são verdadeiras. c) Somente a primeira é verídica. d) Apenas a terceira está correta. e) As duas últimas assertivas constituem verdade. 2. Assinale a assertiva verdadeira em relação à exploração de textos nos anos iniciais de escolarização. a) A única maneira de trabalhar textos com crianças é apelar para o humor. b) É possível levar as crianças a produzir os próprios textos no intuito de aprimorar a competência textual. c) Um texto qualquer não pode ser utilizado como ponto de partida para ensinar a escrita. d) É primordial o domínio sobre os aspectos linguísticos para aprender a produzir textos. e) Ampliar a compreensão de textos depende exclusivamente das habilidades de cada criança. Capítulo 9 O Texto como Unidade de Ensino 149 3. Marque a afirmação que contempla uma verdade em relação ao Capítulo 9. a) Escrever não é, acima de tudo, uma interação entre escritor e leitor. b) Em geral, quem escreve busca apenas expressar o que pensa sobre um assunto. c) O texto dissertativo é aquele que dá uma nítida noção do seu gênero. d) Descrever é fazer uma exposição clara das características de um objeto, pessoa ou lugar. e) O texto de natureza injuntiva consiste em ampliar o conhecimento de mundo. 4. Observe as três assertivas que seguem e, após, assinale a alternativa correta. I – Segundo Drey e Silveira (2010), as tipologias textuais são ilimitadas e os gêneros são apenas três. II – Para Magda Soares, é importante considerar os gêneros da fala e da escrita. III – Ao escrevermos, sempre o fazemos dentro de um dos gêneros textuais. a) Somente a assertiva I é verdadeira. b) São verdadeiras as assertivas I, II e III. c) Estão corretas somente as afirmativas I e II. 150 Língua Portuguesa para os anos iniciais d) Está correta apenas a afirmativa II. e) São verdadeiras as assertivas II e III. 5. De acordo com o que você estudou no Capítulo 9, marque V (verdadeiro) ou F (falso) para as afirmativas. ( ) O ato da escrita, usualmente, ocorre diante do leitor. ( ) A criança dos anos iniciais ainda é incapaz de distinguir diferenças de gêneros textuais. ( ) Compreender e interpretar são duas atividades que permeiam todas as disciplinas e conteúdos. ( ) Nos anos iniciais, não cabe estudar o vocabulário de um texto. ( ) Nem sempre ler é um ato que precisa fazer sentido. Assinale a alternativa cuja sequência é correta. a) F, F, F, V, V. b) V, V, F, F, V. c) F, F, V, F, F. d) V, F, V, F, V. e) F, V, F, V, F. Capítulo 9 O Texto como Unidade de Ensino 151 Bibliografia DREY, Rafaela Fetzner; SILVEIRA, Rosa Maria Hessel. In: DALA ZEN, Maria Isabel; XAVIER, Maria Luisa M. (orgs.). Alfabeletrar: fundamentos e práticas. Porto Alegre: Mediação, 2010. MARCUSCHI, Beth; LEAL, Telma; VAL, Maria da Graça Costa (org.). Alfabetização e língua portuguesa: livros didáticos e práticas pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. MELLO, Darlize Teixeira. In: TRINDADE, Iole Maria Faviero. Múltiplas alfabetizações e alfabetismos. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008. MORAIS, Artur Gomes de. Ortografia: ensinar e aprender. 4. ed. São Paulo: Ática, 2008. Parâmetros Curriculares Nacionais. 2, Língua Portuguesa: Ensino de primeira à quarta série, 1997. <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf<. VIDAL, Fernanda; SILVEIRA, Rosa Maria Hessel. In: MOLL, Jaqueline. Múltiplos alfabetismos: diálogo com a escola pública na formação de professores. Porto Alegra: Editora da UFRGS, 2005 – p. 135-146. Gabarito 1) b; 2)b; 3)d; 4)e; 5)c. Darlize Texeira de Mello Capítulo 10 Livros didáticos e o ensino da língua materna: algumas análises possíveis.  N este capítulo, você poderá acompanhar algumas análises realizadas em dois livros didáticos destinados aos quarto anos do Ensino Fundamental de nove anos. Este trabalho de análise é desenvolvido na disciplina Língua Portuguesa dos Anos Iniciais, no Curso de Pedagogia da Universidade Luterana do Brasil, modalidade presencial. Tem por objetivo ampliar os conhecimentos dos alunos graduandos em relação à língua materna nos anos iniciais em uma situação prática de exercício da docência, por meio da análise Capítulo 10 Livros didáticos e o ensino da língua materna... 153 crítica de livros didáticos à luz dos conceitos estudados e objetivos atuais para o ensino da mesma. Anterior a análise de propostas didáticas do livro didático apresentarei, a você, brevemente, a história do surgimento do mesmo no Brasil até a criação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)1. De acordo com Bittencourt (apud AFONSO; MOREIRA, 2009, p. 8): Os primeiros livros chegam aqui em 1808, com a Imprensa Régia trazida por Dom João VI. Nessa época foi criada a primeira Escola Militar do país e os livros passaram a ser produzidos e servidos a essa instituição. [...] Embora produzidas no Brasil, o modelo pedagógico e ideológico dessas obras era francês. Nessa primeira fase, a maioria dos livros são simples traduções ou adaptações. Não se discutia uma identidade nacional, a ideia era reproduzir a identidade europeia branca, civilizada e cristã. A autora ainda aponta que: “em 1929, o governo criou o Instituto Nacional do Livro, órgão específico para gerir a política do livro didático. A partir do Governo Getúlio Vargas (1930-1945), a avaliação dessas obras foi institucionalizada2” (AFONSO; MOREIRA, 2009, p. 08). É interessante pontuar o 1 O PNLD é desenvolvido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da educação (FNDE) e pela Secretaria de Educação Fundamental (SEF). Os dois órgãos estão ligados ao Ministério de Educação (MEC) (BATISTA E VAL, 2004). 2 Vale lembrar, como ressalta a autora que: “antes mesmo dessa época, as obras já passavam por conselhos avaliativos criados em 1840. O livro didático sempre foi vigiado, ele não circulava sem autorização” (BITTENCOURT apud AFONSO; MOREIRA, 2009, p.08). 154 Língua Portuguesa para os anos iniciais forte caráter ideológico dessa avaliação, pois “muitas vezes, se queria fazer propaganda para o governo dentro dos materiais. O formato atual desses livros só começou a tomar corpo entre 1950 e 1960. No início, era bem simples, um livro com textos e exercícios” (ROJO apud AFONSO; MOREIRA, 2009, p. 08). Dando continuidade à história, Até então, os programas dos livros didáticos focavam a produção e a tradução dos materiais. Só nas décadas de 1960 e 1970, a partir de acordos internacionais, o governo brasileiro começou a adquirir e distribuir livros para as escolas. Em 1985, com o Decreto 91.542, surge o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que vigora até hoje (AFONSO; MOREIRA, 2009, p. 08). Embora tenha sido criado em 1985, as características do PNLD se alteraram a partir de 19963. Atualmente, as principais finalidades do programa são a universalidade – atendimento a todas as áreas4 e distribuição para todas as escolas públicas; e a liberdade de escolha pelo professor, a partir do universo definido pela avaliação (BATISTA; VAL, 2004). 3 As modificações no processo de escolha de livros didáticos, destinados às escolas públicas, estão articuladas às políticas públicas que têm se desenvolvido a partir da segunda metade da década de 1990, com o intuito de promover e criar instrumentos de controle curricular. Entre essas políticas públicas, destaco a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), o sistema de avaliação da educação básica e a reformulação do Programa Nacional do livro Didático (PNLD) (BATISTA E VAL, 2004). 4 Para o primeiro segmento do 1º ao 5º ano, são avaliados, adquiridos e distribuídos títulos de alfabetização, matemática, ciências, estudos sociais e português; para o segundo do 6º ao 9º ano, de Ciências, geografia, história, matemática e português (BATISTA; VAL, 2004). Capítulo 10 Livros didáticos e o ensino da língua materna... 155 Uma das alterações no PNLD, em 1996, foi à criação do Guia do Livro Didático. Esse Guia do Livro Didático “traz um conjunto de resenhas das obras aprovadas, destacando os pontos fortes e os pontos fracos da coleção” (AFONSO; MOREIRA, 2009, p. 08). Desde 2001, a avaliação das obras que comporam esse Guia é realizada pelas universidades públicas, sob supervisão da Secretaria de educação Fundamental (SEF)5. Os critérios avaliativos considerados na análise das obras podem ser assim sumariados: de natureza conceitual (as obras devem ser isentas de erros ou de indução a erros); de natureza política (devem ser isentas de preconceito, discriminação, estereótipos e de proselitismo político e religioso) e de natureza metodológica (propiciar situações de ensino e aprendizagem adequadas, coerentes e que envolvam o desenvolvimento e o emprego de diferentes procedimentos cognitivos – como a observação, a análise, a elaboração de hipóteses e a memorização). Esse último critério só foi incluso em 1999. (BATISTA; VAL, 2004) Até 2004, com base nas avaliações, os livros recebiam menções representadas por estrelas: três estrelas – Recomendado com distinção (RD); duas estrelas – Recomendados (REC) e uma estrela – Recomendado com ressalvas (RR). As categorias Não Recomendado (sem estrelas – NR evidenciavam problemas de natureza metodológica enquanto a Excluído (EXC) – era destinada a livros com problemas de erros conceituais, insuficiência ou incoerências metodológicas ou, ainda, 5 Anterior a 2001, essa avaliação era realizada pela SEF, com a coordenação de professores universitários e equipes ligadas a essas instituições (BATISTA; VAL, 2004). 156 Língua Portuguesa para os anos iniciais preconceitos e diferentes formas de proselitismo. A partir de 2005, as menções deixaram de ser utilizadas e os livros passaram a ser identificados apenas como aprovados ou excluídos Os livros excluídos passam a não constar no Guia de Livros Didáticos. (BATISTA; VAL, 2004) Esse Guia é distribuído entre as escolas públicas de ensino para realização, pelos professores, da escolha dos livros a serem utilizados. Nesse sentido, julgo necessário, no contexto da escola brasileira, esse exercício de análise que se faz dos livros didáticos de língua materna na presente disciplina, uma vez que os professores das escolas públicas escolhem, em meio a tantas publicações, os livros a serem adquiridos em sua escola6 e escolher bons livros parece ser a possibilidade de um trabalho profícuo junto aos alunos. Os livros a serem analisados nesse capítulo, como você verá, darão ênfase ao estudo da ortografia7. Para realizar a 6 Embora não seja o objetivo desse artigo apontar como os professores de 1º ao 5º ano das escolas públicas escolhem, no PNLD, os livros didáticos que utilizam, sob que condições, por meio de que critérios e de que processos, que agentes participam dessa tomada de decisão, que relações estabelecem com essa finalidade, de que modo os instrumentos de orientação propostos pelo Ministério da Educação interferem na escolha desses livros vale destacar a indicação de estudos de Batista (2004), em que o autor busca respostas a essas aspectos, a partir de um conjunto de pesquisas desenvolvidas por diferentes equipes universitárias, por solicitação do MEC. Nesse estudo, são apresentados os resultados de um levantamento de declarações de uma amostra de professores a respeito do processo de escolha desenvolvido no ano de 2000, no quadro do PNLD/2001. 7 Os alunos da disciplina Língua Portuguesa nos Anos Iniciais, além da análise das atividades didáticas destinadas ao ensino da ortografia, analisam no livro didático propostas de atividade de leitura, produção textual e variação linguística. Devido ao número de laudas desse trabalho, apresentarei somente análises referentes ao estudo da ortografia. Capítulo 10 Livros didáticos e o ensino da língua materna... 157 análise, os alunos graduandos recebem um roteiro para apreciação crítica da obra. Nesse roteiro, é solicitado a esses que, com base nas leituras realizadas, após caracterizar o livro didático, apresentado título, autor, editora, ano e série/ano a que se destina, desenvolva a análise considerando os seguintes critérios8: a) Exame do manual do professor referente às considerações feitas sobre a ortografia e a sua forma de ensino e aprendizagem; b) Realização de um levantamento das correspondências letra-som que o livro didático propõe que se ensine em ortografia; c) Exame de atividades propostas para ensinar ortografia; d) Averiguação se o livro didático trata diferentemente os casos regulares e irregulares da norma ortográfica; e) Averiguação de atividades que exploram a segmentação de palavras e f) Averiguação de como a acentuação de palavras é abordada. Apresentarei, a seguir, duas análises de dois alunos que estão cursando a disciplina de Língua Portuguesa nos Anos iniciais e são já professores de 4º ano de redes publícas, Carolina da Silva Severo9 e Marcus Vinicius Mayer Pereira10, a fim de evidenciar as potencialidades desse tipo de exercício prático para a escolha de livroS didáticos nas escolas públicas. A primeira análise será do livro: “A ESCOLA É NOSSA”, editora 8 Os critérios de análise elencados foram elaborados, a partir da reflexão feita por SILVA; MORAIS (2005) na análise que realizam de livros didáticos de português sobre a norma ortográfica. Leitura que os alunos graduandos realizam para fazer a análise desse tópico do trabalho. 9 Aluna do 6º semestre do Curso de Pedagogia da Ulbra. Professora da Rede Municipal de Ensino de Sapucaia do Sul/RS. 10 Aluno do 5º semestre do Curso de Pedagogia da Ulbra. Professor da Rede Estadual de Ensino do Estado do Rio Grande do Sul. 158 Língua Portuguesa para os anos iniciais Scipione, de autoria de Márcia Aparecida Paganini Cavéquia, 4ª edição/2012, obra integrante do PNLD 2013-2014-2015 e a segunda, do “APRENDER JUNTOS PORTUGUÊS”, editora SM, de autoria de Adson Vasconcelos, 2ª edição/2008, obra integrante do PNLD 2010-2011-2012. Capítulo 10 Livros didáticos e o ensino da língua materna... 159 Caracterização e análise do livro didático – A Escola é Nossa. O Livro Didático (LD) “A ESCOLA É NOSSA” do 4º Ano do Ensino Fundamental, da editora Scipione, é de autoria de Marcia Aparecida Paganini Cavéquia. Figura 1: Capa do livro A Escola é Nossa. Carolina, ao realizar um breve resumo do LD, destaca que, ao longo das onze unidades em que é dividida a obra, há um uso extenso de diferentes gêneros textuais como contos, fábulas, cartas, bilhetes, artigos de opinião, histórias em quadrinhos, receitas, notícias e artigo de opinião. Também, para ela, é evidente que o aparecimento de nomenclaturas gramaticais no decorrer da obra ocorre em números inferiores aos LD mais antigos, pois este livro parece acompanhar as transformações ocorridas nos livros didáticos, uma vez que utiliza uma gama de gêneros textuais, de forma que as crianças possam fazer um confronto de características destes, percebendo as linguagens 160 Língua Portuguesa para os anos iniciais adequadas de cada portador, tenham oportunidades de reflexão no uso de regras da nossa gramática e da ortografia em situações de uso da escrita e experiências com interpretações tanto escritas quanto orais, podendo realizar tomadas de decisões e expor suas ideias. A escolha pela análise deste exemplar, por Carolina, deu-se pelo fato deste livro ser utilizado pela turma em que é professora, pertencendo à coleção escolhida pelo grupo de professores dos anos iniciais da Escola Municipal de Ensino Fundamental de Sapucaia do Sul11, onde ela trabalha. A seguir, você acompanhará a análise do livro “A ESCOLA É NOSSA” do 4º Ano, realizada por Carolina da Silva Severo, conforme roteiro solicitado. Considerações à ortografia e sobre o seu ensino e aprendizagem no Manual do Professor – Livro A Escola é Nossa. Na análise realizada por Carolina sobre o Manual do Professor, é apontado que a obra analisada trata de formas diferentes a apropriação da escrita alfabética e a aquisição da norma ortográfica, permitindo que a criança, após perceber que cada fonema da fala é representado na escrita por um grafema, avance em suas concepções sobre a escrita para dominar então, um novo conhecimento: a escrita ortográfica. 11 Essa escolha foi feita em 2012 e o livro está em uso em 2013 para todas as turmas do 1º ao 5º Ano, por atender aos requisitos da grande maioria de professores. Capítulo 10 Livros didáticos e o ensino da língua materna... 161 Também na análise do Manual são evidenciados apontamentos sobre como devem ocorrer às atividades a fim de fazer com que os alunos escrevam ortograficamente e a importância de um trabalhado baseado na reflexão, a partir de Artur Gomes de Morais. Carolina observa que a autora do livro assume uma postura de que esse material vá além de servir como mero modelo do professor que o utiliza, mas que possa efetivamente subsidiar o seu trabalho docente. Ainda acrescenta que o docente pode contar, ao longo das unidades que compõe o título, com uma série de comentários sobre como instigar seus alunos à promoção de conhecimentos ortográficos. Veja a seguir (FIGURA 2) como aparecem na obra esses comentários. Figura 2: Com que letra? Fonte: Página 68 162 Língua Portuguesa para os anos iniciais Correspondências letra-som propostas no Livro Didático para o ensino de ortografia – Livro A Escola é Nossa. Quanto a esse critério avaliativo do livro, Carolina faz uma descrição do conteúdo programático do 3º e 5º Ano da coleção “A ESCOLA É NOSSA” (APÊNDICE A). Carolina observa a gama de regularidades e irregularidades que a coleção pretende que os professores trabalhem ano após ano em sequência e de forma sistematizada o ensino da ortografia, salientando a falta de algumas regularidades, como o caso do emprego de ESA para adjetivos que indicam o lugar de origem (portuguesa, francesa) e EZA para substantivos derivados de adjetivos e que terminam com esse segmento sonoro (beleza – belo; pobreza – pobre). Outra observação que ela faz à coleção é que algumas dificuldades reaparecem em diferentes anos, porém trazem reflexões mais complexas conforme aumenta o nível de compreensão dos alunos, principalmente no que se refere às relações regulares, que conforme Morais (2010, p. 43) “o aprendiz pode e deve compreender/usar com segurança princípios gerativos”. Em relação ao 4º ano, Carolina destaca algumas atividades contidas no LD em seções intituladas “Com que letra?” de diferentes unidades que compõe o mesmo, observando as relações regulares e irregulares da norma ortográfica12. Veja a seguir as páginas destacadas pela aluna. 12 Nesse capítulo, será inclusa apenas a análise do caso de uma irregularidade da língua, no caso, o som de “S” representado por Ç e do dígrafo SS, devido ao número de laudas permitidas para o mesmo. Capítulo 10 Livros didáticos e o ensino da língua materna... 163 Figura 3: Com que letra? Fonte: Página 48 Figura 4: Com que letra? Fonte: Página 49 No caso da Figura 3, trabalho com o som de “S” representado por Ç e do dígrafo SS, ela percebe um caso irregular, em que as crianças são conduzidas a refletirem que é comum surgirem dúvidas ao escrevermos palavras com Ç e SS, pois apresentam o mesmo som. Ainda são estimuladas a consultar o dicionário no caso de dúvidas. Em outro exercício na mesma Figura 3, o uso do dicionário novamente é enfatizado, porém neste é referente ao significado diferente que as palavras assumem, conforme as letras que são empregadas nas palavras. Como, poço e posso, possa e poça, cassados e caçados, por exemplo. Na Figura 4, seguinte, há outra atividade com essa mesma consoante, porém Carolina já observa um caso regular, que é o uso de Ç para palavras com -AÇO/-AÇA, dando ideia de aumento como BARCAÇA e GOLAÇO. 164 Língua Portuguesa para os anos iniciais A aluna ainda destaca em sua análise que fica evidente que falta promover aos alunos uma reflexão quanto ao emprego de “Ç” nas palavras presentes nas Páginas 48 e 49, uma vez que é possível verificar que o uso de “Ç” só ocorre antes das vogais A, O e U. Não sendo possível antes de E e I. Continuando, Carolina, aponta que, na página 50 (FIGURA 5), os educandos são colocados em contato com palavras terminadas em –AÇÃO, mostrando que esse sufixo escreve-se com Ç e em um último exercício com esses casos, vemos a proposta para que as crianças observem a escrita de palavras primitivas para então decidirem pelo uso de Ç ou SS, conforme TRANÇA – TRANÇADO, PROFISSÃO – PROFISSIONAL. Figura 5: Com que letra? Fonte: Página 50 Capítulo 10 Livros didáticos e o ensino da língua materna... 165 É possível observar, no trabalho de análise da aluna, uma preocupação em fazer referência aos estudos realizados, uma vez que, à medida que analisa os casos de irregularidades da língua ressalta Morais (2010, p. 45) ao afirmar que: “aprender ortografia não é um processo passivo, não é um “simples” armazenamento de formas corretas na memória”. Nesse sentido, ainda propõem algumas alternativas de trabalho para além do LD, como a possibilidade do professor criar com os aprendizes uma “lista de palavras” e ter em sala de aula materiais impressos para que memorizem, progressivamente, as principais dificuldades irregulares de nossa ortografia, pois alguns desses casos não obedecem a regras passíveis de reflexão. Exame de atividades propostas para ensinar ortografia – Livro A Escola é Nossa. Carolina aponta que, no trabalho com a ortografia, três aspectos são importantes de ser considerados em relação ao ensino da ortografia: o favorecimento de inferência da regra ortográfica pela criança, a partir de um conjunto de dados; caráter lúdico dos exercícios e contextualização dos mesmos. Para ela é perceptível que, na obra analisada, há nos casos regulares a possibilidade do contato das crianças com tais regras da norma ortográfica, porém, em muitas situações, são colocadas às crianças, após a análise de algumas palavras e textos, de forma pronta e engessada para que elas apenas possam ler, não estimulando a reflexão. Ela dá, então, uma dica com relação a esse aspecto evidenciando que haveria mais êxitos se as crianças pudessem, com suas palavras, escrever o que foi compreendido a partir dessas verificações, apresentando o que conseguem elaborar sobre a ortografia. 166 Língua Portuguesa para os anos iniciais Quanto à ludicidade, para Carolina, no presente livro, ela ocorre de maneira bastante contida, pois não há uma prevalência de atividades que despertem a atenção das crianças a partir de exercícios que enfoquem a brincadeira para a compreensão no caso das regularidades, nem a memorização, no caso das irregularidades, sendo necessário que o professor inclua em seu planejamento, a fim de que seus alunos atinjam de forma eficiente as regras a partir das reflexões e discussões, sequências didáticas que rompam com a mesmice e com o tradicional. Abaixo, algumas das poucas atividades que a aluna encontrou com enfoque lúdico (FIGURAS 6 e 7). Figura 6: Com que letra? Fonte: Página 85 Figura 7: Com que letra? Fonte: Página 170 Capítulo 10 Livros didáticos e o ensino da língua materna... 167 Averiguação se o livro didático trata diferentemente os casos regulares e irregulares da norma ortográfica – Livro A Escola é Nossa. Ao analisar os conteúdos destinados ao trabalho com o 4º Ano, a aluna observa que o número de exploração de casos irregulares e regulares ocorre praticamente na mesma quantidade, o primeiro com cinco ocorrências e o segundo com quatro, evidenciando que tal fato não segue as orientações de Silva e Morais (2003, p. 132), que esperam que os autores dos livros deem mais ênfase ao trabalho das regularidades, já que podem promover a observação, reflexão e ponderações dos alunos. A aluna ainda aponta que o LD não faz mistura sobre os dois casos, pois trata em momentos distintos as dificuldades. O que ocorre é o uso de mesmas estratégias para os mesmos casos como o uso de G e J (FIGURA 8) e o emprego do CH e do X (FIGURA 9). 168 Língua Portuguesa para os anos iniciais Figura 8: Com que letra? Fonte: Página 99 Figura 9: Com que letra? Fonte: Página 170 Averiguação de atividades que explora a segmentação de palavras – Livro A Escola é Nossa. Carolina observa que esse exemplar não traz em nenhuma ocasião um trabalho voltado à superação das dificuldades ligadas à segmentação, embora perceba ser esse ainda um aspecto a ser trabalhado com alunos de 4º Ano, pois segundo Teberosky e Colomer (apud SILVA e MORAIS, 2003), “aprender a separar o texto em palavras gráficas é um conhecimento procedimental, isto é, trata-se de saber como usar um procedimento que vai sendo adquirido na prática”. A aluna propõem que o professor possa pensar estratégias como solicitar que os educandos pintem os espaços em branco entre as palavras ou reescreva alguns trechos em pedaços de papel para que eles cortem as palavras que estarão “coladas”, segmentando-as. Capítulo 10 Livros didáticos e o ensino da língua materna... 169 Averiguação de como a acentuação de palavras é abordada – Livro A Escola é Nossa. Carolina observa que a acentuação é tratada de forma bastante sistemática nessa obra, pois, em diversas unidades, isso vem sendo retomado, e, conforme os alunos vão sendo apresentados às regularidades de alguns casos, vão aumento a complexidade, além de uma ser a complementação da outra. Ela evidencia que, já na Unidade 3, há um estudo sobre a sílaba tônica e a classificação das palavras quanto à posição dessa partícula mais forte (FIGURA 10). Na sequência, é iniciada a reflexão sobre a acentuação em que as crianças devem observar se todas as sílabas tônicas de algumas palavras presentes em um quadro foram acentuadas, levando-as a compreenderem que nem sempre a sílaba tônica leva acento (FIGURA 11). Logo, passa ao uso de acentos nas palavras monossílabas, trazendo alguns exercícios e, principalmente, um quadro. Neste, depois das crianças classificarem os monossílabos entre tônicos e átonos, devem observar quais as terminações de cada um e, conforme esses dados, internalizar a regra que só devemos acentuar os monossílabos tônicos terminados em A, E, O, seguidas ou não de S13 (FIGURA 12). 13 Posteriormente, o livro apresenta atividades para o trabalho com palavras oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas que não serão exemplificadas devido ao número de laudas desse capítulo. Carolina destaca que a metodologia utilizada com os monossílabos tônicos é a mesma empregada para o trabalho com as palavras oxítonas, partindo da utilização de um quadro em que as crianças podem verificar quando devemos colocar acento ou não nos vocábulos. 170 Língua Portuguesa para os anos iniciais Figura 10: Pensando sobre a língua. Fonte: Página 81 Figura 11: Pensando sobre a língua. Fonte: Página 82 Figura 12: Pensando sobre a língua. Fonte: Página 83 Finalizando a descrição das atividades desse item, Carolina propõe que é importante realizar, após o estudo com as regras de acentuação de monossílabos tônicos, oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas, um trabalho coletivo em que as crianças construam em grupos cartazes que ilustrem as regras estudadas durante aquele período, inserindo nesse trabalho alguns exemplos de palavras para cada regra e de modo que os cartazes fiquem expostos para apreciação de todos. Algumas considerações finais sobre o livro A Escola é nossa. Concluindo sua análise do livro “A escola é nossa”, Carolina salienta a necessidade dos professores fazerem um estudo minucioso no momento da escolha do LD14, considerando 14 Carolina destaca que a escolha dessa obra em sua escola de atuação docente foi realizada anteriormente à análise desse estudo. Capítulo 10 Livros didáticos e o ensino da língua materna... 171 esse suporte de requisitos proposto, pois, dependo da escolha feita, esse material pode auxiliar muito, ou pouco no estudo sistemático da ortografia. A seguir, você acompanhará a análise do livro “Aprender Juntos Português” do 4º Ano, realizada por Marcus Vinicius Mayer Pereira, conforme roteiro solicitado. Caracterização e análise do livro didático – Aprender Juntos Português Marcus, ao realizar um breve resumo do LD, destaca que o livro está organizado por unidades temáticas. O volume em análise contém quatro unidades com diferentes temas. Essas unidades se subdividem em três capítulos que procuram apresentar o tema em perspectivas diversas e dar sequência ao estudo da unidade. Segundo o autor da obra, Vasconcellos (2008), a escolha dos temas levou em consideração assuntos de relevância social e que propiciem uma abordagem interdisciplinar, bem como os interesses pertinentes às vivências da faixa etária dos alunos e o desenvolvimento de valores humanos, imprescindíveis para o exercício da cidadania. Os capítulos estão divididos em seções fixas: Hora da leitura 1 e 2, Linha e entrelinha, Produção de texto, Nossa língua – Gramática e Nossa língua – Ortografia. As seções Língua viva, Mundo da escrita e Usos do dicionário aparecem uma a cada unidade. Além dessas seções, há ainda Em ação!, que propõe um trabalho coletivo no fim do primeiro semestre e no final do ano, e O que aprendi?, que fecha cada unidade. 172 Língua Portuguesa para os anos iniciais Figura 13: Capa do livro Aprender Juntos Português Considerações sobre a ortografia e sobre o seu ensino e aprendizagem no Manual do Professor – Livro Aprender juntos Português De modo geral, o Manual do Professor, segundo análise de Marcus, evidencia que a aprendizagem da ortografia não é um processo passivo: trata-se de uma construção individual, para a qual a intervenção pedagógica tem muito a contribuir. Nesse sentido, há a proposição de dois eixos básicos de estratégias didáticas, observados pelo aluno: o da distinção entre o que é “produtivo” e o que é “reprodutivo” 15 na notação da ortografia da língua, permitindo, no primeiro caso, o descobrimento explícito de regras geradoras de notações corretas 15 É produtivo, em ortografia, o que se pode gerar a partir de regras – o que permite a escrita de palavras nunca antes vistas por escrito – e reprodutivo o que não se pode gerar, obrigando uma escrita de memória (VASCONCELLOS, 2012). Capítulo 10 Livros didáticos e o ensino da língua materna... 173 e, quando não, a consciência de que não há regras que justifiquem as formas corretas fixadas pela norma; e a distinção entre palavras de uso frequente e infrequente na linguagem escrita impressa. A obra analisada por Marcus, também destaca no Manual do Professor, que o ensino de ortografia, em função dessas especificidades, deveria organizar-se de modo a favorecer: a inferência dos princípios de geração da escrita convencional, a partir da explicitação das regularidades do sistema ortográfico (isso é possível utilizando como ponto de partida a exploração ativa e a observação dessas regularidades) e a tomada de consciência de que existem palavras cuja ortografia não é definida por regras e exigem, portanto, a consulta a fontes autorizadas e o esforço de memorização. Desse modo, a posição defendida na obra, considerando o Manual do Professor, a partir da análise de Marcus, será de que, independentemente de serem regulares ou irregulares – definidas por regras ou não –, as formas ortográficas mais frequentes na escrita devem ser aprendidas o quanto antes, de forma a liberar a atenção do aluno para outros aspectos da escrita. Correspondências letra-som propostas no Livro Didático para o ensino de ortografia e exame de atividades propostas para ensinar ortografia – Livro Aprender Juntos Português Quanto a esse critério de análise, Marcus observa que, nas quatro Unidades do LD, há capítulos destinados ao estudo da correspondência letra som. Na Unidade 1: capítulo 1– seção: 174 Língua Portuguesa para os anos iniciais mais um som da letra X; Capítulo 2 – seção: as letras “l” e “u” em final de sílaba e Capítulo 3 – seção: plural; na Unidade 2: Capítulo1 – seção: palavras terminadas em -isar, -izar; Capítulo 2 – seção: palavras terminadas em -oso, -osa e Capítulo 3 – seção: palavras terminadas em -ês, -esa, -ez, -eza; na Unidade 3: Capítulo 1 – seção: palavras parecidas, significados diferentes; Capítulo 2 – seção: separação silábica de dígrafos e Capítulo 3 – seção: tonicidade e na Unidade 4: Capítulo 1 – seção: acentuação gráfica – proparoxítonas e oxítonas; Capítulo 2 – seção: acentuação gráfica – paroxítonas e Capítulo 3 – seção: escreva em duas palavras. Destacarei a análise feita por Marcus da Unidade 1 – Capítulo 2 – As letras l e u em final de sílaba (FIGURAS 14 e 15)16. As letras l e u em final de sílaba O aluno destaca que, nessa seção, o trabalho, segundo o Manual do Professor, focaliza a escrita de palavras que apresentam a seguinte dificuldade ortográfica: o emprego de l ou u no final de sílabas. Para ajudar as crianças a entenderem essa dificuldade, é sugerido pelo LD que o professor dite algumas palavras que apresentem essas letras no final das sílabas, perguntando a elas se ficaram em dúvida na hora de escrever, discutindo sobre o fato de que não há uma regra para o em- 16 Nesse capítulo será inclusa apenas essas análises, embora o aluno tenha feito a análise de cada uma das Unidades do LD, devido ao número de laudas permitidas para o mesmo. Capítulo 10 Livros didáticos e o ensino da língua materna... 175 prego dessas letras, por isso, é preciso memorizar a escrita das palavras em que elas aparecem ou consultar um dicionário. Desse modo, a abordagem inicial cita para o educando: Você já deve ter observado que muitas das letras de nosso alfabeto têm o mesmo som, mas são escritas de modo diferente. Leia as palavras abaixo: automóvel – almanaque Apesar de a escrita ser diferente, o som produzido é o mesmo. Essa é uma característica da nossa língua e acontece com outras letras e sons que já estudamos. Em alguns casos, é possível definir algumas regras para saber que letra usar. Em outros, é preciso memorizar a escrita correta das palavras. Quadro 2: Livro didático Aprender Juntos Português. Fonte: Página 46 Esse discernimento do auto do LD perante a sua proposta de trabalho com as regularidades e irregularidades ortográficas é abordado por Morais (2007): Vimos que, ao longo da História, o ensino de ortografia, muitas vezes, tendeu a não sistematizar, de forma progressiva, o tratamento dado a cada uma das dificuldades de nossa norma. Dentro de uma perspectiva que priorizava mais a verificação de erros e acertos – desconsiderando que as regularidades e as irregularidades da norma são muitas, distintas e multifacetadas –, havia tendência a cobrar que o aluno “acertasse tudo de uma vez”. Por meio de atividades limitadas como o ditado, também exis- 176 Língua Portuguesa para os anos iniciais tia embutida a ideia de “ensinar tudo de uma vez”. Nota-se que, ao fazer os tais ditados, levava-se o aluno a copiar todas as palavras que errou, independentemente de ele ter se equivocado quanto à notação de casos regulares ou irregulares, ou de as palavras em que os erros apareceram serem raras ou de uso frequente. Para complicar a situação, nem sempre se definiam metas quanto ao rendimento ortográfico dos alunos, ao longo da escolaridade básica (p. 45). Veja como essa questão aparece nas atividades propostas no LD. Figura 14: Nossa língua – ortografia. Fonte: Página 46 Figura 15: Nossa língua ortografia. Fonte: Página 47 Capítulo 10 Livros didáticos e o ensino da língua materna... 177 Seguindo essa abordagem teórica, os exercícios da seção demandam: ler a tirinha do Garfield17 para copiar as letras da tira que tenham l ou u em final de sílaba (Natal; esqueceu; alguém). Em seguida, lendo as palavras copiadas, solicita que o professor indague se as letras l e u representam sons iguais ou diferentes quando estão em final de sílaba. Após, no segundo exercício, são apresentadas ilustrações de alguns objetos, devendo o aluno escrever o nome dos respectivos (pau; jornal; pedal; cacau; troféu; mel; céu, caracol). A pista é que todos eles apresentam l ou u em final de sílaba. Posteriormente, é sugerida a criação de frases a partir das palavras, passando as frases para o plural. O LD orienta que o objetivo dessas atividade é levantar os conhecimentos prévios dos alunos, sendo que, nas próximas atividades, o estudo do plural de sílabas terminadas em u e l será formalizado, e os educandos poderão rever as frases que organizaram. Na página 47, ressalva-se o plural de algumas palavras: “Atenção! Dizemos: Um farol, dois faróis. Mas: Um degrau, dois degraus”. O terceiro exercício propõe o tratamento dos exemplos citados, propondo, no quarto e quinto exercícios, algumas reflexões. Primeiramente, os alunos deveriam responder, com base na atividade antecedente: se, ao passar para o plural, o que aconteceu com as palavras terminadas em u? (Apenas acrescentou-se um –s no final); e com as palavras terminadas em l? (Trocou-se o –l por –is e, no caso em que já havia o i (funil), ape17 No LD, há uma orientação ao professor alertando que o l da palavra Garfield não está colocado entre as palavras em final de sílaba por se tratar de um nome estrangeiro. 178 Língua Portuguesa para os anos iniciais nas foi substituído o –l por –s. Por fim, com seus colegas e com a ajuda do professor, é solicitado que as crianças formulem uma regra para esses casos. Há uma sugestão de resposta pessoal: ao passar para o plural as palavras terminadas em –l, substitui-se o l por –is ou apenas –s, se a palavra já tiver o –i). Pensando nisso, a quinta proposta de atividade é, a partir da formulação da regra, que se verifique na atividade 2 (dos objetos) se o plural foi formado corretamente, retificando caso contrário. Marcus, ao fazer a descrição dessa atividade, destaca a importância dada pelo autor do livro didático para a elaboração da regra pelo grande grupo. Segundo orientações que constam no Manual do Professor, é indicado que seja registrada a regra elaborada pelo grupo18 em uma cartolina ou em outro papel e que a mesma fique anexada em local visível na classe, orientando o aluno a consultá-la sempre que tiver dúvida. Ainda, para o autor da obra, é pertinente informar aos alunos que muitas regras apresentam exceções e, se achar necessário, o professor pode apresentar esses casos e pedir aos alunos que passem para o plural. Depois, dê a resposta e conclua que são exceções à regra elaborada. Exemplos: fácil – fáceis; difícil – difíceis; útil – úteis; fútil – fúteis. Nesse sentido, Marcus estabelece relações entre a obra analisada e os estudos de Melo (2005) destacando que, dessa maneira, o professor favorece um papel de mediador e desestabiliza hipóteses formuladas pelos alunos. 18 É importante que a regra seja registrada da maneira como o grupo a elaborou, para que os alunos a identifiquem, caso precisem recorrer a ela futuramente. Capítulo 10 Livros didáticos e o ensino da língua materna... 179 Para tal, torna-se necessária a formação continuada do professor, tanto no que diz respeito ao seu conhecimento sobre o aluno sujeito cognoscente, mas, também, sobre o ensino e a natureza do objeto de conhecimento – questões sobre a organização da ortografia do português. A posse desses conhecimentos instrumentalizará o professor para desempenhar o seu papel de mediador, possibilitando-lhe lançar questionamentos (contraexemplos) que desestabilizem as hipóteses do aluno e, também, orientá-lo na direção de redefinições sucessivamente mais próximas da norma convencional. (MELO, 2005, p. 81) Averiguação de como a acentuação de palavras é abordada – Livro Aprender Juntos Português O aluno destaca seis páginas dedicadas ao estudo da acentuação, duas na Unidade 3 – Capítulo 3 – seção: tonicidade (p. 188 e 189 – FIGURAS 16 e 17) 19 e quatro na Unidade 4: Capítulo 1 – seção: acentuação gráfica – proparoxítona e oxítona (p. 210 e 211) e Capítulo 2 – seção: acentuação gráfica – paroxítona (p. 228 e 229). 19 Devido ao número de laudas desse capítulo, será apresentada a análise da Unidade 3 – capítulo 3 – seção: tonicidade (p. 188 e 189). 180 Língua Portuguesa para os anos iniciais Figura 16: Nossa Língua ortografia. Fonte: Página 188 Figura 17: Nossa Línguaortografia. Fonte: Página 189 Como pode ser observada na Figura 16, a seção que trata da tonicidade e, consequentemente, a acentuação gráfica de algumas palavras, inicia perguntando ao aluno: “Você já deve ter reparado que há algumas palavras que levam acento e outras não. Por que será?Para entender isso, é preciso conhecer a tonicidade das palavras. Você sabe o que é isso?”. Logo em seguida apontado: “Nas palavras com duas ou mais sílabas, há sempre uma sílaba pronunciada com mais intensidade que as outras. A sílaba pronunciada mais fortemente é chamada de sílaba tônica”. Como exemplo, é apresentada a palavra “Isabela”, sendo a sílaba “be” pronunciada com mais força. O estudo proposto nessa parte são os conceitos de oxítona, paroxítona e proparoxítona, que serão retomados nas páginas Capítulo 10 Livros didáticos e o ensino da língua materna... 181 que tratam da acentuação gráfica da obra. Familiarizar o aluno com a nomenclatura utilizada na gramática é importante, segundo as orientações para o professor, pois, quando for necessária uma consulta, eles não terão problemas em encontrar o que procuram. Apesar disso, estabelecer essa classificação em muitas atividades não é necessário. Silva e Morais (2005, p. 139) comentam que: [...] O ensino de acentuação tem sido pautado, tradicionalmente, na apresentação e na memorização de listas de regras: espera-se que os alunos memorizem as regras e usem-nas no momento em que forem escrever as palavras em que os acentos aparecem. A realidade mostra que eles não fazem essa aplicação de modo direto, e que os erros de acentuação consistem, sobretudo, na omissão daquelas marcas gráficas. Em outra perspectiva, compreendemos que os alunos necessitam analisar e estabelecer regularidades na acentuação de palavras e (re)construir aquelas regras. Na realidade, esses pressupostos sobre o ensino de acentuação refletem o que discutimos antes sobre o ensino das correspondências letra-som. Averiguação se o livro didático trata diferentemente os casos regulares e irregulares da norma ortográfica – Livro Aprender Juntos Português Na análise de Marcus sobre a obra, fica evidente que a mesma aborda casos regulares e irregulares da norma orto- 182 Língua Portuguesa para os anos iniciais gráfica ao longo de suas unidades e capítulos, deixando claro que: havendo a possibilidade de compreensão de uma ou mais regras de determinada dificuldade ortográfica, promova-se a reflexão e discussão no grande grupo. Descartada essa possibilidade, o autor assume a posição dos referenciais teóricos estudados: para as irregularidades, faz-se necessário a memorização, sobretudo com cartazes ou afins fixados na sala de aula para eventuais consultas na utilização dos vocábulos na língua escrita. Averiguação de atividades que explora a segmentação de palavras – Livro Aprender Juntos Português Durante a análise do livro didático do 4º ano do Ensino Fundamental, Marcus não encontrou atividades que contemplassem a segmentação de palavras. Podemos supor que para o autor essa é uma questão que já deveria ter sido superada em termos de aprendizagem para alunos de 4º ano do ensino fundamental. Algumas considerações finais sobre o livro Aprender Juntos Português De acordo com a análise de Marcus, a obra analisada é coerente em seus referenciais nas suas propostas práticas, promovendo a reflexão das normas ortográficas, quando regulares, e oportunizando sugestões de recursos para a memorização das irregularidades. Contudo, conforme os aportes Capítulo 10 Livros didáticos e o ensino da língua materna... 183 teóricos estudados na disciplina, o livro didático, por si só, não abrange em um único volume ou mais, todas as demandas de uma turma heterogênea a cada ano escolar, sendo preciso um diagnóstico concreto das necessidades dos educandos quanto às questões ortográficas. Um dos pontos mais evidentes na metodologia do autor foi de “[...] evidenciar que é sempre possível convidar o aprendiz a refletir sobre a ortografia, em vez de obrigá-lo a tarefas mecânicas que não exigem trabalho intelectual, como cópias e preenchimento de lacunas sem reflexão”. (VAL; MARTINS; SILVA, 2009, p. 85-86) Portanto, para Marcus, por mais diversificada que seja a variedade de atividades sugeridas para o trabalho com as dificuldades ortográficas por um livro didático, a mediação do educador se faz necessária para questionar, auxiliar e desestabilizar hipóteses formuladas, pensando na referência de uma língua dinâmica, viva, como a língua portuguesa, além da apropriação do sistema de escrita pelo aluno, capacitando-o na plena utilização das convenções ortográficas no seu dia a dia, seja na leitura, seja na escrita. 184 Língua Portuguesa para os anos iniciais Recapitulando Como você deve ter visto durante esse capítulo, o livro didático tem um caminho a ser percorrido até chegar à escola. Vejamos esse caminho: Edital – disponibilizado no www.fnde. gov.br → Inscrição das editoras → Instituto de Pesquisas Tecnológicas (lugar onde são verificadas a adequação ao Edital, durabilidade das obras, número correto de páginas etc. → Secretaria de Educação Básica – Pré-análise dos dados → Universidades – especialistas avaliam conteúdo dos livros e alguns são excluídos → Guia do Livro didático – Material contendo resenhas das obras analisadas é enviado às escolas e disponibilizado na Internet → Escolha – com base no Guia os professores, indicam dois livros de cada disciplina e registram sua escolha no site do FNDE → Compra e entrega – Os livros são entregues pelas editoras diretamente às escolas antes do início do ano letivo. (CEALE, 2009, p. 11) Também como foi observada nas análises dos alunos, Carolina e Marcus, não há uma regra definida para a escolha do melhor livro, mas, sim, algumas possibilidades de análises para essas escolhas, a partir de nossas concepções teóricas quanto ao ensino da língua materna. Assim como também não há regras únicas para os usos que faz desse material na sala de aula. Como temos visto, o mais interessante no uso desse material são as estratégias que o professor pode se valer para suas aulas de forma a sempre complementá-las com materiais diferentes. Assim sendo, considerando a relevância de análise da obra didática, você é convidado a seguir a fazer esse exercício prático. Capítulo 10 Livros didáticos e o ensino da língua materna... 185 Sugestão de trabalho prático – Análise de livro didático – Tópico Ortografia 1. Caracterize o livro analisado: Título, autor, editora, ano e série/ano a que se destina. 2. Análise de situações de aprendizagem destinadas ao trabalho com a ortografia, considerando os critérios20 descritos abaixo: a) Exame do manual do professor apresentando considerações sobre a ortografia e sobre o seu ensino e aprendizagem; b) Realização de um levantamento das correspondências letra-som que o livro didático propõe que se ensine em ortografia; c) Exame de atividades propostas para ensinar ortografia; d) Análise se o livro didático trata diferentemente os casos regulares e irregulares da norma ortográfica; e) Exame de atividades que exploram a segmentação de palavras; f) Análise de como a acentuação de palavras é abordada. Para análise teórica, utilize o referencial estudado na disciplina. 20 Esses critérios foram inspirados nos estudos de SILVA; MORAIS (2005). 186 Referências Bibliográficas Referências AFONSO, Juliana; MOREIRA, Sulmara. Avaliação, compra, distribuição e uso: a trajetória dos livros até a sala de aula. In: Letra A – Livros escolares: usos e políticas. Belo Horizonte. Ano 5 – nº9, agosto/setembro de 2009. BATISTA, Antônio Augusto Gomes; VAL, Maria da Graça Costa. Livros didáticos, controle do currículo, professores: uma introdução. In: BATISTA, Antônio Augusto Gomes; VAL, Maria da Graça Costa. Livros de alfabetização e de português: os professores e suas escolhas. Belo Horizonte: Ceale, Autêntica, 2004. BATISTA, Antônio Augusto Gomes. O processo de escolha dos livros: o que dizem os professores?... In: BATISTA, Antônio Augusto Gomes; VAL, Maria da Graça Costa. Livros de alfabetização e de português: os professores e suas escolhas. Belo Horizonte: Ceale, Autêntica, 2004. CEALE. LETRA A – O jornal do alfabetizador. Livros escolares: usos e políticas. Belo Horizonte, Ano 5 – N.9 – Agosto/ setembro de 2009. LEITE, Kátia Maria Barreto da Silva. O aprendizado da norma ortográfica. In: SILVA, Alexasandro; MORAIS, Artur Gomes de; MELO, Kátia Leal Reis de. Ortografia na sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. MELO, Kátia Leal Reis. Refletindo sobre a ortografia na sala de aula. In: SILVA, Alexasandro; MORAIS, Artur Gomes de; MELO, Kátia Leal Reis de. Ortografia na sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. Referências Bibliográficas 187 MORAIS, Artur Gomes de – Ortografia: ensinar e aprender. São Paulo: Ática, 2010. _________. O diagnóstico como instrumento para o planejamento do ensino de ortografia. In: SILVA, Alexasandro; MORAIS, Artur Gomes de; MELO, Kátia Leal Reis de. Ortografia na sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. VAL, Maria da Graça Costa; MARTINS, Raquel Márcia Fontes; SILVA, Giane Maria da. Ensino de ortografia a contribuição dos livros didáticos. In: VAL, Maria da Graça Costa. Alfabetização e língua portuguesa: livros didáticos e práticas pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica, Ceale/FaE/UFMG, 2009. SILVA, Alexsandro; MORAIS, Artur Gomes de. O livro didático de português e a reflexão sobre a norma ortográfica. In: SILVA, Alexasandro; MORAIS, Artur Gomes de; MELO, Kátia Leal Reis de. Ortografia na sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. Fontes consultadas CAVÉQUIA, Marcia Paganini. Letramento e Alfabetização – A escola é nossa – 3º Ano. São Paulo: Scipione, 2012. ___________. Letramento e Alfabetização – A escola é nossa – 4º Ano. São Paulo: Scipione, 2012. ___________. Letramento e Alfabetização – A escola é nossa – 5º Ano. São Paulo: Scipione, 2012. VASCONCELOS, Adson. Aprender juntos português. 4º ano: ensino fundamental. – 2. ed. – São Paulo: Edições SM, 2008. 188 Referências Bibliográficas Apêncice A Conteúdos programáticos referentes à ortografia propostos em diferentes anos da coleção 3º ANO 4º ANO 5º ANO Reflexões sobre as letras e seus sons; • Palavras com til; • Palavras com M e N antes de consoantes; • Palavras com QU e GU; • Palavras com G e J; • Grafia de palavras no grau diminutivo; • Palavras com S e Z (no final e no meio das palavras); • Palavras com S e SS; • Palavras com C, Ç, S e SS; • Palavras com R e RR; • Palavras com H, NH, LH e CH; • Os sons do X; • Palavras com L depois de consoante; • Palavras com R depois de consoante. • Palavras com NS (construir, demonstrar, batons); • Palavras com SS e Ç; • Palavras com S e Z (no meio das palavras e no diminutivo observando qual letra é empregada no grau normal); • Palavras com DES e DEZ (desocupado e dezena); • Palavras com G e J; • Palavras com R após N e L; • Palavras com S após N, L e R; • Palavras com X e CH; • Reflexão sobre os sons nasais das palavras; • Palavras terminadas em AM e ÃO; • Palavras com LH e LI. • Reflexões sobre as letras e seus sons; • Palavras com S e Z depois de ditongo; • Sons de S; • Confrontando as letras L e U em final da sílaba; • Reflexões sobre o uso de S ou Z e SS e C na formação de palavras; • Reflexões sobre o emprego do X e CH; • Palavras com O, U e OU (moleque, jabuticaba e tesoura, valorização da reflexão da omissão da semivogal U dos ditongos); • Palavras com E, I e EI (impulso, empada e poeira, valorização da reflexão da omissão da semivogal I dos ditongos); • Palavras com LH e LI; • Reflexão de plural de palavras com til (ÃO podem ser pães, limões e cidadãos, já com à é invariável); • Os sons do X. Quadro 1: Conteúdo Programático de Ortografia da coleção A ESCOLA É NOSSA