1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC CENTRO DE ARTES – CEART PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO – PPGT LAÉDIO JOSÉ MARTINS ANÁLISE ATIVA: UMA ABORDAGEM DO MÉTODO DAS AÇÕES FÍSICAS NA PERSPECTIVA DO CURSO DE DIREÇÃO TEATRAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA/RS FLORIANÓPOLIS,SC 2011 2 LAÉDIO JOSÉ MARTINS ANÁLISE ATIVA: UMA ABORDAGEM DO MÉTODO DAS AÇÕES FÍSICAS NA PERSPECTIVA DO CURSO DE DIREÇÃO TEATRAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA/RS Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Teatro como requisito para a obtenção do título de Mestre em Teatro. Orientador: Professor Dr. José Ronaldo Faleiro FLORIANÓPOLIS,SC 2011 3 Ficha elaborada pela Biblioteca Central da UDESC M379a Martins, Laédio José Análise ativa: uma abordagem do método das ações físicas na perspectiva do curso de direção teatral da Universidade Federal de Santa Maria/RS / Laédio José Martins, 2011. 159 p. : il. ; 30 cm Bibliografia: p. 135-142 Orientador: Dr. José Ronaldo Faleiro Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Mestrado em Teatro, Florianópolis, 2011. 1. Teatro – produção e direção. I. Faleiro, José Ronaldo. II. Universidade do Estado de Santa Catarina. Mestrado em Teatro. – III Título. CDD: 792.0233 4 LAÉDIO JOSÉ MARTINS ANÁLISE ATIVA: UMA ABORDAGEM DO MÉTODO DAS AÇÕES FÍSICAS NA PERSPECTIVA DO CURSO DE DIREÇÃO TEATRAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA/RS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Teatro. Banca Examinadora: Orientador: _______________________________________________ Professor Dr. José Ronaldo Faleiro Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC Membro: _______________________________________________ Profª. Drª. Maria Brígida de Miranda Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC Membro: _______________________________________________ Prof. Dr.Robson Corrêa de Camargo Universidade Federal de Goiás – UFG Florianópolis, 24 de Março de 2011 5 Aos que virão e àqueles que não são mais. Evoé! 6 AGRADECIMENTOS Agradeço a todas as pessoas que de forma ou outra estiveram envolvidas com meu processo artístico ao longo desta jornada: professores, técnicos, colegas de classes, alunos, atores, diretores, amigos, às bolsas de fomento científico, FATEC, CAPES, enfim... À Nair Dagostini, por ser um exemplo de humildade e generosidade e por compartilhar o trabalho de sua vida. Ao Prof. Dr. José Ronaldo Faleiro, pela paciência e também pelo silêncio, sobretudo pelo respeito aos meus limites. Aos demais Professores do PPGT e também Mila e Sandra. Obrigado!!! À família Guerra, pela acolhida em seu seio nesta última década e por toda a ajuda recebida. Serei eternamente grato. À Pedro e Marília Zanotto, pelos anos mais difíceis. Obrigado por não abandonarem o navio, que tinha muitos ratos... Ao meu irmão, Cezar Alex, por me mostrar a força do conflito e o caminho da UFSM. E viva o drama!!! Minha Mãe, Carmem, pra quem não tenho palavras, só coração... Te Amo!!! Por fim, minhas meninas, Raquel, companheira de aplausos e de vaias e Clarisse, pra quem Stanislávski é um sequestrador sem coração... Sou por vocês!!! 7 RESUMO MARTINS, Laédio José. Análise Ativa: Uma Abordagem do Método das Ações Físicas na Perspectiva do Curso de Direção Teatral da Universidade Federal de Santa Maria/RS. 2011. 253 f. Dissertação (Mestrado em Teatro) Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Teatro, Florianópolis, 2011. Este trabalho trata do processo de formação artística em Direção Teatral descrito da perspectiva do Método da Análise Ativa. O Método foi desenvolvido na Rússia por Konstantin Stanislávski (1863-1938) e transmitido por um de seus alunos, Gueorgui Tovstonógov (1915-1989) à Nair Dagostini (19_ _ ), primeira brasileira a estudar no Instituto Estatal de Teatro, Cinema e Música de Leningrado (1978-1981). Seu aprendizado reverbera no Curso de Direção e Interpretação Teatral da Universidade Federal de Santa Maria/RS no período de 1994-2004, tempo durante o qual pode aplicar algumas das metodologias do paradigma que encontrou na URSS. O Plano Político Pedagógico que Dagostini ajudou a formular foi construído sobre uma base comum para atores e diretores e o Método da Análise Ativa ocupou o lugar de centro unificador do processo de educação e formação do artista. A aproximação ao Método se dava gradualmente ao longo dos três primeiros semestres e continuava sendo aplicado como metodologia para a concretização do processo de transposição do texto para a cena durante a graduação. A Análise Ativa, por intermédio do Método das Ações Físicas – que possibilita a aquisição e domínio dos elementos do Sistema Stanislávski – faculta o diretor conduzir o ator no percurso de concretização da ideia central da obra que se monta, inserindo o ator no universo da peça e desvendando através da ação proposta pelas circunstâncias dadas a intimidade das relações estabelecidas pelo autor, o que está por detrás das palavras. Palavras-chave: Sistema Stanislávski. Método da Análise Ativa. Ações Físicas. Direção Teatral. Processo criativo. 8 ABSTRACT MARTINS, Laédio José. Active Analisys Method: An approach to the Physical Actions Method from the Perspective of the Directing Theater in the Federal University of Santa Maria / RS. 2011. 253 f. Dissertação (Mestrado em Teatro) Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Teatro, Florianópolis, 2011. This paper discusses the process of the artistic training described in Theater Directing from the perspective of the Active Analysis Method. The method was developed in Russia by Konstantin Stanislavsky (1863-1938) and transmitted by one of his students, Gueorgui Tovstonógov (1915-1989) to Nair Dagostini (19_ _), the first Brazilian to study at the State Institute of Theater, Film and Music Leningrad (1978-1981). The learning reverberates in the Course of Direction and Theatre Interpretation of the Federal University of Santa Maria / RS in the period of 1994-2004, during this time it was possible for her to apply some of the methods of the paradigm found in the USSR. The Educational Policy Plan which Dagostini helped to formulate was built on a common ground for actors and directors and the Active Method of Analysis held the post of unifying center of the process of education and training of the artist. The approximation of the method was given gradually over the first three semesters and was still being applied as a methodology for implementation of the transposition of the text to the scene during graduation. Active Analysis via the Method of Physical Action - that enables the acquisition and mastery of the elements of the Stanislavski System - provides the lead actor in the director route to achieving the central idea of the work that is assembled by inserting the actor on the world of the play and unfolding through the action proposed by the circumstances given the intimacy of the relationships established by the author, what's behind the words. Key-words: Stanislavsky System. Active Analisys Method. Physical Actions. Theater Directing. Creative Process. 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................................11 1 PRELIMINARES..........................................................................................................18 1.1 PUBLICAÇÃO AMERICANA X PUBLICAÇÃO RUSSA...........................................22 1.1.1 O TEMPO ENTRE UM LIVRO E OUTRO E AS DIFERENÇAS DE APRESENTAÇÃO............................................................................................................................27 1.1.2 A TERMINOLOGIA EMPREGADA E A TRANSMISSÃO ORAL............................31 1. 2 A PEDAGOGIA DE STANISLÁVSKI.......................................................................35 1.3. A CONTINUIDADE DO PENSAMENTO DE STANISLÁVSKI..................................40 1. 3. 1 Evgueni Bogratiónovich Vartángov (1833-1922)..................................................41 1. 3. 2 Vassili Osipovitch Toporkov (1889-1970)............................................................43 1. 3. 3 Nikolai Mikhailovich Gorchakov (1898-1958).......................................................43 1. 3. 4 Maria Osípovna Knébel (1898-1985)...................................................................44 1. 3. 5 Gueorgui Aleksandrovich Tosvtonógov (1915-1989).............................................45 2. STANISLÁVSKI DA RÚSSIA PARA SANTA MARIA/RS..........................................47 2. 1 RELAXAMENTO DOS MÚSCULOS........................................................................52 2. 2 A IMAGINAÇÃO.......................................................................................................55 2. 3 ATENÇÃO CÊNICA OU ATENÇÃO CRIADORA.....................................................66 2. 4 A ORGANICIDADE NA CENA OU A AÇÃO VERDADEIRA E O “MÁGICO SE”.....76 2. 5 UNIDADES (ACONTECIMENTOS) E OBJETIVOS (CONFLITOS).........................83 3. GENEALOGIA DO MÉTODO DA ANÁLISE ATIVA EM SANTA MARIA/RS............89 3.1. PRIMEIROS PROCEDIMENTOS: A DIVISÃO DA PEÇA E A REVELAÇÃO DO SUPEROBJETIVO DO AUTOR......................................................................................90 3. 2. O UNIVERSO E A IDÉIA CENTRAL DA OBRA: AÇÕES, SITUAÇÕES E CIRCUNSTÂNCIAS.........................................................................................................93 3. 3 TOMANDO CONHECIMENTO DO MÉTODO NA ÍNTEGRA..................................98 10 3. 3. 1 A Análise Ativa e Seus Procedimentos..............................................................101 3. 3. 2 O Texto e os Principais Acontecimentos: Um Exemplo...............................109 3. 3. 3 Esquema da „Análise Ativa‟ do Texto.................................................................112 3.4 PRINCÍPIOS DO PROCESSO DE CRIAÇÃO CÊNICA EM DIREÇÃO..................116 3. 5 O ANO DA OPÇÃO................................................................................................119 3. 6 O ÚLTIMO ANO: A BUSCA DE UMA LINGUAGEM..............................................124 3. 6. 1 UMA DRAMATURGIA CONSTRUÍDA...............................................................125 3. 6. 2 UMA ILHA..........................................................................................................129 CONCLUSÃO...............................................................................................................132 BIBLIOGRAFIA.............................................................................................................139 ANEXO 1.......................................................................................................................148 ANEXO 2.......................................................................................................................151 ANEXO 3.......................................................................................................................161 11 INTRODUÇÃO Meu primeiro contato com o teatro se deu na infância, quando raramente tinha a oportunidade de ir ao circo ou assistir a uma apresentação teatral e fazia minhas próprias adaptações de Monteiro Lobato e as apresentava na Escola 1 com e para colegas e professores. Na adolescência, fui convidado por uma colega de Colégio a assistir o ensaio de uma montagem de O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, pois precisavam de ator para Emanuel, o Jesus afrodescendente2. A partir disso, decidi que o teatro seria minha opção profissional. Até o meu ingresso na Universidade no ano de 1999, sempre estive envolvido com teatro de alguma maneira3, mas com o passar do tempo a necessidade do aprimoramento se mostrava latente e para poder seguir trabalhando „legalmente‟ na área, por força da contingência4, prestei vestibular em Santa Maria – RS. Ao ingressar no Curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Maria5, logo fui convidado a participar em uma montagem de graduação. Era uma adaptação de O Auto da Compadecida. O personagem: Emanuel. Essa coincidência me fez encarar o ingresso no ensino superior como um recomeço. Era como um sinal de que estava no caminho certo... Desde os primeiros contatos com o Teatro, seja na escola, seja na participação efetiva em grupos de Teatro, passando pela graduação e depois pela docência, o que sempre despertou meu interesse foram as questões referentes à direção de ator na 1 Escola Básica Manuel de Freitas Trancoso, Iraceminha – SC. Hoje Colégio Estadual. A montagem era resultante de uma Oficina de Teatro ministrada por Neri de Paula, contratado pela Secretaria Municipal de Cultura de Maravilha – SC, no ano de 1987, com o objetivo de formar um Grupo de Teatro no município, que recebeu o nome de Grupo Ki-Maravilha de Teatro. O espetáculo ficou em cartaz por um ano, no município e na região, com apresentações eventuais. O Grupo existiu oficialmente até o ano de 1993. Foi retomado em 1997/1998 e deixou de existir definitivamente. 3 Em Águas de Lindóia – SP, com Viviane Vaccari através de um projeto desenvolvido pela Secretaria de Cultura e Turismo daquele município, participei da criação da Companhia Teatral Teens (1994-1996), atuando como ator e diretor. 4 O fato de não ter cursado magistério e não possuir formação superior começou a dificultar a possibilidade de trabalhar na área do ensino e prática do Teatro e, portanto, a saída foi o vestibular. 5 O Curso foi criado em 1971, como parte da Licenciatura Curta em Educação Artística. Posteriormente foi criada também a Licenciatura Plena em Artes Cênicas que se estendeu até 1995, ano que foi instaurado o Bacharelado, com as opções de Interpretação Teatral e Direção Teatral. A opção se dava a partir do quarto semestre, até quando a grade curricular era comum tanto para atores como para diretores. Atualmente o curso voltou a oferecer a Licenciatura. 2 12 transposição do texto para o espetáculo, sobretudo a conexão do imaginário do ator com a realidade ficcional e com os demais elementos em cena, no estabelecimento da dramaturgia do espetáculo (“texto” da cena). Durante a graduação, tive acesso à Análise Ativa, desenvolvida na Rússia por Konstantin Serguiêievitch StanislávskiAlexéiev (1863-1938) e transmitida pela Profª. Drª. Nair D‟Agostini (19_ _), que realizou seus estudos no Instituto Estatal de Teatro, Cinema e Música de Leningrado, entre os anos de 1978-1981, com os professores Gueorgui Tovstonógov (1915-1989), Arkadii Kastman (1921-1989) e Lev Dodin (1944-), seguidores das pesquisas do mestre russo que apontavam aspectos não abordados nas traduções americanas da obra de Stanislávski difundidas no Brasil. A Análise Ativa foi utilizada como condutora do processo criativo nas pesquisas de Graduação em Direção Teatral, bem como em Interpretação Teatral, na Universidade Federal de Santa Maria/RS, ocasião em que pude experimentar na prática sua aplicação e seus desdobramentos. Posteriormente, tive a oportunidade, como docente, de desenvolver com maior propriedade investigações acerca do referido procedimento, o que me motivou a intentar uma dissertação acerca de suas possibilidades de criação, já que não se trata de uma teoria finalizada e – mais importante – nos permite uma abordagem pessoal. Nesse contexto, parto de dois pressupostos: 1) a Análise Ativa, desenvolvida por Stanislávski, é um recurso nas mãos do diretor para a condução do ator no universo ficcional, posto que esclarece as sutilezas dos personagens através das situações do texto, bem como possibilita a concatenação coerente dos demais elementos na contracenação e 2) ela pode ser aplicada a qualquer tipo de literatura, e até mesmo a situações improvisadas, com maior ou menor grau de dificuldade, favorecendo a leitura dramatúrgica da ação. A partir desses pressupostos, destaco a hipótese central da pesquisa: correlacionando conteúdos provenientes de diferentes campos – o prático (ator; diretor) e o teórico (dramaturgo; diretor) –, a Análise Ativa se revela um método de tessitura da dramaturgia do ator, um conector entre o imaginário do ator e a realidade ficcional proveniente dos mais diversos gêneros literários, matéria textual ou mesmo conteúdo improvisacional. 13 O objetivo da pesquisa foi investigar os pontos de ligação entre as abordagens da Análise Ativa considerada como método de condução/direção do processo criativo do ator no encaminhamento da encenação, sintetizando sua teoria a partir de pesquisa bibliográfica e de sua utilização no meu processo artístico como graduando na Universidade Federal de Santa Maria. Essa iniciativa parte do pressuposto apontado por Stanislávski (1980) de que seu método não é um receituário, mas um modo de se alcançar o “estado criador correto” e consequentemente, apresentar a “essência do espírito humano”. Tal método está calcado na prática e na aplicação de disciplina e trabalho árduo sobre si mesmo. Utilizei como fontes de pesquisa além das obras de Konstantin Stanislávski publicadas em língua espanhola pela editora portenha Quetzal, os trabalhos de Eugueni Bogratiónovitch Vakhtângov (1883-1922), Vassili Osipovitch Toporkóv (1889-1970), Nikolai Mikhailovich Gorchakov (1898-1958), Maria Osípovna Knébel (1898–1985) e principalmente os recentes estudos da Profª. Drª. Nair D‟Agostini em sua tese de doutoramento. Contextualizando a pesquisa, no primeiro capítulo forneço um panorama geral do contexto em que se encontrava o teatro quando Stanislávski realizava suas observações e pesquisas que resultaram em seu conhecido “sistema”, apresentando uma revisão bibliográfica com apontamentos acerca do cerne da pesquisa, ou seja, a pedagogia do processo criativo pelo diretor e o trabalho do ator no processo de criação a partir das postulações de Konstantin Stanislávski (1863-1938). Destaco o trabalho de Stanislávski como ator e diretor de teatro dedicado a transformar a arte do ator num ofício digno e reconhecido pela sua própria especificidade e de seu esforço em sistematizar uma técnica comum e acessível a todos. Falo também de forma sucinta sobre os alunos de Stanislávski que deixaram depoimentos sobre seus últimos anos de trabalho e que me têm servido de fontes teóricas de pesquisa em minha prática de Direção. Ainda no primeiro capítulo, dedico algumas páginas à discussão sobre os equívocos relacionados às publicações de Stanislávski em diferentes versões. No embasamento das discussões – que não se cogitavam em Santa Maria/RS, porque as edições vertidas do Inglês não eram reconhecidas e nem consideradas, portanto não 14 discutidas – estão as pesquisas do italiano Franco Ruffini (1939-)6, e da norteamericana Sharon-Marie Carnicke (1949-)7, bem como os estudos realizados pelo argentino Raúl Serrano (1934)8. Comento o contexto que originou a publicação dos livros de Stanislávski, primeiro nos Estados Unidos e posteriormente na Rússia, bem como as controvérsias e hipóteses que esse fato gerou. Descrevo a trajetória temporal entre uma edição e outra das obras de Stanislávski, com o argumento de que os intervalos de tempo entre as publicações contribuíram para a difusão parcial do pensamento artístico do mestre russo. Também discorro sobre a diferença que existe no formato de apresentação das publicações, a norteamericana (com tradução de Elizabeth Reynolds Hapgood) e a russa, de O Trabalho do Ator Sobre si Mesmo dividido em dois tomos: No Processo das Vivências (A Preparação do Ator) e No Processo da Encarnação (A Construção da Personagem). Também discorro sobre o fato de que a teoria de Stanislávski é repleta de termos ambíguos oriundos de outras áreas do conhecimento e aplicadas ao contexto da rotina teatral; palavras como inconsciente, subconsciente, vivência, espírito, orgânico, natural, imagem etc., são alguns exemplos; todos esses vocábulos são passíveis de interpretações diversas – divergências que se ampliam com os problemas relativos à tradução para outros idiomas. As questões referentes a essas confusões que não eram ignoradas por 6 Franco Ruffini é professor de Artes Cênicas na Universidade de Roma III. É um dos fundadores da ISTA, Escola Internacional de Antropologia Teatral e membro de seu quadro de pesquisadores. Depois de estudar o século XVII e a Renascença, especializou-se em teatro do século XX. Informações extraídas de <http://www.icaruspublishing.com/monobookf.html>, em 13/01/2011. 7 Sharon Marie Carnicke (1949-) é professora no departamento de Teatro, Língua e Literatura Eslava na USC (University of Southern California), internacionalmente conhecida como especialista sobre o Sistema Stanislávski para a formação do ator e para atuação em cinema. Também dirige um laboratório privado em Los Angeles para atores profissionais na última técnica de Stanislávski – a Análise Ativa. Tem ministrado aulas de mestrado em instituições como a Moscow Art Theatre School, a Academia Russa de Teatro de Arte (antiga GITIS), Sorbonne, na França, e no Instituto Nacional de Arte Dramática da Austrália. Informações extraídas de <http://www.adsa.edu.au/conferences/pastconferences/2010/keynotes>, em 30/09/2010. Tomei conhecimento das pesquisas de Carnicke no Programa de PósGraduação em Teatro da UDESC, cursando a Disciplina Investigações Cênicas: Discursos e técnicas de treinamento de ator no século XX, munistrada pela Prof. Drª Maria Brígida de Miranda, no Segundo semestre do ano de 2008. 8 Licenciado em Artes, especialidade Teatro no Instituto Ion Luca Caragiale, de Bucareste, Romênia (1957-1961). Foi diretor da seção de Pedagogia Teatral da Escola Nacional Argentina de Teatro, Diretor da Escola de Teatros Independentes de Tucumán/AR e atualmente é Diretor da ETBA/AR – Escola de Teatro de Buenos Aires/AR. Publicou dentre outros, Dialectica del Trabajo del Actor, Tesis sobre Stanislavski, e Nuevas Tesis Sobre Stanislavski. 15 Stanislávski são comentadas em um subcapítulo, bem como o fato de sua teoria ter sido divulgada boca a boca antes mesmo das publicações de suas obras. Diversos alunos de Stanislávski difundiram as teorias do mestre russo mesmo antes dele. Este fato pode também ter contribuído para as divergentes leituras das teorias de Stanislávski. De qualquer forma, isto só foi possível porque o próprio Stanislávski afirmava que não havia nada que ele houvesse inventado, mas sim, colhido da natureza circundante. E em geral, é disso que trata esta dissertação, das características e direcionamentos da sistematização dos processos psicofisiológicos naturais pela ótica do mestre diretor-pedagogo russo. No segundo capítulo, trago descrita minha trajetória acadêmica no Curso de Graduação em Artes Cênicas – opção Direção Teatral, na Universidade Federal de Santa Maria/RS, que apresenta uma particularidade na forma de aproximação à teoria de Stanislávski: ali se trabalhava com versões traduzidas diretamente do russo e não com as traduzidas a partir das publicações americanas. Enfatizo aqueles elementos que dizem respeito ao trabalho do diretor no encaminhar o processo criativo do ator, seguindo sempre o postulado por Stanislávski na sua busca pelos elementos comuns aos grandes artistas para se estabelecer o que ele chamou de “segunda natureza”. Neste caminho, o relaxamento dos músculos foi o primeiro elemento considerado na observação de Stanislávski do comportamento cênico dos grandes atores de seu tempo para a elaboração de seu “sistema”. Mais tarde, pela prática constante ele percebe que a ação física correta conduz ao estado de tensão necessária para a execução da própria ação requerida. Além de uma condição física específica, Stanislávski aponta a imaginação como um dos mais importantes fatores para o sucesso do ator em revelar a “essência do espìrito humano”. Como na cena não há acontecimentos reais e sim circunstâncias ficcionais, dadas previamente pelo autor e seus colaboradores na realização do espetáculo, é o modo como o ator vai ligar todas essas informações via processo imaginário que irá garantir a correta percepção do público daquilo que se quer expressar na cena. Acreditar no universo ficcional sugerido pelo imaginário e assumi-lo com verdade perante o público é a essência da prática do “sistema”. Tomo do próprio Stanislávski o que para ele significava representar com verdade 16 e também discorro sobre o que para ele era de fundamental importância na aplicação de seu “sistema”, a criação, via processo imaginário, de uma série ininterrupta de proposições hipotéticas, que tem o poder de provocar no ator uma resposta ativa, “como se” fossem reais. Para conduzir o processo de direcionamento da atenção do público pelo universo imaginado pelo ator, Stanislávski sugere como estratégia a utilização dos “objetos de atenção” dentro dos “cìrculos de atenção”, já que o modo como o ator dirige sua atenção garante a adesão do público ao que acontece em cena. A divisão do todo em porções menores, ou seja, a divisão da obra dramatúrgica em acontecimentos possibilita a identificação dos conflitos motivadores da ação contida na obra dramatúrgica. Além disso, facilita o direcionamento da atenção do ator na luta contra as circunstâncias dadas para alcançar o objetivo de seu personagem. A capacidade de relacionar-se com seus companheiros de ficção e com o mundo circundante, o poder de comunicar ao público, bem como a generosidade de com eles compartilhar o íntimo do ser criado pelo processo criativo, o personagem, é o cume do trabalho do ator sobre si mesmo em seu duplo aspecto: vivência e encarnação. Stanislávski enfatiza a importância da ação física na prática teatral, seu caráter interior e exterior, sua coerência e consequência lógicas e umas das mais importantes características por ele atribuídas à ação, o fato de precisar ser contínua e ininterrupta para que desperte no espectador a sensação de verossimilhança. Para o ator, são essas características da ação que lhe permitem mergulhar no universo ficcional, proposto pelas “circunstâncias dadas” pelo autor, fazendo emergir de sua imaginação o mundo de possibilidades que ele oferece a seu público. Falo acerca da ação e suas características, abordando as condições necessárias ao ator para trabalhar sobre si mesmo e sobre o papel a partir da teoria de Stanislávski: a organicidade ou verdade na cena e sua capacidade imaginativa de colocar-se frente às circunstâncias dadas. A descrição do Método da Análise Ativa e de minha aproximação gradual ao mesmo está localizada no terceiro capítulo, onde descrevo a dinâmica do Curso de Direção Teatral da Universidade Federal de Santa Maria/RS, sobretudo da Disciplina Encenação e de como se transmitia o conhecimento prático e teórico do “sistema Stanislávski” vinculado ao aprendizado nos 8 (oito) semestres da Disciplina. Demonstro os procedimentos da Análise Ativa do texto – trabalho que deve ser realizado 17 previamente pelo diretor – com sua divisão em acontecimentos e o processo de eleição de seus acontecimentos principais. Exemplifico numerando e nomeando cada acontecimento, reproduzindo um trecho do texto que contêm palavras-chave que ajudam a caracterizar esses acontecimentos, a circunstância dada que os gerou, o objetivo do acontecimento e também os objetivos, obstáculos e ações de cada personagem envolvido nesses acontecimentos; também apresento um esquema gráfico da Análise Ativa. Descrevo a utilização da Análise Ativa durante minha trajetória acadêmica, desde sua assimilação gradual nos primeiros semestres, passando pelas experiências de montagem dos dois últimos anos de Curso. Nos Anexos se encontram os originais e a tradução da demonstração de um estudo de Ruffini (2003), entrecruzando o conteúdo dos livros de Stanislávski Minha Vida na Arte e O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo em seus dois volumes – O Trabalho Sobre Si Mesmo no Processo das Vivências e O Trabalho Sobre Si Mesmo no Processo da Encarnação. Reproduzo a tabela comparativa e uma nota explicativa contígua por entender que sua leitura é esclarecedora do ponto de vista do processo constante e contínuo que foi o desenvolvimento do Sistema Stanislávski, e porque seu conteúdo auxilia na comprovação da tese do autor sobre a unidade do pensamento artístico do mestre russo. Também é possível ler-se o conto de Marina Colasanti que inspirou o espetáculo de Graduação em Direção Teatral. 18 1 PRELIMINARES Tudo o que foi escrito sobre o teatro é mera filosofia, às vezes muito interessante, maravilhosa ao falar dos resultados a serem obtidos na arte, ou é crítica que pensa na utilidade ou inutilidade dos resultados já obtidos. (STANISLAVSKI, 1989, p. 534.) No início do século passado, a cena teatral passou por grandes mudanças e alguns conceitos referentes à encenação e à interpretação foram deixados de lado ou transformados numa nova realidade que se configurava. Na encenação, deixou-se de usar, por exemplo, os telões de fundo e se começou a primar pela tridimensionalidade do espaço e dos objetos. Também cresceu a preocupação com a unidade dos elementos do espetáculo – iluminação, cenografia, figurinos, atuação e com isso houve uma valorização da figura do diretor. A interpretação abandonou aos poucos a forma declamatória e carregada de artificialidade e passou a estabelecer um comportamento mais natural9 em cena; ao invés de enaltecer uma estrela, optou-se pela noção de conjunto. Artistas como André Antoine (1853-1943), Otto Brahms (1856-1912), Max Reinhardt (1873-1943), Jacques Copeau (1879-1949), se lançaram na busca de um novo sentido para a arte teatral, uma nova verdade, que se estabelece principalmente através do ator: Mas acima de tudo a verdade procurada é a realidade do ator. O ator é, na catedral de Appia ou nas radicalizações de Arvatov, na escola de criatividade de Stanislávski, ou nos grupos de teatro 'agitprop', uma possibilidade dos homens, uma função realizável de ser humano: aí nasce o sentido e o valor, 10 primário e definitivo do trabalho do ator. (CRUCIANI, 1995, p. 20) Tradução 11 nossa . Essa centralidade na figura do ator se verifica no trabalho de praticamente todos os grandes encenadores do início do século XX, dentre os quais destaco Konstantin Serguiêievitch Stanislávski-Alexéiev (1863-1938) e suas propostas pedagógicas, 9 Natural em contraposição ao artificial, e não necessariamente vinculado à estética naturalista. Ma soprattuto la verità cercata è la realtà dell'attore. L'attore è, nella cattedrale di Appia o nelle radicalizzazioni di Arvatov, nella scuola di creativitá di Stanislavskij, o nei gruppi di teatro 'agitprop', una possibilitá degli uomini, una funzione realizzabile dell'essere humano: ne nasce il senso e il alore, primario e definitivo, del lavoro dell'attore. (CRUCIANI, 1995, p. 20) 11 As traduções do italiano, inglês e espanhol são sempre minhas, salvo indicação em contrário. Para Minha Vida na Arte, utilizo em geral a tradução de Paulo Bezerra. (v. Bibliografia) 10 19 elaboradas ao longo de uma vida dedicada à arte teatral e ao seu desenvolvimento, sobretudo da condução do processo criativo do ator. Somente o esforço e a dedicação de longos anos poderiam resultar numa das mais prolíferas biografias artísticas do século XX12. Renomado ator e diretor, Konstantin Stanislávski tem o nome vinculado a dois fenômenos teatrais que ocorreram na transição do século XIX para o século XX: a defesa da especificidade do trabalho do ator e a consolidação da figura do diretor. Por experiência própria e pela observação do desempenho dos grandes atores da época, principalmente Tommaso Salvini (1829-1916)13, Glikeria Fedotova (18461925)14 e Eleonora Duse (1858-1924)15, Stanislávski estava convencido de que havia alguns elementos determinantes no estabelecimento do estado criativo que alcançava e que via nesses atores, e afirma em Minha Vida na Arte (1989, p. 57) que esses artistas, o ajudaram “com a sua vida de artista e pessoal a criar o ideal de ator que me propus em minha arte, exerceram importante influência sobre mim e contribuíram para a minha educação artística e ética.” Através de observação e prática acuradas, ele se lança na busca de uma resposta: quais seriam os elementos constituintes e a natureza do estado criador? Será que não existem recursos técnicos para se penetrar no paraíso artístico não por acaso mas por vontade própria? Só quando a técnica chegar a essa possibilidade nosso artesanato de ator se tornará arte autêntica. Mas onde e como procurar os meios e os fundamentos para criar semelhante técnica?! Eis uma questão que deve tornar-se mais importante para o verdadeiro artista. (STANISLAVSKI, 1989, p. 188) O trabalho de Stanislávski como ator se distinguiu pelo fato de haver 12 No Brasil, encontramos um bom panorama biográfico consultando, dentre outros, STANISLAVSKI, Konstantin S. Minha Vida na Arte. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S.A., 1989; GUINSBURG, J. Stanislásvski e o Teatro de Arte de Moscou – Do Realismo Externo ao Tchekhovismo. São Paulo: Perspectiva, 1985; TAKEDA, Cristiane Layher. O Cotidiano de uma Lenda – Cartas do Teatro de Arte de Moscou. São Paulo: Perspectiva, 2003. 13 Ator italiano, destacado intérprete das obras de Shakespeare. Apresentou-se diversas vezes na Rússia. Em seus enunciados teóricos sustentava os princìpios da “arte da vivência”, em contraponto ao também célebre ator francês Coquelin aîné (1841-1909), representante da “arte da representação”, cujo “método“ – segundo Stanislávski – “era alheio à natureza do ator russo e oposto às tradições do teatro realista.” (Salomón Merener, apud nota 11, STANISLAVSKI, 1980, p. 68) 14 Atriz russa, considerada a mãe artística de Stanislávski, estreou aos 16 anos no Teatro Mali, se tornando uma das mais respeitadas educadoras da Escola do Teatro Imperial. 15 Atriz italiana iniciou sua carreira ainda adolescente e se tornou uma das primeiras personalidades femininas de reputação mundial. Usava seu corpo, face e gestos, para expressar angústias, sofrimentos, compulsões e alegrias, num estilo de representação sem precedentes. 20 desenvolvido uma gramática própria, um trabalho sistemático e operativo que conduz do corpo à alma do artista; Ele preocupou-se em elucidar os problemas da interpretação do texto dramático pelo ator, “empenhado em chegar ao que dá origem à palavra, àquilo que vem antes dela, o transcorrer da própria vida, que é expressa pela ação, entendida esta como luta que manifesta o conflito”16. Como diretor, se distinguiu pelo modo de conduzir suas experiências de montagem e pela maneira que encontrou de transmitir sua experiência prática por meio da palavra escrita: O nome de Stanislávski se tornou onipresente no discurso do teatro ocidental por causa de sua vitalícia e obsessiva paixão por converter a prática da atuação num sistema. „Eu acredito que todos os mestres das artes necessitam escrever‟, ele disse, „para pôr à prova e sistematizar sua arte‟ (Filippov 1977: 58). Ele começou a fazê-lo aos quatorze anos de idade, mantendo cadernos detalhados de todas as apresentações que fez ou [as que] assistiu. Seu projeto resultou numa autobiografia, pilhas de rascunhos para três manuais de atuação, uma miríade de notas não publicadas, planos de aula e anotações. (CARNICKE, 17 2000, p. 16) A questão da transmissão da experiência é problema central na difusão de qualquer disciplina eminentemente prática, que opera um conhecimento ativo. Tal é o caso do teatro, que não é simplesmente discursivo, mas que se inerva no corpo. Essa não é uma questão que seja exclusiva do teatro, mas que lhe interessa sobremaneira, e Stanislávski foi um dos primeiros artistas de teatro que conseguiu acompanhar sua prática com reflexão rigorosa e falar com propriedade sobre um conteúdo efêmero, tanto do ponto de vista do ator, como do ponto de vista do diretor/pedagogo. Apesar de um histórico de vida dedicado ao desenvolvimento das artes cênicas, ao redor do mundo há uma série de controvérsias relacionadas às teorias e ao trabalho do mestre russo que impedem a percepção de seu sistema como um todo. Quando saí da graduação e entrei em contato com outras instituições de ensino superior, depareime com essa questão que em Santa Maria/RS se resolvia prontamente: „as versões em 16 DAGOSTINI, 2007, p. 40. Stanislavsky‟s name has become omnipresent in Western theatrical discourse because of his lifelong, obsessive passion to turn the practice of acting into a system. „I believe that all masters of the arts need to write‟, he said, „to try and systematize their art‟ (Filippov 1977: 58). He had begun to do so at the age of fourteen, keeping detailed notebooks on every performance he gave or saw. His project culminated in an autobiography, piles of drafts for three acting manuals, a myriad of unpublished notes, lesson plans and jottings. (CARNICKE, 2000, p. 16) 17 21 inglês dos livros de Stanislávski traduzidos e editorados por Elizabeth e Norman Hapgood e todas as traduções vertidas a partir delas não traduzem a completude do pensamento de Stanislávski e devem ser desconsideradas. Leia-se em seu lugar18 a versão em castellano da Editora Quetzal, que ao menos é fiel na forma de apresentação do conteúdo.‟ É claro que os livros traduzidos da Lìngua Inglesa também estão na Biblioteca Central caso alguém queira se dar ao trabalho de comparar; de qualquer forma, é uma questão que não se discute: Estão equivocados e pronto. „Não leia para não confundir‟... A discussão aprofundada deste tema por si só seria assunto para uma dissertação, mas como não é o foco deste estudo, limito-me a indicar outras pesquisas que já esclarecem em boa medida os equívocos relacionados ao trabalho de Stanislávski. A partir dos estudos do pesquisador italiano Franco Ruffini (1939-)19, e da pesquisadora norte-americana Sharon-Marie Carnicke (1949-)20, destaco pontos considerados preponderantes para a difusão desses equívocos: as diferenças entre as duas edições de Minha Vida na Arte, a americana (1924) e a russa (1926); os anos de intervalo até a publicação de A Preparação do Ator (1936) e entre esta e a publicação de A Construção da Personagem (1949), que gerou uma visão fragmentada sobre o 18 Hoje, ano de 2011, se pode solucionar este problema on-line se o interessado souber ler russo, pois há disponível a obra completa do mestre na world wide web: http://az.lib.ru/s/stanislawskij_k_s/ Também se pode conseguir novas publicações em Língua Inglesa (ainda sem tradução para a Língua Portuguesa) das obras de Stanislávski editadas recentemente pela Routledge : An Actor‟s Work: a Student‟s Diary. / Konstantin Stanislavsky. Traduzido e editado por Jean Benedetti. Routledge: New York, 2008. Tradução de Rabota Aktiora Nad Soboi. Rabota nad soboi v tvórtcheskom protsésse perjivânia e Rabota Aktiora Nad Soboi. Rabota nad soboi v tvórtcheskom protsésse voplochtchênia (O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo. O Trabalho Sobre Si Mesmo no Processo da Criação da Vivência e O trabalho do Ator Sobre Si Mesmo. O Trabalho Sobre Si Mesmo no Processo da Encarnação); e An Actor‟s Work on a Role. / Konstantin Stanislavsky. Traduzido e editado por Jean Benedetti. Routledge: New York, 2010. Tradução de Rabota Aktiora Nad Rol‟iu (O Trabalho do Ator Sobre o Papel). 19 Franco Ruffini é professor de Artes Cênicas na Universidade de Roma III. É um dos fundadores da ISTA, Escola Internacional de Antropologia Teatral e membro de seu quadro de pesquisadores. Depois de estudar o século XVII e a Renascença, especializou-se em teatro do século XX. Informações extraídas de http://www.icaruspublishing.com/monobookf.html, em 13/01/2011. 20 Sharon Marie Carnicke (1949-) é professora no departamento de Teatro, Língua e Literatura Eslava na USC (University of Southern California), internacionalmente conhecida como especialista sobre o Sistema Stanislávski para a formação do ator e para atuação em cinema. Também dirige um laboratório privado em Los Angeles para atores profissionais na última técnica de Stanislávski – a Análise Ativa. Tem ministrado aulas de mestrado em instituições como a Moscow Art Theatre School, a Academia Russa de Teatro de Arte (antiga GITIS), Sorbonne, na França, e no Instituto Nacional de Arte Dramática da Austrália. Informações extraídas de http://www.adsa.edu.au/conferences/past-conferences/2010/keynotes, em 30/09/2010. 22 sistema; a mudança na apresentação dos livros americanos que perderam o caráter de diário; a terminologia trazida de outras áreas e a utilização de termos subjetivos com margem para interpretações dúbias; os vários estudantes do mestre que divulgaram seus próprios pontos de vista acerca do sistema ou de partes de seu pensamento. 1. 1 PUBLICAÇÃO AMERICANA X PUBLICAÇÃO RUSSA O primeiro livro de Stanislávski, My Life in Art (Minha Vida na Arte), foi publicado nos Estados Unidos da América, em língua inglesa, em abril de 1924. Não se pode desconsiderar a contingência que o levou a publicar suas teorias parcialmente, num idioma que ele não dominava, contando com a “boa vontade” e os interesses de pessoas que ele mal conhecia, como foi o caso21, nem se podem desconsiderar também os equívocos e mal-entendidos decorrentes disso: Enquanto estava em turnê, Stanislávski dedicou-se a escrever para resolver questões pessoais de caráter financeiro. Publicou Minha Vida na Arte e A Preparação do Ator nos Estados Unidos, em Inglês, (uma língua que ele não podia falar nem ler) assim ele poderia obter controle sobre o acordo internacional de Direitos Autorais, já que uma publicação em russo não garantiria seus direitos (Carnicke 1998:71-7). Sua decisão de publicar no estrangeiro contribuiu inegavelmente para promover o Sistema pelo mundo 22 todo. (CARNICKE, 2000, p. 14) Franco Ruffini, (2003, 16-17), indica que publicar um livro nessas condições não era o desejo de Stanislávski e que o fez por dinheiro e para um público despreparado. Um livro que antes de tudo parece estranho ao seu projeto de escrita, mas que acabará sendo “o início para a solução do problema de como sistematizar o seu conhecimento sem elaborar um sistema”23. A equipe de trabalho é composta por Stanislávski, 21 Para um entendimento da contingência que levou Stanislásvski a publicar seus livros em língua estrangeira, pode-se ver CARNICKE, Sharon Marie. Stanislavsky in Focus, London: Harwood Academic Publishers, Gordon and Breach International,1998, Capítulo 4 e também RUFFINI, Franco. Stanislavskij: Dal Lavoro Dell‟Attore al Lavoro Su di Sé. Roma: Laterza, 2003, Capítulo 2 Trasmettere l‟esperienza. I libri di Stanislavkij. 22 Whilst on tour, Stanislavski turned to writing for personal income. He published My Life in Art and An Actors Prepares in the United States in English (a language which he could neither speak nor read) so that he could gain control over international Copyright Agreement, and therefore Russian publication would not protect his rights (Carnicke 1998: 71-7). His decision to publish abroad undeniably helped promote the System throughout the world. (CARNICKE, 2000, p. 14) 23 [...] l‟avvio alla soluzione del problema di come sistematizare la sua conoscenza senza farne un sistema. (RUFFINI, 2003, p. 16) 23 “desmotivado que dita ao secretário”24, um emigrado russo – Aleksander Koiranski – que ajuda o autor a selecionar e sistematizar o material; J. Robbins – “que se diz aluno do grande ator russo Aleksandr Lenski e do ex-aluno do Primeiro Studio, Richard Boleslavski”25 – que traduz os textos para o inglês conforme vão lhe chegando. “Dinheiro à parte, Stanislávski está insatisfeito. Até como seqüência dos fatos, [Minha Vida na Arte] é apressada, inexata, condicionada às exigências de um público que lhe é estranho, como estranha lhe é a língua inglesa”.26 Ruffini (1993, p. 6; 2003, p. 17) também destaca que Stanislávski começa já a reelaborar seu manuscrito na viagem de regresso à Rússia, em seu camarote a bordo do navio Majestic, pensando em uma publicação na língua materna. Dois anos depois surge a versão russa de Minha Vida na Arte, revista e ampliada, com a colaboração de Liubov Gurevich (1866-1940)27, com quem estabelecera laços de estreita amizade depois de anos de trabalho conjunto. “Corta, reescreve partes, outras, escreve novas, redefine a ordem dos capìtulos, elimina anedotas e agrega reflexões.” 28 (RUFFINI, 2003, p. 17). O trabalho dura até os primeiros meses de 1926; o livro é publicado em setembro do mesmo ano. A edição russa traz já em seu prefácio a indicação de que seu conteúdo foi modificado e que é mais extenso: Eu sonhava em escrever um livro sobre o trabalho criador do Teatro de Arte de Moscou e o trabalho que eu mesmo desenvolvi como um dos seus integrantes. Mas aconteceu que passei os últimos anos com a maioria da nossa companhia no exterior, na Europa e na América, onde acabei escrevendo este livro por sugestão dos americanos e editando-o em Boston, em Inglês, com o título My Life in Art. Isto modificou consideravelmente o meu plano inicial e me impediu de expor muito do que eu gostaria de dividir com o leitor. (STANISLAVSKI, 1989, p. 11) Ruffini (1993) em sua leitura sobreposta das obras de Stanislávski chama a 24 [...] demotivato que dètta all segretaria [...] (Idem). [...] un sedicente allievo delgrande attore Aleksandr Lenskij nonché dell‟ex allievo del Primo Studio Richard Boleslavskij. (RUFFINI, 2003, p. 17) 26 Danaro a parte, Stanislavskij ne è insoddisfatto. anche come sequenza di fatti, è affrettata, inesatta, condizionata dalle esigence di un pubblico che gli è estraneo, come estranea gli è la lingua inglese. (RUFFINI, 2003, p. 17) 27 Liubov Yakovlevna Gurevich (1866-1940) foi escritora, tradutora, editora e crítica literária. Ela foi descrita como "a jornalista mulher mais importante da Rússia." (CARNICKE,1998, p. 73). Juntou-se ao Teatro de Arte de Moscou em 1905, como assessora literária. Foi conselheira e editora de Konstantin Stanislávski por pelo menos 30 anos e “influenciou sua escrita mais do que ninguém.” (CARNICKE,1998, p. 74) Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Liubov_Gurevich. Acessado em 20/07/2010. 28 Taglia, riscrive parti, altre ne scrive ex novo, assesta l'ordine dei capitoli, elimina aneddoti e aggiunge riflessioni. (RUFFINI, 2003, P. 17) 25 24 atenção para as diferenças na estrutura e no conteúdo das duas edições do primeiro livro. Na americana vemos uma divisão em dois períodos: o primeiro até 1906 e o segundo, de 1906 em diante; na edição russa a divisão é em três períodos: até a revolução de 1905, de 1906 até a revolução de outubro de 1917, e de 1917 adiante. Na primeira parte, salvo o “colorido polìtico”29 incluído na edição russa, as diferenças não são significativas, contudo, adverte o autor: Em todo caso, devemos advertir que nos anos em torno da Revolução de outubro há diferenças entre as duas “vidas na arte”. Segue a listagem dos capítulos nas duas edições, a partir de 1914: O ator deve saber falar, Um espetáculo pushkiano, A revolução, A catástrofe, Caim, O estúdio de ópera do Teatro Bolshói, A partida e o regresso, Um resumo e o futuro, para a edição russa; A guerra, A segunda revolução, O estúdio da ópera, Minha vida na arte, 30 para a edição norte-americana. (RUFFINI, 1993, p. 6) Devido às diferenças entre uma publicação e outra, o próprio Stanislávski se recusou a conceder autorização de tradução a partir da edição americana, pelos pontos que esclarece Ruffini: Assim, em sua “aparência atual", Minha vida na arte não é uma história do Teatro de Arte de Moscou, e nem sequer é, evidentemente, o livro que "aconteceu" de ser escrito nos Estados Unidos. Uma introdução ao livro sobre o sistema; assim é como lhe parece em 1925 a autobiografia. A edição russa, não [é igual] à originária edição norte-americana, que Stanislávski se apressa assim quase em desmentir. Já em setembro de 1924, respondendo ao editor Karl Kersten, veta sua solicitação de permissão para uma edição em alemão, dizendo que a edição russa está quase pronta, "muito mais aprofundada nos problemas artísticos". Mesma resposta receberá Gaston Gallimard em 1928. A única que Stanislávski reconhece como sua “vida na arte” é a edição russa. De resto, ao defini-la [como] "uma introdução ao sistema", colocava também um lacre (selo) para proteger o seu pensamento. 31 (RUFFINI, 2003, p. 21) 29 RUFFINI, 1993, p. 6. En todo caso, debemos advertir que en los años alrededor de la Revolución de octubre hayan habido diferencias entre las dos “vidas en el arte”. He aquì la lista de los capìtulos en las dos ediciones, a partir de 1914: El actor debe saber hablar, Un espetáculo pushkiano, La revolución, La catástrofe,Caín, El estudio de ópera del Teatro Bolshoi, La partida y el regreso,Un resumen y el futuro, para la edición rusa; La guerra, La segunda revolución, El estudio de la ópera, Mi vida en el arte, para la edición norteamericana. (RUFFINI, 1993, p. 6) 31 Dunque, nel suo "attuale aspetto", La mia vita nell'arte no è una sttoria del Teatro d'Arte di Mosca, e no è neppure, evidentemente, il libro che gli "è capitato" di scrivere in America. Un'introduzione al libro sul sistema; ecco como gli appare, nel 1925, l'autobiografia. L'edizione russa, non l'originaria edizione americana, che anzi Stanislavskij si affretta quasi a sconfessare. Già nel settembre del 1924, rispondendo all'editore Karl Kersten che chiedeva l'autorizzazione per un'edizione in tedesco, pone il veto, dicendo che è quasi pronta l'edizione russa "molto più approfondita nei problemi artistici". Stessa risposta receverà Gaston Gallimard nel 1928. La sola che Stanislavskij riconosce come la sua "vita nell'arte" è l'edizione 30 25 A partir da leitura dos estudos da pesquisadora Sharon-Marie Carnicke (1998; 2000) e de Franco Ruffini (1993; 2003), infere-se que a propagação das obras traduzidas do inglês foi bem maior do que a difusão das traduzidas dos originais em língua russa e isso reforça a dificuldade em elucidar as discrepâncias entre a leitura das duas publicações; os anos de intervalo entre a publicação de um volume e outro, também colaboram para que a teoria que aparece às pinceladas no primeiro dito manual seja tomada como a totalidade do pensamento artístico de Stanislávski. Dos desentendidos relacionados às diferentes e divergentes publicações das obras do mestre russo, se desprendem duas abordagens: método e sistema. Método é como passaram a referir-se à teoria de Stanislávski nos Estados Unidos a partir da edição americana (parcial) de suas obras. Sistema é como Stanislávski passou a se referir a seu trabalho na abordagem das edições em russo de sua obra. O “método” foi amplamente divulgado como proveniente ou associado às teorias de Stanislávski, especialmente depois das experiências realizadas no Group Theater (1931-1941) de Nova Iorque e posteriormente no Actor‟s Studio (1947-). Raul Serrano (1982, p. 16), encenador e pesquisador argentino critica a interpretação dada por Strasberg às teorias do mestre russo e aponta contradições no que ele se refere como sendo “o primeiro método stanislavskiano (com sua exasperada variante criada por Lee Strasberg) e o procedimento que parece se desprender do Stanislávski posterior”32 e que ele (Serrano) chama de método das ações físicas elementares. Conforme o autor, em seu país, como na maior parte do mundo ocidental, havia a difusão das traduções americanas de Stanislávski: Na Argentina o método stanislavskiano foi difundido fundamentalmente em sua primeira acepção, a que parte da análise de mesa [...] e rapidamente na década de [19]60 recebeu o reforço do método de Lee Strasberg, que é justamente uma visão exacerbada do mesmo, já que o professor norte-americano absolutiza e generaliza a introspecção sensorial, aceitando-a como o único motor, e desconsiderando todos os processos que partem da real interação [dos partners] em cena. A conduta do ator é assim introjetada, adquirindo um tom marcadamente psicologizante e deixando ao menos na sombra tudo o que se refere à ação física e concreta que, na maioria dos casos, é aceita como russa. Del resto, nel definirla "un'introduzione al sistema", poneva anche un sigillo a tutela del suo pensiero. (RUFFINI, 2003, p. 21) 32 [...] el primer método stanislavskiano (con su variante exasperada creada por Lee Strasberg) y el procedimiento que parece desprenderse del Stanislavski posterior [...]. (SERRANO,1982, p. 16) 26 uma conseqüência mais ou menos inevitável da vivência obtida por 33 introspecção. (SERRANO, 1982, p. 54) O chamado sistema engloba os últimos experimentos de Stanislávski e traz a completude de seu pensamento artístico, expresso especialmente em Minha Vida na Arte e em O Trabalho do Ator sobre Si Mesmo no Processo Criador das Vivências e O Trabalho do Ator sobre Si Mesmo no Processo Criador da Encarnação. Segundo Carnicke (1998, p. 149-51), a dualidade na interpretação dos escritos de Konstantin Serguiêievitch é um equìvoco com relação à obra do mestre russo. “Ele rejeita a concepção ocidental que divide a mente do corpo, pegando a deixa do psicólogo francês Théodule Ribot [(1839-1916)], que acreditava que a emoção nunca existe sem uma conseqüência fìsica”34 (CARNICKE, 2000, p. 16). Stanislávski considerava o aparato corporal como uma unidade psicofísica, na qual o mental está sempre imbuído do físico e vice-versa: “Em cada ação fìsica há algo de psicológico e no psicológico, algo fìsico” 35 (STANISLAVSKI, 1980, p. 206). Logo depois de finalizar os rascunhos para a edição russa de Minha Vida na Arte, Stanislávski recomeça a trabalhar no que ele ainda acredita que será uma gramática para o ator, na qual ele tem a intenção de sistematizar sua longa jornada de experimentos voltados à criação do ator, numa luta por estabelecer o “estado criador correto”36. São materiais que ele tem em mãos e em mente há vários anos, que ele começa a pôr em ordem e que vão tomar a forma de O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo, em seus dois volumes. A unidade na obra de Stanislávski só pode ser realmente percebida depois de analisada sua obra completa, o que só foi possível depois de sua morte, com a 33 En la Argentina el método stanislavskiano, se difundió fundamentalmente en su primera acepción, la que parte del análisis de mesa [...]. Y luego en la década del 60 recibió el refuerzo del método de Lee Strasberg que es justamente una visión exasperada del mismo ya que el maestro norteamericano absolutiza y generaliza la instrospección sensorial, aceptándola como único motor, y desconsiderando todos los procesos que parten de la interacción real sobre la escena. La conducta actoral se subjetiviza así, adquiere un marcado matiz psicologizante y deja por lo menos en la sombra todo lo referido a la acción física y concreta que, en la mayoria de los casos, es aceptada como una consecuencia más o menos inevitable de la vivencia obtenida por instrospección. (SERRANO, 1982, p. 54) 34 He rejects the Western conception that divides mind from body, taking his cue from French psychologist Théodule Ribot, who believed that emotion never exists without physical consequence. (CARNICKE, 2000, p. 16) 35 “En cada acción fìsica hay algo de psicológico, y en lo psicológico algo de lo fìsico.” (STANISLAVSKI, 1980, p. 206) 36 STANISLAVSKI, 1989, p. 468. 27 publicação do segundo “manual”, mesmo sem sua supervisão. 1. 1. 1 O TEMPO ENTRE UM LIVRO E OUTRO E AS DIFERENÇAS DE APRESENTAÇÃO O fato de haver um intervalo de 12 anos entre a publicação de Minha Vida na Arte (1924) e A Preparação do Ator (1936), e mais 13 anos até a publicação de A Construção da Personagem (1949), é o principal fator para que se tenha uma percepção parcial da teoria de Stanislávski, como aponta Carnicke (1998). Esse problema se repete ao redor do mundo, alimentado pelas traduções americanas. Nas edições russas, se verifica praticamente o mesmo intervalo: Minha Vida na Arte (1926); o segundo livro, O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo no Processo das Vivências, foi publicado em 1938, doze anos depois; e o terceiro volume, O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo no Processo da Encarnação, somente em 1948, dez anos depois. A curiosidade é a edição americana deste segundo volume ter sido editada um ano depois da russa (1949). A diferença na forma de apresentação das duas versões, a americana e a russa, também contribui para modificar o modo como suas teorias foram absorvidas e assimiladas pelo grande público, primeiro nos Estados Unidos da América e a partir do inglês vertidas para outros idiomas ao redor do mundo. As duas edições da obra não são necessariamente a tradução uma da outra. Os livros que foram publicados na língua inglesa, segundo Carnicke, (2000, p. 34) resumiram os longos textos em russo. Para Stanislávski, A Preparação do Ator e A Construção da Personagem deveriam ser parte de um único volume, intitulado O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo, mas por conta da quantidade de material escrito e por sugestão dos editores, foi dividido. Na elaboração da edição norte-americana, Stanislávski trabalhou em colaboração com o casal Hapgood, que conhecera na turnê euro-americana de 1924. Elizabeth era uma especialista em teatro e falava russo; seu marido, Norman, um crítico e especialista em editoração de livros. Os Hapgood, dentre outros, foram os responsáveis pelo encontro de Stanislávski e os atores do Teatro de Arte de Moscou com o presidente norte-americano John Calvin Coolidge, Jr. (1872-1933). Percebe-se 28 no fato a importância e repercussão da visita do Teatro de Arte de Moscou à America do Norte. O reencontro dos Hapgood com Stanislávski aconteceu na Alemanha em 1929, em Badenweiler, onde ele se recuperava de um infarto sofrido no ano anterior. Se reuniram para trabalhar na edição dos livros, “que não era mais a gramática com exercícios há muito projetada”37 (RUFFINI, 2003, p.18). No ano de 1930, Stanislávski assina um contrato legal, em que passa a Elizabeth Hapgood plenos direitos sobre sua obra escrita, presente e futura, em todos os idiomas, inclusive o russo 38. Com isso, em 1948, quando do lançamento na Rússia de O Trabalho do Ator sobre si Mesmo no Processo da Encarnação, ela reivindica, além deste, “também os direitos de tradução de My Life in Art, tornando-se a partir de então, a depositária universal dos livros e do pensamento de Stanislávski”39. Para An Actor Prepares (A Preparação do Ator) trabalham juntos até outubro de 1930. Nos meses de 1929-30 em que trabalharam em colaboração, Elizabeth traduzia os textos que o mestre aprontava, e ao mesmo tempo o aconselhava com relação aos cortes propostos pelo marido, como solução para a montagem e editoração, que, com autorização prévia do autor, se tornaram a conhecida primeira edição estadunidense de An Actor Prepares40. Depois da partida de Elizabeth, ainda em 1930, Stanislávski continuou redigindo por bastante tempo e entre março de 1935 e junho de 1936 expediu o primeiro volume (RUFFINI, 2003, p.19). Só voltam a se reencontrar sete anos depois, em 1937, quando Elizabeth Hapgood foi à Rússia “e trabalhou por alguns dias com Stanislávski no segundo volume do Trabalho do ator sobre si mesmo”41, que viria a ser publicado somente em 1949 como Building a Character (A Construção da Personagem). A quantidade de material e o tempo gastos na sistematização dos escritos prontos, por certo também contribuíram na decisão de Stanislávski em adaptar seu 37 [...] che non era più la grammatica com ezercizi a lungo progettata. (RUFFINI, 2003, p. 18) Detalhes do contrato cit. cfr. J. Benedetti, Stanislavski. A biography, p. 316-17. 39 [...] anche i diritti di traduzione di My Life in Art, diventando da quel momento la depositária universale dei libri e del pensiero de Stanislavskij. (RUFFINI, 2003, p. 18; cit. cfr. Sh. M. Carnicke, Stanislavsky, Uncensored and Unabridged, in „The Drama Review‟, vol. 37, 1 (T137),Spring 1993, p.30-31) 40 RUFFINI, 2003, p. 18; cit. cfr. J. Benedetti, Stanislavski. A biography, p. 345 41 [...] e lavorò per alcuni giorni con Stanislavskij al secondo tomo del Lavoro dell‟attore su se stesso. (RUFFINI, 2003, p. 18) 38 29 projeto inicial de publicar um único livro. Com relação à edição russa do primeiro volume de O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo, Stanislávski se permite uma maior liberdade quanto às exigências editoriais e de mercado que lhe foram impostas pelos americanos, mantendo fidelidade com seu projeto inicial de escrita. Ele mantêm a forma romancesca e apresenta seu projeto como se fosse o diário de um aluno de uma escola de arte dramática. Para as edições em russo, em virtude da proporção que tomara seu projeto inicial e do delicado estado de saúde, Stanislávski conseguiu revisar somente Minha Vida na Arte (1926) e a primeira parte de O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo do qual por fim se rendeu relutantemente à divisão em dois volumes; A primeira parte (Vivência) foi publicada em 1938, ano de sua morte (dois anos depois da publicação de A Preparação do Ator), e a segunda Parte (Encarnação) postumamente em 1948. A forma de romance de O Trabalho do ator sobre si Mesmo se dissipa nas edições a partir do inglês, e alguns dos conteúdos que tomam relevância pela sua repetição e reiteração nas falas das personagens envolvidas na narrativa se perdem por conta da alteração da forma e pela supressão desses trechos. Optamos pela edição argentina por indicação da Prof. Drª. Nair D‟Agostini, em virtude da maior fidelidade com os originais russos, tanto na sua forma de apresentação como em seu conteúdo, em relação às publicações vertidas a partir das edições norte-americanas. Minha Vida na Arte e O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo, ambos escritos na primeira pessoa, o primeiro pelo próprio Stanislávski e o segundo num duplo pseudônimo: Názvanov, o aluno (uma espécie de Stanislávski diletante), que relata seus anos de estudo numa fictícia escola de arte dramática onde Tórtsov, o professor (um Stanislávski menos impulsivo e mais experiente), transmitem passo a passo, numa longa jornada, os princípios e fundamentos da arte cênica, abordando praticamente todos os aspectos possíveis relacionados ao fazer teatral, do ponto de vista de alguém que experimentou todos os níveis de dificuldade que envolvem a vida artística, como afirma Stanislávski: Depois de ter experimentado na atividade teatral todos os caminhos e meios de trabalho criador, de render tributo pelo envolvimento com todo tipo de montagem na linha da história e dos costumes, do simbólico, do ideológico, etc., de estudar as formas das montagens de correntes e princípios artísticos 30 diferentes – realismo, naturalismo, futurismo, arte estatuária na cena, esquematização com simplificações extravagantes, com panos, biombos, tules, artifícios vários de iluminação –, convenci-me de que esses recursos todos não formam o fundo que melhor destaca a iniciativa criadora do ator. (STANISLAVSKI, 1989, p. 530) Ruffini (1993) expõe a tese de que os três primeiros livros do mestre russo, ao serem lidos de maneira sobreposta, conformam uma obra única. O diário Minha Vida na Arte e o romance O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo revelam detalhadamente certos acontecimentos da vida e da época do mestre russo, bem como delineiam um mapa do pensamento artìstico e do desenvolvimento daquilo que se chama “o sistema Stanislávski”. Aqui, bastará dizer que Minha Vida na Arte e O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo [I e II] são, de fato, uma única obra, que se desenvolve seguindo o tempo da vida. No caso de Minha Vida na Arte, percorre este tempo fazendo referência aos eventos ocorridos; no caso de O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo, este tempo passa fazendo referências surgidas na mesma ordem desses eventos, e as relativas soluções pouco a pouco amadurecidas com o tempo. Não há uma lógica em O Trabalho do Ator, como seria lógico se esperar de um tratado, e como se costuma supor: há uma cronologia, que resulta na mesma 42 que em Minha Vida na Arte. (RUFFINI, 1993, p. 6) O autor defende esta idéia num quadro comparativo onde apresenta relações entre os conteúdos de cada um dos livros colocados lado a lado em ordem cronológica, reforçando o argumento de que a teoria de Stanislávski é um todo complexo e uniforme, distribuída de acordo com sua evolução no decorrer das duas narrativas sobrepostas. O quadro é retomado e ampliado em seu livro Stanislavskij Dal lavoro dell‟attore al lavoro su di sé (2003): É como se Stanislávski tivesse tomado notas de sua vida na arte em um diário com folhas dispostas lado a lado, sobre aquela da esquerda registrando os fatos à medida que eles aconteceram, e em seqüência, sobre aquela à direita, os conhecimentos adquiridos com base nesses fatos. Colocando em seqüência as folhas da esquerda, Stanislávski compôs sua própria biografia. Colocando em seqüência as folhas da direita, compôs O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo. Uma corrente idêntica [Um mesmo caminho]: do conhecimento, mas sem os 42 Aquí bastará decir que Mi vida en el arte y El trabajo del actor sobre sí mismo son, en realidad, una obra única, que se desarrolla siguiendo el tiempo de la vida. En el caso de Mi vida en el arte este tiempo recorre refiriendo los acontecimientos ocurridos; en el caso de El trabajo del actor sobre sí mismo este tiempo se vuelve a recorrer difiriendo [sic! Substituo por refiriendo] con el mismo orden surgido de esos acontecimientos, y las relativas soluciones poco a poco maduradas con el tiempo. No hay una lógica em El trabajo del actor como sería lógico esperarse de un tratado, y como se supone usualmente: hay una cronología, que resulta ser la misma que en Mi vida en el arte. (RUFFINI, 1993, p. 6) 31 fatos a partir dos quais aqueles conhecimentos se originaram, e que foram 43 relatados no outro livro. (RUFFINI, 2003, p. 25-26) Ruffini (2003, p. 26 e ss.) traz de forma clara o seu raciocínio na comparação, coluna direita com coluna esquerda de um único diário, uma “coluna dos fatos” e outra “coluna do conhecimento”, amadurecidos por esses fatos, dispostos lado a lado e com a mesma data. Segundo ele, “Não se trata de uma metáfora. Foi exatamente isso o que fez Stanislávski”44. Para verificar sua tese de que a biografia e os livros sobre o sistema seguem dia a dia em um “sincronismo pontual, sem exceções” (RUFFINI, 2003, p. 26), o autor realiza um estudo específico onde apresenta as correspondências entre uma coluna e outra e, em nota, a exemplificação dessas relações. A Tabela e a nota estão reproduzidas nos anexos 2 e 3, e sua leitura é esclarecedora sobre a correspondência temporal do processo de sistematização do Sistema Stanislávski. Carnicke (2000, p. 16), também chama atenção para o aspecto unitário do pensamento do mestre, ao afirmar que quando analisados em conjunto, seus escritos “codificam um conjunto coerente e notavelmente consistente de suposições sobre atuação. Todos os seus exercícios, técnicas e interesses partilham dessas idéias essenciais”45. 1. 1. 2 A TERMINOLOGIA EMPREGADA E A TRANSMISSÃO ORAL Outro fator determinante no aparecimento das diferentes interpretações da teoria é a utilização de termos subjetivos, dúbios, termos de uso corrente pelos atores durante os ensaios, que muitas vezes inspirados em outras áreas do conhecimento humano e, contaminados de seus significados originários isolados do contexto da prática do ator, podem gerar discussões de ordem filosófica, ao que esclarece o mestre russo tanto em 43 È come se Stanislavskij avesse tenuto della sua vita nell'arte un diario su fogli affiancati, su quelli di sinistra registrando i fatti man mano che accadevano, e a fianco, su quelli di destra, la conoscenza che man mano maturava sulla base di quei fatti. Mettendo in successione i fogli di sinistra, Stanislavskij compose la propria biografia. Mettendo in successione i fogli di destra, compose Il lavoro dell'attore su se stesso. Una identica catena: delle conoscenze, però, senza i fatti da cui quelle conoscenze avevano tratto origine, e che erano riportati nell'altro libro. (RUFFINI, 2003, p. 25-26) 44 Non è di una metafora che si tratta. È proprio quello che Stanislavskij fece. (RUFFINI, 2003, p.26) 45 [...] encode a coherent and remarkably consistent set of assumptions about acting. All his exercises, techniques and interests partake of these essential ideas. (CARNICKE, 2000, p. 16) 32 Minha Vida na Arte como em O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo no Processo das Vivências: Enquanto me ocupava do “sistema” criei minha linguagem, a minha terminologia, que nos determinava em palavras, os sentimentos a serem vividos e as sensações criadoras. Os termos que, havíamos criado que passaram a incorporar o nosso uso cotidiano, eram compreensíveis apenas para nós, iniciados no ”sistema”, mas não para os outros artistas. Isso era importante para alguns, e ao mesmo tempo, irritação, oposição, inveja e ciúmes em outros. (STANISLÁVSKI, 1989, p. 470). A terminologia que emprego nesta obra não é invenção minha; eu a tirei da prática dos próprios alunos e dos atores principiantes. No decorrer do trabalho, eles foram definindo com designações, suas sensações criadoras. Seu vocabulário é valioso porque resulta claro e acessível aos principiantes. Não se tente buscar neles raízes científicas. Temos nosso vocabulário teatral, nosso jargão de atores que foi elaborado pela própria vida. É certo que também utilizamos termos científicos, como por exemplo, “subconsciente”, “intuição”, mas não em seu sentido filosófico senão no mais simples, o da vida cotidiana. 46 (STANISLÁVSKI, 1980, p. 42) Como se percebe, Stanislávski não ignora a possibilidade de mal-entendidos com relação à terminologia empregada em sua prática e por isso sua preocupação em sistematizar seu conhecimento em seus livros que, escritos na forma de narrativa, parecem reforçar o caráter de trabalho sistemático, contínuo, cotidiano. Com relação a isso, se queixa o mestre: Foi bem pior o fato de que alguns artistas e alunos adotaram a minha terminologia sem terem verificado o seu conteúdo, ou me entenderam com a cabeça, mas não com o sentimento. E pior ainda era que isto os satisfazia plenamente e eles logo puseram em prática as palavras ouvidas e começaram a ensinar pretensamente pelo meu “sistema”. Eles não entendiam que o que lhe dizia não podia ser adotado, dominado nem em uma hora e nem num dia, mas era necessário estudar sistemática e praticamente, durante anos, a vida inteira, constantemente transformando o concebido em habitual, deixando de pensar no assunto e esperando que ele se manifestasse de maneira natural, espontânea. Para isso era necessário o hábito, segunda natureza do artista; faziam-se necessários exercícios semelhantes àqueles que faz cada cantor preocupado com a afinação da sua voz, cada violonista e violoncelista que trabalha em si mesmo o verdadeiro tom artístico, cada pianista que desenvolve a técnica dos dedos, cada bailarino que prepara seu corpo para as danças e movimentos plásticos, etc. (STANISLAVSKI, 1989, p. 471). 46 La terminología que empleo en esta obra no es de mi invención; la he tomado de la práctica, de los alumnos mismos y de los actores principiantes. Ellos, en el transcurso del trabajo, fueron determinando con designaciones sus sensaciones creadoras. Su léxico es valioso porque resulta claro y accesible para los principiantes. No se intente buscar en él raíces científicas. Tenemos nuestro léxico teatral, nuestra jerga de actores, que ha sido elaborada por la vida misma. Es cierto que utilizamos también términos cientìficos, como por ejemplo “subconsciente”, “intuición”, pero no en su sentido filosófico, sino en el más simples, el de la vida diaria. (STANISLAVSKI, 1980, p. 42) 33 As controvérsias relacionadas à percepção ou entendimento parcial do pensamento artístico de Stanislávski acabam comprometendo o entendimento de uma teoria que se desenvolveu ao longo de muitos anos e, como processo vivo, foi transformada e reformulada, negando certas afirmações, reiterando outras e ainda acrescentando novos elementos a cada nova experiência. Os reflexos disso já eram sentidos por ele em 1926, ano em que publicou sua autobiografia na Rússia: Naqueles anos, todos conheciam e praticavam – diziam conhecer e praticar – o sistema, e ele não havia publicado nada senão uma autobiografia. Para se proteger, não poderia fazer outra coisa a não ser anunciar um livro sobre o 47 sistema e, portanto, refere-se ao livro já escrito como uma introdução. (RUFFINI, 2003, p. 21) Os problemas com a transmissão de seu conhecimento começaram logo depois da publicação do primeiro livro e seguem ainda hoje, pois é impossível retirar de circulação tamanha quantidade de material equivocado; do mesmo modo é impossível fazer chegar a completude do pensamento de Stanislávski a todos que tiveram acesso a seu pensamento parcial. A questão da assimilação fragmentada de seu pensamento não era desconhecida do mestre. Ao contrário, para ele era um problema: Além do mais, em outros casos a percepção superficial do sistema deu resultados opostos, negativos. Por exemplo, alguns atores experientes, que aprenderam a concentrar-se pelo sistema, passaram a promover seus antigos equívocos com atenção redobrada, clareza e floreios. Incorporaram à palavra sistema suas sensações e hábitos de ator, resultando daí os antigos clichês impregnados de ofício artesanal. Eles os adotaram com o novo a que se refere o sistema e se acalmaram, uma vez que o ator se sente à vontade no clima dos clichês de rotina. Esses atores insensíveis estão certos de que entenderam tudo e que o sistema lhes trouxe muito proveito. Agredecem-me de maneira comovente e elogiam a descoberta, mas “tais elogios são uma pedra no meu sapato”. (STANISLAVSKI, 1989, p. 471-72) Era pulsante para Stanislávski a vontade de publicar um volume dedicado aos exercícios que ele acreditava davam suporte ao desenvolvimento de suas idéias e eram a base de suas observações e constatações desde seu amadurecimento artístico em 1906, como vimos em Minha Vida na Arte. Mas, infelizmente, “o conjunto de todos 47 In quegli anni, tutti conoscevano e praticavano - dicevano di conoscere e praticare - il sistema, e lui non aveva pubblicato niente se non un'autobiografia.Per proteggersi, non poteva far altro che annunciare un libro sul sistema e, per intanto, rinviare a quello già scritto come a una'introduzione. (RUFFINI, 2003, p. 21) 34 esses exercícios sistemáticos não foi efetuado nem naquele período nem agora; o chamado “sistema” foi adotado de ouvido e por isso não deu até hoje os resultados verdadeiros que se poderiam esperar.” (STANISLAVSKI, 1989, p. 471). Seu trabalho se encerra em 1938, deixando em aberto um leque de possibilidades a serem exploradas no trabalho do ator e do diretor de teatro. O caminho por ele trilhado pode ser compartilhado graças a sua generosidade: Quando hoje lanço um olhar sobre o caminho percorrido, sobre toda minha vida na arte, dá-me vontade de comparar-me a um garimpeiro de ouro, que antes tem de errar por brenhas intransponíveis para descobrir o lugar em que se encontra o ouro bruto e só depois lavar centenas de arroubas de areia e pedras para separar algumas pepitas do metal nobre. Como garimpeiro de ouro posso transmitir à posteridade não o meu trabalho, as minhas perquirições e privações, alegrias e frustrações, mas apenas o mineral precioso que extraí. Esse mineral precioso no meu campo artístico, esse resultado das perquirições de toda a minha vida é o chamado meu “sistema”, o método do trabalho que sondei e permite ao ator criar a imagem do papel, revelar neste a vida do espírito humano, e personificá-la com naturalidade no palco em uma forma artística bela. O fundamento para esse método foram as leis da natureza orgânica do artista por mim estudadas na prática. Seu mérito consiste em que nele não há nada que eu tenha inventado ou deixado de verificar na prática, em mim mesmo ou em meus alunos. Ele emanou de si mesmo, decorreu naturalmente de minha longa experiência.(STANISLAVSKI, 1989, p. 538-39) Se, na qualidade de diretores e atores, levarmos em conta a natureza orgânica do processo criativo, respeitando sua trajetória como demonstra Stanislávski, podemos seguir seu caminho na certeza de poder contribuir na condução do processo criativo do ator, sabendo que é preciso sentir e vivenciar em si para poder compartilhar, aglutinando de si ao experimento e tornando-se parte dele. Seu projeto teórico presume um extenso material, ao longo do qual discorre sobre o processo criativo do ator e sobre os procedimentos do diretor na condução desse processo: Tenho a intenção de publicar uma obra extensa, em vários volumes, sobre o ofìcio do ator (o chamado “sistema de Stanislávski”). Minha Vida na Arte, livro já publicado, é o primeiro volume e constitui uma introdução. O presente livro, relativo ao “trabalho sobre si mesmo” no processo criador das “vivências”, é o segundo volume. Dentro de pouco tempo começarei a redigir o terceiro volume, que vai tratar do “trabalho sobre si mesmo” no processo criador da “encarnação”. O quarto volume estará dedicado “ao trabalho sobre o papel”. 48 (STANISLÁVSKI, 1980, p. 41) 48 Tengo la intención de publicar una obra extensa, en varios tomos, sobre el oficio del actor (el llamado “sistema Stanislavski”). Mi vida en el arte, libro ya publicado, es el primer tomo y constituye una introducción. El presente libro, relativo al ”trabajo sobre sì mismo” en el proceso creador de las 35 Seus estudos caminharam no sentido de sistematizar um modo de desenvolver no ator a capacidade de atuar de modo eficaz, para que este consiga agir lógica e consequentemente, de forma convincente e orgânica49, no palco de modo equivalente ao que acontece na vida, como observa Magarshack (1990): O “sistema” Stanislávski é, portanto, uma tentativa de aplicar certas leis naturais de atuação com o objetivo de pôr em jogo as faculdades subconscientes do ator. Estas leis, afirma Stanislávski, estão suficientemente bem definidas para serem estudadas e postas em prática com a ajuda da psicotécnica, que consiste num grande número de “elementos”, dez dos quais – “se”, circunstâncias dadas, imaginação, atenção, relaxamento dos músculos, acontecimentos e conflitos, verdade e credulidade, memória emocional, comu50 nicação e ajudas exteriores. (MAGARSHACK, apud STANISLAVSKI1990p.34) Minha pesquisa está focada nos estudos sistemáticos de Stanislávski e que contribuem decisivamente na perspectiva acima referida, para a projeção de um novo homem/ator, principalmente em seus últimos anos, onde desenvolveu como diretor um modo específico de condução do trabalho do ator. 1. 2 A PEDAGOGIA DE STANISLÁVSKI Segundo Stanislávski, sua pedagogia criativa está baseada em leis naturais, presentes na vida do homem comum e que podem ser observadas, seguidas e adaptadas para a vida nos palcos, mediante trabalho e dedicação sistemáticos: Meu sistema não consiste de “regras” escritas que possam ser aplicadas indiscriminadamente; ensina uma arte que é diferente a cada instante e que pode ser dominada somente mediante a concentração e a avaliação vigilante da natureza fundamental e invariável das coisas e pessoas, de modo que se possam expor em uma ação física correta com a ajuda de uma atenção absolutamente correta, com a ajuda de uma atenção absolutamente indivisível. 51 (STANISLÁVSKI, 1990, p. 153-54) “vivencias”, es el segundo tomo. Dentro de muy poco tiempo empezaré a redactar el tercer tomo, que tratará del “trabajo sobre sì mismo” en el proceso creador de la “encarnación”. El cuarto tomo estará dedicado “al trabajo sobre el papel”. (STANISLAVSKI, 1980, p. 41) 49 Ver DAL FORNO, Adriana. A Organicidade do Ator. (v. Bibliografia) 50 El “sistema” Stanislavski es, pues, un intento de aplicar ciertas leyes naturales de actuación con el fin de poner en juego las facultades subconscientes del actor. Estas leyes, afirma Stanislavski, están suficientemente bien definidas para ser estudiadas y puestas en práctica con la ayuda de la psicotécnica, que consiste en un gran número de “elementos”, diez de los cuales – “si”, dadas las circunstancias, la imaginación, la atención, el relajamiento de los músculos, piezas y problemas, verdad y credulidad, memoria emocional, comunicación y ayudas exteriores[...] 51 Mi sistema no consiste en “reglas” escritas que puedan ser aplicadas indistintamente; enseña un arte que es distinto a cada momento y que puede ser dominado solamente mediante la concentración y el 36 Partindo do pressuposto de que o instrumento do ator é o seu próprio aparato psicofísico, Stanislávski sistematizou o que ele chamou de leis orgânicas ou elementos da ação, "chamados (...) de “verdades elementares”, por estarem presentes na vida e se referirem aos mecanismos de ação do homem no mundo” (DAL FORNO, 2002, p. 14). Como na vida real, durante a atuação no palco é preciso que se apliquem também essas leis. Porém, por estar em estado extra cotidiano – o que Stanislávski „ denomina a “segunda natureza”, um estado não habitual – o ator deve encontrar as equivalências para tais mecanismos, já que age em circunstâncias diferentes das da vida real. As leis orgânicas do homem em ação são empregadas para facilitar a tarefa do ator de estabelecer sua segunda natureza a cada nova atuação, com a mesma organicidade, como se a ação estivesse sendo realizada pela primeira vez, no intuito de traduzir através dela, “a essência do espìrito humano”. Todos os artistas sem exceção recebem o alimento espiritual segundo leis naturais estabelecidas, conservam o percebido na memória intelectual, afetiva ou muscular, transformam o material na sua imaginação artística, geram a imagem artística com toda a vida interior aí contida, e a personificam segundo as leis naturais conhecidas e obrigatórias para todos. Essas leis da criação universalmente humana, apreensíveis à nossa consciência, não são muito numerosas, seu papel não é lá muito honroso e limita-se às tarefas de servir. Contudo, essas leis naturais acessíveis à consciência devem ser estudadas por todo o artista, pois só através delas é possível acionar o dispositivo criador supra consciente. (STANISLAVSKI, 1989. p. 535). Para atingir o correto estado criador, Konstantin Serguiêievitch (1989, p.468) preconiza que é necessária ao ator a prática de uma “técnica intensa” e que esta se baseia “precisamente no processo volitivo”, envolvendo “as forças motrizes de nossa vida psìquica”, razão-vontade-sentimento (1980, p. 290). De acordo com Stanislávski, a tarefa se divide em duas partes principais: 1) o trabalho exterior e interior do artista sobre sua própria pessoa, e 2) o trabalho exterior e interior sobre a personagem. O trabalho interior sobre si mesmo reside na elaboração de uma técnica psíquica que permite ao artista evocar em si mesmo o estado criador, durante o qual a inspiração responde prontamente. O exterior, por outro lado consiste na preparação do aparato corporal para a construção da personagem e para a transmissão exata de sua vida interior. O trabalho sobre a personagem consiste no estudo da essência espiritual da obra dramática, do núcleo que serviu para sua criação, e que discernimiento vigilante de la naturaleza fundamental e invariable de las cosas y las personas, de modo que se puedan exponer en una acción física correcta con la ayuda de una atención absolutamente correcta [sic] con la ayuda de una atención absolutamente indivisible. (STANISLAVSKI 1990, p. 153-54) 37 determina seu sentido, como o de cada uma das personagens que compõem e 52 integram a obra que se monte. (STANISLÁVSKI, 1985, p. 442) O duplo caráter do trabalho do ator sobre si mesmo no desenvolvimento da psicotécnica está dividido, segundo Carnicke (2000) em dois grupos distintos de exercícios. No primeiro grupo estão relacionados exercícios destinados à concentração, imaginação e comunicação. No segundo grupo exercícios de aproximação ao universo ficcional: a Análise Ativa e o Método das Ações Físicas, tema motivador desta dissertação. Valorizando a ação no trabalho do ator sobre si mesmo, Stanislávski (1977, 1980, 1983) ressalta suas características fundamentais, destacadas por inferência: 1. ela sempre obedece à lógica, 2. é sempre contínua e ininterrupta, 3. tem sempre e simultaneamente dois aspectos, ação interior e ação exterior e 4. não existe ação sem objetivo. A partir dessas características, propõe que as ações devem ser realizadas com veracidade pelo ator, que coloca em movimento seu aparato psicofísico de acordo com a tríade razão-vontade-sentimento. Importante salientar que quando aparecem referências às ações físicas na obra de Stanislávski, é preciso considerar que ele refere-se à ação relacionada com toda vida interior do papel, e não à ação mecânica, periférica. Como observa Dagostini: K. Stanislávski, em seu “sistema”, avaliou que as forças motrizes da vida psíquica: mente, vontade e sentimento, possuem o poder de mobilizar todas as forças internas da criação, ou seja, ativam todos os elementos da ação, que conduzem para o cerne da obra, para o objetivo essencial do autor, do diretor e do ator. (DAGOSTINI, 2007, p. 26) Partindo da assertiva de que em cena é preciso estar sempre agindo mesmo que se esteja imóvel, e que “tudo o que se faz na cena deve ter uma finalidade” 53, Konstantin Serguiêievitch enfatiza a ação ao invés da mimese dos sentimentos. Através da ação ele propõe estabelecer uma linha ativa ininterrupta, para conduzir o ator na 52 1) el trabajo exterior e interior del artista sobre su propia persona, y 2) el trabajo exterior e interior sobre el personaje. El trabajo interior sobre su propia persona reside en la elaboración de una técnica síquica que permite al artista evocar en sí mismo el estado creador, durante el cual la inspiración acude con mucha facilidad. El exterior, en cambio, consiste en la preparación del aparato corporal para la encarnación del personaje y para exacta transmisión de su vida interior. El trabajo sobre el personaje consiste en el estudio de la esencia espiritual de la obra dramática, del núcleo que ha servido para su creación, y que determina su sentido, como el de cada uno de los personajes que componen e integran la obra que se trate". (STANISLAVSKI, 1985, p. 442) 53 Todo lo que se hace en la escena debe tener algún fin. (STANISLAVSKI, 1980, p.80) 38 concretização do objetivo do personagem e para a resolução do conflito proposto pela dramaturgia. Este procedimento na metodologia de Stanislávski segue um caminho oposto ao procedimento de seus primeiros experimentos, quando partia do despertar das emoções pelas emoções (do interior para o exterior), substituído agora pelo caminho da percepção do movimento exterior para o movimento interior. A partir da constatação da relação direta existente entre os processos interiores (mentais) e os movimentos exteriores (físicos), alcançada com as pesquisas iniciais com a memória emotiva, o procedimento passa a ser estimular o ator externamente para provocar nele o estado que irá despertar no público a impressão da emoção vivida. Com isso, ele reconhece e reforça que é mais fácil acessar os sentimentos seguindo a lógica e a consequência da linha das ações propostas pela dramaturgia ou improvisadas nos “études”. Em cena, há sempre que se fazer alguma coisa. A ação, a atividade: eis aqui o cimento da arte dramática, a arte do ator. A própria palavra “drama” em grego significa “a ação que se está realizando”. Em latim lhe corresponde a palavra “actio”, o mesmo vocábulo cuja raiz se transferiu às nossa palavras “atividade”, “ator”, “ação”. Por conseguinte, em cena o drama é a ação que se está realizando ante nossos olhos e o ator que sai à cena é o responsável por sua 54 realização. (STANISLÁVSKI, 1980, p. 80-81) A experiência de Stanislávski demonstra que “ninguém pode despertar em si mesmo os sentimentos – amar, sofrer, estar ciumento – com a única finalidade de experimentá-los; não se pode forçar os sentimentos, porque se ignorada esta regra, se termina na mais repulsiva artificialidade”55. A ação que o ator está realizando em cena deve ser explícita ao público mesmo quando o ator está imóvel, pois “o valor da arte se determina pelo seu conteúdo espiritual”56, e com isso, Stanislávski amplia a fórmula: “na cena é preciso atuar interna e externamente”57, já que para o ator “não se trata de 54 En la escena siempre hay que hacer algo. La acción, la actividad: he aquí el cimiento del arte dramático, el arte del actor. La palabra misma “drama” denota en griego “la acción que se está realizando”. En latin le corresponde a palavra actio, el mismo vocábulo cuya raíz se pasó a nuestras palabras “actividad”, “actor”, “acción”. Por consiguiente, el drama en la escena es la acción que se está realizando ante nuestros ojos, y el actor que sale a la escena es el encargado de realizarla. (STANISLAVSKI, 1980, p. 80-81) 55 Nadie puede despertar en uno mismo los sentimientos – amar, sufrir, estar celoso – con el solo fin de experimentar-los; no se los puede violentar, porque si se ignora esta regla se termina en la más repulsiva artificialidad. (STANISLAVSKI, 1980, p. 83) 56 El valor del arte se determina por su contenido espiritual. (STANISLAVSKI, 1980, p. 81) 57 En la escena hay que actuar, interna y externamente. (STANISLAVSKI, 1980, p. 81) 39 reproduzir as paixões e os tipos, senão viver uns e outros”58 pelo domínio técnico, com controle absoluto. Nossa atividade se manifesta na cena mediante as ações, e na ação se transmite a alma do papel, tanto a vivência do artista como o mundo interno da obra; pelas ações e atitudes formamos uma ideia dos personagens representados na cena e chegamos a compreender quem são. Isto é o que nos 59 dá a ação, e o que dela espera o público. (STANISLÁVSKI, 1980, p. 93) Esta linha de raciocínio pode ter sido influenciada, como chama a atenção Ruffini (2003). Há nas pesquisas de Stanislávski no desenvolvimento do trabalho do ator sobre si mesmo, além da declarada influência das teorias do psicólogo francês Théodule Ribot, influências não declaradas e que se podem inferir de sua própria teoria: Por trás da ciência do ator de Stanislávski, estão também Sigmund Freud (1856-1939), [...] e William James (1842-1910), cientistas da alma. A Freud pode ser atribuído o conceito de subconsciente como sede da criatividade e da verdade, inacessíveis à intervenção direta da vontade e da razão; [...] a James a descoberta, na última fase da vida, de que a “enunciação/pronúncia correta", mais do que expressar o sentimento, é o [próprio] sentimento que lhe está associado e portanto, a busca pela verdade/credibilidade pode partir da ação física. [...] A relação de Stanislávski com as ciências foi essencialmente do tipo pragmática. Se fizer qualquer coisa não é por que seja cientificamente correto, mas porque é eficaz na prática. Inconsciente e subconsciente, para Stanislávski era importante que o ator apreendesse na totalidade do próprio corpo a não forçar o sentimento (quero amar, odiar...), mas apenas a favorecer as condições para que o sentimento se manifeste espontaneamente. Entre os cientistas da alma que nutriram a ciência de Stanislávski, não devemos esquecer Tolstói e Dostoiévski, com suas experiências com a narrativa. 60 (RUFFINI, 2003, p. 5 e 6) O trabalho do ator sobre si mesmo irá constituir a base da ação do ator, através 58 No se trata de reproducir las pasiones y los tipos, sino vivir unos y otros. (STANISLAVSKI, 1980, p. 84) Nuestra actividad se manifiesta en la escena mediante las acciones, y em la acción se trasmite el alma del papel, tanto la vivencia del artista como el mundo interno de la obra; por las acciones y actitudes nos formamos uma idea de los personajes representados en la escena y llegamos a comprender quiénes son. Esto es lo que nos da la acción, y lo que de ella espera el público. (STANISLAVSKI, 1980, p. 93) 60 Dietro la scienza dell'attore di Stanislavskij, ci sono anche Sigmund Freud (1856-1939), [...] e William James (1842-1910), scienziati dell'anima. A Freud può essere fatta risalire la nozione di subconscio como sede della creatività e della verità, inaccessibile all'intervento diretto di volontá e ragione; [...] a James la scoperta, nell'ultima stagione di vita, che l'"espressione giusta", più che manifestarlo,è il sentimento che vi si associa, e che dunque la ricerca della credibilità può partire dall'azione física. [...] Il rapporto di Stanislavskij con le scienze fu essenzialmente di tipo pragmatico. Si fa qualcosa non perché sia scientificamente corretto, ma perché è praticamente efficace. Inconscio e subconscio, a Stanislavskij importava che l‟attore imparasse nella totalità del proprio organismo a non forzare il sentimento (voglio amare, odiare...), ma solo a curare le condizioni affinché spontaneamente il sentimento si manifestasse. Tra gli scienziati dell‟anima che nutrirono la scienza di Stanislavskij, non vanno dimenticati Tolstoj e Dostoievskij, con la loro sonda del racconto. (RUFFINI, 2003, p. 5 e 6) 59 40 do exercício das leis orgânicas. Assim, o trabalho do ator se configura numa via de mão dupla: de um lado o exercício da psicotécnica para obtenção do "correto estado criador", tornando conscientes os hábitos (de corpo e mente) adquiridos ao longo da vida de forma automática, e, por outro lado, o estabelecimento, a partir da Análise Ativa, de uma linha ininterrupta de ação e, consequentemente, de uma lógica sobre a temática, denominada personagem. Ao focarmos o trabalho do ator sobre si mesmo, evidenciamos dois aspectos: o primeiro se refere à descoberta do fluxo orgânico do ator (em seu caráter psicofísico); o segundo diz respeito à particularidade do ato criativo, a condução do ator no universo ficcional do material textual analisado ativamente a partir do fluxo orgânico da ação. 1. 3 A CONTINUIDADE DO PENSAMENTO DE STANISLÁVSKI Alguns dos atores que trabalharam com Stanislávski em seus últimos experimentos junto ao Estúdio de Ópera do Teatro Bolshói, discípulos diretos do mestre, deixaram depoimentos esclarecedores sobre os procedimentos de trabalho nos últimos anos de vida de Stanislávski, nos quais consolida seu trabalho dedicado à transmissão da “vida do espìrito humano”61. A maioria desses discípulos deixou depoimentos sobre sua convivência artística com o mestre, exemplificando seu modus operandi, descrevendo em seus livros os procedimentos de Stanislávski, mostrando sua capacidade de conduzir o ator a buscar a partir de si todos os recursos necessários para uma atuação convincente, ao mesmo tempo, adaptando os procedimentos à sua própria realidade. Dentre eles é preciso destacar Evgueni Bogratiónovich Vakhtângov (1833-1922), Vassili Osipovitch Toporkov (1889-1970), Nikolai Mikhailovich Gorchakov (1898-1958), Maria Osípovna Knébel (1898–1985) e Gueorgui Tosvtonógov (1913-1988), todos partícipes do pensamento do diretor-pedagogo russo e que, depois de sua morte, seguiram experimentando a partir das últimas postulações de Stanislávski sobre seu sistema, e deram continuidade às pesquisas iniciadas por ele, agregando à obra do mestre as contribuições de suas próprias pesquisas pessoais como atores e diretores. 61 STANISLAVSKI, 1989, p. 538. 41 Por certo houve outros alunos de Stanislávski (Michael Tshekhov, Richard Boleslavski, Stela Adler, Harold Clurman, somente para citar alguns) que também deixaram seus depoimentos sobre o mestre ou que também publicaram livros com os resultados de suas pesquisas apoiadas em seu pensamento artístico. Contudo, limitome aos anteriores por fazerem referência, sobretudo à última fase das pesquisas, pois, como lembra Jerzy Grotowski (1933-1999), para cada fase atribuída ao trabalho de Stanislávski há um discípulo em particular e que se prendeu àquela fase particular. As diferenças nos artistas se desenvolvem da mesma maneira que se desenvolvem nos homens as idiossincrasias individuais orgânicas e únicas. Nessas idiossincrasias individuais, e ao seu redor, é onde se situam os círculos das condições presentes, as circunstâncias acessórias geralmente aceitas que 62 chamamos num personagem teatral de “as circunstâncias dadas”. (STANISLAVSKI 1990: 121). Stanislávski estava sempre fazendo experiências e não deixou “receitas”, mas sim sugeriu os meios pelos quais o ator poderia descobrir a si, e nisto “reside o essencial” (1987, p.178). 1.3.1 Evgueni Bogratiónovich Vakhtângov (1833-1922) Segundo Jorge Saura (2007, p. 77), Vakhtángov é considerado por muitos como o mais notável discípulo de Stanislávski. Ele foi membro do Teatro de Arte de Moscou desde 1911 e participou ativamente de sua “seção experimental”, o Primeiro Estúdio, onde foram realizados os primeiros experimentos com o sistema das ações físicas aplicado a obras não realistas. Em 1913 formou seu próprio estúdio, trabalhando paralelamente como pedagogo em ambos. Em 1921 os dois estúdios foram fundidos dando origem ao Terceiro Estúdio que continua suas atividades até hoje, com o nome de Teatro Vakhtángov. Ainda em acordo com Saura (2007, p. 77), seu trabalho no Primeiro e no Terceiro Estúdio pode ser dividido em dois períodos: um realista, no qual montou La 62 Las diferencias en los artistas se desarrollan de la misma manera que se desarrollan en los hombres las idiosincrasias individuales orgánicas y únicas. En estas idiosincrasias individuales, y alrededor de ellas, es donde se depositan los círculos de las condiciones presentes, las circunstancias accesorias generalmente aceptadas que llamamos en un personaje teatral “las circunstancias dadas”. (STANISLAVSKI 1990: 121) 42 Fiesta de la Paz ( A Festa da Paz), de Hauptmann, El diluvio (O dilúvio), de Berguer e Rosmersholm, de Ibsen, seguido de outro, que ele mesmo qualificava como grotesco, no qual colocou em cena El milagro de San Antonio (O milagre de Santo Antônio), de Maeterlinck, La boda (O casamento), de Tchekov, Erik XIV, de Strindberg e, a que se considera sua melhor criação, La princesa Turandot (A princesa Turandot), de Gozzi. Em várias ocasiões dirigiu a seu amigo Mikhail Chékhov, que mais tarde continuaria e ampliaria a pedagogia de Vakhtángov: Os conceitos cênicos de Vakhtángov propõem o conflito entre uma extrema convenção teatral e o teatro do “sentimento interior”. Afirmava que era possìvel manter uma estética simbolista ou grotesca na montagem e ao mesmo tempo interpretar de forma verdadeira, verossímil. Para isso, o ator deveria experimentar em cena autênticas vivências, tal e qual exigia Stanislávski, e ao mesmo tempo, parecer que dizia ao espectador: “agora estou chorando, mas eu, o ator, na realidade estou informando sobre isso; parece que estou limpando minhas lágrimas, mas não estou somente limpando minhas lágrimas, senão, estou informando como estou fazendo isso.” A ênfase não se colocava em o que se faz, senão em como. O ator, segundo Vartángov, deve manter um ponto de vista acerca de seu personagem, não somente deve esforçar-se por atuar bem, senão também por sentir a atitude pessoal em relação ao 63 personagem e à história como um todo. (SAURA, 2007, p. 77-78) No ano de 1921, foi criado em Moscou o estúdio teatral Habima, cujos membros pediram a Vakhtángov que lhes dirigisse sua primeira obra, El Dibbuk (O Dibbuk). Anos mais tarde, o Habima se converteria na companhia nacional de Israel. Além destes estúdios, Vakhtángov colaborou pontualmente como pedagogo em numerosos grupamentos teatrais moscovitas. 63 Los conceptos escénicos de Vajtángov plantean el conflicto entre una extrema convención teatral y el teatro del “sentimiento interno”. Afirmaba que era posible mantener una estética simbolista o grotesca en la puesta en escena y al mismo tiempo interpretar de forma realista, verossímil. Para ello el actor debía experimentar en escena auténticas vivencias, tal y como exigía Stanislavski, y al mismo tiempo parecer que decìa al espectador: “ahora estoy llorando, pero yo, el actor, en realidad estoy informando sobre ello; parece que estoy limpiando mis lágrimas, pero no sólo estoy limpiando mis lágrimas, sino que aviso de cómo estoy haciéndolo.” El énfasis no se ponìa en qué se hace sino en cómo. El actor, según Vajtángov debe mantener un punto de vista hacia su personaje, no sólo debe esforzarse por actuar bien, sino también por sentir la actitud de uno hacia el personaje y hacia la historia en conjunto. SAURA, Jorge. (Coord.) Actores y actuación: Antología de textos sobre la interpretación. Volumen II (1863-1914). Madrid: Fundamentos, 2007, p, 77-78. 43 1. 3. 2 Vassili Osipovitch Toporkov (1889-1970) Ator russo começou sua carreira em São Petersburgo em 1909. Atuou no Teatro Korsh de 1919 a 1927, destacando-se em papéis como Truffaldino em Arlequim, Servidor de Dois Amos, de Goldoni e o Capitão Christopherson em Anna Christie, de O‟Neill. Em 1927 ingressou no Teatro de Arte de Moscou sendo dirigido por Stanislávski em papéis como o Caixeiro em Os estelionatários, de Katáiev, Chíchikov em Almas Mortas, de Gógol e Orgon em Tartufo, de Molière. Conforme Saura (2007, p. 115) foi “grande admirador de Stanislávski e de seu sistema e descreveu em numerosas ocasiões a forma de ensaiar de seu professor”64. Em 1940, ainda segundo Saura (2007, p. 115), fez um de seus melhores trabalhos interpretando Epikhodov em O jardim das Cerejeiras, de Tchékov, continuando em papéis principais ao longo dos anos sessenta. Para Saura (2007, p.15), “sua contribuição mais importante possivelmente seja a divulgação do sistema de Stanislávski”65. A partir de 1948 foi professor no Teatro de Arte de Moscou e escreveu muitos livros e artigos, proferindo discursos e conferências sobre a teoria e a prática de Stanislávski. Seu livro mais conhecido é Stanislavski dirige, não publicado em Língua Portuguesa. Nomeado Artista do Povo da URSS em 1948, recebeu o Prêmio Nacional de Teatro em 1946 e 1952. Foi representante de seu país e do Teatro de Arte de Moscou em encontros internacionais. 1. 3. 3 Nikolai Mikhailovich Gorchakov (1898-1958) De acordo com nota de Christine Edwards (1998, p. 221), tradutora do livro Stanislavsky in Rehearsal: The Final Years66 Gorchakov foi “um talentoso diretor sob a supervisão de Vartángov no Terceiro Estúdio”67 do Teatro de Arte de Moscou. Trabalhou com Stanislávski por muitos anos e “se tornou um dos diretores líderes do 64 Gran admirador de Stanislavski y su sistema, describió em numerosas ocasiones la forma de ensayar de su maestro. (SAURA, 2007, p. 115) 65 [...] su contribuición más importante posiblemente sea la divulgación del sistema de Stanislavski.(SAURA, 2007, p. 115) 66 TOPORKOV, Vasily Osipovich. Stanislavsky in Rehearsal: The Final Years. Translated by Christine Edwards. New York: Theatre Arts Book/Routledge, 1998. 67 [...] a talented director under Vakhtangov at the Third Studio. (TOPORKOV, 1998, p.221) 44 sistema soviético, até sua morte em 1958.”68 Escreveu Stanislavsky Directs (Stanislávski Dirige. Em espanhol Las Lecciones de Regisseur de Stanislavski. Montevideo: Pueblos Unidos, 1956), uma grande contribuição ao estudo do sistema de Stanislávski, com a descrição detalhada do procedimento de trabalho do mestre “em seus ensaios com os jovens novos membros do Teatro de Arte de Moscou.”69 Nele se encontram descritos as indicações de Stanislávski sobre os procedimentos da análise ativa e do método das ações físicas na condução do ator. 1. 3. 4 Maria Osípovna Knébel (1898-1985) Destacada atriz e diretora russa, ingressou no Teatro de Arte de Moscou em 1924, a princípio como professora de voz dos alunos do Estúdio de Ópera e Drama dirigido por Stanislávski. Segundo Saura (2007, p. 187), “logo se revelou uma excelente pedagoga, capaz de transmitir com simplicidade e clareza o sistema das ações físicas”70. Trabalhou também por um curto período como atriz no estúdio dirigido por Mikhail Chekhov. Em 1950 começou sua atividade como diretora, sendo nomeada “principal diretora do Teatro Infantil Musical do Centro, em 1966”71. Em 1960 ingressou como professora de interpretação no Instituto Estatal de Arte Teatral de Moscou – Anatoly Lunatchrsky (GITIS)72 e em 1968 abandonou a direção cênica para centrar-se totalmente na pedagogia. Recebeu o Prêmio Nacional da URSS em 1978. Autora de uma autobiografia (Toda la vida [Toda a vida]) e de livros teóricos como La palabra en la creación actoral (A palavra na Criação Atoral), Análisis activo de la obra y el papel (Análise Ativa da obra e o Papel) (traduzido ao castelhano como El último Stanislavski[O último Stanislávski]) ou La poesia de la pedagogía (A poética da pedagogia [teatral]), centrou seus esforços em adaptar o sistema de Stanislávski às novas técnicas e sensibilidades, 68 [...] became a leading Soviet director until his death in 1958. (TOPORKOV, 1998, p.221) [...] a detailed account of Stanislavsky‟s application of his system in rehearsals with the new young members of the Moscow Art Theatre. (TOPORKOV, 1998, p.221) 70 [...] pronto se reveló como una excelente pedagoga capaz de trasmitir con sencillez y claridad el sistema de las acciones físicas. (SAURA, 2007, p. 187) 71 [...] directora principal del Teatro Infantil Musical del Centro en 1966. (SAURA, 2007, p. 187) 72 A partir de 1991 passa a chamar-se RATI–Academia Russa de Arte Teatral. (Dagostini, 2007, p. 5) 69 45 privilegiando elementos como a improvisacão ou a reação imediata a estímulos 73 não reflexivos. (SAURA, 2007, p. 187) É uma das grandes responsáveis pela divulgação do método da Análise Ativa, enfatizando seu aspecto prático através do desenvolvimento dos études, sempre apoiados no estudo prévio pelo diretor das características gerais da obra em que se baseia a montagem. Sua abordagem segue o ponto de vista da orientação do ator nos meandros da revelação do papel através da ação. 1. 3. 5 Gueorgui Aleksandrovich Tosvtonógov (1915-1989) Tovstonógov teve sua formação no GITIS, onde ingressou no ano de 1933 sob a direção de Aleksei Popov (1892-1961). Também foi aluno de Maria O. Knébel, quem teve estreito contato com Stanislávski em seus últimos experimentos. Segundo Dagostini (2007, p. 6), Tovstonógov chegou a assistir algumas conferências de Stanislávski no GITIS e a “palestras-aulas” no Estúdio de Ópera Dramática do Teatro Bolshói. Em 1938 se tornou diretor artístico do Teatro Russo de Tbilisi. De 1946 a 1949 dirigiu o Teatro das Crianças de Moscou e entre 1950 e 1956 foi diretor-chefe do Lênin Komsomol Theatre de Leningrado, onde desenvolveu a bem sucedida política de misturar dramas Soviéticos, clássicos russos e da literatura ocidental, que levou consigo para o Teatro Dramático Bolshoi (BTD, ou Gorki), em 1956, transformando-o no melhor teatro de Leningrado. (STANTON; BANHAM, 1996, 74 p. 384) Birgit Beumers75 (1999) em artigo sobre o teatro russo pós-regime soviético informa que durante o período em que foi o principal diretor do Lenin Komsomol 73 Autora de una autobiografia (Toda la vida) y de libros teóricos como La palabra en la creación actoral, Análisis activo de la obra y el papel (traducido al castellano como El último Stanislavski) o La poesia de la pedagogía, ha centrado sus esfuerzos en adaptar el sistema de Stanislavski a las nuevas técnicas y sensibilidades, privilegiando elementos como la improvisación o la reacción inmediata a estímulos no reflexivos. (SAURA, 2007, p. 187) 74 In 1938 he became artistic director of the Tbilisi Russian Theatre. From 1946 to 1949 he directed the Moscow Children‟s Theatre, and between 1950 and 1956 he was chief director of Leningrad‟s Lenin Komsomol Theatre, where he developed the successful policy of mixing Soviet dramas, Russian classics and Western literature, wich he took with him to the Bolshoi Dramatic Theatre (BTD, or the Gorky) in 1956, transforming it into the best theatre in Leningrad. In: Cambridge paperback guide to theatre. Edited by Sarah Stanton and Martin Banham. Cambridge: University Cambridge Press, 1996, p. 384. 75 Professora no Departamento de Russo da Universidade de Bristol, Inglaterrra. Seu livro mais dastacado, „Yuri Lyubimov no Teatro Taganka (1964-94)‟ foi publicado em 1997. Especializou-se em Cultura Russa e tem publicado artigos sobre a produção contemporânea do teatro e do cinema russo. (In 46 Theater, Tovstonógov desenvolveu “um estilo no qual fundiu os conceitos de Stanislávski e Meyerhold, mesclando convencionalidade com autenticidade, e combinando análise figurativa com análise psicológica.”76 Para a autora, o diretor valeuse de seu “talento” de ator para desenvolver psicologicamente o personagem através da improvisação, oferecendo aos atores liberdade para modificá-lo, demonstrando “capacidade de externar o talento dos jovens atores”77 tendo sempre em mente “a concepção da montagem como um todo”78, ou seja, o ponto de vista da direção. A utilização dos dispositivos teatrais por Tovstonógov eram equilibrados, porque propositais. Suas montagens mostraram uma harmonia entre o significado histórico e contemporâneo, entre o objetivo e o subjetivo, o histórico e o pessoal, o qual criou um significado ambivalente e objetivo.[...] Tovstonógov preferiu a literatura não dramática e interpretou a peça como uma 79 estrutura ou uma partitura musical. (BEUMERS, 1999, p. 364) Nas palavras de Tovstonógov (1999), “um diretor teatral não é um metteur en scène, mas o autor de uma montagem. As possibilidades para um diretor na interpretação de uma peça hoje são ilimitadas.”80 O idiossincrático e o pragmático são fatores fundamentais no desenvolvimento da arte teatral – aspecto observado já por Stanislávski (1980) – e salientado por Dagostini (2007) em sua tese de doutoramento: Constata-se a necessidade de se apossar individualmente desse saber através da prática, sobretudo, sendo que a sensibilidade e a capacidade de cada um fazem com que a peculiaridade subjetiva sempre esteja presente, em detrimento da objetividade do “sistema” e de suas leis. O importante é a honestidade e a seriedade com que nos aproximamos e nos apoderamos de determinado conhecimento e a nossa atitude diante dele, encarando-o como um valioso patrimônio produzido por nossos antecessores o qual temos a obrigação de preservar e de desenvolver para „A History of Russian Theatre‟, editado por Robert Leach e Victor Borovsky, Cambridge: Cambridge University Press, 1999. p.ix) 76 [...] a style wich merged the concepts of Stanislavsky and Meyerhold, mixed conventionality with authenticity, and combined figurativeness with psychological analysis.(BEUMERS, 1999, p. 363) 77 [...] capacity to bring out the talent of the young actors [...] (BEUMERS, 1999, p. 363-4) 78 [...] a concept of the production as a whole. (BEUMERS, 1999, p. 363) 79 Tovstonogov‟s use of theatrical devices was balanced, because purposeful. His productions showed a harmony between historical and contemporary meaning, between the objective and the subjective, the historical and the personal, which created an ambivalent and objective meaning. [...] Tovstonogov favoured non-dramatic literature and perceived the play as a scenario or a musical score. (BEUMERS, 1999, p. 364) 80 „a theatre director is not a metteur en scène, but the author of a production. The possibilities for a director in the interpretation of a play today are unlimited‟. (Apud in BEUMERS, 1999, p. 364) 47 a transformação de nossas potencialidades artísticas, culturais e humanas. (DAGOSTINI, 2007, p. 1-2) É através da abordagem de Tovstonógov que nos aproximamos ao Método da Análise Ativa, trabalhado e adaptado por Dagostini em seus anos de pesquisa e transmitido a seus alunos de graduação, dentre os quais me enquadro. No meu processo artístico, que passo a descrever, também segui utilizando o método, e por certo também procedo a adaptações à minha própria realidade e interpretações das leituras dos discípulos de Stanislávski, e é por esse motivo principalmente que se encontram listados acima. 2 STANISLÁVSKI DA RÚSSIA PARA SANTA MARIA/RS Que saibam os artistas jovens que resultados podem ser obtidos através do trabalho, da técnica e da arte autêntica. [...] O artista deve olhar o belo (e não só olhar, mas saber ver) em todos os campos da arte e da vida próprios e dos outros. Ele precisa de impressões de bons espetáculos e artistas, concertos, museus, viagens, bons quadros de todas as tendências, das mais esquerdistas às mais direitistas, porque ninguém sabe o que lhe vai inquietar a alma e revelar os mistérios da criação. (STANISLAVSKI, 1989, p. 38) Durante minha graduação na Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, tive acesso ao método da Análise Ativa, desenvolvida na Rússia por Konstantin Serguiêievitch Stanislávski-Alexéiev (1863-1938) e transmitida pela Profª. Drª. Nair D‟Agostini (19_ _). Ela foi a primeira brasileira a realizar seus estudos no LGITMiK – Instituto Estatal de Teatro, Cinema e Música de Leningrado, entre os anos de 19781981, com os professores Gueorgui Tovstonógov (1913-1988), Arkadii Kastman (19211989) e Lev Dodin (1944-), seguidores das pesquisas do mestre russo que apontavam aspectos não abordados nas traduções americanas da obra de Stanislávski difundidas no Brasil. No início da década de 1980, quando de seu retorno ao Brasil, o panorama teatral que encontrou Dagostini (2007), em suas próprias palavras, “se apresentava [...], 48 em termos profissionais, com poucas perspectivas”81. Segundo ela, a dificuldade em se inserir novamente no meio teatral estava relacionada a preconceitos de ordens diversas, mas “sobretudo, a K. Stanislávski, que era visto com suspeita, tachado de psicologismo e ultrapassado. Todos os cursos em voga na época faziam questão de anunciar que não seguiam a tendência psicologizante do sistema stanilavskiano” 82. Mesmo suas tentativas de validação do curso junto ao MEC – Ministério da Educação e Cultura – foram frustrantes, “[...] depois de mais de dez anos sem obter nenhum resultado. O curso nunca foi reconhecido e não me trouxe qualquer ascensão na carreira acadêmica, nenhuma pontuação em concursos públicos nem vantagem financeira”83, afirma. Na Rússia, a Profª. Drª. Nair pode estudar com Gueorgui Tovstonógov, continuador do pensamento dos últimos anos de trabalho de Stanislávski em sua abordagem da Análise Ativa: Nessa última etapa de seu trabalho, como já é conhecido, [Stanislávski] não enfoca mais os sentimentos como ponto de partida, pois estes são obtidos como resultado, mudando, dessa forma, o processo de abordagem sobre o papel, não sofrendo mais a fragmentação do texto em pequenas partes. Há o estabelecimento e a exigência da realização de uma linha de ação interna e externa ininterrupta do papel, criada com a lógica e coerência absolutas na ação que conduz o processo de comunicação na cena. Todos os elementos do sistema, considerados inseparáveis um do outro, também passaram a fazer parte do processo unitário da criação, e eram trabalhados em situações concretas, nos études na dependência das respectivas circunstâncias dadas e do nível de desenvolvimento em que o ator se encontrava, recebendo maior ou menor significado. (DAGOSTINI, 2007, p. 98-99) Minha práxis está apoiada no conhecimento teórico do método obtido da tradição russa – Knébel – Tovstonógov via Dagostini – e em virtude disso não se podem ignorar as modificações transcorridas desde o que foi pensado por Stanislávski, até porque a teoria da análise está dispersa ao longo do percurso de seus livros e dos escritos de seus discípulos; sua interpretação é diversa como diversa é a compreensão das coisas por cada pessoa. Não ignorados todos os mal entendidos com relação aos escritos do mestre russo, nesta dissertação vou ater-me aos aspectos do método salientados por Dagostini 81 DAGOSTINI, 2007, p. 13. DAGOSTINI, 2007, p. 13-14. 83 DAGOSTINI, 2007, p. 14. 82 49 (2007) e aos elementos do “sistema” como um todo – já que seu domínio é prerrogativa para uma aplicação do método de forma eficaz – assimilados ao longo de minha graduação em Direção e Interpretação Teatral na Universidade Federal de Santa Maria. Desde o primeiro semestre de curso, nas Disciplinas Laboratório, Encenação, Técnicas de Representação e Expressão Corporal e Vocal fomos lentamente iniciados no método da Análise Ativa – como a entendo hoje – e no “sistema de Stanislávski”, embora não soubéssemos. No decurso dessas disciplinas eram trabalhados os elementos do sistema, dispersos de modo a fornecer ao aluno ator/diretor, o domínio dos mesmos através da experimentação prática em exercícios cênicos. Em conjunto com as demais disciplinas, o aluno era inserido no universo teatral e recebia noções sobre a evolução do teatro, a história da dramaturgia e dos espetáculos, a história da música, das estéticas do teatro nacional e internacional. Também se incluíam conhecimentos teóricos e práticos sobre montagem, maquiagem, figurino, cenografia paralelamente com a experimentação das diferentes técnicas de representação, bem como a experimentação das diversas estéticas teatrais com a prática da encenação. O curso funcionava de modo intensivo, com aulas no período matutino e vespertino, de segunda à sexta-feira. O período noturno, e também os finais de semana geralmente eram requisitados para ensaios, ou pessoais ou de colegas graduandos. Quando se lê a descrição de Dagostini (2007, p. 713) sobre o funcionamento das aulas no Instituto Estatal de Teatro, Cinema e Música de Leningrado, percebe-se uma grande influência desses procedimentos na aplicação do currículo de Artes Cênicas da UFSM que passou a vigorar em 1994. No decorrer do curso, descobre-se na prática o que muito bem expressou Adriana Dal Forno, em seu discurso como Coordenadora de Curso na formatura da Turma de 1999, no ano de 2004: Teatro, para início de conversa, é uma palavra de vasto território, no qual cabem inúmeras formas, técnicas, metodologias, tantas quantas forem as pessoas envolvidas e os textos/temas tratados. Há conhecimento formal no teatro, e ele diz respeito ao que já foi feito por diretores, atores e dramaturgos: práticas, teorias, estéticas. No entanto, e é esse o ponto que eu gostaria de explorar mais aqui, sendo a matéria do teatro os homens e mulheres que o fazem, seus corpos e mentes (mente no sentido amplo e não só aquele que diz respeito ao raciocínio), não resta outra saída a atores, diretores e professores senão a de se colocar diante de sua humanidade, por força deste fazer. [...] Há conhecimento subjetivo em teatro, particular, individualizado, e ele diz respeito 50 à essência da poética teatral: o que cada um, em cada texto/tema tem para explorar, descobrir, e dilatar na obra cênica e no “ser aqui e agora” que a sustenta. O conhecimento formal emerge como espetáculo, teoria de práticas e estéticas em mapas de superfície, acessível a todo aquele que quiser desfrutar. O conhecimento subjetivo – as vicissitudes do processo criativo – existe como labirinto subterrâneo acessível àqueles que participam como agentes, e que, em boa parte não aparece no espetáculo, pois o trabalho teatral, que se preocupa em ser arte, como dizia o velho mestre Stanislávski, exige muito trabalho a fundo perdido. Parte deste trabalho a fundo perdido se faz sobre técnicas, muito da técnica nos leva aos limites e transcendências do ser humano que somos, matéria do teatro. [...] A formação do labirinto subterrâneo impõe o silêncio solitário ou compartilhado, e é através dele que se descobre outro mundo, mundo sensível, sutil, acessível a qualquer um, em qualquer profissão ou atividade, mas que está sempre a espera do silêncio para se cumprir. Por ele aprende-se a estar disponível talvez a uma vida subliminar, da ordem do sonho e da imaginação. Porém, para aqueles que colocam a criação como prato suado de cada dia, este mundo é da ordem do REAL, da percepção que se dirige a cada pequeno momento e constrói o aqui e agora cênico, nossa verdade, nosso ato de criação. A formação assim, mais do que formar, dissolve para construir e dissolver novamente até a superfície da relação público e plateia se dar como obra, cujo fio, cujo real, é um fluxo, que atores e diretores cobrem de palavras, de luz, de movimento, de figurino, de cenário, de música e 84 de ideias. (DAL FORNO, Apresentação Oral,Jan./2005.) A transcrição deste trecho do discurso de Dal Forno no meu entendimento fornece um panorama do paradigma filosófico daqueles anos. Claro está que o discurso faz referência a um período específico dentro do curso e diz respeito a um determinado grupo de alunos. Sabemos que „as coisas‟ não são fixas e que variam de acordo com as pessoas, circunstâncias, acontecimentos, etc, como bem observa Dagostini (2007, p. 19): Atualmente os professores, atores e diretores que concluíram seus estudos universitários no Departamento de Artes Cênicas da UFSM, entre 1987 a 2001, e de que tenho conhecimento, encontram-se atuando em escolas, em grupos de teatro independentes, em secretarias de cultura e também em universidades do país como professores. Todos passaram pelo processo de conhecimento do método em sua trajetória de formação. Uns o assimilaram com maior paixão e domínio do que outros, e a importância que lhe atribuem, em seus trabalhos criativos ou pedagógicos, depende, sobretudo, da individualidade artística e 85 pessoal de cada um, que foge de meu alcance. (DAGOSTINI, 2007, p. 19) A cada semestre nas disciplinas práticas (Encenação, Técnicas de Representação, Expressão Corporal e Vocal e Laboratório) havia a apresentação de um exercício cênico de encerramento da disciplina. Estes exercícios ficavam restritos à 84 Discurso transcrito do vídeo de formatura da turma de 1999, no ano de 2005. Embora não me enquadre no período de graduação citado pela Doutora Nair, já que me graduei em 2003, me considero merecedor desta herança e o processo de conhecimento do método foi fundamental em meu processo artístico/pedagógico. 85 51 sala de aula e começavam a ser abertos a apreciação pública a partir do terceiro semestre, quando recebíamos, na disciplina Encenação III, o conhecimento do método para a análise do material textual, o aspecto – digamos – teórico da Análise Ativa. Somente depois de um ano de trabalho prático sobre os elementos do sistema e depois da aquisição da psicotécnica mínima para dominá-los é que fomos apresentados ao todo complexo que é o Método da Análise Ativa, síntese do trabalho de uma vida dedicada a descobrir os elementos comuns da arte da representação. Ferracini comenta este aspecto ao discorrer sobre os pais-mestres do ator criador, ao lembrar que o trabalho do ator proposto por Stanislávski opera no que Eugênio Barba chama de nível pré-expressivo, e serve para efetivar o estabelecimento e manutenção da unidade psicofísica do corpo do ator, levando sempre em consideração que esta é a primeira etapa do trabalho, do ator sobre si mesmo, e que é condição para o trabalho sobre o papel. Isto permite ao ator manter sua liberdade criativa e adaptar sua atuação a qualquer gênero ou estilo: Se pensarmos que o ator cria a partir de si mesmo, então Stanislavski [sic] propõe um sistema que independe da estética naturalista ou realista. Na verdade, esse “sistema” proposto por Stanislavski [sic] refere-se a um nível préexpressivo do ator e é independente das escolhas poéticas e-ou estéticas do diretor. Pensando sem preconceito, não se trata de realismo ou naturalismo, mas de um processo indispensável para a natureza criadora, que é o corpomente orgânico. Dessa forma, o ator torna-se independente da direção, e também, e principalmente, dos ismos que tentam definir as várias estéticas. O 86 ator passa a ser uma potência criadora em si. (FERRACINI, s.d., p. 63) O trabalho sobre o papel vai possibilitar o surgimento da personagem, que nada mais é do que ator agindo lógica e consequentemente nas circunstâncias dadas do texto, vivenciando o presente da ação, amparado em seu passado e rumo ao futuro proposto pelo autor, concretizando a linha contínua, ininterrupta, transversal de ação, de circunstância em circunstância, acontecimento após acontecimento, para alcançar o superobjetivo87 da obra. 86 Revista do LUME. Dispon. em http://primeirosinal.com.br/files/publication/12/90_210.pdf, acessado em 16/07/2010 87 K. Stanislávski fala de como chegou ao conceito de superobjetivo narrando um fato ocorrido por ocasião de uma turnê do Teatro de Arte de Moscou por São Petersburgo (Leningrado) durante um inverno muito rigoroso. Ele amplia o conceito ao diretor e ao ator, advertindo que estes devem convergir entre si, evitando as „tendências‟ contrárias ou alheias ao superobjetivo.(STANISLAVSKI, 1980, p. 327330) 52 Reforço mais uma vez que os elementos do sistema fazem referência aos processos de vivência e encarnação/personificação tidos como simultâneos, indissociáveis. Eles estão o tempo todo interrelacionados. Duas dimensões do mesmo e único caminho percorrido pelo ator para chegar ao fim maior de sua arte. Através do domínio técnico destes elementos, se estabelecem, de acordo com Stanislávski (1983, p. 353), “os três principais momentos do processo criativo: 1) a atitude interior em cena, 2) a linha ininterrupta de ações, 3) o superobjetivo”88. A seguir, discorro sobre os elementos do sistema assimilados nos três primeiros semestres da graduação, antes de receber o conhecimento teórico para a aplicação do método da Análise Ativa, em acordo com o exposto por Stanislávski no conjunto de sua obra. 2.1 Relaxamento dos Músculos Enquanto existe a tensão não se pode falar de sensações sutis, corretas, nem de uma normal vida espiritual do personagem.89 (STANISLAVSKI, 1980, p. 152) A ausência de tensão desnecessária foi uma das primeiras constatações de Stanislávski ao observar o desempenho dos grandes atores de seu tempo. O relaxamento dos músculos na teoria de Stanislávski é um importante elemento do sistema que convém ser observado no início do processo de treinamento do ator, como parte do desenvolvimento da “técnica interior” ou “psicotécnica”. Porém, como observa Tórtsov/Stanislávski (1980, p. 153) “não se pode liberar totalmente o corpo de todas as tensões supérfluas”90, mas, por outro lado, “é necessário afrouxar os músculos constantemente, tanto em cena como na vida. Se não se procede assim, a tensão e os espasmos podem chegar ao limite e sufocar o sentimento vivo durante o momento da 88 [...] los três momentos principales del processo creador: 1) la actitud interior em la escena, 2) la línea contínua de la acción, 3) el superobjetivo. (STANISLAVSKI,1983, p. 353) Grifos do autor. 89 Mientras existe la tensión no se puede hablar de sensaciones sutiles, correctas, ni de una normal vida espiritual del personage. (STANISLAVSKI, 1980, p. 152) 90 [...] no se puede liberar totalmente el cuerpo de todas las tensones superfluas. (STANISLAVSKI, 1980, p. 153) 53 criação”91. Para resolver esta contradição, Stanislávski sugere desenvolver no ator “o sentido da observação ou controle”, e que “este processo de observação de si mesmo deve se converter em um hábito mecânico, inconsciente. [...] Há que transformá-lo numa conduta normal, uma necessidade natural”92, sobretudo nos momentos de maior agitação. Stanislávski (1980, p. 154) afirma que “o controle muscular deve ser parte da conduta física, conveter-se em segunda natureza;”93 e que só assim pode ajudar o ator durante a criação. A observação dos animais – principalmente os felinos – e das crianças de colo é o que aconselha o mestre russo para o desenvolvimento do senso de controle da tensão muscular (STANISLAVSKI, 1980, p.155-157). Não se trata de eliminá-la por completo, mas de deixar agir somente a tensão necessária para a realização da ação proposta para o personagem, pois a tensão desnecessária bloqueia o fluxo energético impedindo o movimento orgânico, natural. Portanto, o estado de observação e controle se converte numa arma de luta constante para o domínio da tensão, pois como exorta Stanilávski (1980, p. 153-4), “o hábito do controle permanente de si mesmo e a luta contra a tensão devem constituir o estado normal do artista em cena”94. Para o uso exato da tensão, Tórtsov/Stanislávski (1980, p. 158) nos convida a explorar “o conhecimento do centro de gravidade do próprio corpo”95 – pois isto condiciona sua estabilidade –, bem como “estudar as leis da conservação do equìlibrio do corpo humano e com sua própria experiência aprender a determinar a posição do centro de gravidade em cada uma de suas posturas.”96 É aqui que se agregam ao controle pessoal e à liberação da tensão muscular os outros elementos da psicotécnica abordados anteriormente: a imaginação, as circuntâncias dadas e o “mágico se”. 91 [...] es necesario aflojar los músculos constantemente, tanto en la escena como en la vida. Si no se procede así la ténsion y los espasmos pueden llegar al límite de sofocar el sentiminetovivo duante el momento de la creación. (STANISLAVSKI, 1980, p. 153) 92 Este proceso de observación de sí mismo se debe convertir en un hábito mecánico, inconsciente. [...] hay que transformarlo en una costumbre normal, una necessidad natural [...]. (STANISLAVSKI, 1980, p. 153) 93 El control muscular debe ser parte del arreglo físico, convertirse en segunda naturaleza; (STANISLAVSKI, 1980, p. 154) 94 El hábito del permanente control de sí mismo y la lucha contra la tensión deben constituir el estado normal del artista en la escena. (STANISLAVSKI, 1980, p. 153-4) 95 [...] (el conocimiento del centro de gravedad del propio cuerpo). (STANISLAVSKI, 1980, p. 158) 96 [...] estudiar las leyes de conservación del equilibrio del cuerpo humano y con la propia experiencia aprender a determinar la posición del centro de gravedad en cada una de sus posturas. (Idem) 54 Cada pose, acrescida de uma imagem conecta-se a uma circunstância que, motivada pelo “se” “recebe um objetivo ativo e se converte em ação”97, infere o mestre. É suficiente acreditar nesta ficção, e de imediato uma pose sem vida se converte em uma ação real [...]. Basta sentir a verdade do ato, e em seguida a própria natureza oferece sua ajuda: a tensão supérflua se atenua, a necessária se afirma, e tudo isso transcorre sem qua haja a intervenção de uma técnica 98 consciente. (STANISLAVSKI,1980, p. 158) Para Stanislávski (1980, p. 159), a natureza é capaz de guiar aos organismos vivos melhor do que a consciência e a tão “celebrada” técnica de ator. De acordo com sua proposição, para cada pose do corpo em cena existem três momentos: tensão (inevitável a cada nova postura ou provocada pela exposição pública); relaxamento (liberação da tensão desnecessária pela intervenção do “controle”) e justificação (fundamentação da pose caso ela não desperte por si a imaginação ativa do ator). Stanislávski (1980, p. 162) determina que enquanto utiliza determinados grupos musculares, o ator precisa manter o controle sobre os grupos não trabalhados mantendo-os sem tensões desnecessárias, o que só se alcança mediante trabalho sistemático de aprimoramento técnico: Devemos nos transformar e nos adaptar por inteiro, de corpo e alma, da cabeça aos pés, de acordo com as exigências de nossa arte, ou melhor, da própria natureza. A arte está em comum acordo com ela. Nossa natureza resulta deteriorada pela vida e pelos maus hábitos adquiridos. Os defeitos que passam despercebidos na vida corrente se tornam muito perceptíveis à luz dos refletores, e de forma inoportuna saltam à vista do espectador. É natural: no palco a vida humana se mostra no pequeno espaço do cenário, como no diafragma de uma câmera fotográfica. É uma vida observada através de um prisma; é como colocar uma miniatura sob uma lupa. Diante de semelhante atenção, ao espectador não escapa o menor detalhe. (STANISLAVSKI,1980, p. 99 162) 97 [...] recibe un objetivo ativo y se conviere en acción. (STANISLAVSKI, 1980, p. 158) Es suficiente creer en esta ficción, y de inmediato una pose sin vida se convierte en una acción real [...]. Basta sentir la verdad del acto, y en seguida la naturaleza misma ofrece su ayuda: la tensión superflua se atenúa, la necesaria se afirma, y todo esto trascurre sin que intervenga una técnica consciente. (STANISLAVSKI, 1980, p. 158) 99 Debemos trasformarnos y adaptarnos por entero, en cuerpo y alma, de la cabeza a los pies, de acuerdo con las exigencias de nuestro arte, o mejor dicho, de la misma naturaleza. El arte está en muy buenos términos com ella. Nuestra naturaleza resulta deteriorada por la vida y por los malos hábitos adquiridos. Los defectos que pasan inadvertidos en la vida corriente se vuelven muy notables a la luz de la candilejas, y de un modo inoportuno saltan a la vista del espectador. Es natural: en las tablas la vida humana se muestra en el estrecho espacio del escenario, como en el diafragma de uma cámara fotográfica. Es una vida observada con prismáticos; es como si colocaran una miniatura bajo una lupa. Ante semejante atención, no escapa al espectador el menor detalle. (STANISLAVSKI, 1980, p. 162) 98 55 Mais uma vez se percebe que os elementos do sistema que compõem a psicotécnica estão imbricados e sua divisão é necessária para poder esclarecer os meandros de sua relação. Mediante trabalho sistemático sobre si mesmo, atores e diretores vão aperfeiçoando sua técnica pessoal e cada vez mais se aproximando da “vida do espìrito humano”, na assimilação e adaptação dos exercìcios propostos na abordagem do “Sistema Stanislávski”, que precisa ser vivenciado na prática para ser compreendido. No curso da UFSM, os aspectos relacionados ao relaxamento muscular eram trabalhados em todas as disciplinas práticas, especialmente nas aulas de Expressão Corporal e Vocal, Laboratório e Interpretação, que possibilitavam ao aluno ator/diretor a concentração e a consciência corporal necessárias para exercitar-se nos elementos do sistema; a respiração acertada, o posicionamento correto da coluna vertebral, controle, precisão, ritmo interno e externo, decisão, adaptação e expressividade. 2. 2 A IMAGINAÇÃO O trabalho criativo no papel e na transformação do texto verbal do dramaturgo na vida da cena transcorre, integralmente, desde o princípio até o fim, com a ajuda da imaginação.100 ( STANISLAVSKI,1980,p. 119) O trabalho do ator na peça e no papel na proposição de Stanislávski (1980), começa com o emprego da palavra mágica “se” “como alavanca que eleva o artista da realidade cotidiana ao plano da imaginação”101, já que em cena não há acontecimentos verdadeiros, reais, somente circunstâncias dadas pela inventividade do autor, acrescidas dos “se” do diretor, técnicos e atores. “A realidade não é arte”102. A arte, assim como a obra dramatúrgica são, por natureza, fruto da imaginação e “a tarefa do ator e de sua técnica consiste em transformar a ficção da obra no acontecimento 100 El trabajo creador en el papel y en la transformación del texto verbal del dramaturgo en la vida de la escena trascurre íntegramente, desde el princípio hasta el fin, con la ayuda de la imaginación. (STANISLAVSKI, 1980, p. 119) 101 [...] como palanca que eleva al artista de la realidad cotidiana al plano de la imaginación.” (STANISLAVSKI, 1980, 98) 102 La realidad no es el arte. (STANISLAVSKI, 1980, 98) 56 artístico da cena”103. Considerando que nesse processo a imaginação desempenha um importante papel, vou me deter em esclarecer suas características e funções na perspectiva do trabalho criativo do ator. Para tanto, começo por diferenciar “imaginação” de “fantasia”. Embora alguns dicionários da Língua Portuguesa tratem os vocábulos como sinônimos, Konstantin Serguiêievitch aponta particularidades com relação a uma e outra, quando fala da importância da imaginação e da fantasia na composição de obras de arte que apresentam realidades desconhecidas por seus autores: – A imaginação cria o que é, o que acontece, o que conhecemos; a fantasia, por sua vez, nos mostra o que não conhecemos, o que jamais foi nem aconteceu na realidade. Ainda que, talvez, quem sabe, possa vir a acontecer. [...] A fantasia sabe tudo, é toda-poderosa (sic), e é, assim como a imaginação, 104 indispensável para um pintor. (STANISLAVSKI,1980, p. 99) Concepção próxima à oferecida por Stanislávski aos seus alunos pode ser verificada recorrendo ao pensamento filosófico ocidental, na definição de Japiassú & Marcondes (2001, p.138) do verbete “Imaginação”, em que a mesma diferenciação aparece com os nomes de “imaginação reprodutiva” e “imaginação criadora”. Podemos comprovar ainda outras três definições: Imaginação (lat. Imaginatio) Faculdade criativa do pensamento pela qual este produz representações (imagens) de objetos inexistentes, não tendo, portanto, função cognitiva. 1. Descartes chama de Ideias da imaginação as ideias produzidas por nossa mente (a quimera, a sereia), que não correspondem a objetos da experiência. 2. Em Kant, a imaginação (Einbildunskraft) é uma faculdade da consciência que unifica e sintetiza a diversidade dos dados da intuição, constituindo assim a condição de possibilidade do conhecimento. 3. Tradicionalmente distingue-se a imaginação reprodutiva, que produz imagens daquilo que percebemos, e a imaginação criadora, que produz imagens do que jamais percebemos. A imagem não é cópia de um objeto real, mas seu processo é uma imitação da percepção. (JAPIASSÚ & MARCONDES, 2001, p. 138) A mesma importância atribuída por Stanislávski à imaginação no trabalho do artista plástico exerce a imaginação sobre o trabalho do ator. Ela é fundamental na 103 La tarea del actor y de su técnica consiste en trasformar la ficción de la obra en el acontecimiento artístico de la escena. (STANISLAVSKI, 1980, 98) 104 – La imaginación crea lo que es, lo que sucede, lo que conocemos; la fantasía, en cambio, nos muestra lo que no conocemos, lo que jamás fue ni sucedió en la realidad. Aunque tal vez, quién sabe, pueda llegar a suceder. [...] La fantasía lo sabe todo, es todopoderosa, y es, lo mismo que la imaginación, indispensable para un pintor. (STANISLAVSKI, 1980, p. 99) 57 invenção dos “se” e em sua aproximação às “circunstâncias dadas”, já que os dramaturgos em geral são econômicos em seus comentários sobre os personagens, limitando-se a oferecer poucas características acerca dos mesmos. Com tais descrições superficiais não é possível formar na totalidade a imagem externa do personagem, seus modos, seus hábitos, seu jeito de andar; tampouco se podem determinar as possibilidades de seu caráter, seus impulsos, suas ideologias, seus sentimentos. Posso citar a apresentação dos personagens nas peças de Shakeaspeare como exemplo. O laconismo deve ser preenchido completa e profundamente pela imaginação do ator. Só então todas as informações agregadas pelo diretor e seus colaboradores (iluminador, cenógrafo, figurinista, aderecista etc.) às circunstâncias dadas pelo autor, poderão atingir seu objetivo, o de alcançar o público de forma verossímil. Só então o ator poderá começar a viver em sua plenitude a vida interior da personagem e atuar como ordenam o autor, o diretor e nosso próprio sentimento. Ao longo desta tarefa nosso colaborador mais direto é a imaginação, com o mágico “se” e as “circunstâncias dadas”. Ela não só nos diz o que calaram o autor, o diretor e os demais, como, além disso, vivifica o trabalho de quantos interveem no espetáculo e cuja criação chega ao público, antes de tudo, através do êxito dos atores. Resulta indispensável [ao ator] em cada momento de sua tarefa artística e de sua vida na cena, tanto ao aprender como ao reproduzir seu papel. No processo criador, a imaginação é a 105 vanguarda que guia o artista. (STANISLAVSKI,1980, p. 100) Mas a imaginação não está no reino das ideias, no imaterial? Como torná-la concreta e palpável? A questão da materialidade da imaginação já foi largamente discutida por filósofos de praticamente todos os períodos, como nos lembra Jean-Paul Sartre (1905-1980) em seu ensaio sobre a imaginação, e é comum a ideia de que: Ela [a imaginação] possui a estranha propriedade de poder motivar as ações da alma; os movimentos do cérebro, causados pelos objetos exteriores, embora não contenham semelhança com elas, despertam na alma ideias; as ideias não vêm dos movimentos, são inatas no homem, mas é por ocasião dos movimentos que elas aparecem na consciência. (SARTRE, 2008, p.13) 105 Sólo entonces podrá el actor empezar a vivir en su pelnitud la vida interior del personaje y actuar como ordenan el autor, el director y nuestro propio sentimiento.En toda esta labor nuestro colaborador más directo es la imaginación, con el mágico “si” y las “circunstancias dadas”. Ella no sólo nos dice lo que callaron el autor, el director y los demás, sino que además vivifica el trabajo de cuantos intervienen en el espetáculo, y cuya creación llega al público, ante todo a través del éxito de los actores. [...] Le resulta indispensable en cada momento de su labor artística y de su vida en la escena, tanto al aprender como al reproducir su papel. En el proceso creador, la imaginación es la vanguardia que guía al artista. (STANISLAVSKI, 1980, p. 100) 58 Os movimentos da consciência, ou a atividade da imaginação, para René Descartes (1596-1650) segundo Sartre, funcionam como “signos que provocam na alma alguns sentimentos”106 (2008, p. 13-14), embora afirme o autor que Descartes não aprofunde a ideia do signo e tampouco explique como há a consciência desse signo, que só terá seu conceito aprofundado com Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716). Para Sartre (2008, p. 14), o pensamento cartesiano “parece admitir uma ação transitiva entre o corpo e a alma que o leva ou a introduzir na alma uma certa materialidade, ou na imagem uma certa espiritualidade”, mesmo sem que haja a compreensão de “como no pensamento pode haver intervenção da imaginação e do corpo”. O pensamento cartesiano não permite distinções entre as sensações e as lembranças ou ficções, “pois em todos os casos há os mesmos movimentos cerebrais, quer os espíritos animais sejam acionados por uma excitação vinda do mundo exterior, do corpo ou mesmo da alma.” O filósofo francês destaca o fato de que a teoria da imagem é separada da teoria do conhecimento tanto em Descartes quanto em Baruch Spinoza (1632-1677), que contrapõe o dualismo corpo-mente do primeiro. Em Spinoza, a teoria da imagem liga-se à descrição fisiológica: a imagem é uma afecção do corpo humano; o acaso, a contiguidade, o hábito são as fontes de ligação das imagens, e a lembrança é a ressurreição material de uma afecção do corpo, provocada por causas mecânicas; os transcendentais e as ideias gerais que constituem a experiência vaga são o produto de uma confusão de imagens, de natureza igualmente material. A imaginação, ou o conhecimento por imagens, é profundamente diferente do entendimento; ela pode forjar ideias falsas e apresenta a verdade de forma truncada. Contudo, embora se oponha à ideia clara, a imagem tem em comum com ela o fato de também ser uma ideia; é uma ideia confusa, que se apresenta como um aspecto degradado do pensamento, mas na qual se exprimem as mesmas ligações que no entendimento. Imaginação e entendimento não são absolutamente distintos, pois uma passagem é possível de um ao outro pelo desenvolvimento das essências envolvidas nas imagens. Eles estão, [...] ao mesmo tempo separados entre si e continuamente ligados. (SARTRE, 2008, p. 14-15) Sartre (2008, p. 15) chama a atenção para o duplo aspecto que se infere do conceito de imagem para Spinoza: “ela é profundamente distinta da ideia, é o 106 Note-se a semelhança com o pensamento defendido posteriormente por Ribot e Associado por Stanislávski ao trabalho do ator: “Em cada ação fìsica há algo de psicológico e no psicológico, algo fìsico” (En cada acción física hay algo de psicológico, y en lo psicológico algo de lo físico.) (STANISLAVSKI, 1980, p. 206) 59 pensamento do homem enquanto modo finito, e no entanto é ideia e fragmento do mundo infinito que é o conjunto das ideias”. Portanto, separada do pensamento, a imagem tende a confundir-se com ele e já não se distingue, na teoria de Spinoza, com tanta clareza quanto em Descartes. O mesmo se percebe no pensamento de Leibniz, que se empenha em “estabelecer uma continuidade entre estes dois modos de conhecimento: imagem, pensamento; a imagem, nele, é penetrada de intelectualidade”. Ambos descrevem inicialmente “o mundo da imaginação” como “um puro mecanismo”, “onde nada permite distinguir imagens propriamente ditas e sensações, umas e outras exprimindo estados do corpo”. Porém, no desenvolvimento do associacionismo, ainda segundo Sartre (2008, p. 15-16), para Leibniz as implicações da imagem já não se dão no plano fisiológico: “é na alma que, de um modo inconsciente, as imagens se conservam e são ligadas entre si. Somente as verdades estabelecidas pela razão têm entre si ligações necessárias, somente elas são claras e distintas”. Em Leibniz também há a distinção entre o “mundo da imaginação” e o “mundo da razão” e a relação entre ambos se dá normalmente, já que, como aponta Sartre (2008, p. 16), para Leibniz o entendimento nunca é puro, “pois o corpo está sempre presente à alma”. Portanto, o papel da imagem na formulação do entendimento é acidental e subordinado, “o papel de um simples auxiliar do pensamento, de um signo.” De acordo com Sartre, Leibniz busca aprofundar essa noção de signo: segundo ele, o signo é uma expressão, ou seja, na imagem há a conservação do mesmo sistema de relações que no objeto do qual ela é a imagem, a transformação de um no outro pode exprimir-se por uma regra válida tanto para totalidade quanto para cada parte. Assim, a única diferença entre imagem e ideia é que, num caso, a expressão do objeto é confusa e, no outro, clara; [...] Portanto, entre imagem e ideia há uma diferença que se reduz quase a uma pura diferença matemática: a imagem tem a opacidade do infinito; a ideia, a clareza da quantidade finita e analisável. Ambas são expressivas. (SARTRE, 2008, p. 16) É a expressividade, tanto da ideia como da imagem que nos interessa na qualidade de artistas; a mecânica do movimento provocado pela imaginação criativa e sua implicação na exteriorização do movimento interior como tradução do mundo ficcional proposto pelas circunstâncias e “se” diversos, já que, como observa Sartre (2008, p. 17), “sempre é preciso uma construção arbitrária do espírito para que a seguir o espìrito possa admitir que se encontra diante de relações equivalentes”. 60 Como colocar em movimento a imaginação? Para isso, o ator deve acreditar no imaginado como acredita nos fatos da realidade, permitindo assim que sua imaginação se torne ativa. “A atividade na vida imaginada tem para o ator uma importância extraordinária; é ela que deve provocar a ação interna e em seguida a ação externa” 107 concreta e verdadeira. Para despertar uma imaginação ativa, Stanislávski aconselha a prática de exercícios pela sugestão dos mais diversos tipos de “se”. Nos exercìcios, o trabalho da imaginação substitui as circunstâncias dadas e influi diretamente na mudança da lógica de conduta dos participantes provocando uma intervenção ativa, os atores são transportados de uma situação real ao plano do imaginário somente com a suposição de pequenas alterações, como a hora do dia, o local, as condições climáticas e geográficas, a sala, os objetos, as pessoas com quem se relacionam etc. “São muitas as ideias e as sensações que provoca a ficção que se acrescenta. Tudo isso influi sobre a disposição geral e dá o tom ao que se seguirá fazendo.” 108 Como na vida real, cada instante da vida imaginada requer ações específicas, imprescindíveis, dirigidas a uma finalidade que vai se desenhando de modo lógico e contínuo na imaginação do ator. Por sua vez, o ator precisa acreditar na necessidade provocada pela imaginação, caso contrário seu mundo imaginado perde o sentido e se esvai seu interesse, dispersando-se assim sua atenção, desmaterializando o mundo imaginado. Sem dúvida, a criação não depende somente do trabalho interno da imaginação, mas também da encarnação externa de suas imagens. Para facilitar essa externalização, Stanislávski sugere que inicialmente os exercícios para estimular a imaginação tenham “em maior ou menor grau, relação com o mundo dos objetos que nos rodeiam” 109. Depois de bem treinado em relacionar objetos concretos e a própria imaginação, é então possível ao ator trabalhar no plano do imaginário, no qual tudo transcorrerá mentalmente, porém mantendo o mesmo caráter ativo da realidade, em que, com raras exceções, tudo é lógico e coerente, como deve ser o que inventa a imaginação. Nesse 107 La actividad en la vida imaginada tiene para el actor una importancia extraordinaria; ella es la que debe provocar la acción interna y luego la acción externa. (STANISLAVSKI, 1980, 102). 108 Son muchas las ideas y las sensaciones que provoca la ficción que se ha introducido. Todo esto influye sobre la disposición general y da el tono a lo que se seguirá haciendo. (STANISLAVSKI, 1980, 103) 109 [...] en mayor o menor grado, relación con el mundo de los objetos que nos rodean. (STANISLAVSKI, 1980, 106) 61 processo de exercitação da imaginação sem relação com a realidade conhecida, dificilmente o ator encontrará em sua memória o material necessário sem recorrer ao auxìlio de “[...] livros, quadros, fotografias e outras fontes que proporcionam os conhecimentos ou reproduzem as impressões de outras pessoas110: [...] Aí terá notícias das condições de vida e costumes de diversos países, cidades, etc. O restante, o que falta para criar imaginariamente a viagem ao redor do mundo, ficará liberado para a imaginação. Todos esses dados importantes fazem que o trabalho seja mais lógico, que não lhe falte fundamento, como ocorre sempre aos sonhos “em geral”, que conduzem o ator a uma falsa atuação, puramente mecânica. [...] Mas não esqueça, que a todo o momento se faça presente a lógica. Isso ajudará a aproximar o sonho vago e 111 desfocado da sólida e inabalável realidade. (STANISLAVSKI,1980, p. 108) Stanislávski (1980, p. 108) lembra que “a ilusão recebeu da natureza mais possibilidades do que [possui] a própria realidade” e que “a imaginação desenha o que na vida real seria irrealizável”112. Todo tipo de referência ao nosso alcance, a ciência, a literatura, a pintura só nos fornecem “sugestões, estìmulos, pontos de orientação para as excursões imaginárias pelos domínios do irreal, e em nossa fantasia recai a principal parte da criação”113. Para tornar possível a crença nesse universo fictício são necessários meios que facilitem a aproximação da fantasia à realidade, e nesse processo a lógica e a coerência ocupam lugar de importância, “ajudando a aproximar o impossível ao provável”114. A imaginação converte os atores em “personagens ativos da vida imaginária”, na qual deixam de ver a si próprios e passam a ver o seu entorno, “como verdadeiros participantes dessa vida. No momento de seus sonhos ativos, se cria em vocês [nos 110 [...] libros, cuadros, fotografias y otras fuentes que proporcionan los conocimientos o reproducen las impresiones de otras personas. (STANISLAVSKI, 1980, p. 108) 111 [...] Ahí tendra noticias de las condiciones de vida y costumbres de diversos países, ciudades, etc. Lo demás, lo que falta para crear imaginariamente el viaje alrededor del mundo, quedará librado a la imaginación. Todos estos datos importantes hacen que el trabajo sea más lógico, que no esté falto de fundamento, como son siempre los sueños “en general”, que conducen al actor hacia la actuación falsa, puramente mecánica. [...] Pero no olvide que en todo momento esté presente la lógica. Esto le ayudará a acercar el sueño vago y borroso a la sólida e inconmovible realidad. (STANISLAVSKI, 1980, p. 108) 112 [...] la ilusión recibió de la naturaleza más posibilidades que la realidad misma.[...] la imaginación dibuja lo que en la vida real es irrealizable. (STANISLAVSKI, 1980, p. 108) 113 [...] sugerencias, estímulos, puntos de orientación para las excursiones imaginarias por los dominios de lo irreal, y en nuestra fantasía recae la parte principal de la creación. (STANISLAVSKI, 1980, p. 108) 114 [...] ayudando a acercar lo imposible a lo probable. (STANISLAVSKI, 1980, p. 108) 62 atores] o estado que chamamos „estou‟”.115 Basta haver a sugestão de um tema para que a fantasia desperte no ator o que, nas palavras de Tórtsov, Stanislávski (1980, p. 109) denomina de “visão interior”, imagens correspondentes ao conteúdo imaginado. Portanto, a principal função da imaginação no processo de assimilação do sistema é fornecer ao ator subsídios para que ele possa completar com imagens interiores as lacunas entre os fragmentos de informações que ele possui acerca da cena ou do exercício de improvisação que realiza; ou seja, criar uma série ininterrupta de imagens que contemplem a totalidade das ações que necessita executar a partir das circunstâncias dadas: Isso, precisamente, completar! É o que se deve sempre fazer quando o autor, diretor e os demais participantes do espetáculo não chegam a dizer tudo o que precisa saber o artista criador. Antes de tudo, devemos ter uma série contínua de "circunstâncias dadas" em meio às quais se desenvolve nosso exercício. Em segundo lugar, repito, devemos dispor de uma linha ininterrupta de visões interiores em relação a essas circunstâncias, de modo que elas fiquem ilustradas por nós. Por isso [...] durante cada um dos momentos em que se desenvolve a ação da obra, devemos permanecer atentos tanto às circunstâncias externas que nos cercam (a montagem material que constitui a produção) quanto à cadeia de circunstâncias internas que imaginamos para ilustrar nossas partes. Desses momentos se deverá formar uma linha contínua de imagens, uma espécie de filme. E enquanto atuamos de modo criativo, esse filme deverá ser projetado na tela de nossa visão interior, tornando vivas as circunstâncias em meio às quais nos movemos. Além disso, ao criar uma disposição de ânimo correspondente, as imagens internas despertam emoções 116 que nos mantêm dentro dos limites da obra. (STANISLAVSKI,1980, p. 110) Quando narramos um fato, ou contamos uma história em nossa vida cotidiana, nossa mente se inunda de imagens referentes àquilo que estamos dizendo como 115 [...] personajes activos de la vida imaginaria,[...]como verdaderos participantes de esa vida. En ese momento de vuestros sueños activos se crea en vosotros el estado que llamamos “estoy”. (STANISLAVSKI, 1980, p. 109) 116 !Eso, precisamente, completar! Es lo que hay que hacer siempre cuando el autor, el director y los demás participantes del espetáculo no llegan a decir todo lo que necesita saber el artista creador. Antes que nada debemos tener una serie continua de “circunstancias dadas” em medio de las cuales se desarrolla nuestro ejercicio. En segundo lugar, repito, debemos disponer de una uma linha ininterrupta de visiones internas en relación a esas circunstâncias, de manera que éstas queden ilustradas por nosotros. Por eso, [...] durante cada uno de los momentos en los que se desarrolla la acción de la obra, debemos permanecer atentos tanto a las circunstancias externas que nos rodean (el montage material que constituye la producción) como a la cadena de circunstancia internas que hemos imaginado nossotros mismos para ilustrar nuestras partes. De esos momentos se deberá formar una línea continuada de imágenes, una especie de filme. Y mientras actuemos de manera cretiva, ese filme deberá proyectarse dentro de nosotros mismos, en la pantalla de nuestra visión interna, haciendo vivas las circunstancias en medio de las cuales nos movemos. Además, las imágenes internas, al crear una disposición de ánimo correlativa, despiertan emociones que nos mantienen dentro de los límites de la obra. (STANISLAVSKI, 1980, p. 110) 63 processo natural, biológico. Em cena, ou em situação de representação o ator precisa recriar este mecanismo de modo artificial, pelo uso da imaginação e é a isso que se prestam os exercìcios de estìmulo à imaginação, “porque nossas sensações e vivências são caprichosas, esquivas, variáveis; não se pode submetê-las a uma „fixação‟”. Por outro lado, “a visão117 é mais acessível. Suas imagens se fixam fortemente e com maior liberdade em nossa memória visual e voltam a renascer em nossas representações”.118 Essa visualização interior quando fiel à lógica das circunstâncias dadas permite que o ator alcance um estado de ânimo análogo ao que existe na obra, provocando as vivências, os impulsos e as próprias ações correspondentes ao personagem. Para garantir a atividade da imaginação e sua capacidade de estimular ações corretas no ator, Stanislávski ressalta que há certos pontos que se precisa destacar. Para colocar a imaginação de um ator/aluno para trabalhar facilita dirigir-lhe algumas perguntas às quais ele terá de responder ativamente: “quem”, “o quê”, “quando”, “onde”, “por quê”, “para quê” e “como” (1980, p. 114-116; 1990, p. 312-313). Ele esclarece as sutilezas de aplicação desse „questionário‟ num clássico exemplo sobre a vida de um carvalho descrita em cada detalhe de sua imaginária existência. A escolha de uma árvore para ilustrar seu raciocínio se dá, nas palavras de Tórtsov, porque um tema passivo requer da imaginação um intenso trabalho prévio. Quando questionado por um aluno “[...] como se pode atuar na inação, estando imóvel num mesmo lugar?”, Tórtsov replica “– Sim, é claro, [a árvore] não pode se mover de um lugar para outro, caminhar. Mas há também outras formas de ação. Para despertá-las decida primeiro o lugar onde você está: num bosque, numa pradaria, numa montanha, onde preferir”.119 É óbvio que uma árvore não pode impor-se um objetivo, mas pode ter uma finalidade, servir a algum propósito, algo que se assemelha com a ação: 117 O tradutor Salomón Merener em nota, chama a atenção para o fato que na prática do trabalho de Stanislávski, „visão‟ ou „visões‟, denotam a soma total de nossas representações imaginárias e sensoriais sobre o objeto e que as mesmas não devem ser estáticas, e sim captadas pelo ator em seu desenvolvimento, em sua dinâmica. (STANISLAVSKI, 1980, p. 117, NOTA 20.) 118 Porque nuestras sensaciones y vivencias son caprichosas, inasibles, variables; no se pueden someter a un “fijación” [...]. La visión es más accesible. Sus imágenes se grabam más libre e fuertemente en nuestra memoria visual y vuelven a renacer en nuestras representaciones. (STANISLAVSKI, 1980, p. 112) 119 [...]?como se puede actuar en la inacción, estando inmóvil en un mismo sítio? – Sí, por supuesto, no puede desplazar-se de um lugar a otro, caminar. Pero hay también otras formas de acción. Para despertarlas, decida en primer lugar dónde está usted: en un bosque, en un prado, en una montaña, donde más le guste.(STANISLAVSKI, 1980, p. 113) 64 Se a imaginação permanece inativa, formule uma pergunta simples. O aluno deve respondê-la. Se ele responde sem pensar no que diz, não aceito sua resposta. Então, a fim de dar uma resposta mais satisfatória, deve ou ativar sua imaginação, ou responder usando raciocínio lógico. O trabalho imaginativo é amiúde preparado e conduzido de forma consciente, intelectual. O aluno então vê algo, seja em sua memória, seja em sua imaginação: algumas imagens visuais definidas se lhe apresentam. [...] Depois, outra pergunta e o processo se repete. Assim, uma terceira, uma quarta vez, mantendo e prolongando esse momento até tornar [a imagem] aproximada ao quadro geral. O que tem mais valor nisso é que a ilusão foi gerada a partir das próprias imagens internas do aluno. [...] Com imaginações lentas e preguiçosas, que não respondem nem sequer às mais simples sugestões [...] só resta um recurso: não somente formulo uma pergunta, como também sugiro a resposta. Se o aluno pode aproveitá-la, partirá daí; senão, a substituirá e colocará outra em seu lugar; de qualquer forma, se verá obrigado a usar sua própria visão interior. 120 (STANISLAVSKI,1980, p. 114) Nesse tipo de exercício, pela via da imaginação vão se acumulando circunstâncias dadas em quantidade suficiente para responder à maioria das perguntas que se propõe ao ator, de modo que ele tenha claro quando, onde, por quê e para quê está em cena. A resposta a essas perguntas simples com a ajuda dos “„se‟ mágicos” servem de estìmulo para impulsionar o ator à ação, que “precisa ser despertada com um objetivo e uma aspiração”121. Mesmo um tema passivo pode produzir um estímulo interno e deste uma incitação à exteriorização, um movimento em direção à ação. Obviamente a premissa não é válida para a árvore; “esse problema em particular é insolúvel, e não se pode culpar [o ator] se o tema não possui ação em si”122, mas continua sendo válida como exemplo de como os exercícios para desenvolver a imaginação podem ensinar o ator a preparar suas visões interiores para o papel. 120 Si la imaginación permanece inactiva, formule una pregunta sencilla. El alumno tiene que contestar-la. Si responde sin pensar en lo que dice, no acepto su respuesta. Entonces, a fin de dar una contestación más satisfactoria, debe, o bien activar su imaginación, o bien aproximar el sujeto a su mente por medio de un razonamiento lógico. El trabajo imaginativo es a menudo preparado y dirigido de manera consciente, intelectual. El alumno entonces, ve algo, sea en su memoria, sea en su imaginación: ciertas imágenes visuales definidas se le presentan. [...] Después, otra pregunta, y el processo se repite. Así una tercera, una cuarta vez, manteniendo y prolongando ese instante hasta hacerlo algo aproximado del cuadro general. Lo que más valor tiene de ello es que la ilusión ha sido entresacada de las propias imágenes internas del alumno. [...] con imaginaciones lentas y pezerosas, que no responden siguiera a las más simples sugerencias [...] sólo queda un recurso: no solamente formulo una pregunta, sino que también sugiero la respuesta. Sí el alumno puede aprovecharla, de allí partira; si no, la cambiará e pondrá otra en su lugar; de todos modos se habrá visto obligado a usar su propia visión interna. (STANISLAVSKI, 1980, p. 114) 121 Hay que despertarla con un objetivo y un aspiración. (STANISLAVSKI, 1980, p. 116) 122 Ese problema particular es insoluble, y no se puede culpar a usted si el tema no tiene acción en sí. (STANISLAVSKI 1980, p.117) 65 Toda a invenção criada pela imaginação do autor deve ser completamente trabalhada e firmemente estabelecida sobre a base dos acontecimentos determinados pelas circunstâncias dadas. Com a ajuda do “se” e colocando-se ativamente mediante as perguntas “quem”, “o quê”, “quando”, “onde”, “por que”, “para quê” e “como” o ator cria para si “uma imagem cada vez mais definida da vida que só existe na ilusão”.123 Stanislávski (1980, p. 118) insiste que é preciso compreender que “a imaginação, mesmo que não possua substância corpórea, pode afetar a nossa natureza física de modo reflexo e fazê-la agir”.124 Essa faculdade da imaginação é da maior importância na psicotécnica proposta por Konstantin Serguiêievitch (1980, p. 119), que propugnava que “nem um só movimento, nem um só passo em cena deve ser executado mecanicamente, sem um fundamento interior, ou seja, sem que intervenha a imaginação”125. Todos e cada um dos movimentos que vocês executam no palco, e cada palavra que dizem, deve ser consequência direta da vida normal da imaginação. Se disserem suas falas ou executarem algo mecanicamente, sem saber exatamente quem são, de onde vieram, por que, o que querem, aonde vão e o que farão quando o conseguirem, estarão atuando sem imaginação. 126 (STANISLAVSKI,1980, p. 118) Para que a imaginação possa fluir livremente, a disciplina e uma atmosfera de calma nos ensaios são de suma importância. Faz-se necessário que o ator realize o que Stanislávski (1989, p. 218) denominava uma toalete de preparação de seu aparato psicofísico antes dos ensaios e principalmente antes de cada apresentação, como ele observara de Salvini. No estabelecimento do círculo criador, a concentração é condição sine qua non para liberar o mecanismo da imaginação: A imaginação criadora de um ator, para ser ativa, deve possuir antes de tudo a qualidade indispensável de toda arte criadora – a calma. Essa calma na qual só se pode conseguir harmonia de pensamento e de ação. Resulta impossível 123 Una imagen cada vez más definida de la vida que sólo existe en la ilusión. (STANISLAVSKI 1980, p.118) 124 [...] la imaginación que no tiene sustancia corpórea puede afectar de modo reflejo a nuestra naturaleza física y hacerla actuar. (STANISLAVSKI, 1980, 118) 125 Ni un solo movimiento, ni un solo paso en la escena se deben realizar mecánicamente, sin un fundamento interior, o sea, sin que intervenga la imaginación. (STANISLAVSKI, 1980, p. 119) 126 Todos y cada uno de los movimientos que realizáis en la escena, y cada palabra que decís, debe ser resultado directo de la vida normal de la imaginación. Si decís lineas o ejecutáis algo mecánicamente, sin saber a ciencia cierta de quiénes son, de dónde han venido, por qué, qué quieren, a dónde van y qué harán cuando lo consigan, estaréis actuando sin imaginación. (STANISLAVSKI, 1980, p. 118) 66 formar um círculo criador, quer dizer, o lugar onde a imaginação deva ser posta em movimento se [...] sua mente está oprimida pela lembrança de alguma cena desagradável em família, ou pelo temor de que a administração do teatro não lhe queira dar um papel de protagonista na próxima montagem ou não lhe 127 pague tanto como paga a Fulano. Estes aspectos do sistema eram trabalhados em disciplinas como Encenação, Técnicas de Representação e Laboratório. A aplicação da concentração no direcionamento da atenção em cena é tema do próximo tópico, Atenção Cênica, no qual abordarei mais este elemento do sistema. 2. 3 ATENÇÃO CÊNICA OU ATENÇÃO CRIADORA Como é que pode? Quando a gente se sente bem no palco, ninguém elogia, quando se sente mal, aprovam! Que história é essa? Que divergência é essa entre a nossa própria maneira de sentir-se em cena e as impressões do público?! (STANISLAVSKI, 1989, p. 63) – Estou sendo observado! Esta simples sugestão, ou constatação, pelo ator, também provoca reações físicas instantâneas, como acontece com a proposição do “mágico se”, mas ao contrário das provocadas pelos “se”, estas são prejudiciais ao bom desempenho em cena. A presença de qualquer tipo de espectador sempre provoca desconforto no ator, mas por outro lado, atuar sem sua presença é tedioso, como já observara Stanislávski (1980, p.123). É preciso desviar a atenção do magnetismo do público que emana do “buraco negro do proscênio”128. Anular este paradoxo é o segredo que nos revela Stanislávski (1980, p.124): “O segredo parece ser bastante simples: a fim de se esquecer da plateia há que se interessar pelo que há na cena” 129. 127 La imaginación creadora de un actor debe poseer ante todo, si ha de ser activa, la cualidad indispensable de todo arte creador – la calma. Esa calma en que sólo se puede lograr la armonia de pensamiento y acción. Resulta imposible formar un círculo creador, es decir, el lugar donde la imaginación deba ser puesta em movimiento si [...] su mente está oprimida por el recuerdo de alguna desagradable escena familiar o por el temor de que la administración del teatro no le quiera dar un papel protagónico en la siguiente obra o no le pague tanto com paga a Fulano. (STANISLAVSKI, 1990, 170171) 128 [...] hueco negro del proscenio [...] (STANISLAVSKI, 1980, p. 120) 129 El secreto parece ser bastante sencillo: a fin de olvidarse de la platea, hay que interesarse por lo que hay en la escena. (STANISLAVSKI, 1980, p. 124) 67 Para mitigar o inconveniente da exposição inerente à arte do ator, Stanislávski aconselha o treinamento da capacidade de concentração e o direcionamento da atenção em cena. Para isso, propõe “que o artista necessita um objeto de atenção, e que este não deve estar na plateia, senão no palco”130. A partir disso, desenvolve os conceitos de “objetos de atenção”131 (animados/inanimados, reais/imaginados), e “cìrculos de atenção”132 (pequenos, médio e grande círculos), que devem ser trabalhados pelo ator com o auxìlio do “mágico se” e das “circunstâncias dadas”. A capacidade de concentração desperta a imaginação, a capacidade de o ator visualizar as circunstâncias dadas de determinado acontecimento e colocar-se “como se” ali estivesse, invertendo a polaridade do magnetismo do “buraco negro”, que deve emanar também do palco para a plateia: [...] há que se aprender, por meio de exercícios sistemáticos, a manter a atenção na cena. É preciso desenvolver uma técnica especial que ajude a apegar-se ao objeto, de modo que o próprio objeto, que se encontra na cena, nos faça esquecer tudo que está fora dela. Em outras palavras, [...] há que se 133 aprender a olhar e ver na cena. (STANISLAVSKI,1980, p. 125) Para exemplificar os objetos de atenção, Stanislávski (1980, p. 125) elabora exercícios de observação com o auxílio de um foco luminoso. Estes exercícios possibilitam ao ator o domínio do seu foco de atenção, direcionado então aos objetos contidos nos círculos. Com o ambiente todo às escuras, ele ilumina somente um objeto, para ilustrar o que denomina “o objeto próximo”, sugerido para “os momentos em que devemos concentrar nossa atenção e evitar que se disperse em coisas distantes”134. Em seguida, solicita que se repita o exercício com as luzes acesas, determinando um objeto próximo que deve ser observado, examinado e manipulado pelo ator. “A atenção dirigida a um objeto desperta ainda mais a observação. Deste modo a ação entrelaçada 130 [...] que el artista necesita un objeto de atención, y que éste no debe estar en la sala, sino em el escenário. (STANISLAVSKI, 1980, p. 124) 131 (STANISLAVSKI, 1980, p. 123 e seguintes) 132 (STANISLAVSKI, 1980, p. 131 e seguintes) 133 [...] hay que aprender, merced a ejercicios sistemáticos, a mantener la atención en la escena. Es preciso desarrollar una técnica especial que ayude a aferrarse al objeto, de modo tal que el objeto mismo, que se encuentra en la escena, nos haga olvidar todo lo que está fuera de ella. En otras palabras, [...] hay que aprender a mirar y ver en la escena. (STANISLAVSKI, 1980, p. 125) 134 [...] el objeto próximo. Lo utilizamos en los momentos en que debemos concentrar nuestra atención y evitar que se disperse en cosas distantes. (STANISLAVSKI, 1980, p. 125) 68 com a atenção cria um forte vìnculo com o objeto”135. O exercício se repete do mesmo modo para objetos a distância moderada e também com objetos distantes, ao que reitera o mestre russo (1980, p. 126): “Evidentemente [...], antes de determinar objetos próximos ou distantes com a luz, é preciso aprender simplesmente a olhar e ver as coisas no palco”136. É preciso, portanto, ensiná-los novamente como fazer estas coisas no palco e perante o público. [...] Todos os nossos atos, mesmo os mais simples e elementares, que conhecemos perfeitamente na vida diária, se tornam forçados quando aparecemos no palco, sob os refletores, diante de um público numeroso. Por isso é preciso que na cena aprendamos novamente a caminhar, nos mover, sentarmos ou deitarmos. [...] E hoje, com relação ao tema da atenção, acrescento que é preciso aprender a olhar e ver, a escutar e ouvir na 137 cena. (STANISLAVSKI,1980, p. 126-127) Stanislávski relembra o fato de que na vida corrente, todos os processos psicofísicos inerentes às nossas atividades cotidianas – caminhar, sentar, conversar, olhar – acontecem naturalmente; também reafirma e insiste que para conseguir recriar a vida na cena, é necessário ao ator reaprender até mesmo os movimentos mais simples: O artista, como o bebê de colo, deve aprender tudo desde o princípio; a olhar, caminhar, falar, etc. – relembrei –. Sabemos fazer tudo isso na vida corrente, mas desafortunadamente na maioria dos casos o fazemos mal, não como determina a/estabelece a natureza. Na cena é preciso olhar, caminhar, falar de uma maneira diferente, melhor, mais normal que na vida cotidiana, mais próximo à natureza; em primeiro lugar, porque os defeitos que aparecem à luz dos refletores se tornam particularmente perceptíveis, e subseqüentemente porque esses defeitos influem sobre o estado geral do ator. 138 (STANISLAVSKI,1980, p. 155) 135 La atención dirigida hacia un objeto despierta aun más la observación. De este modo la acción entrelazada com la acción [sic! „atención‟] crea un fuerte vìnculo con el objeto”. (STANISLAVSKI, 1980, p. 125) 136 Evidentemente[...], antes de determinar objetos cercanos y lejanos con la luz, hay que aprender simplemente a mirar y ver las cosas en el escenario. (STANISLAVSKI, 1980, p. 126) 137 Es necesario, pues, enseñaros nuevamente cómo hacer estas cosas en las tablas y ante el público. [...] Todos nuestros actos, aún los más simples e elementales, que conocemos perfectamente en la vida diaria, se vuelven forzados cuando aparecemos en las tablas, detrás de las candilejas, ante un publico numeroso. Por eso es necesario que en la escena aprendamos de nuevo a caminar, movernos, sentarmos o acostarmos. [...] Y hoy, con referencia al tema de la atención, agrego que tenéis que aprender a mirar y ver, a escuchar y oír en la escena. (STANISLAVSKI, 1980, p. 126-127) 138 El artista, como el niño de pecho, debe aprenderlo todo desde el principio; a mirar, caminar, hablar, etcétera – recordé –. Todo esto sabemos hacerlo en la vida común, pero desgraciadamente en la mayoría de los casos lo hacemos mal, no como lo establece la naturaleza. En la escena hay que mirar, caminar, hablar de una manera distinta, mejor, más normal que en la vida corriente, más cerca de la naturaleza; en primer lugar, porque los defectos que se muestran a la luz de las candilejas se tornam particularmente notables, y subsiguientemente porque esos defectos influyen sobre el estado general del actor. (STANISLAVSKI, 1980, p. 155) 69 Outro exercício de observação sugerido por Stanislávski (1980, p. 129-130) é o de olhar para alguma coisa por um tempo determinado, 30 segundos, por exemplo, então descrevê-la com a maior riqueza de detalhes possível, sempre retomando e corrigindo os erros na descrição até que se aproxime ao máximo da aparência do que foi observado. Repetir o exercício com a diminuição do tempo de observação até que o ator chegue quase à perfeição na descrição do que observou. É importante salientar que esses exercícios de observação devem sempre buscar apoio em alguma história imaginária, alimentada pelas “circunstâncias dadas” e pelos “mágicos se”, pois facilita a memorização dos detalhes. O tradutor Salomón Merener, em nota chama a atenção para o destaque dado por Stanislávski (1980, p. 125-126) à índole ativa da atenção cênica, conceito bastante desenvolvido em sua prática pedagógica: Se no período inicial de seu sistema criou-se uma série de exercícios para lutar contra a dispersão e o afastamento dos objetos durante a criação (exercícios que fixavam a atenção em um ponto durante um período mais ou menos prolongado, o que restringia ou ampliava os círculos de atenção, etc.), no período final Stanislávski considerava a atenção como parte integrante da ação cênica, que surge dela e a afirma. A atenção, segundo a justa definição de Kédrov, deve ser considerada, não como um congelamento (“ossificação”) em algum objeto, senão como um processo ativo, de conhecimento, imprescindível para perceber e captar o meio circundante. O correto da tese de Stanislávski sobre a relação mútua que existe entre a atenção e a ação foi confirmada pelas 139 investigações dos psicólogos soviéticos. (STANISLAVSKI,1980, p. 125-126) Com a prática dos exercícios de assimilação dos conceitos de “objetos de atenção” e “cìrculos de atenção”, o ator tem a possibilidade de dominar seu foco de atenção, e com isso, direcionar também a atenção do público. De acordo com Stanislávski (1980, p. 128), “O olho do ator que vê e olha para um objeto atrai a atenção do espectador e o orienta para o verdadeiro objeto que ele deve olhar. Ao contrário, um 139 Si en el período inicial de su sistema se creo una série de ejercicios para luchar contra la dispersión y el apartamiento de los objetos de la creación (ejercicios que fijaban la atención en un punto durante un lapso más o menos prolongado, o que restringían o ampliavan los círculos de atención, etc.), en el período final Stanislavski (sic) consideraba la atención como parte integrante de la acción escénica, que surge de ésta y la afirma. La atención, segundo la justa definición de Kédrov, debe considerarse, no como una congelación (“osificación”) en algún objeto, sino como un proceso activo, de conocimiento, imprescindible para percibir y captar el medio circundante. Lo correcto de la tesis de Stanislavski (sic) sobre la relación mutua que existe entre la atención y la acción ha sido confirmada por las investigaciones de los psicólogos soviéticos. (MERENER apud STANISLAVSKI, 1980, p. 125-126) 70 olhar vazio distancia a atenção do espectador do palco”140. O olhar vazio de um ator “é a prova mais convincente de que a alma do intérprete dormita ou de que sua atenção está em outro lugar, fora dos limites do teatro e da vida imaginária da cena”141. Um olhar vazio demonstra que o ator está desatento ou preocupado com algo que não está relacionado ao personagem. A eloquência no falar e a gesticulação mecânica dos membros não substituem o olhar dirigido, “que expressa vida”. Não é em vão o ditado que os olhos são „o espelho da alma‟. Ainda com o auxílio dos focos de luz, Stanislávski/Tórtsov (1980, p. 128-129) demonstra num experimento o equívoco da dispersão da atenção do ator pela plateia – o que não deve acontecer e contra o que deve lutar o ator. Com a sala escurecida, faz piscarem focos de luz em diferentes lugares da plateia e se intensificarem em dois pontos especìficos: “o crìtico severo” e “o diretor”. Sobre o palco, por um breve lapso, acende-se uma luz „em resistência‟, que ilustra o parceiro de cena, “o pobre companheiro do ator”, a quem em geral se presta pouca atenção. A luz „em resistência‟ no palco é rapidamente substituída por um foco intenso do proscênio, ilustrando a figura do “apontador”, que associo à preocupação com o texto. Por fim, voltam a piscar os focos sobre a plateia e então tem fim o experimento, com o qual se reforça a importância de olhar e ver os objetos que estão no próprio palco, e com eles afastar-se das preocupações e interesses que não se relacionam com o universo ficcional que ali se estabeleceu. Com os exercícios de observação dos objetos a partir de pontos luminosos, o ator tem a oportunidade de entender seus próprios processos interiores e pode começar a controlar sua capacidade de concentração e aprender a dirigir sua atenção. Para facilitar a concentração e o direcionamento da atenção sem exceder os limites da ficção, Stanislávski (1980, p.131), sugere a noção de círculos de atenção. “Já não se trata de um único ponto, senão de todo um setor de pequena extensão e que contém 140 El ojo del actor que ve y mira un objeto atrae la atención del espectador y lo oríenta hacia el verdadero objeto que debe mirar. A la inversa, una mirada vacía aleja la atención del espectador del escenario. (STANISLAVSKI, 1980, p. 128) 141 Es la prueba más convincente de que el alma del intérprete dormita, o de que su atención está en alguna otra parte, fuera de los límites del teatro y de la vida imaginaria de la escena. (STANISLAVSKI, 1980, p. 128) 71 muitos objetos independentes”142. Os círculos de atenção, assim como os objetos de atenção, dividem-se em três proporções – pequeno, médio e grande – e servem para afastar a atenção dos atores do buraco negro do proscênio, mantendo sua concentração circunscrita aos limites da ficção. As três instâncias do “cìrculo de atenção” são demonstradas por Tórtsov/Stanislávski também com o auxìlio de um foco de luz. Para ilustrar o “pequeno cìrculo de atenção”, ilumina inicialmente uma pequena parcela do cenário, somente o espaço onde se encontra um ator. Nesse pequeno círculo, é possível ao ator sentir-se como que no isolamento de seu quarto. Este estado é denominado por Stanislávski (1980, p.132) de “solidão em público. Você está em público porque estamos todos aqui. Está só, porque o pequeno cìrculo de atenção o separa de nós”143. Particularmente prefiro me referir a um estado de “privacidade em público” 144, pois para mim caracteriza melhor do que o termo “solidão” o estado descrito por Stanislávski (1980, p. 131), quando Názvanov descreve que durante o exercício com o auxílio do foco de luz experimentou a sensação de estar imerso no pequeno círculo de atenção: Dentro desse círculo, como em nosso lar, não há ninguém que infunda medo ou nada do que se envergonhar. Ali se esquece que do escuro, por todos os ângulos, há olhos estranhos que observam como se vive. No pequeno círculo de luz me sinto bem resguardado, mais ainda que em minha própria casa, pois nela a poltrona, curiosa, espia pelo buraco da fechadura, enquanto que no pequeno círculo as paredes negras da escuridão que a circunda parecem impenetráveis. No estreito círculo luminoso, tal como acontece quando alguém concentra sua atenção, se torna fácil examinar os objetos em todos os seus menores detalhes e, além disso, viver os sentimentos e ideias mais íntimos e realizar ações complicadas; pode alguém resolver problemas difíceis, chegar ao mais sutil das próprias sensações e ideias; se torna possível a comunhão com outra pessoa, sentir sua presença, confiar os pensamentos mais íntimos, restabelecer na memória o passado, sonhar com o futuro. 145 (STANISLAVSKI,1980, p. 131) 142 Ya no se trata de un solo punto, sino de todo un sector de pequeña extensión y que encierra muchos objetos independientes. (STANISLAVSKI, 1980, p. 131) 143 [...] soledad en público. Está usted en público, porque estamos aqui todos nosotros. Está solo, porque lo separa de nosotros el pequeño círculo de atención. (STANISLAVSKI, 1980, p. 132) 144 Em meus estudos efetivo essa substituição dos termos, porque idiossincraticamente minha resposta é diferente ao estímulo destas duas palavras. 145 Dentro de ese círculo, lo mismo que en el propio hogar, no hay nadie que infunda temor ni nada que avergüence. Ahí se olvida que desde la oscuridad, desde todos los ángulos, hay ojos extraños que observan como vive uno. En el pequeño círculo de luz me siento a buen resguardo mas aún que em mí propia casa, pues en ésta la poltrona, curiosa, espía por el ojo dela cerradura, mientras que en el pequeño círculo las paredes negras de la oscuridad que lo bordean parecen impenetrables. En el 72 Quando em privacidade, não ignoro a existência do outro, mas meus esforços, mesmo que estando sozinho vão estar de certo modo direcionados ao mundo exterior, ao outro, o que não acontece quando estou solitário, onde o outro não me interessa, a não ser para me afastar dele; meus esforços não irradiam para além do meu ser, ao contrário, são introjetados, bloqueando o fluxo energético interior/exterior, impedindo a comunhão desejada entre atores e público. Ampliando o foco de luz e aumentando a área iluminada, abarcando agora além do ator algumas peças da mobília a sua volta, Tórtsov/Stanislávski (1980, p. 132) tem ilustrado o “médio cìrculo de atenção”, o qual já não pode ser observado com apenas um olhar. Ao ampliar-se o círculo de atenção, diminui a densidade da escuridão à volta do ator, obrigando-o a um esforço maior para manter sua atenção dentro dos limites do círculo sem distrair-se, como afirma Názvanov/Stanislávski (1980, p. 132): “Se o pequeno círculo pode ser comparado a um quarto de solteiro, o médio círculo se assemelha a uma casa de família. Assim como uma casa de dez cômodos, fria e vazia se torna incômoda para um indivíduo solitário, senti desejo de retornar ao meu pequeno cìrculo de atenção”146. Diferentemente do que acontece no pequeno círculo, que por si só sugere questões de caráter mais íntimo, pessoal, e ações pequenas, o médio círculo oferece espaço para ações mais amplas, para temas mais gerais. Com relação ao grande círculo, suas dimensões “dependem do alcance da vista”147. No caso do teatro, circunscreve-se ao espaço total de atuação no palco, podendo se estender para além deste, no caso de haver intervenção no meio da plateia. Quanto maior for o círculo, maior o esforço desprendido pelo ator em manter viva sua atenção, já que esta tende naturalmente a se dispersar em grandes ambientes. Na execução dos exercícios com os círculos de atenção, já sem o auxílio da estrecho círculo luminoso, tal cual sucede cuando uno concentra su atención, resulta fácil examinar los objetos en todos sus menores detalles y, además, vivir los sentimientos e ideas más íntimos y realizar acciones complicadas; puede uno resolver tareas difíciles, llegar a lo más sutil de las propias sensaciones e ideas; se vuelve posible la comunión con otra persona, sentir su presencia, confiar los pensamientos más íntimos, restablecer en la memoria el pasado, soñar con el futuro. (STANISLAVSKI, 1980, p. 131) 146 Si el círculo pequeño se puede comparar con un cuarto de soltero, el círculo medio se asemeja a una vivienda de família. Así como una casa fría y vacía, de diez habitaciones, resulta incómoda para un indivíduo solitario, yo senti deseo de retornar a mi pequeño círculo de atención. (STANISLAVSKI, 1980, p. 132) 147 [...] dependen del alcance de la vista. (STANISLAVSKI, 1980, p. 132). 73 iluminação, Tórtsov/Stanislávski (1980, p. 133) indica alguns recursos técnicos que ajudam os atores a manterem-se concentrados dentro dos limites dos círculos de atenção, já que com o ambiente todo iluminado evidencia-se novamente o “buraco negro” do proscênio: “Para isso é preciso demarcar a superfìcie fixada, ou o cìrculo de atenção visual, com linhas formadas pelos próprios objetos que se encontram no cômodo”148; e mais: [...] à medida que o círculo aumenta, é preciso ampliar a área de atenção. No entanto, ela pode continuar crescendo somente enquanto conseguirem manter a linha imaginária que delimita o círculo. Assim que seu limite começar a vacilar e a se dissipar, devem retroceder rapidamente a um círculo menor, capaz de 149 ser abarcado pela atenção visual. (STANISLAVSKI,1980, p. 133) Recorrer a um “objeto-ponto” é um ótimo recurso nos casos de dispersão, para obter-se novamente o domìnio do foco de atenção. “Se te perdes em um grande cìrculo, refugia-te o mais breve possível num pequeno”150. Depois de dominado o foco e estabelecido o pequeno círculo de atenção, pode-se novamente ampliá-lo ao limite médio e depois grande, sempre com a ajuda da imaginação. Esse processo deve ser repetido inúmeras vezes, até que os atores estejam habituados a deslocar a atenção de forma inconsciente e mecânica de um círculo para outro sem relaxar a atenção, conforme aconselha Tórtsov/Stanislávski (1980, p. 134): “Nos terrìveis momentos de confusão e pânico, devem lembrar que quanto mais amplo e vazio é o círculo maior, tanto mais compactos e densos devem ser dentro dele os círculos pequenos e médios, e tanto mais fechada a privacidade em público”151. Outro recurso utilizado na Escola de Tórtsov/Stanislávski (1980, p. 136-137) para ilustrar os círculos de atenção, são aros de madeira de diferentes tamanhos que o ator carrega pelo espaço estando em seu centro. A linha demarcada pelo aro ajuda a 148 Para ello hay que deslindar la superficie fijada, o el círculo de atención visual, con líneas constituidas por los mismo objetos que se encuentran en la habitación. (STANISLAVSKI, 1980, p. 133) 149 a medida que el círculo aumenta, debéis ensanchar vuestra superfície de atención. No obstante, ésta puede continuar creciendo sólo mientras logréis retener la línea imaginaria que bordea el círculo. Tan pronto como vuestro límite empiece a vacilar y disiparse, debéis retroceder rápidamente a un círculo menor, capaz de ser abarcado por la atención visual. (STANISLAVSKI, 1980, p. 133). 150 Si te pierdes en un círculo grande, refúgiate lo antes posible en uno pequeño. (STANISLAVSKI, 1980, p. 137) 151 En los momentos terribles de confusión y pánico, debéis recordar que cuanto más amplio y vacío es el círculo mayor, tanto más estrechos y densos deben ser dentro de él los círculos pequeños y medianos, y tanto más cerrada la soledad en público. (STANISLAVSKI, 1980, p. 134) 74 manter a linha do contorno do círculo de atenção dentro de limites claramente fixados, aguçando a atenção do ator a tudo o que entra em seu campo de visão, como que ampliando a visibilidade dos objetos abarcados pelo círculo. Depois de demonstrar os círculos a partir do ator como centro, Tórtsov/Stanislávski (1980, p. 134-135) demonstra os círculos pequenos, médios e grandes situados fora do ator, ou melhor, com o ator fora deles. Nessa variação do exercício, os atores devem traçar, diminuir e ampliar mentalmente os círculos de atenção situados fora deles tal como executado quando estavam no centro do círculo. “Até então, com todos os círculos de atenção, nos encontrávamos em seu centro, mas agora estávamos no escuro, fora do feixe de luz”152. Os exercìcios descritos acima se ocupam da “atenção dirigida a objetos que se encontram fora” do ator; objetos inanimados que “não se viam infundidos pelo “se”, as circunstâncias dadas, as criações da imaginação”153, e formam a primeira parte do trabalho dedicado à atenção e à concentração. Na segunda etapa do trabalho dedicado à atenção cênica, depois de familiarizar os atores com objetos externos, por necessidade da atenção pela própria atenção, a observação do objeto pelo objeto em si, é preciso aproximá-los aos “objetos e à atenção não da vida exterior, real, senão da vida interior, imaginária”154. Stanislávski (1980, p. 138) ainda nos apresenta uma série de exemplos de objetos exteriores e interiores que se conectam aos movimentos da imaginação – “porque não vejo” fulano? “Agora relembre o sabor do caviar”; “relembre o cheiro do salmão”; “relembre da marcha fúnebre de Chopin” – para defender sua tese que: [...] na vida interior, a princípio criamos representações visuais [...]; mas depois, através destas representações, despertamos as sensações interiores de um dos cinco sentidos e fixamos definitivamente nele nossa atenção, que, por conseguinte, chega ao objeto de nossa vida imaginária, não por uma via direta, senão indireta, através do que poderíamos chamar um objeto auxiliar. 155 (STANISLAVSKI,1980, p. 139) 152 Hasta entonces, con todos los círculos de atención, nos habíamos hallado en su centro, pero ahora estábamos en la obscuridad, fuera del haz luminoso. (STANISLAVSKI, 1980, p. 134) 153 La atención dirigida hacia objetos que se encuentran fuera [...]; no se veìan infundidos por el “si”, las circunstâncias dadas, las creaciones de la imaginación. (STANISLAVSKI, 1980, p. 138) 154 [...] a objetos y la atención no ya de la vida exterior, real, sino de la vida interior, imaginaria. (STANISLAVSKI, 1980, p. 138) 155 [...] en la vida interior nos creamos en un princípio representaciones visuales[...]; pero después, a través de estas representaciones, despertamos las sensaciones interiores de alguno de los cinco 75 Seguindo as postulações de Stanislávski na elaboração de seu sistema, é preciso primeiro dominar os aspectos exteriores do movimento da atenção dentro dos círculos, para então conseguir sua livre movimentação pelo universo ficcional, ou seja, pelo mundo imaginário, interior: [...] a dificuldade está no fato que os objetos de nossa vida imaginária são instáveis e esquivos. Se o mundo material que nos rodeia na cena requer uma atenção altamente treinada, este requisito é muito mais rigoroso quando se 156 trata dos frágeis objetos imaginários. (STANISLAVSKI,1980, p. 139) Para superar a dificuldade no domínio dos objetos imaginários, se faz necessário o adestramento da atenção interior no sentido de não deixar que as lembranças da própria vida distraiam o ator da vida do papel. Do mesmo modo que se desenvolve a atenção exterior, na vida interior e na imaginação o ator pode valer-se dos pontos e objetos próximos ou distantes e dos círculos de atenção pequenos, médios e grandes para manter-se aferrado ao objeto de atenção corretamente relacionado ao universo ficcional. Contudo, Stanislávski (1980, p. 140), nos lembra que isso só é possível mediante “trabalho intenso, prolongado e sistemático”, e que o desenvolvimento da atenção interior é importante porque “grande parte da vida do artista na cena, durante o processo criativo, transcorre no plano dos sonhos e da ficção, das circunstâncias dadas pela imaginação”157. A obtenção do domínio da atenção interior, segundo o conselho de Tórtsov/Stanislávski (1980, p. 141), “requer uma força de vontade, uma firmeza e um domínio de si que poucos possuem. Por isso, a par com o trabalho cênico é preciso sentidos y fijamos definitivamente en él nuestra atención, que, por consiguiente, llega al objeto de nuestra vida imaginaria, no por un vía directa, sino indirecta, a través de lo que podríamos llamar un objeto auxiliar. (STANISLAVSKI, 1980, p. 139) 156 [...] la dificuldad estriba en que los objetos de nuestra vida imaginaria son inestables e inasibles. Si el mundo material que nos rodea en la escena exige una atención muy adiestrada, este requisito es mucho más riguroso cuando se trata de los objetos frágiles, imaginarios. (STANISLAVSKI, 1980, p. 139) 157 [...] una labor intensa, prolongada y sistemática. [...] gran parte de la vida del artista en la escena, durante el proceso de la creación, trascurre en el plano de los sueños y la ficcción, de las circunstancias dadas por la imaginación. (STANISLAVSKI, 1980, p. 140). 76 exercitar a vontade na vida privada”158. Para converter o objeto concreto num estímulo à criação em cena é preciso encobri-lo com o véu da fantasia e da imaginação. “O que atrai a atenção na cena não é o objeto em si, [...] senão aquilo que forjou a imaginação. Ela refaz o objeto, e com a ajuda das circunstâncias dadas o converte em motivo de atração” 159. Dotado pelo poder da imaginação do ator, o objeto então se transforma em acordo com a necessidade da cena: Esse objeto transformado cria uma reação interior, emotiva, de resposta. Essa atenção não só se interessa pelo objeto; atrai para o trabalho todo o sistema criador do artista e junto com ele prossegue sua atividade criadora. É preciso saber transformar o objeto e, com ele, a própria atenção, para que deixem de ser formais, intelectuais, racionalizados, e se convertam em orgânicos, 160 sensíveis. (STANISLAVSKI,1980, p. 142) Concentração e imaginação direcionadas para a comunicação entre os atores e destes com os espectadores através do que Stanislávski denomina “raios de energia”, porque o ator comunica também o que está além das palavras, até mesmo nos silêncios. A aquisição do domínio da atenção pelo aluno no curso da UFSM se dava principalmente nas aulas de Interpretação e Laboratório, nas quais se trabalhava nos primeiros semestres sobretudo com objetos imaginários e com o direcionamento/deslocamento da atenção através dos círculos. 2. 4 A ORGANICIDADE NA CENA OU A AÇÃO VERDADEIRA E O “MÁGICO SE” – Significa que nas condições da vida do papel e em plena analogia com a vida deste, é preciso pensar, querer, esforçar-se, agir de modo correto, lógico, harmônico, humano. Só então o artista consegue aproximar-se do personagem e começa a sentir em uníssono com ele. 158 [...] requiere una fuerza de voluntad, una firmeza y un dominio de sí mismo que pocos poseen. Por eso, a la par con la tarea escénica, hay que ejercitar la voluntad en la vida privada. (STANISLAVSKI, 1980, p. 141) 159 [...] lo que atrae la atención en la escena no es el objeto mismo, [...] sino lo que ha forjado la imaginación. Ésta rehace el objeto, y con la ayuda de las circunstancias dadas lo convierte en motivo de atracción. (STANISLAVSKI, 1980, p. 141) 160 Ese objeto trasformado crea una reacción interior, emotiva, de respuesta. Esa atención no sólo se interesa por el objeto; atrae al trabajo todo el sistema creador del artista y junto con él prosigue su actividad creadora. Hay que saber trasformar el objeto y, con él, la atención misma, para que dejen de ser fríos, intelectuales, razonadores, y se vuelvan cálidos, sensibles. (STANISLAVSKI, 1980, p. 142) 77 Na nossa linguagem isto se chama viver o papel. Este processo e a palavra que o expressa adquire na nossa arte uma significação primordial e extraordinária em todos os sentidos. A vivência ajuda o artista a cumprir o objetivo essencial da arte cênica, que consiste em criar a vida do espírito humano do papel e transmitir esta vida na cena sob uma forma artística.161 (STANISLAVSKI, 1980, p. 61) Para uma representação verdadeira, orgânica e natural “O que faz falta é incendiar a imaginação!”162, Como afirma Tórtsov/Stanislávski (1980, p.85-87) aos seus alunos/atores durante um “étude” de pesquisa de ações circunstanciadas a partir do cenário, no qual estes reclamavam da falta de estímulos. A imaginação é um dos mais influentes elementos do sistema e o “se” é o combustível para que se possa acendê-la. A pergunta “o que você faria se...” desencadeia na atitude do ator em situação de representação uma mudança radical no seu comportamento diante da situação proposta, provocando simultaneamente à realização do objetivo externo da ação, os impulsos internos, os motivos e as circunstâncias pelas quais se realiza a ação. O “se” possui uma “qualidade peculiar, uma espécie de poder” 163, o de produzir “instantaneamente uma transformação, um estìmulo interior”164. [...] esta pergunta incita [o ator] a responder com a ação, e esta é um excelente estímulo para a imaginação. Pode ainda acontecer que a ação não se realize, senão que siga sendo até certo ponto um desejo não realizado. O importante é que tenha surgido esse desejo, e que o sintamos não só psiquicamente, senão também de maneira física. É uma sensação que dá maior força à ficção. 165 (STANISLAVSKI,1980, p. 118) 161 – Esto significa que en las condiciones de la vida del papel y en plena analogía con la vida de éste, es preciso pensar, querer, esforzarse, actuar de un modo correcto, lógico, armónico, humano. Sólo entonces el artista logra acercarse al personaje y empieza a sentir al unísono con él.En nuestro lenguaje esto se llama vivir el papel. Esto proceso y la palabra que lo expresa adquieren en nuestro arte una significación primordial y extraordinaria en todo sentido. La vivencia ayuda al artista a cumplir el objetivo esencial del arte escénico, que consiste en crear la vida del espírito humano del papel y transmitir esta vida en la escena bajo uma forma artística. (STANISLAVSKI, 1980, p. 61) 162 !Lo que hace falta es encender la imaginación! (STANISLAVSKI, 1980, p. 85) 163 [...] una cualidad peculiar, una especie de poder. (STANISLAVSKI, 1980, p. 89) 164 [...] instantáneamente una transformación, un estímulo interior. (Idem) 165 [...] esta pregunta incita a responder con la acción, y esta es un excelente estímulo para la imaginación. Puede suceder aun que la acción no se realice, sino que siga siendo hasta cierto punto un deseo no realizado. Lo importante es que haya surgido este deseo, y que lo sintamos no sólo psíquicamente, sino también de manera física. Es una sensación que dá maior fuerza a la ficción. (STANISLAVSKI, 1980, p. 118) 78 O ator já não pensa em como prosseguir e nem se preocupa mais com a forma externa, e sim com o conteúdo interno do ponto de vista da tarefa proposta, trazendo maior atenção aos detalhes que o cercam e desenvolvendo ações a partir destes impulsos, que lhe sugerem os meios de lutar contra as circunstâncias geradas pela sua própria imaginação. Este processo reforça a tese de Stanislávski resumida na fala de Tórtsov ao final de mais uma aula: “a aula de hoje nos ensinou que toda ação no teatro deve ter uma justificação interna e ser lógica, coerente e possível na realidade”166. A utilização da palavra “se” é notável antes de tudo no sentido de que inicia toda a criação e “cumpre seu papel por si só, de uma só vez, sem necessidade de complemento nem de ajuda”167. Tórtsov/Stanislávski (1980, p. 89) os denomina de “mágicos” porque provocam de modo instantâneo, instintivo, a própria ação, e sob sua influência, o ator é conduzido como que num passe de mágica à ação verdadeira, pois por seu intermédio: criam-se de um modo normal, orgânico, natural, as ações internas e externas. [...] O “se” é para os artistas uma alavanca que nos transporta da realidade ao único universo no qual se pode realizar a criação. Existem alguns “se” que somente dão um impulso para o desenvolvimento posterior, gradual e lógico da 168 criação. (STANISLAVSKI,1980, p. 88) Continuando com a análise das caracterìsticas e qualidades do “se”, é preciso salientar que existem os “se” “simples” e os “se” “complexos”: simples quando provocam, de modo imediato, instintivo, uma reação; complexos quando justificam esta ou aquela atitude ou conduta do personagem, e se constituem do entrelaçamento de todas as referências apresentadas tanto pelo autor, quanto pelo diretor, cenógrafo, iluminador etc., e que influenciam na ação concreta do ator em cena: [...] nas obras complexas se entrelaçam uma grande quantidade de “se”, dos autores e de outras origens, que justificam tal ou qual conduta e tais ou quais atitudes dos heróis. Neste caso, o “se” não é simples, e sim complexo. O autor, 166 [...] la clase de hoy nos enseño que toda acción en el teatro debe tener una justificación interna y ser lógica, coherente y posible en la realidad. (STANISLAVSKI, 1980, p. 88) 167 [...] cumple su papel por sí solo, de una sola vez, sin necessitar complemento ni ayuda. (STANISLAVSKI, 1980, p. 89) 168 [...] se crean de un modo normal, orgânico, natural, las acciones internas y externas. [...] El “si” es para los artistas una palanca que nos traslada de la realidad al único universo en el que se puede realizar la creación. Existen algunos “si” que sólo dan un impulso para el desarollo posterior, gradual y lógico de la creación. (STANISLAVSKI, 1980, p. 88) 79 ao criar a obra, diz: “Se a ação se desenrolasse em tal época, em tal paìs, em tal cômodo da casa; se ali viveram tais pessoas, com tal disposição de humor, com tais ideias e sentimentos; se chocam entre si por tais ou quais circunstâncias, e assim sucessivamente. O diretor, ao apresentar a obra, completa o plano do autor com seus próprios “se” e diz: Se entre os personagens existissem tais relações, se tivessem tais hábitos, se vivessem em tal ambiente, etc., como atuaria nessas circunstâncias o artista situado em seu lugar? Por sua vez, o cenógrafo que imagina o lugar onde transcorre a ação, o eletrotécnico que dispõe a iluminação e outros colaboradores [também] integram a moldura da obra com sua imaginação 169 artística. (STANISLAVSKI,1980, p. 89) Outra caracterìstica qualitativa do “se” é seu caráter de fantasia, já que é uma suposição e não fala de fatos reais, e sim possíveis. Este é para Stanislávski o segredo da força de influência do “se” na imaginação do ator: ele não afirma nada, só presume. “Se acontecesse...”170 Propõe um problema ao qual o ator dá sua própria resposta para que se solucione. Com isso o estìmulo e a determinação dele [do “se”] proveniente se dá sem esforço, pois “o assombroso “se” cria um estado que exclui toda a violência”.171 Ao despertar no artista a atividade interna e externa de um modo natural, sem violência, ou seja, sem o risco de expô-lo ao artificialismo, o “se” demonstra outro de seus atributos: o de estimulante de nossa atividade criadora interior em direção à ação exterior. Esse processo artificial desencadeado de forma natural pelo “se” é análogo ao processo instintivo de lógica e consequência na ação que sucede na vida real e esta propriedade fundamental do “se“ o aproxima de um dos pilares do ideal de escola dramática na acepção de Stanislávski; “ação/atividade na criação e na arte”172. “O “se” simples ou “mágico” dá inìcio à criação”173, pois a ação nasce do impulso gerado pelo “se”, aplicado diante das circunstâncias dadas do papel: 169 [...] en las obras complejas se entrelaza una gran cantidad de los “si” de los autores y de otro origen, que justifican tal o cual conducta y tales o cuales actitudes de los héroes. Ahì el “si” no es simple, sino complejo. El autor, al crear la obra, dice: “Si la acción se desarrollara en tal época, en tal paìs, en tal lugar de la casa; sí ahí vivieron tales personas, con tal disposición de ánimo, con tales ideas y sentimientos; si chocan entre sì por tales o cuales circunstancias”, y asì sucesivamente.El director, al presentar la obra, completa el plan del autor con sus propios “si” y dice: Si entre los personajes existieran tales relaciones, si tuvieran tales hábitos, si vivieran en tal ambiente etc., ?como acturía en esas circunstancias el artista situado en su lugar? A su vez, el escenógrafo que imagina el lugar donde trascurre la acción, el eletrotécnico que dispone la iluminación y otros colaboradores integran el marco de la obra con su imaginación artística. (STANISLAVSKI, 1980, p. 89) 170 Si ocurriera... (STANISLAVSKI, 1980, p. 90) 171 [...] el asombroso “si” crea un estado que excluye toda violencia.(STANISLAVSKI, 1980, p. 90) 172 [...] actividad en la creación y en el arte. (STANISLAVSKI, 1980, p. 91) 173 [...] el “si” simple o “mágico” da comienzo a la creación.(STANISLAVSKI, 1980, p. 91) 80 Sobre este assunto deixarei que em meu lugar lhes fale Aleksander Pushkin! Em seu comentário sobre o drama popular, diz Aleksander Serguiêievitch: “Sinceridade das emoções, sentimentos que parecem verdadeiros em circunstâncias dadas [sic! Supostas]: eis o que exige nosso espírito de autor dramático”. Acrescento de minha parte que exatamente o mesmo exige o nosso espírito de autor dramático, com a diferença de que as circunstâncias, que para o autor são propostas, para nós os artistas, hão de estar dadas. Foi assim que em nosso trabalho prático se firmou a expressão “circunstâncias dadas”, que estamos utilizando. [...] nosso amado “se” nos ajuda a cumprir com o preceito 174 de Pushkin. (STANISLAVSKI,1980, p. 91) Para compreender o aforismo de Pushkin, desvendar sua essência interior e captar a ideia toda da uma vez, Stanislávski (1980, p. 91 e ss.) aconselha desmembrálo nas suas partes lógicas e analisar cada uma em separado. Sobre a “sinceridade das emoções”, acrescenta que “é a autêntica e viva paixão humana, o sentimento da vivência do próprio artista”175; quanto aos “sentimentos que parecem verdadeiros”, diz que não fazem referência aos sentimentos reais em si, senão a algo análogo e muito próximo a eles, são as “emoções reproduzidas indiretamente, por incitação de sentimentos internos” 176. Por fim, define as “circunstâncias dadas” como sendo todos os fatores que possam interferir na montagem, desde aqueles ligados diretamente ao texto, e mesmo o que for integrado por diretores, técnicos e atores, que não poderá ser ignorado no aqui agora da representação. O “se” sempre impulsiona a ação, lhe dá inicio, e as “circunstâncias dadas” a desenvolvem, “mas suas funções são um pouco diferentes: o “se” dá um impulso à imaginação adormecida, enquanto que as “circunstâncias dadas” dão fundamento ao “se”. Entre eles ajudam a criar o estìmulo interior”.177 Do mesmo modo que o “se”, as “circunstâncias dadas” são uma abstração intelectual, uma invenção da imaginação, e 174 !Sobre este tema dejaré que en mi lugar os hable Aleksander Pushkin! En su comentario sobre el drama popular, dice Aleksander Serguéievich: “Sinceridad de las emociones, sentimientos que parecen verdaderos en circunstancias dadas [sic! supuestas]: he aquí lo que exige nuestro espírito del autor dramático”. Agrego por mi arte que exactamente lo mismo exige nuestro espìritu del autor dramático, con la diferencia de que las circunstancias, que para el autor son propuestas, para nosotros los artistas, han de estar dadas. Asì es como en nuestra labor práctica se ha afirmado la expresión “circunstancias dadas”, que estamos utilizando. [...] nuestro amado “si” nos ayuda a cumplir con el precepto de Pushkin. (STANISLAVSKI, 1980, p. 91) 175 Es la auténtica y viva pasión humana, el sentimento de la vivencia del artista mismo. (STANISLAVSKI, 1980, p. 92) 176 [...] emociones reproducidas indirectamente, por la incitación de sentimientos internos. (STANISLAVSKI, 1980, p. 92) 177 Pero sus funciones son algo distintas: el “si” da un impulso a la imaginación adormecida, mientras que la “circunstancias dadas” dan fundamento al “si”. Entre ellos ayudan a crear el estìmulo interior. (STANISLAVSKI, 1980, p. 92) 81 lhe servem como complemento. Sem elas, o “se” não pode atingir sua força de estìmulo e nem mesmo existir. Colocado frente às circunstâncias dadas, o “se” funciona como procedimento concreto para incitar/estimular uma adequada atividade interior, que pode então ser facilmente traduzida pelas ações físicas. O segredo deste processo consiste em não forçar o sentimento, deixar que este brote por si só e não pensar na sinceridade das emoções, porque estas não dependem de nós, senão que surgem espontaneamente, não se submetem às ordens nem à violência. Tratem de vivê-las sinceramente, e então os “sentimentos que parecem verdadeiros” surgirão por si mesmo. Dirijam toda 178 vossa atenção às “circunstâncias dadas”. (STANISLAVSKI,1980, p. 92-93) No contexto da pesquisa de Stanislávski, a “ação é um processo psico-físico de luta contra as circunstâncias dadas para alcançar o objetivo, que se dá no tempo e no espaço de uma forma teatral qualquer”179. Ou seja, a ação é o resultado da superação dos obstáculos e nasce da luta contra forças contrárias ao objetivo. Para Merener (apud STANISLAVSKI, 1980, p. 173): A concepção de Stanislávski sobre a ação cênica como uma luta que se trava para alcançar o objetivo proposto firmou-se definitivamente em seu trabalho sobre as obras da dramaturgia soviética; nelas, era preciso personificar em cena as imagens dos heróis contemporâneos, ativos lutadores por suas convicções, e revelar o tema da luta de classes. Através dos confrontos e da luta dos personagens que descobrem o conflito da peça, Stanislávski passava a mostrar o plano ideológico da obra. (MERENER apud STANISLAVSKI, 1980, p. 180 173) É a partir de todo o gênero de “circunstâncias dadas” e de uma série de “se” do autor, do diretor, atores, cenógrafo, iluminador e demais criadores do espetáculo que se 178 El secreto de este proceso consiste en no forzar el sentimiento, dejar que éste brote por sí solo y no pensar en la sinceridad de las emociones, porque éstas no dependen de nosotros,sino que surgen espontáneamente, no se someten a las órdenes ni a la violencia. Tratad de vivirlas sinceramente, y entonces los “sentimientos que parecen verdaderos” surgirán por si mismos. Dirigid toda vuestra atención a las “circunstancias dadas”. (STANISLAVSKI, 1980 p. 92-93) 179 Este conceito de ação é oriundo das aulas com os professores Tovstonógov e Katsmann, retransmitido por Dagostini por ocasião do seminário de aproximação teórica ao Método da Análise Ativa, ministrado em março de 2000, UFSM/RS. 180 La concepción de Stanislavski sobre la acción escénica como una lucha que se libra por alcanzar el objetivo planteado se afirmo definitivamente en su trabajo sobre las obras de la dramaturgia soviética; en ellas había que encarnar en la escena las imágenes de los héroes contemporáneos, luchadores activos por sus convicciones, y revelar el tema de la lucha de clases. A través de los choques y la lucha de los personajes, que descubren el conflito de la pieza, Stanislavski pasaba a mostrar el plan ideológico de la obra. (MERENER apud STANISLAVSKI, 1980, p. 173) 82 cria em cena uma atmosfera similar à da vida real. Nas palavras de Tortsóv/Stanislávski é o que fazemos com o trabalho do autor: Damos vida àquilo que está entre linhas, colocamos nossos próprios pensamentos no que o autor escreveu, e estabelecemos nossa própria relação com os outros personagens da obra e as condições em que vivem; incutimos em nós todos os materiais que recebemos do autor e do diretor, os trabalhamos e completamos com nossa própria imaginação. E este material chega a ser parte de nós, espiritual e até fisicamente; nossas emoções são sinceras e como resultado final alcançamos uma atividade real, autêntica e produtiva, intimamente unida à trama secreta da obra; criamos imagens vivas e típicas com as paixões e os sentimentos do personagem personificado. 181 (STANISLAVSKI, 1980, p. 93) Na aproximação da atmosfera da cena àquela que se percebe na vida, a ação deixa de apresentar unicamente sua característica exterior, formal, carregando em si o conteúdo emocional análogo ao proposto na obra pelo autor. Ao deixar transparecer o caráter interno da ação, o ator não impressiona mais simplesmente por seu domínio técnico, mas também pela vida interior do personagem que traspassa a técnica e nela imprime a marca pessoal do artista. Quando o ator sofre, ama, sente ciúmes ou pede perdão pelo simples fato de manifestar esses sentimentos, porque assim está escrito no livreto, e não porque é o que vive em sua alma, e assim se criou a vida do papel na cena, não lhe resta outra saìda senão a “interpretação em geral”. [...] A arte verdadeira e a atuação “em geral” são incompatíveis. Uma destrói a outra. A arte ama a ordem e a harmonia, e no “geral” reinam o caos e a desordem. [...] O geral é superficial e frívolo. Apliquem, pois, ao papel a lógica e a coerência, e assim desaparecerão essas características negativas. No geral se começam muitas coisas e não se termina nenhuma. Evitem as tarefas inconclusas. 182 (STANISLAVSKI, 1980, p. 94-95) 181 Damos vida a aquello que está entre líneas, ponemos nuestros propios pensamientos en lo que el autor ha escrito, y establecemos nuestra propia relación con los otros personajes de la obra y las condiciones en que viven; infiltramos en nosotros todos los materiales que recibimos del autor y el director, los trabajamos y completamos con nuestra propia imaginación. Y este material llega a ser parte de nosotros, espiritual y hasta físicamente; nuestras emociones son sinceras y como resultado final alcanzamos una actividad real, auténtica y productiva, íntimamente unida a la trama secreta de la obra; creamos imágenes vivas y típicas con las pasiones y los sentimientos del personaje encarnado. (STANISLAVSKI, 1980, p. 93) 182 Cuando el actor sufre, ama, siente celos ou pide perdón por el solo hecho de manifestar esos sentimientos, porque así está escrito en el libreto, y no porque eso es lo que vive en su alma, y así se creó la vida del papel en la escena, no le queda más salida que la “interpretación en general”. [...] el arte verdadero y la actuación “en general” son incompatibles. Lo uno destruye lo otro. El arte ama el orden y la armonìa, y en lo “general” reinan el caos y el desorden. [...] Lo general es superficial y frìvolo. Aplicad, pues, al papel la lógica y la coherencia, y así desaparecerán esas características negativas. En lo general se empiezan muchas cosas y no se termina ninguna. Evitad las tareas inconclusas. (STANISLAVSKI, 1980, p. 94-95) 83 O segredo do ator para Konstantin Serguiêievitch (1990, p. 237) consiste em não buscar na expressividade exterior a força da vida do personagem, e sim em seu interior, na concentração incondicional de sua razão-vontade-sentimento para a realização da ação em circunstâncias determinadas. O processo de aprendizagem do “sistema” tem como objetivo “elaborar de uma vez por todas na cena, ao invés das ações “em geral”, a ação humana verdadeira dirigida a uma finalidade”183. Do contrário, o que alcança o ator é somente uma imitação, “uma paródia das paixões e dos elementos que as constituem”184. “Todo meu sistema se reduz a isso: entender os momentos fundamentais do papel e poder agrupá-los logicamente, refletindo-os numa sequência de ações físicas sinceras”185. – O “se”, as “circunstâncias dadas” e as ações internas e externas são fatores muito importantes de nosso trabalho. Mas não são os únicos. Necessitamos além deles toda uma sequência de atitudes, qualidades, dons especiais, artísticos, criadores (imaginação, atenção, senso de verdade, objetivos, antecedentes cênicos, etc). Por razões de brevidade convencionamos por agora em chamá-los com uma só palavra: elementos. (STANISLAVSKI, 1980, 186 p. 96) Assim, Stanislávski (1980) chama a atenção para os principais elementos do “sistema” que dizem respeito ao trabalho do ator sobre si mesmo no processo das vivências: “se” mágico, circunstâncias dadas, imaginação, atenção, relaxamento dos músculos, acontecimentos e conflitos, verdade e credulidade, memória emocional, comunicação e ajudas exteriores. 2. 5 UNIDADES (ACONTECIMENTOS) E OBJETIVOS (CONFLITOS) Eu observava os grandes artistas, tentando esclarecer a mim mesmo durante quantos 183 [...] elaborar de una vez por todas en la escena, en vez de las acciones “en general”, la acción humana verdadera dirigida a un fin. (STANISLAVSKI, 1980, p. 95) 184 [...] una parodia de las pasiones y de los elementos que las constituyen. (STANISLAVSKI, 1980, p. 94) 185 Todo mi sistema se reduce a esto: entender los momentos fundamentales del papel y poder agruparlos lógicamente, reflejándolos en una serie de acciones físicas sinceras. (STANISLAVSKI, 1990, p. 180-181) 186 – El “si”, las “circunstancias dadas” y las acciones son factores muy importantes de nuestro trabajo. Pero no son los únicos. Necesitamos además toda una serie de aptitudes, cualidades, dones especiales, artísticos, creadores (imaginación, atención, sentido de la verdad, objetivos, antecedentes escénicos, etc). Por razones de brevedad convendremos por ahora llamarlos con una sola palabra: elementos. (STANISLAVSKI, 1980, p. 96) 84 minutos eles seriam capazes de permanecer sozinhos diante da ribalta, sem ajuda de fora, e reter em si a atenção do público. E observei ainda o quanto são diversas as suas poses, os movimentos e a mímica. A experiência me mostrou que o máximo da capacidade de um ator reter ininter-ruptamente a atenção de uma platéia de mil espectadores, com uma cena forte e envolvente, era de sete minutos (coisa imensa!) enquanto que o mínimo, com uma cena comum tranqüila era de um minuto (o que também é muito!). Para mais já não lhes resta variedade de recursos expressivos, têm de repetir-se, o que afrouxa a atenção, até a mudança brusca seguinte, que provoca novos procedimentos de personificação e um novo estímulo à atenção dos espec-tadores. (STANISLAVSKI, 1989, p. 235) A compreensão humana de um todo complexo é limitada. Não se pode, por exemplo, saber o conteúdo de uma obra literária sem que a tenhamos lido ou ouvido sua história desde o início, como também não se pode chegar de um ponto a outro do espaço sem percorrer e vivenciar o percurso que há entre estes pontos. Nosso entendimento das coisas está limitado pela lógica e conseqüência dos acontecimentos, gerados a partir de determinadas circunstâncias. Cada circunstância pode gerar situações diversas, dependendo do ponto de vista de quem as observa. Neste ponto, nos chama atenção Stanislávski (1977) sobre o ponto de vista do qual deve o ator observar o mundo a volta de seu personagem: o ponto de vista do autor. Do soma conjunta das circunstâncias propostas pelo autor e dos acontecimentos que delas provém, nos quais o personagem está envolvido, é que se pode concluir qual seja relmente a razão de ser de tal personagem no universo da obra. Para Stanislávski, o verdadeiro trabalho de criação da idéia da obra “exige do artista amplo e variado conhecimento, constante auto-disciplina, a subordinação de seus gostos e hábitos pessoais às exigências da idéia, e algumas vezes também, determinados sacrifìcios” 187. Um diretor não pode começar a trabalhar numa obra sem conhecer a idéia, o 187 [...] exige del artista amplio y variado conocimiento, constante auto disciplina, la subordinación de sus gustos y hábitos personales a las exigencias de la idea, y algunas veces tanbién, sacrificios definidos. (STANILÁVSKI apud GORCHAKOV, 1956, p. 48) 85 tema básico. [...] [Atores e Diretores] precisam ampliar sua compreensão dela [a idéia]. Precisam estabelecer os acentos e os pontos culminantes que lhes ajudarão a mostrá-la em sua forma mais expresiva e a comunicar seu pleno significado. Precisam esforçar-se ao máximo para fazer com que a idéia seja estimulante, colorida, poderosa e importante para os espectadores. É isso que dará à representação juventude perdurável, senão eterna, ao menos útil durante todo o tempo que seja vital a idéia da obra. (GORCHAKOV, 1956, p. 188 49) Em acordo com Stanislávski (Apud GORCHAKOV, 1956, p. 148), antes que o diretor comece a trabalhar com os atores, “especialmente com os jovens”, deve compreender como, e partindo de que circunstâncias históricas o autor criou seus personagens. O diretor precisa saber quais os aspectos do caráter revelam a personalidade de cada um dos personagens e o sentido de sua conduta em família e na sociedade. E, por fim, deve saber também por que quer apresentá-los ao público contemporâneo. Se o diretor apresenta estes três problemas vinculados ao “fio condutor” da obra, seus atores “nunca se afastarão da interpretação verdadeira de seus personagens e expressarão a idéia da obra brilhante e plenamente através dos personagens e de sua conduta”. Para Knébel (1996, p. 31), “compreender a época em que vive o personagem significa descobrir uma das circunstâncias dadas mais importantes”189. As “circunstâncias dadas” na definição de Stanislávski (1980, p. 92): A fábula da obra, seus feitos e acontecimentos, a época, o tempo e o lugar da ação, as condições de vida, nossa ideia da obra enquanto atores e diretores, o que acrescentamos de nós mesmos, a montagem, os cenários e figurinos, os adereços, a iluminação, os ruídos e sons, e tudo mais que os atores devem 190 levar em consideração durante sua criação. (STANISLAVSKI, 1980, p. 92) 188 Un director no puede comenzar a trabajar en una obra sin conocer la idea, el motivo básico.[...] Tienen que ampliar su comprensión de la misma. Tienen que establecer los acentos y los puntos culminantes que les ayudarán a Vds. a mostrar-la en su forma más expresiva y a comunicar su pleno significado. Tienen que esforzarse Vds. al máximo pra hacer que la idea sea estimulante, colorida, poderosa e importante para los espectadores. Esto es lo que dará a la representación juventud perdurable, si no eterna, por lo menos útil durante todo el tiempo que sea vital la idea de la obra. (GORCHAKOV, 1956, p. 49) 189 Comprender la época en que vive el personaje significa descubrir una de las circunstancias dadas más importantes. (KNÉBEL, 1996, p. 31) 190 La fábula de la obra, sus hechos, acontecimientos, la época, el tiempo y el lugar de la acción, las condiciones de vida, nuestra idea de la obra como actores y régisseurs, lo que agregamos de nosotros mismos, la puesta en escena, los decorados y trajes, la utilería, la iluminación, los ruidos y sonidos, y todo lo demás que los actores deben tener en cuenta durante su creación. (STANISLAVSKI, 1980, p. 92) 86 É através do estudo do autor das circunstâncias por ele fornecidas que se descobrem particularidades e detalhes que sem este estudo, poderiam parecer banais e ser desconsiderados pelo diretor, alterando a comunicação da ideia central do autor na obra, requisito de importância cabal na acepção stanislavskiana: Aqui temos uma fonte inesgotável para a imaginação do ator e do diretor. Terá que se imaginar não somente a época, os costumes, as relações entre os personagens, senão, compreender que, para eles, além de um presente houve um passado e haverá um futuro. Stanislávski escreveu: “é impossìvel que o presente exista não somente sem passado, bem como sem futuro. Dizem que esse não podemos conhecer nem pressentir. Sem dúvida, desejá-lo, ter uma visão dele não é somente possível, senão necessário... Se na vida não pode haver presente sem passado nem futuro, na cena, reflexo 191 da vida, há de acontecer o mesmo.” (KNÉBEL, 1993, p. 32) Como um timoneiro que conduz um barco por um canal, de ancoradouro em ancoradouro, o ator deve guiar-se pela linha lógica dos acontecimentos principais, pois como no trajeto entre um ponto e outro, existem lugares sem ancoradouro, mas que lá estão. Para se descobrir dentre uma dezena de acontecimentos quais seriam os principais, Stanislávski (1980, p. 170) aconselha a técnica de exclusão: Não divida a peça sem necessidade, nem se deixe guiar pelas partes menores no momento da criação; Trace a linha do canal apenas com as partes maiores, bem elaboradas e animadas em cada um dos fragmentos que as formam. A técnica do processo de dividir em partes é bastante simples. Formule esta pergunta: Sem quais elementos não pode existir a peça analisada? E depois, comece a relembrar todas as suas etapas essenciais, sem entrar em detalhes. 192 (STANISLAVSKI, 1980, p. 170) A divisão da peça em partes menores é uma medida transitória. Como vimos, no momento da criação, as partes menores são incorporadas às maiores, formando a linha 191 Aquí tenemos una fuente inagotable para la imaginación del actor y el diretor. Uno ha de imaginar no sólo la época, las costumbres, las relaciones entre los personajes, sino compreender que, para éstos además de un presente hubo un passado y habrá un futuro. Stanislavski escribió: “es imposible que el presente exista no sólo sin passado, sino sin futuro. Dicen que éste no lo podemos conocer ni pressentir. Sin embargo desearlo, tener una visión de él, no sólo es posible, sino necessário... Si en la vida no puede haber presente sin passado ni futuro, en la escena, reflejo de la vida, ha de ocurrir lo mismo.” (KNÉBEL, 1996, p. 32) 192 [...] no fragmenteis la pieza sin necesidadni os guiéis em el momento de la creación por los trozos pequenos; trazad la línea del canal sólo por los trozos mayores, bien elaborados y animados em cada uma de las partes que los forman. La técnica del processo de dividir em trozos es bastante sencilla. Formuláos esta pregunta: ?Sin qué elementos no pude existir la pieza analizada? Y después comenzad a recordar todas sus etapas esenciales, sin entrar em detalles. (STANISLAVSKI, 1980, p.170) 87 ininterrupta de ação. Este procedimento facilita o trabalho do ator de abarcar através das partes menores a obra e o papel em sua totalidade, pois em cada pequena parte há um objetivo criador que conduz ao grande objetivo. Depois de dividir o texto em suas partes principais, comece a juntá-las separando aquelas em que é possìvel encontrar o “eu quero” expressado pelo mesmo verbo. Então, passe a uni-las, anotando cuidadosamente quantas vezes haveis expressado os movimentos interiores do personagem na obra com uma única e mesma definição. Daí deduzirás as principais razões e causas que motivaram que a vida interior da pessoa que esteja representando no palco tome certas formas exteriores, assim como qual era a natureza de tais formas exteriores. Isso se fará evidente a partir daquelas qualidades de seu caráter que já haviam sido observadas no 193 personagem e selecionadas com antecipação. (STANISLAVSKI, 1990, p.181) Salomón Merener (apud STANISLAVSKI, 1980, p. 171), tradutor da obra de Stanislávski ao espanhol enfatiza que o mestre não abandona os métodos habituais de análise da peça ao dividi-la em acontecimentos e objetivos, mas que quando define as partes estabelece “um princìpio exato”, segundo o qual a denominação definitiva do acontecimento não se dá pela situação dos personagens – que determina o acontecimento em particular – , nem pela contingência dominante nesta ou naquela cena (como era habitual em suas primeiras montagens no T. A. M.), senão pela ação, ou pela principal circunstância dada. A maior precisão possível em cada fração do papel – até na menor – é o único [procedimento] que pode salva-los de uma sobreatuação e despertar vossos poderes de intuição. Já sabem como analizar o papel, como descobrir suas qualidades gerais mais características integrando gradativamente as que possuem características comuns e como descobrir a ação completa e a idéia dominante da obra. Divida todo o papel em pequenas partes exatamente da mesma maneira. Em cada parte busque o tema que pode ser expressado mediante um predicado. Apesar do fato de que a vida toda é uma ação contìnua, de que o “eu quero” está presente no homem a cada instante, segue sendo certo que o mais difícil no mundo é expresar mediante um verbo o que se 193 Después de dividir el papel en sus partes principales, empezad a juntarlas separando aquellas en las que es posible encontrar el “yo quiero” expresado por el mismo verbo. Entonces proceded a unirlas, anotando cuidadosamente cuántas veces habéis expresado los movimientos interiores de vuestro héroe en la obra con una y la misma definición. De ahí deduciréis las principales razones y causas que motivaron que la vida interior de la persona que estáis representando en el escenario tomara ciertas formas exteriores, así como cuál era la naturaleza de dichas formas exteriores. Esto se hará evidente a partir de aquellas cualidades de vuestro carácter que ya habéis observado en el personaje y seleccionadas con anticipación. (STANISLAVSKI 1990, p. 181) 88 deseja em cada parte de um papel que se deve analizar. (STANISLAVSKI, 194 1990, p. 179) Para Dagostini (2007, p. 38) o diretor só pode iniciar o desvendamento da estrutura da ação do texto “depois de compreender ativamente a verdade subjetiva das personagens, da qual nasce a lógica de seu comportamento, suas valorizações e apreciações, e de esclarecer as causas, o solo no qual nascem os conflitos”. Vamos passar agora ao esquema da análise propriamente dita. Tratarei da aproximação ao método conforme assimilado nos três primeiros semestres do curso de Artes Cênicas da UFSM, e experimentado nos demais exercícios de Encenação até o fim da graduação. Gostaria de salientar que o Curso de Direção Teatral da UFSM no período de minha graduação esteve fundamentado nos princípios gerais de Direção idealizados por Stanislávski: [...] o estudante da Faculdade de Direção deve passar por todas as etapas do trabalho cênico, em todas as suas especialidades. Somente neste caso, ele poderá conhecer na prática [o funcionamento de] um palco, já que o estudo teórico por si só é muito pouco e insuficiente para a prática [teatral]. 195 (STANISLAVSKI, 1986, p. 268-269) A seguir, passo a descrever o esquema de aproximação téorico/prático ao “Método da Análise Ativa” conforme transmitido no curso de graduação em Direção, reforçando que o foco da pesquisa é a condução do processo criativo do ator pelo diretor através das postulações dos últimos anos de trabalho de Stanislávski pela abordagem de Dagostini. 194 La mayor precisión posible en cada fracción – hasta la más pequeña – del papel es lo único que puede salvaros de una sobreactuación y despertar vuestros poderes de intuición. Ya sabéis como analizar el papel, cómo descubrir sus cualidades generales más características integrando gradualmente las que poseen rasgos comunes y cómo descubrir la acción completa y la idea dominante de la obra. Dividís todo el papel en pequeñas partes exactamente de la misma manera. En cada parte buscáis el tema que puede ser expresado mediante un predicado. A pesar del hecho de que la vida entera es una acción continua, de que el “yo quiero” está presente en el hombre a cada instante, sigue siendo cierto que lo más difícil en el mundo es expresar mediante un verbo lo que se desea en cada parte de un papel que se debe analizar. (STANISLAVSKI, 1990, p. 179) 195 el estudiante de la Facultad de Dirección debe pasar por todas las etapas del trabajo escéncico, en todas sus especialidades. Sólo en este caso podrá él conocer prácticamente um escenário, ya que el estúdio teórico por sí solo es muy poco e insuficiente para la práctica. (STANISLAVSKI, 1986, p. 268) 89 3 GENEALOGIA DO MÉTODO DA ANÁLISE ATIVA EM SANTA MARIA/RS O novo método criado por K. Stanislávski e em desenvolvimento por seus seguidores traz uma contribuição fundamental para a análise da obra, e seus princípios desempenham papel importante para a arte do diretor e do ator. Suas buscas e descobertas se deram essencialmente no sentido de resgatar o que há de vida por trás e um texto e de seus conceitos, revelando, assim, a ação que gera a palavra, para que possa ser vivenciada pelo ator. (DAGOSTINI, 2007, p. 39) Havia uma particularidade em relação ao Curso de Artes Cênicas da UFSM, que na época de minha graduação unia o trabalho de experimentação prática e pesquisa teórica no que refere à preparação e formação do diretor e do ator. Em meados da década de 1980, enquanto que na maioria das instituições brasileiras só se tinha acesso ou conhecimento das obras de Stanislávski traduzidas a partir das versões do Inglês, em Santa Maria/RS, Nair Dagostini, a primeira brasileira a estudar no LGITMiK - Instituto Estatal de Teatro, Música e Cinema de Leningrado N. K. Cherkacov 196 (1978-1981) iniciava suas atividades como pedagoga teatral no Curso de Educação Artística Licenciatura Plena em Artes Cênicas, extinto em 1995. A Abordagem de Nair Dagostini (2007) traz um ponto de vista diferente sobre o que se pensava de Stanislávski no Brasil naquela época: a Análise Ativa. No ano de 1992, a Profª. Drª. Nair Dagostini coordena o processo de estruturação e elaboração do Curso de Bacharelado em Direção e Interpretação Teatral. De acordo com Dagostini (2007), o currículo do curso aprovado pelo Conselho Universitário em 1994, “foi construìdo sobre uma base comum para ambas as opções” e que “o método da análise ativa ocupou o lugar de centro unificador do processo de educação e formação do artista como um todo.”197 196 LGITMiK – N. K. Cherkacov. Em 1993 passou a ser denominado Academia Estatal de Arte Teatral de São Petersburgo – SPGATI. Mais detalhes em DAGOSTINI, 2007, p. 3-15. 197 DAGOSTINI, 2007, p. 15 e p.16, respectivamente. 90 3.1 PRIMEIROS PROCEDIMENTOS: A DIVISÃO DA PEÇA E A REVELAÇÃO DO SUPEROBJETIVO DO AUTOR O objetivo essencial da cuidadosa análise da obra é o de o diretor poder aprofundar, com base nos fatos superficiais da fábula, a essência do comportamento das perso-nagens, ou seja: “revelar o seu verdadeiro sentido, a abertura do subtexto, os estí-mulos, impulsos internos, os motivos e os secretos movimentos da alma, os quais determinam subjetivamente a lógica e a verdade do comportamento humano”. (SULÍMOV, 2002, p.06 apud DAGOSTINI 2007, p. 39) A professora de Encenação I do ano de 1999 fora Adriane Maciel Gomes,198 e a disciplina propunha desenvolver a capacidade de expressão e comunicação visual no espetáculo, mediante a linguagem não-verbal e a composição cênica. A ementa199 propunha os fundamentos da direção teatral e os elementos da comunicação do espetáculo. A proposta apresentada foi „extrair a metáfora‟ do conto Uma Vela para Dario, de Dalton Trevisan200. Na época, confesso que „extrair a metáfora do texto‟ me pareceu meio vago, mas hoje entendo que foi uma forma interessante de apresentar a divisão da peça em seus acontecimentos principais para traduzir o tema e a ideia do conto e introduzir o conceito de superobjetivo do autor. Como informa Gorchakov (1956, 187) “antes de tudo, [...] é preciso estabelecer a lógica dos acontecimentos e o fluir do dia para a obra e para cada personagem.”201 198 Graduada em Educação Artística – Habilitação em artes Cênicas pelo Curso de Licenciatura da UFSM (1993-1997), Mestre em Letras pelo Programa de Pós Graduação em Literatura e Cultura Russa do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – SP (2008), atualmente professora do Curso de Artes Cênicas da Universidade Estadual de Londrina – PR. 199 As informações sobre objetivos, ementa e conteúdo programático foram extraídas dos programas da Disciplina Encenação I a VIII, cursados entre os anos de 1999-2003. Também podem ser acessadas no Portal da UFSM na Web com algumas diferenças devidas à adaptação do programa por cada professor. 200 TREVISAN, Dalton. Cemitério de Elefantes. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1975. 201 Antes que nada, [...] es preciso establecer la lógica de los acontecimientos y el fluir del dia para la obra y para cada personaje. (GORCHAKOV, 1956, p. 187) 91 Não se falou em Análise Ativa, mas seguiram-se os procedimentos de divisão do texto nos acontecimentos principais para a determinação da ideia e consequentemente sua metáfora. A partir da leitura inicial do texto, foi-nos proposto que fizéssemos a sinopse e que a partir dos principais fatos narrados encenássemos a metáfora do texto. O conto de Trevisan apresenta estrutura dramática clássica, com início–desenvolvimento– clímax–final e seus acontecimentos foram determinados em análise conjunta. Os personagens do conto Uma Vela para Dario são os transeuntes de uma grande cidade, preocupados quase que exclusivamente consigo mesmo e com seu cotidiano rotineiro, o corre-corre metropolitano e Dario, que no meio de toda agitação é acometido de um mal súbito e morre no meio da calçada. Uma chuva se anuncia. A partir disso, o autor narra a relação que se estabelece entre o corpo estirado na calçada e a reação dos transeuntes que por ele passam e vão-lhe roubando os pertences até a chegada do rabecão. Tivemos aulas práticas conduzidas como a um ensaio, onde havia a preparação psicofísica inicial, de preparação do corpo e arejamento mental. Tratava-se de introduzir os alunos no universo de aquisição da psicotécnica para então começar o trabalho de criação sobre o texto. Afora as 15 aulas com duração média de 4 horas, incluso intervalo, tivemos precisamente 3 ensaios. Cada aluno/diretor também não dispunha de muitos atores, já que trabalhamos circunscritos à turma de 20 alunos. Trabalhei com três atrizes: Carina da Silva Mafalda, Silvana Baggio Ávila e Ellen Londero. As atrizes vestidas de preto, com guarda-chuvas encobrindo-lhes o rosto. Uma música de ritmo acelerado ao fundo. Atravessam a cena em rápidas entradas e saídas de cena até o colapso. Os guarda-chuvas encobrem a visão do corpo estirado. Uma das atrizes entra lentamente e atravessa a cena empurrando um caminhão caçamba de brinquedo com uma vela acesa. Tudo volta ao ritmo normal, acelerado. Lembro que as apresentações de alguns colegas foram interessantes, mas o meu exercício em particular foi um caos. Estava baseado no tempo-ritmo da música e na precisão das entradas e saídas das atrizes em cena nas marcas e no tempo de duração da música, o que requer muito maior quantidade de ensaios e qualidade técnica do que dispúnhamos. Os colegas de turma com os quais ainda tenho contato não esquecem o fato de que intervim junto às 92 atrizes durante a apresentação, apressando-as, tentando ajustar seus tempos de entrada e saída. Dizem que foi hilário... Anedotas a parte, o processo de colaboração que se instalou entre a turma foi notável até o final da graduação. É certo que teatro não se faz sozinho, mas é certo também que a convivência diária num curso intensivo durante quatro, cinco anos entre um mesmo grupo pode ser algo estressante, mas também muito produtivo. Como informa Dagostini (2007, p. 49-50), na etapa da análise da estrutura da obra “é aconselhável que o diretor parta primeiramente para a descoberta dos seus acontecimentos principais, a fim de que possa ter a totalidade da mesma, partindo do geral para o particular e para o singular”. Para descobrir o superobjetivo da obra, Stanislávski (1980) aconselha minucioso exame por meio de repetidas leituras e divisão da obra em partes menores. Não esmiuçar os acontecimentos no início da análise, mas perceber a obra em sua totalidade através dos principais acontecimentos é o que se recomenda nesta fase. Para uma atuação orgânica, verdadeira, Stanislávski (1980, p. 207) ressalta que é necessário “um esquema nìtido e a linha da ação interior”202 e que para cria-los “é preciso conhecer a natureza, a lógica e a continuidade dos sentimentos”203. A questão da natureza, da lógica e continuidade dos sentimentos está longe de ser fácil de se esclarecer, até por conta das questões filosóficas que advém dos termos „natural‟, „lógico‟ e „contìnuo‟ e nós, artistas cênicos, precisamos abordar a questão do ponto de vista fìsico, concreto; como disse Stanislávski (1980, p. 207), “nos guiamos pela experiência prática, humana, pelas lembranças da vida, a lógica, a sucessão, a verdade e a crença naquilo que fazemos no palco”204 e é desse ponto de vista que devemos partir para elucidar a questão do sentimento, devemos nos guiar pela atividade, pelo conjunto das ações. É justamente essa mudança no ponto de vista que gerou a alteração dos procedimentos anteriores de Stanislávski. Antes, os estágios do trabalho com os atores sobre o papel, se dividiam no período analítico, de mesa, e no período de trabalho nos 202 [...] un plan claro y la línea de la acción interior. (STANISLAVSKI, 1980, p. 207) [...] preciso es conocer la naturaliza, la lógica y la continuidad de los sentimientos. (Idem) 204 Nos guiamos por la experiência práctica , humana, por los recuerdos de la vida, la lógica, la sucesión, l verdade y la creencia en lo que hacemos en el escenario. (STANISLAVSKI, 1980, p. 207) 203 93 ensaios; nos seus últimos anos de trabalho como diretor e pedagogo, esta divisão deixou de existir e a análise era executada com os atores em cena, com o estudo e realização das ações propostas no texto, estudado e dividido previamente pelo diretor em seus acontecimentos principais e objetivos. Portanto, é em ação que se reconhece sua afirmação de que “o procedimento de conhecer a linha lógica dos sentimentos através da linha lógica da ação física justifica-se plenamente na prática”205. 3. 2 O UNIVERSO E A IDÉIA CENTRAL DA OBRA: AÇÕES, SITUAÇÕES E CIRCUNSTÂNCIAS A análise “racional” da obra fornece conhecimento profundo do texto, por meio da penetração na vida e nos acontecimentos da obra que levam à compreensão e apreensão de toda sua amplitude, da idéia principal que a sustenta, o superobjetivo. Apreender a totalidade do superobjetivo da obra significa apreender a concepção do autor. Ele contém a idéia e o tema da obra que são estabelecidos pelo diretor preliminarmente ao trabalho de experimentação com o ator. (DAGOSTINI, 2007, p. 49) No segundo semestre de encenação, sob a orientação da Professora Mestre Rozane Silva Cardoso206, a proposta era a de exercitar a capacidade de trabalhar com elementos do espetáculo, através das relações do texto com o jogo cênico. Os alunos eram orientados no como proceder a condução dos ensaios para a plasmação cênica do material textual e para a comunicação da ideia central do texto, a partir dos estudos sobre a vida e a obra do autor selecionado. A turma era orientada em aula e depois cada aluno procedia a condução de seu próprio ensaio, em horário alternativo. Ao final do semestre, cada aluno deveria apresentar uma situação onde se concretizasse a ideia central da matéria textual 205 [...] el procedimiento de conocer la línea lógica de los sentimientos a través de la línea lógica de la acción física se justifica plenamente en la práctica. (STANISLAVSKI, 1980, p. 208) 206 (In memorian). Graduada em Educação Artística Licenciatura Plena em Artes Cênicas pela UFSM/RS (1992), Mestre em Ciência do Movimento Humano pela UFSM/RS (2001). Foi Professora Auxiliar do Departamento de Artes Cênicas da UFSM/RS até o ano de 2007. 94 escolhida. Além da condução dos ensaios em aula, cada aluno/diretor recebia orientação individual na condução da análise e estruturação das ações, situações e circunstâncias do texto e nos estudos sobre a vida e obra do autor, com ênfase nas características mais marcantes de sua obra, bem como o acompanhamento de dois ensaios, um no começo do semestre para acompanhar os procedimentos de condução do ensaio pelo diretor e outro ao final do semestre, de afinação da cena. O estudo da vida e obra do autor facilita a comunicação cênica da ideia central do texto, a definição de seu „universo‟: O chamado universo da obra, o seu plano geral, universal, engloba toda a obra e é também chamado de grande círculo. Este constitui o universo no qual a história vai ser contada. Nesse grande círculo, nós detectamos e evidenciamos, em primeiro plano, o acontecimento inicial e o acontecimento final, para se estabelecerem como marcos, por sua “estabilidade”. Tudo o que ocorrer entre esses dois acontecimentos é aquilo que poderíamos chamar de história, onde o tema se desenvolve. O universo onde a história está inserida, marcado desde o seu início, pode ser constituído de um ou mais acontecimentos, dependendo de cada autor, da especificidade da obra em questão e de seu projeto composicional. Saber determinar o universo da obra, o solo no qual ela vai germinar e se desenvolver, é de importância fundamental, pois é nele que as personagens tecem a sua vida. Do entendimento multifacetado desse universo em seus aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais, existenciais, depende, em grande parte, a complexidade da história. Esse universo deve ser concretizado cenicamente, no espetáculo, através da construção dos acontecimentos ou acontecimento inicial. Ele é o trilho onde a vida da obra passa a transcorrer, no qual as personagens lutam, desejam, odeiam, amam, etc. (DAGOSTINI, 2007, p. 50) O autor escolhido por mim para o exercício daquele semestre foi Ariano Suassuna, e o texto, O Auto da Compadecida. A história acontece no interior do Nordeste brasileiro, uma terra seca, onde se desenrolam as peripécias de um homem do povo chamado João Grilo, e seu inseparável amigo, Chicó, que vive inventando histórias fantásticas para justificar seus medos e atitudes para escapar da miséria. O universo que se apresenta ao analisarmos aspectos característicos da realidade social do espaço cultural que alimenta esta obra de Ariano Suassuna, é o mundo dos poderosos e dos oprimidos por eles, os graus de hierarquia dentro da instituição “Igreja Católica” e o tráfico de influências entre o clero e os mantenedores do poder capitalista imperante, contra os excluídos do sistema. 95 Os personagens são estereotipados e inseridos no realismo cotidiano, presos ao protótipo do tipo regional, o quengo ardiloso, burlesco. Na peça ainda são estigmatizados os servidores do clero e a burguesia local, posto que a estrutura social está altamente hierarquizada. Há também os personagens alegóricos, advindos da religiosidade medieval e regional, que configura uma visão de mundo binária, expressa mediante seres sagrados, benfazejos e maléficos, representantes de concepções que fazem parte do imaginário sertanejo. São eles: Palhaço(apresentador); João Grilo; Chicó; Padre João; Major Antônio Morais; Sacristão; Padeiro; Mulher do Padeiro; Bispo; Frade; Severino do Aracaju; Cangaceiro; Demônio; O Encourado (o diabo); Manuel (Nosso Senhor Jesus Cristo); A Compadecida (Nossa Senhora). João Grilo e Chicó são funcionários da padaria local e são mal pagos e maltratados pelos patrões, ela uma mulher safada, adúltera, apegada aos bens materiais e a seu animal de estimação e o marido, um total e completo objeto nas mãos da esposa. O cachorro dela adoece e ela ameaça largar do marido se o cachorro morrer, exigindo que o bicho seja abençoado pelo padre. João Grilo é quem, no fim das contas, resolve o problema do benzimento do cachorro inventando um testamento para o cachorro, onde o animal deixava para os membros do clero significativa quantia em dinheiro. Com tudo planejado, João Grilo só precisa convencer o amigo a finalizar seu plano para se vingar dos patrões. Quando a Mulher aparece para cumprir o testamento do cachorro, ainda lamentando a perda do cachorro, João Grilo lhe oferece um gato que “descome dinheiro”. Chicó busca o gato e a mulher se retira toda contente, pois além de ter de novo um animal de estimação, vai poder recuperar as despesas com a morte do cachorro. O Clero aparece para receber o dinheiro e eis que surgem Severino do Aracaju, um temido cangaceiro e seu bando, que julgam, condenam e matam a todos, menos João Grilo e Chicó, que os enganam com uma história de gaita mágica, que ressuscita os mortos, arquitetada para matar a mulher e incriminar o padeiro, quando estes viessem reclamar a compra do gato. A armação da gaita funciona e eles matam os cangaceiros. Porém, num último suspiro um dos homens de Severino atira em João Grilo, que também morre. A partir daí, a ação se desloca para o plano espiritual, onde mais uma vez João Grilo demonstra toda a sua astúcia e consegue negociar com o Diabo, Jesus e Nossa Senhora um bom fim para todos e para ele, é 96 claro, uma nova chance de voltar a vida e reencontrar seu amigo Chicó. De Volta, está todo feliz porque pensa que está rico, mas logo Chicó lhe dá a notícia de que, para que ele fosse salvo da morte, prometeu todo o dinheiro à Nossa Senhora. A peça apresenta cenas na padaria, no pátio da igreja e no céu, com seus personagens alegóricos. Vassalo (1993), em seus estudos sobre Ariano Suassuna afirma que tais características em sua obra constituem signos relevantes da medievalidade ainda presente na região, esquema implantado desde o início da colonização e que perdurou até um passado recente. Além disso, o texto apresenta inúmeros traços que o caracterizam como Épico: a ausência das três unidades formais, estabelecidas por Aristóteles; o uso de prólogo e epílogo, monólogo e aparte; o apresentador que se dirige ao público; o emprego da música e da ação trazida dos bastidores bem como os personagens estereotipados. Ainda em acordo com Vassalo (1993), a obra está classificada na categoria genérica da literatura épico-religiosa medieval, no sentido em que por motivo ideológico anula as unidades temporais e espaciais e funde o religioso e o profano. É um auto popular. Mostra prólogo em cada ato, feito pelo apresentador que também se ocupa do epílogo. O terceiro ato se passa no céu, em flagrante desrespeito à unidade de lugar. No texto, a saturação dos limites de tolerância dos oprimidos com a exploração impingida pelo sistema, culmina na concretização de um plano de vingança contra os maus tratos sofridos. O acontecimento selecionado para apresentação do exercício deste segundo semestre foi quando João Grilo tenta convencer o amigo a finalizar o plano de vingança, motivada pelos maus tratos sofridos enquanto esteve doente, que culminaria na morte dos patrões. A ação principal do acontecimento é a vingança de João Grilo; o que promove a unidade de ação é a preparação da vingança definitiva contra os patrões e demais mandatários da cidade e o entrelaçamento das ações fica por conta das peripécias que advém das circunstâncias que se apresentam para que consiga o determinado fim (a vingança). Os obstáculos enfrentados por João Grilo nesta tentativa de vingança são o ceticismo, a relutância e o medo de Chicó, de quem necessita da ajuda e a resistência da mulher em querer comprar o gato por causa das despesas, além do maior deles, a luta pela sobrevivência, que é o conflito principal. 97 O personagem principal, João Grilo, encarna a figura do herói negativo, sublimador das classes pobres, que se desforra no plano da sátira e da zombaria. Contrapõe-se, segundo Vassalo (1993) aos valores da identificação ou modelos de conduta e constitui um antimodelo paródico, posto que é um anti-herói. Cobre-se de simpatia popular, que o desculpa pela falta de escrúpulos e pela ausência moral de qualquer remorso. Analfabeto, pobre, inteligente e autoconfiante, autossuficiente, acha que pode se livrar até mesmo do inferno; é louco por uma embrulhada, sente-se explorado pelos patrões, pois recebe pouco, trabalha barato e bem, tendo consciência de suas qualidades profissionais. Já passou fome e comeu macambira na seca, mas sua grande reclamação é não ter recebido atendimento quando adoeceu, em contraste com a total servidão ao cachorro de estimação da patroa à mesma época. Por outro lado não é ladrão, mas defende-se como pode. Caracteriza-se pela atividade lúdica e gratuita, que lhe advém das peripécias em que se intromete sem premeditação. Suas soluções são sempre puramente individuais, a título de acerto de contas: quer se vingar dos patrões que o ignoraram durante sua doença. No entanto não tem alma ruim. Chicó, fiel escudeiro de João Grilo, por sua vez, é um contador de histórias fantásticas (grandes mentiras). Para Vassalo (1993), representa o homem do Nordeste, em sua pureza, com seus provérbios, fórmulas e crenças, por sua obstinação em sobreviver a tudo e por sua incrível capacidade de adaptação. Supersticioso e pouco confiante está sempre metido nas confusões armadas pelo amigo. Já teve um envolvimento com a mulher do patrão, tipo social que representa as figuras da burguesia em ascensão e a hierarquia social, com todas as suas barreiras. Prepotente, gananciosa, adúltera, apegada ao dinheiro e totalmente dedicada aos animais, não gosta de gente e, segundo ela mesma, tem medo da solidão. Os atores foram Franciele Garzela como mulher do padeiro, Pablo Canalles como Chicó e Ricardo Paim como João Grilo. O momento inicial girou em torno de João Grilo convencer o amigo a se vingar dos patrões para enriquecer com o negócio da padaria. A cena foi montada utilizando como proscênio diferentes níveis de palco e escadas. A opção por este espaço para a encenação é decorrente do fato de o texto não especificar um lugar de ação e de haver situações que acontecem no pátio da Igreja, na Padaria, na rua e até no Céu. O fato de haver escadaria ascendente e 98 descendente e vários níveis, remete-nos às dualidades céu/inferno, ricos/pobres, patrões/empregados, mandantes/subalternos, demonstrando as distâncias entre eles e a possível derrocada dos poderosos e a ascensão dos oprimidos. O texto foi mantido praticamente na íntegra, salvo adaptações necessárias para o claro entendimento da situação pretendida. Durante os ensaios, a ação proposta na improvisação do momento inicial foi a troca de uma lâmpada. Os objetos disponibilizados aos atores foram a lâmpada e uma escada dobrável. Pablo deveria ajudar Ricardo na troca, segurando a escada. Pablo tinha por obstáculo o medo da eletricidade, enquanto que Ricardo, a falta de firmeza da escada. Ricardo não poderia trocar a lâmpada se Pablo não segurasse a escada. Quando convencia o amigo de participar do plano intelectual, conseguia finalizar a tarefa física. Já a mulher tinha por objeto a coleira de seu animal de estimação morto, que por vezes era usado como chicote, ilustrando o domínio da hierarquia social exercido pela mulher. 3. 3 TOMANDO CONHECIMENTO DO MÉTODO NA ÍNTEGRA A análise da obra por meio dos fatos e acontecimentos atinge a essência do método, pois possibilita a concretização da ação, que se dá através da determinação dos acontecimentos seqüenciais. Os acontecimentos são o sustentáculo da ação e através deles, de forma sucessiva, vivenciamos tudo o que acontece na obra. O conhecimento da obra, possibilitado pelo processo de valorização dos fatos, transformados em acontecimentos pelo diretor, constitui a matéria da arte teatral. (DAGOSTINI, 2007, p. 43) No terceiro semestre da Disciplina Encenação tomamos conhecimento do Método da Análise Ativa. Embora já viéssemos trabalhando em acordo com seus procedimentos há dois semestres, não tínhamos ciência disso. 99 A ementa da Disciplina foi elaborada pela Profª. Drª. Nair Dagostini, que foi a „titular da cadeira‟ até o ano de 1999207, e propunha desenvolver a capacidade de interpretar e analisar a obra dramática em seus elementos estruturais e ativos e proporcionar ao aluno diretor/ator o exercício da criação cênica. Foi ministrada na forma de seminários com exposição oral nos quais realizou-se a análise teórica208 de Romeu e Julieta, de William Shakespeare (1564-1616), e do conto A Feiticeira, de Anton Tchekov (1860-1904). Tive o privilégio de assistir por duas vezes o seminário de aproximação téorica ao método, no ano 2000, quando cursei Encenação III e como ouvinte no ano de 2001, anos nos quais a parte prática da Disciplina foi orientada pelas Professoras Mestres Adriane Maciel Gomes e Rozane Silva Cardoso, respectivamente. Posteriormente, nos anos de 2004 e 2005, como professor colaborador pude aprimorar meu conhecimento do método orientando a Disciplina Encenação III, por indicação da Profª. Ms. Rozane, que havia sido minha orientadora no processo de graduação em Direção. Trabalhei praticamente repetindo os estudos teóricos conforme recebidos da Profª Nair. Procedi inicialmente com a análise dos textos para a transmissão do conhecimento teórico do método e, posteriormente, com a orientação prática dos ensaios de cada orientando, que foi responsável por montar um acontecimento da obra Romeu e Julieta. Os acontecimentos foram apresentados publicamente, seguindo sua ordem para o público poder acompanhar o desenrolar da história sequenciadamente. A experiência pode ser conferida em vídeo, no acervo da Videoteca do Curso de Artes Cênicas da UFSM. Como a disciplina compunha os currículos de Interpretação e Direção, era ministrada tanto para alunos/atores como para alunos/diretores, com o conteúdo dividido em 4 unidades – para uma melhor compreensão do mesmo – mas trata-se de etapas de um processo único, ou que faz referência à unidade da obra analisada. 207 A transmissão do conhecimento do método para a análise do material textual continuou na forma de seminário ministrado por Dagostini até o ano de 2003, com orientação prática da Profª. Ms. Rozane Silva Cardoso. Participei como ator de um dos exercícios cênicos da turma de 1999, último ano em que a parte prática da disciplina foi orientada por Dagostini. Naquele ano, o texto analisado e distribuído entre os alunos para o exercício de encenação foi O Nariz, de Nikolai Vassílievitch Gógol (1809-1852). 208 Situacional e não psicológica nem literária. 100 A abordagem nas 3 primeiras unidades debatidas em aula era teórica, diz respeito ao Diretor/Encenador e sua aproximação à obra dramatúrgica e ao embasamento de sua concepção em relação à ideia do autor da obra. Do ponto de vista do diretor, a análise é sempre ativa, mesmo teórica, pois é a partir dela que se estabelecem as relações entre a obra dramatúrgica ou proposta de montagem e a montagem em si. Para a análise do texto implicam os conceitos de Circunstância Dada (Inicial e Principal) e de Linha Transversal de Ação; a divisão da obra em seus acontecimentos principais – Inicial, Fundamental, Central e Final – e sua nomeação, o esclarecimento do Tema e da Idéia da obra em acordo com a teoria proposta por Stanislávski, a determinação dos objetivos e conflitos e os reconhecimentos e mudanças nas relações dos personagens; a constituição do “romance de vida” da obra e dos personagens, a narração e descrição de suas ações motivacionais, o subtexto. Subsequentemente na quarta e última unidade, a esfera prática, que trata da relação Ator/Diretor, a da concretização cênica do texto dramático, era orientada individualmente com cada aluno e seu grupo de atores209. Os diretores procediam com seus atores a experimentação psicofísica dos acontecimentos do texto. 3. 3. 1 A ANÁLISE ATIVA E SEUS PROCEDIMENTOS O método da Análise Ativa foi desenvolvido por Stanislávski ao final de sua vida. É a síntese de árduo trabalho como ator, diretor e pedagogo e de seu pensamento artístico legado e desenvolvido por alguns de seus discípulos na Rússia, principalmente por Maria Osípovna Knébel, em Moscou210, e, posteriormente, por Gueórgui Tovstonógov, seu aluno, em Leningrado211 (hoje São Petersburgo). O trabalho de ambos é o mais significativo no que tange à Análise Ativa e a partir de suas abordagens é que surgem as possíveis variantes. O Método da Análise Ativa é um mecanismo destinado ao diretor ou, mais exatamente, para o diretor e o ator trabalharem em cooperação. 209 Todos precisavam apresentar cenicamente uma situação dramática completa ao final do semestre, dirigindo sua própria montagem e atuando na montagem de algum colega. 210 GITIS – Instituto Estatal de Arte Teatral de Moscou A. V. Lunatchrski. Em 1991 passou a ser chamada RATI – Academia Russa de Arte Teatral. 211 LGITMiK - Instituto Estatal de Teatro, Música e Cinema de Leningrado N. K. Cherkacov. Em 1993 passou a ser denominada Academia Estatal de Arte Teatral de São Petersburgo – SPGATI. 101 Conforme exposto por Dagostini (2000), a Análise Ativa é “(...) a estrutura do texto através da ação. Nos leva a descobrir a situação que está por trás das palavras” 212. O Método compreende duas instâncias específicas, a prática e a teórica; pode-se dizer que com ela é possível atingir a totalidade da obra dramatúrgica, seu „corpo‟ e „alma‟ personificados no espetáculo teatral. Os dois pedagogos do teatro citados acima são os representantes destas duas instâncias do método, como se pode inferir a partir de seus escritos e práticas individuais, um de um ponto de vista mais teórico (Tovstonógov), que orientava diretores, e outra do ponto de vista mais prático (Knébel) 213 , pedagoga de atores. De qualquer forma, faces da mesma moeda. A divisão da peça ou texto em partes é o primeiro procedimento do diretor no método de Análise Ativa. O procedimento de separação dos acontecimentos é descrito no romance de Stanislávski (1980, p. 165-180), numa analogia com a divisão de um peru assado durante um almoço. Na divisão da obra, o método da Análise Ativa contempla a estrutura dramatúrgica clássica ao reproduzir sua estrutura: São quatro os acontecimentos considerados essenciais no universo da obra e que devem ser identificados para que se possa ter uma visão geral da mesma: o acontecimento inicial, que nos situa no contexto onde vai eclodir o problema, e que inicia a principal circunstância dada; o acontecimento fundamental, determinado pela principal circunstância dada que deslancha a história; o tema, em que inicia a linha transversal da ação, que carrega e une em um único fio todas as ações dos acontecimentos sequenciais que compõem a história; o acontecimento central, que deve constituir o ápice do conflito, o clímax, o fim da linha transversal da ação; o acontecimento final, também chamado de principal, pois ele abrange a solução ou não do conflito. Nele deve desembocar a ideia graças à qual o autor escreveu a obra, consciente ou 214 inconscientemente, junto com o superobjetivo do diretor. (DAGOSTINI, 2007, P. 50) Stanislávski (1989, p. 206) fala também da importância da “arte de revelar com nitidez o enredo da peça, a sua ação externa”, e lembra que não raras vezes assistimos peças sem entender com clareza “a sequência dos acontecimentos e sua interdependência básica. E isso é o primeiro que deve ser destacado na peça, senão 212 D‟AGOSTINI, Seminário “Teoria do Espetáculo e Estética Aplicada”, março de 2000. Refiro-me ao modo de transmissão do conhecimento teórico do método segundo a ênfase de Tovstonógov na direção e da importância atribuída por Knébel (1991, 1996) enquanto pedagoga de atores aos études, que nada mais são senão as improvisações sugeridas pelo diretor a partir da análise. Ambos pedagogos tem amplo espectro prático em seus trabalhos. 214 Grifos meus. 213 102 fica difícil falar do seu aspecto interno.” Isso, dito em relação ao público e, se parece difícil ao público a falta de sequência nos acontecimentos, imagine a falta de lógica e coerência para o ator em cena. Ao discorrer sobre a importância da análise da obra pelo diretor, Dagostini (2007, p. 49) fala ser fundamental o conhecimento da estrutura dramatúrgica da obra, pois é isso que possibilita ao diretor “antever” e “intuir” o superobjetivo e a ação transversal. Nair D‟Agostini (2007, p. 26), fiel ao mestre russo, ao discorrer sobre o superobjetivo diz que “é ele que movimenta todas as forças psìquicas, elementos, ações e atitudes dos atores em suas personagens. é um dos elementos fundamentais do “sistema” para a atitude do diretor diante da análise da obra, para a concretização do espetáculo e para o ator na criação do papel”. É o superobjetivo que deverá orientar todo o trabalho do diretor e do ator na concretização do espetáculo e ele não está de forma alguma determinado ou preso a padrões estéticos. Nas palavras de Stanislávski (1980, p.320): Assim como da semente nasce uma planta, de uma ideia ou sentimento próprio do escritor brota sua obra. Suas ideias, sentimentos e sonhos percorrem como uma linha vermelha toda sua vida e o guiam durante a criação. Servem-lhe de base, e desse gérmen brota sua produção literária; juntamente com suas dores e alegrias, constituem o motivo pelo qual empunha a caneta. Transmitir todo esse material espiritual é o principal objetivo do espetáculo. De agora em diante convencionaremos chamar a esse fim essencial, que mobiliza todas as forças psíquicas e elementos das atitudes do ator em seu personagem de o 215 superobjetivo da obra. (STANISLAVSKI, 1980, p. 320) Como vimos, em O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo no Processo das Vivências, Stanislávski (1980, p. 320), assinala que o principal objetivo do diretor e do ator através do espetáculo é transmitir o material espiritual que o autor imprime a sua obra, sua motivação ao escrevê-la, o que ele denomina o “superobjetivo”. Em O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo no Processo da Encarnação, Stanislávski (1983, p. 257-258) amplia a responsabilidade da aproximação ao superobjetivo para todas as 215 Así como del grano nace la planta, de una idea o sentimiento particular del escritor brota su obra. Sus ideas, sentimientos y sueños recorren como un hilo rojo toda su vida y lo guían durante la creación. Le sirven de base, y de esse germen brota su producción literaria; juntamente com sus penas y alegrias, constituyen el motivo por el cual toma la pluma. Trasmitir todo este material espiritual es el objetivo principal del espectáculo. De ahora en adelante convendremos en llamar a este fin essencial, que moviliza a todas las fuerzas psíquicas y elementos de la actitud del actor en su personaje. el superobjetivo de la obra. (STANISLAVSKI, 1980, p. 320) 103 pessoas envolvidas no processo de trabalho e reitera o objetivo do artista (ator/diretor/equipe técnica) estendendo-o para a arte teatral, praticamente nos mesmos termos usados no livro sobre as Vivências, reforçando a importância deste conceito em sua teoria: O objetivo do teatro é criar a vida interior da obra e do personagem e a plasmação cênica do núcleo fundamental e da ideia que fizeram nascer a criação do poeta e do compositor. Cada trabalhador do teatro, começando pelo porteiro, o encarregado do guarda-roupa, o bilheteiro, o caixa, com os quais se encontra primeiro o espectador que vem para nos ver, e terminando pela administração, a inspeção, a direção e finalmente, os artistas, que são cocriadores do poeta e do compositor, por cuja obra se reuniu o público, todos servem ao fim fundamental da arte e estão integralmente subordinados a ele. Todos, sem exceções, são participantes do espetáculo. (STANISLAVSKI, 1983, 216 p. 257) Em nota, o tradutor Salomón Merener chama a atenção para uma variante posterior desta mesma passagem, que consta dos arquivos de Stanislávski em Moscou: O objetivo essencial de nossa arte consiste em criar a vida humana interior dos personagens da obra e em personificar artisticamente esta vida na cena. Todos os que trabalham no teatro, sem exceção, estão obrigados a ajudar em tal ou qual medida para que se consiga este objetivo essencial da arte e do 217 espetáculo. (STANISLAVSKI, 1983, p. 257, nota 11) A Análise Ativa oferece, na qualidade de condutor do processo criativo do ator, um meio de acessar a integralidade psicofísica na utilização de seu aparato em cena, no estabelecimento de uma dramaturgia do espetáculo. Além de se mostrar um excelente conector entre o imaginário do ator e a realidade ficcional, a Análise Ativa se apresenta como uma alternativa de ordenação dramatúrgica para os mais diversos gêneros literários. Isso oferece, no meu entendimento, uma maior possibilidade de plasmação cênica em relação aos experimentos que não se apoiam nesse 216 El objetivo del teatro es crear la vida interior de la obra y del personaje y la encarnación escénica del núcleo fundamental y de la idea que hicieron nacer la creación del poeta y del compositor. Cada trabajador del teatro, empezando por el portero, el encargado del guardarropa, el taquillero, el cajero, con los que primero se encuentra el espectador que viene a vernos, y terminando por la administración, la intendência, el director y finalmente, los mismos artistas, que son co-creadores del poeta y el compositor, por cuya obra se ha reunido el público, todos sirven al fin fundamental del arte y están íntegramente subordinados a él. Todos, sin excepción, son participantes del espectáculo. (STANISLAVSKI, 1983, p. 257) 217 El objetivo essencial de nuestro arte consiste en crear la vida humana interior de los personajes de la obra y en encarnar artisticamente esta vida en la escena.Todos los que trabajan en el teatro, sin excepción, están obligados a ayudar en tal o cual medida que se consiga este objetivo essencial del arte y del espectáculo. (STANISLAVSKI, 1983, p. 257, nota 11) 104 procedimento. Com isso, o diretor, homem de teatro, pode apropriar-se do elemento dramático do texto para a construção da dramaturgia do espetáculo, bem como fugir dos psicologismos e clichês geralmente associados à utilização do „Sistema Stanislávski‟. Quando executa o esquema teórico da Análise, o diretor vai se imbuindo do material que irá se condensar e dar a forma e a unidade do espetáculo. Nesta aproximação inicial o diretor deve estudar, além do texto em si, o autor e seu período, não para uma reconstrução histórica de cenários e figurinos, mas para melhor entender as expressões utilizadas pelo autor, o que ele realmente quis dizer com o que disse, para familiarizar-se com o universo da obra e com a ideia central que ela carrega. É claro que nesta tarefa são muitos os fatores que influenciam na profundidade a que a Análise pode chegar: o grau de informação que se tem acerca do tema tratado modifica o resultado, bem como a vivência da pessoa que a realiza. As circunstâncias estão dadas pelo autor, no caso de um texto, ou pelos atores, no caso de improvisação temática, e dependendo do ponto de vista que se as observam, elas tomam novas cores. O primeiro passo da Análise Ativa é dividir o texto em partes menores, chamadas „Acontecimentos‟. O critério para a definição dos acontecimentos é o cerne da estrutura dita dramática, de causa e consequência – início, desenvolvimento, clímax e final. Em cada acontecimento se tem definidos estes quatro momentos denominados Momento Inicial, Momento Fundamental, Momento Central e Momento Final. Em cada acontecimento são identificados os personagens, sua ação, seus objetivos imediatos e também sua contra ação, o obstáculo que determina sua luta para atingir o superobjetivo, aquilo para que o personagem foi escrito. Como num fractal, esta mesma estrutura se repete no todo. Separados os acontecimentos, detecta-se qual deles corresponde, no texto, ao Acontecimento Inicial; identifica-se onde está a Principal Circunstância Dada, e ali será o Acontecimento Fundamental; em sequência o Acontecimento Central e o Acontecimento Final. No Acontecimento Inicial encontra-se a Circunstância inicial, que define o Universo, que deve obrigatoriamente ser antagônico à Principal Circunstância Dada, onde surge o Tema. A Principal Circunstância Dada marca o início da Linha Transversal de 105 Ação, que é “o caminho por onde o superobjetivo se afirma ao longo da obra” (DAGOSTINI, 2007, p. 31-32)218. Cada acontecimento possui seu caráter objetivo e subjetivo, e é a trama baseada no ponto de vista individual do diretor e que o ajuda a se aproximar das circunstâncias dadas, da linha transversal de ação e do superobjetivo da peça. Depois de dividido o texto, cada acontecimento é analisado em separado, buscando seu Objetivo, a Circunstância Dada que o gerou, a identificação dos personagens que nele estão envolvidos, seus objetivos e ações219. A estrutura dos acontecimentos da peça é o núcleo do método da análise ativa. Dentre os acontecimentos, determina-se quais são os acontecimentos principais – inicial; fundamental; central e final. Da união do Universo (Acontecimento Anterior), do Tema (que surge com a Principal Circunstância Dada [P.C.D.]), da Linha Transversal de Ação (que inicia no Acontecimento Fundamental no qual está a P.C.D.) e do Acontecimento Final, obtém-se a Idéia do texto. Nas palavras de Dagostini (2007, p. 50): Ao determinar a estrutura básica da obra, o diretor já tem condições de vislumbrar o tema e a idéia da obra, mas é aconselhável não os formular ainda. A análise detalhada de cada acontecimento exige do diretor a seleção exata da circunstância única que o determina, a qual dá origem ao acontecimento e, conseqüentemente, gera o conflito entre todas as personagens que dele participam. Em cada acontecimento, além de ser determinada a circunstância que lhe deu origem, deve ser desvendado o objetivo do mesmo para a história, no projeto de composição do autor, as personagens que participam dele, seus objetivos e obstáculos. A circunstância e o acontecimento devem abarcar todas as personagens que estão envolvidas no conflito naquele determinado momento. (DAGOSTINI, 2007, p. 50) Stanislávski (1980, p. 177), chama a atenção para a escolha acertada na denominação dos acontecimentos e dos objetivos de cada um deles. Os acontecimentos devem sempre ser nomeados por um verbo de ação substantivado, ou então, por um provérbio ou dito popular, que deverá contemplar a “essência interior” do acontecimento, o que ele realmente quer dizer, o que está por detrás das palavras. Enquanto o diretor procura a palavra mais acertada, “ao mesmo tempo sonda e estuda 218 Os conceitos de “superobjetivo”, “linha transversal de ação” e “circunstâncias dadas” são esclarecidos por DAGOSTINI, 2007, p. 26-35. 219 A descrição do processo de Análise Ativa da estrutura da obra é descrita por DAGOSTINI, 2007, p. 49-57. 106 o pedaço [do texto], o cristaliza, obtém sua síntese. Na escolha do nome se encontra o próprio objetivo. Uma denominação correta, que determina a essência do fragmento, descobre o seu objetivo oculto”220. Uma nomeação “precisa” atribui “força e importância” ao acontecimento, reforça Stanislávski (1980, p. 323): “[...] dissemos também que a troca do substantivo por um verbo, reforça o ímpeto da aspiração criadora. Estas condições se manifestam em grau ainda maior na denominação verbal do superobjetivo”221. A concretização desse trabalho exige um esforço imenso do diretor, pois, além do entendimento coerente das personagens com aquilo que o autor fornece na obra, é necessário, para preencher os vazios da mesma, uma grande imaginação. Considerada esta a principal força do diretor, que deve ser coerente com o cerne das personagens e do universo em que 222 elas estão inseridas : o mundo cultural, artístico, econômico, político, histórico, costumes, mentalidade da época, etc. O diretor tem que realizar um grande trabalho de preparação que ultrapasse a primeira visão, adquirindo “um enfoque imaginativo” do texto, próprio de um artista. (DAGOSTINI, 2007, p. 37) De posse da Análise Ativa, o diretor, de uso dos verbos utilizados para a nomeação de cada situação, apresenta aos atores uma proposta de jogo improvisacional, levando em conta o objetivo de cada personagem. Segundo a Professora Nair D‟Agostini, a partir da análise do texto, o ator realiza études sobre as situações do texto - ou tangenciais a este223 - que é dividido em unidades de ação e motivação. Ele investiga ações físicas em circunstâncias e situações que viabilizem a composição do personagem através de partituras de ações. Constrói uma linha contínua de ações físicas através de uma partitura, justificadas pelo objetivo. Cria uma dramaturgia interna própria pelo pensamento e ação (subtexto) que gera um texto próximo àquele construído pelo autor, através da visualização ativa das falas construídas. A ação psicofísica se compõe de todos os elementos da ação (são as leis orgânicas e a percepção) e o subtexto é o resultado do uso de todos esses elementos. 220 [...] al mismo tempo sondea y estudia el trozo, lo cristaliza y hace su sínteses. En la elección del nombre se encuentra el objetivo mismo. Uma denominación correcta, que determina la esencia del fragmento, descubre el objetivo que encierra. (STANISLAVSKI 1980, p. 177) 221 [...] dijimos también que el remplazo del substantivo por un verbo refuerza el ímpetu de la aspiración credora. Estas condiciones se manifiestan em grado aun mayor durante la denominación verbal del superobjetivo. (STANISLAVSKI 1980, p. 177) 222 Grifos meus. 223 Situações tangenciais são as referências no texto sobre o passado dos acontecimentos, não explícitos, que devem ser construídos com o ator. 107 As ações físicas estimulam as emoções, o inconsciente, onde o aparato físico está totalmente relacionado com o mental. Em acordo com a exposição oral de Dagostini, Tovstonógov demarca três círculos de circunstâncias – o GRANDE (relacionado com o superobjetivo e ultrapassa os limites da peça – o contexto do diretor e sua equipe), o MÉDIO (estritamente relacionado com as circunstâncias e com a linha transversal de ação da peça) e os PEQUENOS (relativos aos acontecimento localizados e com a ação local). Analisando a peça, o diretor vai do geral (grande círculo) para o específico (pequeno círculo), e depois retorna ao geral. O grande círculo é o universo da peça, enquanto que o médio círculo é o padrão de inter-relações das pessoas dentro desse universo. A Linha Transversal de Ação demarca o inìcio e fim do „médio cìrculo‟ e os Acontecimentos são os „pequenos cìrculos. Depois de realizada a análise da peça pelo diretor, isso não significa que ele deva falar sobre os resultados dessa análise com seus atores. Conforme Dagostini, Tovstonógov aconselha os diretores a manter o ator dentro do pequeno círculo de circunstâncias e dar a ele um impulso para começar uma ação concreta dentro do acontecimento local. Esse procedimento irá manter o diretor dentro de seus próprios tema e idéia, e vai deixar essa idéia (superobjetivo) desenvolver-se através do conflito dramático e do conjunto dos acontecimentos, que estão todos interrelacionados. Seguindo as postulações de Stanislávski, Tovstonógov sugere começar com a determinação do tema e da idéia da montagem, bem como com a criação do “romance da vida”224 (o “passado, presente e futuro” de Stanislávski) – com a recriação detalhada da vida do personagem. Em acordo com Dagostini: Tovstonógov aconselha a não partir imediatamente para a fase analítica da estrutura da ação, mas desvendar a vida da peça, entrar no universo das personagens, situar-se no mundo delas, perscrutar seus desejos, suas alegrias, tristezas, conflitos, amores, ódios, relações e inter-relações. Esse processo de envolvimento com a vida da obra é concretizado através da chamada criação da “novela da vida” da obra, na qual o diretor completa todas as informações que estão ausentes na mesma, do passado, do presente e até do futuro das personagens. (DAGOSTINI, 2007, p. 37) 224 A Drª. Nair Dagostini utiliza também o termo “novela da vida” da obra. (DAGOSTINI, 2007, p. 37) 108 O “romance da vida” faz com que o diretor possa “entender os motivos dos atos e das ações das personagens”, justificando cada mudança na ação e nos “ínfimos movimentos da alma”. Ainda em conformidade com Dagostini (2007, p. 38), “penetrando através dos fatos, da fábula, que se dão na superfície ou no comportamento das personagens” o diretor pode decifrar a natureza interna do conflito. Para ela, as respostas às perguntas “que surgem durante o processo de criação do “romance da vida”, vêm do maior entendimento da vida das personagens”: [...] O diretor deve realizar um estudo detalhado da vida dessa obra, das personagens, para, só depois, determinar os acontecimentos, as circunstâncias dadas, idéia, o tema, a linha transversal de ação, os objetivos, etc. Somente depois de o diretor ter realizado essa importante etapa do estudo do texto, “o romance da vida”, o qual possibilita ao diretor dialogar com o autor, explicando zonas obscuras da obra e, decifrar, nos próprios acontecimentos, a natureza interna dos motivos das personagens, pode passar para a análise da estrutura dessa obra, determinando, assim, os acontecimentos, as circunstâncias e os demais elementos que constituem a ação e a composição da mesma. (DAGOSTINI, 2007, P. 38-39) O universo da peça está sempre „prenhe‟ do conflito e gradualmente esse conflito cresce e então ocorre o choque da circunstância dada inicial com a principal circunstância dada. Este conflito toma o seu lugar no acontecimento fundamental. Por exemplo, em “Romeu e Julieta” o acontecimento inicial é a inimizade entre as famílias. Aqui a circunstância inicial, ou o universo (de hostilidade e de ódio) se revela. Neste universo, Romeu, que está apto para o amor, decide que vai ao baile organizado pelo inimigo de seu pai e se apaixona por Julieta – o acontecimento fundamental da peça. Dessa forma acontece o choque da circunstância dada inicial e da principal circunstância dada – o amor entre os filhos de duas famílias rivais. Eis de onde surge a linha transversal de ação, a luta pelo direito de amar. O próximo passo no conflito é o acontecimento central, a morte dos apaixonados. Todos os conflitos são expostos, o retorno de Romeu do exílio, o casamento às escondidas. Aqui termina a linha transversal de ação; Os jovens amantes estão mortos, não há ninguém para lutar pelo amor. Na sequência temos o acontecimento final. O universo ainda ecoa os acontecimentos anteriores. Montecchio e Capuletto se reconciliam ou talvez só estabeleçam uma trégua momentânea. 109 Para ilustrar o processo descrito com Romeu e Julieta, utilizo o texto escolhido para o exercício deste terceiro semestre de Encenação, a crônica Enquanto Dure, das Comédias da Vida Privada, de Luís Fernando Veríssimo225. Apresento a seguir a divisão do texto em acontecimentos em acordo com a teoria da Análise Ativa. No caso específico de Enquanto Dure, temos somente os quatro acontecimentos principais, estando o acontecimento central dividido em dois momentos. 3. 3. 2 O TEXTO E SEUS ACONTECIMENTOS PRINCIPAIS: UM EXEMPLO 1º ACONTECIMENTO: Separação (Universo – Circunstância Inicial) Acontecimento Inicial: Desgaste do relacionamento. Circunstância Dada: A divisão dos bens. “Depois da separação veio aquele momento difícil que é o da divisão das coisas. Tudo o que eles tinham acumulado juntos, ou trazido das suas vidas separadas para compartilharem, de repente, precisava ser reidentificado como “Meu” ou “Seu”. Mais prática, como sempre, Taís já tinha tudo organizado quando José Eduardo chegou no apartamento.” 2º ACONTECIMENTO: Reencontro (Acontecimento Fundamental – P. C. D.) Acontecimento Inicial: Separação Circunstância Dada: Chegada de José Eduardo “– Esta pilha aqui é das minhas coisas, essa pilha é das suas coisas, esta caixa é para as coisas que vão fora. – Me parece justo. – Como, “justo”? Não tem nada a ver com justiça. O que é meu é meu e o que é seu é seu. Isto não é redistribuição de renda. – Me expressei mal. Desculpe. Não quis dizer “justo”. Quis dizer “tá”. De acordo. – Se fosse uma questão de justiça, eu é que tinha que reclamar. Sua pilha é muito maior do que a minha. – Está certo, Taís. 225 VERÍSSIMO, Luis Fernando. Comédias da Vida Privada. Porto Alegre : L & PM Ed., 1994. 110 – O que você tinha de papel velho... Só de suplemento cultural guardado para ler depois tem mais de um metro. – Está bem, Taís. – Você quer a Efigênia? Era uma pequena escultura, um busto de mulher que ele apelidara de Efigênia. – Não, não. – Você sempre gostou dela. – Pode ficar. – Alguma coisa da cozinha? – Não. – A mostarda? – Não. Nada. Bom, talvez aquelas alcaparras italianas. – Que alcaparras italianas? – Aquele vidrinho. As alcaparras pequeninhas. – José Eduardo, aquele vidrinho acabou há mais de um ano. – É? Então não quero nada. – Você quer examinar a minha pilha?” 3º ACONTECIMENTO: O Desacordo (Acontecimento Central) Acontecimento Inicial: Divisão dos bens Circunstância Dada: Possível desconfiança de José Eduardo quanto à divisão 1º Momento: Impasse. “– Não precisa, eu... Espera aí. Esse Vinícius de Moraes é meu. – É meu. – Não senhora. Tenho certeza de ter comprado esse livro. Lembro até a livraria. – Eu ganhei esse livro, José Eduardo. – De quem? – Não me lembro. – Arrá! – Como “arrá”? 111 – Arrá. A, erre, erre, a. Você não lembra porque não ganhou de ninguém. O livro é meu. Taís não disse nada. Pegou o livro da sua pilha, irritada, e abriu na primeira página. – Está aqui. Tem até dedicatória. “Taìs. Que o nosso amor seja eterno enquanto dure. Um beijo carinhoso do...” Ela parou. Ele perguntou: – Quem? Taís hesitou. Depois respondeu. – Você. – Eu?! – Você me deu o livro. Vinte de outubro de 86. Nós éramos namorados.” 2º Momento: Possibilidade de reconciliação. “Ele pegou o livro das mãos dela, leu a dedicatória, depois fechou o livro e recolocou na pilha. Os dois ficaram em silêncio, emocionados. Ela foi olhar pela janela, para disfarçar. Ele espiou dentro da caixa de coisas que iam fora, só para ter o que fazer.” 4º ACONTECIMENTO: Indignação (Acontecimento Final) Acontecimento Inicial: Desconforto/Recaída Circunstância Dada: O time de botão no lixo “– Taís! Meu time de botão! – O quê?! – Você ia botar meu time de botão no lixo! – Francamente, José Eduardo. Estava no fundo do armário. – Olha aqui! Olha aqui! Ele tinha resgatado um botão de dentro da caixa e o brandia como prova acusatória. – O Rivelino! Você ia jogar fora o Rivelino! 112 3. 3. 3 ESQUEMA DA „ANÁLISE ATIVA‟ DO TEXTO Nº 1 - Acontecimento: SEPARAÇÃO Palavras-chave: “Tudo o que eles tinham acumulado juntos, ou trazido das suas vidas separadas para compartilharem, de repente, precisava ser reidentificado como “Meu” ou “Seu”.”. Objetivo do Acontecimento: Apresentar o Universo do texto. Circunstância dada que gerou o acontecimento: A divisão dos bens. Objetivo de Taís: Reidentificar o que é dela e o que é do ex-marido. Obstáculo de Taís: Saber o que é de quem. Ação de Taís: Dividir; Separar; Organizar; Esperar. Nº 2 - Acontecimento: REENCONTRO Palavras-chave: “– Esta pilha aqui é das minhas coisas, essa pilha é das suas coisas, esta caixa é para as coisas que vão fora.” Objetivo do Acontecimento: Possibilitar um acordo. Circunstância dada que gerou o acontecimento: A chegada de José Eduardo. Objetivo de Taís: Mostrar sua organização. Obstáculo de Taís: O descaso de José Eduardo com a situação. Ação de Taís:Reencontrar; Mostrar; Discutir; Argumentar. Objetivo de José Eduardo: Pegar seus pertences. Obstáculo de José Eduardo: A insistência de Taís em discutir a divisão. Ação de José Eduardo: Chegar; Observar; Reecontrar; Aceitar. Nº 3- Acontecimento: O DESACORDO. 1º Momento:Impasse Palavras-chave: “– Não precisa, eu... Espera aí. Esse Vinícius de Moraes é meu. – É meu. – Não senhora. Tenho certeza de ter comprado esse livro. Lembro até a livraria. – Eu ganhei esse livro, José Eduardo”. 113 2º Momento: Possibilidade de reconciliação Palavras-chave: “Ela foi olhar pela janela, para disfarçar. Ele espiou dentro da caixa de coisas que iam fora, só para ter o que fazer.” Objetivo do Acontecimento: Mostrar que a reconcialiação é possível. Circunstância dada que gerou o acontecimento: A possível desconfiaça de José Eduardo com relação à posse do livro. Objetivo de Taís: Comprovar que o livro é seu. Obstáculo de Taís: José Eduardo. Ação de Taís: Disputar; Discordar; Ler; Argumentar; Lembrar. Objetivo de José Eduardo: Comprovar a posse do livro. Obstáculo de José Eduardo: Taís. Ação de José Eduardo: Recolocar; Ler; Espiar; Surpreender, Disputar; Concordar; Lembrar; Disfarçar. Nº 4 - Acontecimento: INDIGNAÇÃO Palavras-chave: “– Você ia botar meu time de botão no lixo! – Francamente, José Eduardo. Estava no fundo do armário. – Olha aqui! Olha aqui!” Objetivo do Acontecimento: Mostrar que mesmo reconcialiados, as diferenças continuam. Circunstância dada que gerou o acontecimento: O time de botão no lixo. Objetivo de Taís: Mostrar que a culpa pelo fim do relacionamento é do outro. Obstáculo de Taís: Indignação e insistência de José Eduardo. Ação de Taís: Esclarecer; Discutir; Disputar; Objetivo de José Eduardo: Responsabilizar as ações de Taís pelo fim do relacionamento. Obstáculo de José Eduardo: O pouco caso de Taís. Ação de José Eduardo: Questionar; Disputar; Discutir. IDÉIA: Num mundo de relações matrimoniais conflituosas, a luta pela determinação da propriedade e da identidade pessoal, reaproxima as pessoas e gera novos conflitos. O gráfico abaixo, elaborado a partir das indicações de Dagostini obtidas no Seminário de 114 conhecimento teórico do Método da Análise Ativa, na graduação, demonstra os círculos circunstanciais do texto Enquanto Dure: Acontecimento Inicial Acontecimento Fundamental Circunstância Incial Principal Circunstância Dada Acontecimento Central L I N H A T R A N S V E R S A L D E A Ç Ã O Acontecimento Final Na montagem da crônica utilizei como objetos de cena diversas malas de tamanhos e cores diferentes, que a atriz ia trazendo ou jogando na cena e dividindo de acordo com as indicações do texto, tomando mais cuidado com aquelas que seriam as suas e sendo menos cuidadosa com as malas que seriam do marido. A relação estabelecida pela atriz com as malas, ora jogadas, ora chutadas ou colocadas com cuidado dava o tom cômico dessa apresentação do universo da separação e deixava claro qual monte era de quem. Seu metodismo na arrumação de suas malas dava pistas sobre seu caráter e o motivo das possíveis desavenças com o marido. Os atores foram Aline Castaman e Joel Cambraia Machado, meus colegas de turma. Inicialmente, trabalhei com uma atriz iniciante, mas ela precisou ser substituída pouco antes da apresentação pública porque apresentou muitas dificuldades em atuar, pois ainda não dominava a psicotécnica, prerrogativa para uma atuação orgânica. Seu problema foi, no meu entender, a dificuldade em usar a imaginação e em adaptar as 115 ações concretas de manipulação das malas ao universo ficcional. Não era possível afinar a cena de modo convincente, sem que o que se visse parecesse mecânico e forjado, falso. O domínio da psicotécnica pelos atores é imprescindível para alcançar resultados satisfatórios ao se trabalhar pelo método da Análise Ativa, do contrário, os atores não conseguirão desenvolver études aproveitáveis e consequentemente, a estrutura do espetáculo fica comprometida. A maneira como o ator se relaciona com o mundo imaginário, ou a capacidade do ator de relacionar-se com situações propostas vão dar a medida da organicidade na cena. Se o ator transita bem entre a realidade da cena e as circunstâncias propostas pelo autor, tornadas realidade pelo processo imaginativo, a comunicação do conteúdo sensível se dá de forma natural, orgânica. Isso nos faz concluir que a imaginação é um dos principais elementos do sistema na condução do ator pelo universo ficcional. Fotos: Paulo Fernando Machado 116 3.4 PRINCÍPIOS DO PROCESSO DE CRIAÇÃO CÊNICA EM DIREÇÃO As pesquisas desenvolvidas por ele [Stanislávski] durante toda a sua vida artística, como diretor, ator e pedagogo, as quais originaram o seu “sistema”, culminaram no método das ações físicas. Como decorrência deste, por meio de um processo constante de investigação, preocupado em captar o impulso de vida que originou a criação do autor, K. Stanislávski nos contempla com o método de análise ativa. O método constitui-se num paradigma do diretor teatral para a análise da obra do autor, através da ação, e é um meio para o ator recriar, em seu sentido mais profundo, a atualidade da obra, dando origem ao espetáculo. (DAGOSTINI, 2007. P. 22) No quarto semestre de curso, a ementa da Disciplina propunha a organização do processo de criação cênica e a integração dos elementos do espetáculo através do estabelecimento da linguagem cênica do espetáculo e da escolha dos procedimentos técnicos na condução do treinamento do ator nos ensaios. O objetivo era exercitar a capacidade de trabalhar com os elementos que compõem o espetáculo teatral e relacionar o processo de criação com a concepção do diretor/encenador. A condução do processo criativo seria encaminhado seguindo o Método da Análise Ativa. A Professora neste quarto semestre da Disciplina Encenação foi Cândice Moura Lorenzoni226. Depois de algumas discussões e seminários sobre os gêneros e estilos literários e dramáticos, foi-nos proposta a montagem de um texto dramatúrgico em um ato. A partir da escolha do texto, o aluno/ator-diretor precisava elaborar um „projeto de pesquisa‟, onde apresentasse o esquema de análise do texto, estudos sobre a vida e a obra do autor, a justificativa da escolha de seus procedimentos de condução do trabalho dos atores nos ensaios, bem como a descrição de sua concepção de montagem: a cenografia, a iluminação, o figurino e os adereços, a maquilagem, a sonoplastia, enfim todos os elementos do espetáculo. A carga horária da disciplina foi disponibilizada no sentido de viabilizar a pesquisa teórica para a elaboração do projeto 226 Graduada em Educação Artística – Habilitação em artes Cênicas pelo Curso de Licenciatura da UFSM/RS (1993-1997), Mestre em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação da UFSM/RS (2007). Atualmente, professora na mesma instituição. 117 e os ensaios eram agendados em horários extraclasses. Depois da apresentação pública do exercício, era preciso entregar um relatório com a descrição dos procedimentos dos ensaios, relatando as similaridades e discrepâncias com relação ao idealizado no projeto e ao que fora conseguido concretamente, na prática dos ensaios e com a finalização do processo, depois da apreciação do público. A relação entre a idéia central do texto e a concepção da montagem era o que deveria ser estabelecido pelo aluno/diretor no espetáculo. A peça montada foi Augusto Jantar, de Alcione Araújo. Os atores foram Aline Castaman e Daniel Terra. No texto, o autor apresenta um casal extremamente requintado, esnobe, pura classe. Quando Frederico Augusto chega em casa, a esposa Augusta Maria informa que a serviçal os deixou. O marido sente muito pela perda e comenta que realmente não se pode contar com os serviçais; sugere que jantem fora. Augusta Maria informa ao marido que lhe preparou uma surpresa: ela mesma preparou o jantar! – Jantemos, sugere o marido, que se delicia com o prato e insiste querer saber se a receita e de Augusta Maria ou da antiga cozinheira. Como são de uma educação refinada, não podem falar de boca cheia, aumentando a tensão no diálogo, entrecortado e confuso, sobre de quem é a receita. Por fim, o marido explode em curiosidade, esquecendo toda finesse e cuspindo comida pra todo lado. A mulher fica chocada e também irrompe numa saraivada de comida sobre o marido ao repreendê-lo. Os dois se recompõem, se desculpam e retomam o jantar. Depois de tudo, Frederico Augusto não vê problemas em pegar a comida com a mão, já que o que tem em seu prato é um grande osso. Augusta Maria também não vê problema e comenta que realmente, Eulália, a cozinheira, tinha ossos muito grandes. Fotos: Paulo Fernando Machado. 118 Na montagem, a aparente grandeza de caráter dos personagens foi transferida aos objetos de cena, ampliados em escala, para contrastar com o tamanho dos atores, ilustrando que, de fato, eles eram pequenos e mesquinhos. Foi montada uma sala de jantar de tamanho gigante, onde os atores pareciam pequenos bonecos colocados num mundo fantasioso, o da afirmação de seu status social elevado e de sua condição de superioridade. O texto foi encenado como crítica à excessiva valorização material da sociedade consumista. Na condução dos ensaios, procedi no sentido de selecionar exercícios e técnicas corporais que imprimissem no corpo dos atores determinadas características préexpressivas correspondentes aos elementos do sistema, principalmente prontidão, precisão, determinação, atenção, concentração e resistência e adaptação. Na parte inicial propunha o trabalho de liberação das articulações, músculos e ligamentos com Eutonia, técnica utilizada para regular o tônus muscular e desenvolver a noção de consciência corporal. Na sequência, os atores praticavam alguns exercícios de força, como flexões, apoios e abdominais, exercícios acrobáticos, como rolamentos, saltos e o uso de apoio invertido; e também exercícios apreendidos com o grupo afro-peruano „Teatro del Ritmo‟, denominados „o corte da cana‟, „bola de fogo‟ e „o vôo da águia‟, aliados a dois exercìcios apreendidos com a Profª. Drª. Nair Dagostini, „a mesa‟ e „o guarda-chuva‟, que trabalham basicamente as noções de dilatação, contração/expansão, espaço/tempo. Também trabalhávamos a liberação do aparato vocal, pesquisando a desconstrução dos vocábulos com ênfase em sua sonoridade. Com isso, busquei valorizar a ação e a partir de seu estímulo a emissão vocal. Inicialmente, propunha palavras do texto desvinculadas da sintaxe, aleatoriamente, para despertar no ator um texto próprio, próximo ao do autor. As palavras eram selecionadas e oferecidas como estímulo em acordo com o acontecimento que era improvisado. Aos poucos, iam-se formando as frases e ao final, os atores se apropriaram do texto do autor e o incorporaram à sua movimentação em cena. Um fator relevante com relação à pratica dos ensaios neste semestre é que o rol de exercícios selecionados continuou a ser utilizado sistematicamente nos processos de montagem posteriores, dentro e fora da academia. 119 3. 5 O ANO DA OPÇÃO O “sistema”, resultado da investigação e inquietação de toda uma vida, complementase com a sistematização do método de análise ativa, que contém em si o método das ações físicas.227 Este permanece em aberto como meio e possibilita chegar à essência da obra dramática, ao núcleo que determina o sentido da criação, a ação e sua recriação pelo ator. Nesse processo é promovido o desenvolvimento psicofísico integral do ator, em seu papel, resultando no espetáculo, uma unidade da criação do autor, do diretor e do ator. (DAGOSTINI, 2007, p. 234) Um semestre antes da opção por Interpretação ou por Direção, o aluno ator/diretor tem a oportunidade de produzir um espetáculo, nos moldes da produção profissional, para o qual deverá buscar apoio financeiro junto a parceiros locais, com recomendação. Até então, os espetáculos eram parcialmente financiados pela Universidade, com as verbas destinadas ao Projeto de Extensão Montagem de Espetáculos por Alunos e pelos próprios acadêmicos. No quinto semestre da disciplina Encenação, os alunos diretores elaboravam um projeto de montagem para captação de recursos, seguindo orientações tidas em uma disciplina contígua, Legislação e Produção. O projeto deveria comportar a estrutura comumente utilizada com objetivos, justificativa (artística e comercial), metodologia, orçamento, cronograma e todas as informações adicionais que constavam dos projetos de montagem descritos anteriormente. Seguindo o programa da disciplina, os alunos diretores tinham como objetivo concretizar a concepção cênica e desenvolver uma metodologia para o trabalho do ator com base na idéia do projeto de montagem teatral. A ementa propunha a transcrição cênica da matéria textual e questionamentos sobre a linguagem do ator. A carga horária da disciplina estava distribuída de forma ao aluno conseguir desenvolver seu projeto de montagem bem como angariar fundos junto aos apoiadores. Extraclasse já se desenvolvia o trabalho de treinamento físico dos atores, 227 Grifo meu. 120 com quem se continuaria os ensaios por praticamente um ano inteiro, ou, dois semestres letivos. Ao final do semestre, além do projeto concluído, era preciso apresentar ao menos 60% da estrutura do espetáculo concluída, para então, no sexto semestre, finalizar-se com a apresentação pública. O professor naquele semestre fora Camilo Scandolara228. Na matrícula do sexto semestre do Curso de Artes Cênicas da UFSM, o estudante fazia a opção por Interpretação ou por Direção Teatral. Até então, as disciplinas do currículo eram comuns a ambas. Minha opção inicial foi Direção Teatral, tendo concluído posteriormente também o curso de Interpretação. Em continuidade ao projeto iniciado no semestre anterior, com o objetivo de conhecer e operacionalizar os meios de produção teatral e encenar um espetáculo, a ementa da disciplina propunha a realização da montagem teatral articulada pelo diretor/encenador. Este, entendido como catalisador dos demais colaboradores da cena – o ator; o cenógrafo; o figurinista; o maquiador; o iluminador; o criador da trilha sonora e a equipe técnica – e dos elementos constitutivos do espetáculo. Neste semestre praticamente não tivemos orientação, por que o professor substituto da disciplina passou em concurso público para efetivo em outra instituição, o que deixou a turma em descoberto até o remanejamento docente. Os alunos diretores tiveram que apresentar seus trabalhos e ser avaliados por professores que não acompanharam o processo inicial da montagem. Isso gerou problemas para alguns alunos, pois as resoluções cênicas aprovadas pelo orientador anterior, não estavam em acordo para os novos professores. A turma foi dividida entre as professoras Rozane Silva Cardoso e Adriana Dal Forno229, que à época ainda estava afastada para conclusão do mestrado. O texto que selecionei para montar foi um conto do norte-americano Max Shulman (1919-1988). O Amor é uma Falácia230. Um texto de humor inteligente, bem 228 Graduado em Educação Artística – Habilitação em artes Cênicas pelo Curso de Licenciatura da UFSM/RS (1993-1997), Mestre em Artes pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP/SP (2006). Atualmente, professor do Curso de Artes Cênicas da UEL – PR. 229 Possui graduação em Licenciatura Plena em Educação Artística Habilitação Artes Cênicas pela UFSM/RS (1990) e mestrado em Artes pela UNICAMP/SP (2002). Atualmente é professora assistente da UFSM/RS. 230 As Calcinhas Cor de Rosa do Capitão – Antologia de contos humorísticos dos melhores autores. Porto Alegre: Editora Globo, 1973. Distribuição promocional pelos Postos Ipiranga. 121 escrito e bem traduzido por Luis Fernando Veríssimo. Uma pérola para a introdução do estudo e ensino da lógica na Filosofia, utilizado na UFSM pelo Prof. Dr. Ronai Pires da Rocha231 em suas aulas de lógica. O texto é dito na primeira pessoa e conforma dois tempos/espaços: de narrativa e de diálogos. A resolução cênica para transitar entre um espaço/tempo e outro foi a utilização de iluminação por lanternas nas partes narradas (tempo presente) e com luz geral nos diálogos (tempo passado). A iluminação de lanternas ajudou a compor o universo do personagem principal, que depois dos fatos ocorridos e que ele narra, acaba vendo o seu mundo desmoronar, se torna soturno, depressivo, sem perspectivas, transformando-o no oposto do que ele era quando dos seus dezoito anos: “frio, calculista, perspicaz, arguto e astuto”. Nesta montagem, como tive praticamente um ano para ensaios, foi possível desenvolver um trabalho sitemático de treinamento físico. Repetimos basicamente o treinamento descrito no processo da Encenação IV, trabalhando no nível préexpressivo numa primeira etapa e subsequentemente com ensaios de criação, montagem e afinação. Nos ensaios de criação, trabalhei no sentido de elaborar a “partitura” de cada personagem, acontecimento por acontecimento de forma aleatória, com estímulos verbais diversos, isoladamente. Cada ator desenvolvia sua pesquisa de movimentos a partir dos mesmos estímulos. Os movimentos eram selecionados, nomeados e memorizados pelos atores, que tomavam notas para facilitar a retomada dos movimentos nos ensaios posteriores. Com isso, os atores criaram um arsenal de movimentos que, posteriormente foram arranjados de forma a virarem ações concretas que eram juntadas aos études dos acontecimentos em acordo com a análise. Juntando esses movimentos, que não passavam de movimentos abstratos, sem objetivo nem justificação, com a inserção da circunstância dada e do objetivo do acontecimento para o qual eles seriam usados, tornavam-se ações justificadas pelos atores e ia-se criando a impressão de ações concretas, verossímeis, apropriadas para cada acontecimento. 231 Graduado em Filosofia pela UFSM/RS (1973) e Mestre em Filosofia pela UFSM (1977). Atualmente é professor adjunto no Departamento de Filosofia da UFSM/RS. 122 Para a estruturação da movimentação cênica dentro do pequeno círculo (acontecimento), a estratégia utilizada foram os études silenciosos. Quando, a partir da improvisação os atores chegavam a uma movimentação coerente com a proposta de montagem, a fixáva-mos e então a complementávamos com a movimentação pesquisada em separado. Algumas ações surgiam no próprio étude e eram também memorizadas e anexadas à estrutura que se ia fixando. O texto também foi sendo improvisado a partir das circunstâncias propostas. Também trabalhamos a desconstrução semântica do texto para depois juntá-lo em sua coerência causal. Com o desenrolar dos ensaios, os atores recebiam primeiro palavras-chave, depois se juntavam duas palavras em uma idéia e por fim criavam-se as frases, substituídas pelas do autor em cada acontecimento. Quando se fixava a movimentação de um acontecimento, com a colagem dos movimentos adequados à circunstância e aos objetivos, partia-se para a afinação da cena, onde os atores precisavam, por meio do trabalho sobre si mesmos, tornar orgânicos e naturais aqueles movimentos que se haviam criado em separado e que no princípio nada significavam, convertendo-os em ações, para o estabelecimento do jogo cênico e da linha ininterrupta das ações do texto. No primeiro semestre de ensaios, os atores estavam completamente perdidos dentro de meu processo, sem entender muita coisa. Estávamos pesquisando somente coisas aleatórias, sem uma conexão aparente. Eles não conheciam o texto em profundidade, já que havíamos realizado somente uma primeira leitura em conjunto sem maiores discussões. Debatemos a situação dos personagens no universo do texto e determinamos seus objetivos amplos. Trabalhei todo o primeiro semestre com eles assim, „às escuras‟. Eles recebiam apenas indicações sobre as circunstâncias e estímulos no sentido de direcioná-los ao objetivo local (do acontecimento) na construção da linha ininterrupta das ações rumo ao superobjetivo. Quando começamos a juntar os movimentos em partituras, a colocar as partituras de movimento juntamente com a movimentação improvisada nos études e o texto correspondente de cada acontecimento, foi como se o universo do texto se descortinasse aos atores, que a partir disso iam se apropriando daquela movimentação mecânica e a preenchendo com vida. 123 Optei pelo texto por serem poucos personagens envolvidos, 3 (três), dois homens e uma mulher, o que seria um facilitador para uma possível temporada com o espetáculo. A temporada não foi possível, mas fizemos cerca de 10 apresentações e é um número excelente no universo acadêmico de Santa Maria, onde, na maioria das vezes, os espetáculos não passavam da estréia... Quando muito havia duas sessões. O fato de o espetáculo ter sido apresentado diversas vezes é o grande diferencial deste trabalho. Como primeiro espectador, pude acompanhar o desenvolvimento dos atores na apropriação do texto e como eles foram alcançando a cada apresentação, uma liberdade em cena que dava a impressão de que de fato, eles “eram” os personagens. Vale ressaltar que o espetáculo não é do tipo realista, pois não apresentávamos em cena nenhum cenário, e como objetos de cena, além do figurino (o “casaco de pele de marmota”), somente as lanternas que iluminavam o tempo „presente‟ da narrativa e que era manuseado pelos próprios atores em cena. Fotos: Paulo Fernando Machado. 124 3. 6 O ÚLTIMO ANO: A BUSCA DE UMA LINGUAGEM K. Stanislávski, com o método de análise ativa, concretiza o ideal das buscas artísticas e metodológicas de seu “sistema”, que sempre foi o de possibilitar a formação de um ator que ultrapasse a mera interpretação de um texto, que participasse ativamente do processo de criação, sendo resgatada a sua individualidade como sujeito criativo, através de sua especificidade artística. (DAGOSTINI, 2007, p. 24) Nos dois últimos semestres do Curso de Direção Teatral, o acadêmico precisava elaborar um projeto de encenação mediante experimentação prática e pesquisa teórica, que resultasse, obviamente, na montagem de um espetáculo. Ao final do segundo semestre o espetáculo precisava ser apresentado publicamente e o aspirante a Diretor deveria proceder a defesa descritiva de seu projeto de encenação diante de uma banca avaliadora. Com o intuito de verificar minha aptidão em Direção Teatral, lancei-me na busca de um texto que possibilitasse na montagem a utilização dos vários elementos do teatro. Cheguei ao conto Onde os Oceanos se Encontram (Anexo 1)232. À primeira leitura, a linguagem poética do texto despertou meu interesse, pois remetia a uma grande possibilidade cênica, embora parecesse loucura a idéia de se colocar uma praia no palco. Foto: Leandro Campos Queixa. 232 COLASANTI, Marina. Um Espinho de Marfim e outras histórias. São Paulo: L&PM Editores,1999. 125 3. 6. 1 UMA DRAMATURGIA CONSTRUÍDA A partir da eleição do texto, defini o tema para minha monografia de graduação em Direção Teatral: "O Enquadramento Trágico e o Ator: uma Poética Possível" (2003). O trabalho estabelece as relações entre o herói trágico na sua desmedida e o ator na busca de um corpo cênico. Dei início aos ensaios procurando estabelecer uma rotina na preparação do ator, para confirmar a eficácia dos métodos e exercícios de preparação do ator pesquisados no período da graduação. Repeti os exercícios já lisados acima, apreendidos ao longo do curso e que considero de extrema importância no desenvolvimento das "leis orgânicas do homem em ação", propostas por Stanislávski. Tais exercícios foram utilizados como parâmetro para a identificação dos limites de cada ator e como indicador de um possível ponto em específico a ser atacado no sentido de sanar ou atenuar tais limitações na busca de um 'corpo cênico'. Todos os exercícios selecionados para o treinamento tinham a ver com os elementos do sistema Stanislávski e estavam relacionados com identificar as limitações físicas dos atores e com treinamento específico diminuí-las ou eliminá-las. A partier do treinamento, o maior problema que se identificou foi a falta de consciência corporal, e em virtude disso, um acúmulo de tensões desnecessárias na execução dos exercícios. Passamos praticamente todo o primeiro semestre praticando o treinamento físico e desenvolvendo o projeto. Então, a partir da Análise Ativa do texto começamos a pesquisar ações e desenvolver jogos e improvisações buscando o universo poético. Era preciso criar com as atrizes uma relação estreita, de cumplicidade, um estado de harmonia para explicitar a ordem do mundo na qual estavam inseridas as personagens. Sabíamos o que acontecia, só precisávamos descobrir como acontecia. Depois de pesquisar em études com as atrizes quais eram as ações praticadas por suas personagens, de acordo com a análise do texto, procurei estabelecer a seqüência destes acontecimentos e fazer deles a rotina daquelas irmãs a serviço do mar (Acordar, esperar, recolher, banhar, enrolar, entregar, brincar, tecer, espreguiçar, dormir). A rotina estabelecia o universo de ordem no qual estavam inseridas as irmãs ninfas, e era a partir da rotina que se estabelecia a ordem do mundo que precisava ser 126 quebrada para se estabelecer o conflito indicado no texto. A quebra da rotina se dá com a chegada de uma terceira pessoa, a harmonia que havia entre as irmãs deixa de existir e é quebrada a ordem natural, já não há mais a rotina, uma vida servil, mas sim uma busca por satisfação pessoal. A cada ensaio executávamos o nosso treinamento físico e partíamos para a pesquisa de movimentos a partir de verbos de ação e também substantivos. A maior parte destes movimentos foram selecionados e agrupados em partituras, que eram retomadas e ampliadas a cada nova pesquisa. Então, partimos para a improvisação das situações do texto para criar a movimentação das cenas, e dentro desta movimentação inserimos os movimentos das partituras que foram incorporados aos que surgiram nas improvisações, até a finalização da estrutura do espetáculo. Com o estabelecimento do conflito, fui em busca da individualidade dos personagens, o que cada um deles queria para si, como satisfazer suas vontades, superando o obstáculo que era o outro, que também queria o mesmo, satisfação. Todos os objetivos e obstáculos que conduziam a linha direta de ação dos personagens estão implícitos no texto, e a partir da análise e das improvisações clarificaram-se e tomaram forma. Toda movimentação e a estrutura das cenas foram criadas a partir de improvisações e da pesquisa de movimentos guiadas por palavras-chave retiradas da Análise Ativa. Finalizados os ensaios de criação, tínhamos a estrutura das cenas que comporiam o espetáculo em mãos, só restava agora adequar o foco, o ritmo, a velocidade, a intensidade e a veracidade dos movimentos a que tínhamos chegado para estabelecer a linha direta de ação dos personagens. O texto foi seguido praticamente à risca, pois procurei fidelidade à poesia da autora, embora tenha optado pela não utilização das falas. Tentei codificar a linguagem do conto através da ação, dos figurinos, do cenário, da iluminação, da disposição espacial, da trilha e dos efeitos sonoros. Com o cronograma apertado, fui me preocupando demasiado com a estruturação do espetáculo e deixei em segundo plano o treinamento físico. Em conseqüência disso, tive um retrocesso no desenvolvimento físico dos atores e também na estrutura do espetáculo, que a esta altura havia se cristalizado. As qualidades que haviam nascido com as improvisações tinham se perdido e estávamos longe da 127 organicidade que se queria alcançar. Precisava retomar o desenvolvimento daquilo a que tinhamos me proposto, a criação de um 'corpo cênico'. Neste ponto do processo precisei apelar para os elementos externos sugeridos pelo texto. A presença do mar em cena passou a ser de vital importância. A ação das atrizes dependia do tempo de sua movimentação em vários momentos da estrutura e isso passou a ser um grande problema, pois tive dificuldades em disponibilizar o número de pessoas necessárias para executar seus movimentos, além dos recursos de produção. Mas meus problemas não se resumiram ao mar; tive dificuldades em concentrar minhas energias no sentido de trabalhar a estrutura e transformar os movimentos pesquisados com as atrizes em ações concretas, ajustando-lhes o foco, o ritmo, as qualidades, direcionar a linha direta de ação dos personagens e do espetáculo ao longo das situações apontadas na análise, pois precisava ainda me preocupar em supervisionar a produção, a pesquisa musical, a confecção dos figurinos, dos objetos de cena, administrar os problemas pessoais do elenco, além dos meus próprios. Subjetividades à parte, chegára ao ponto onde precisava transferir todas as qualidades pesquisadas no treinamento físico com os atores na execução das cenas, concatenando situação por situação e construindo a passagem de um acontecimento para outro, a mudança na ação - os saltos - a superação dos obstáculos, enfim, fazer valer as leis orgânicas do homem em ação. Depois da apresentação da estrutura bruta do espetáculo para a banca examinadora, houve mudanças na concepção da disposição espacial, que até então seria "palco italiano" com elevação do público e saída dos atores por baixo deste, para "semicircular", com os atores em cena todo o tempo. Foram feitos os ajustes da estrutura a esse novo espaço e a solução das saídas ficou por conta de outro elemento do texto, uma fonte de água doce. Faltava ainda resolver alguns problemas de produção, executar os cenários, finalizar os objetos de cena, os figurinos, resolver a iluminação do espetáculo e ajustar a trilha e os efeitos sonoros e, principalmente, solucionar a execução do mar. Não consegui disponibilizar tantas pessoas quanto seriam necessárias para concretizar a concepção inicial de utilizar somente corpos na execução do mar. Precisaria de, no mínimo, 30 pessoas e só tinha 13 à disposição. 128 Resolvi então lançar mão de uma solução que já havia sido pensada anteriormente, que seria a utilização de tecido manuseado pelas pessoas de que eu dispunha. É claro que tantos ajustes não poderiam ser feitos somente pelo diretor. Na execução desta montagem tive o apoio de diversas pessoas: uma equipe responsável pela trilha e efeitos sonoros, uma pessoa responsável pelos figurinos outra para a iluminação, três pessoas envolvidas com a confecção dos objetos de cena e em todos os momentos tive total apoio da professora orientadora na supervisão destas tarefas. É preciso ressaltar que ela soube como ninguém tomar as rédeas do processo e conduzir seu orientando a bom termo até a conclusão dos trabalhos, dando um exemplo de respeito, disciplina, esforço e dedicação total ao trabalho, sabendo magistralmente conduzir o processo, que chegara ao seu momento mais conturbado. O maior obstáculo eram nossas próprias limitações e era hora de ultrapassar os limites de cada um, inclusive do diretor. O prazo para o término do processo e apreciação do trabalho estava a cada ensaio mais próximo e a equipe correndo contra o tempo. Eu ainda tinha um longo caminho pela frente até conseguir transformar os movimentos dos atores em ações, pois a cristalização da movimentação ainda persistia. A solução foi desfragmentar toda a partitura e reconstrui-la passo-a-passo. Depois de uma maratona de 36 horas tínhamos montado o cenário, ajustado o espaço cênico, instalados os equipamentos e instrumentos sonoros, definido a maquiagem, os figurinos já estavam prontos, tínhamos todos os adereços de cena e estávamos pela primeira vez no espaço onde aconteceria a estréia, no dia seguinte. A partitura de cada ator já havia sido aprimorada na construção da linha interna de ação e a junção com os outros elementos foi o toque final. Estávamos prontos para o ensaio geral. Pode-se dizer que foi o primeiro ensaio com o céu, o mar, a fonte, os atores, a música e a iluminação, enfim, todos os elementos do espetáculo. Estavam no palco, o céu, o vento, o mar (e o seu som), a água doce, os mortos e a história do conto. 129 3. 6. 2 UMA ILHA Uma ilha. Eis o cenário da ação contida no texto. Como Diretor, eu tinha um desafio pela frente, que era o de recriar este mundo no palco. Não dispunha de muitos recursos, mas consegui disponibilizar uma equipe disposta a enfrentar o desafio. Todas as informações necessárias à recriação deste universo diziam respeito a essa ilha e todos os elementos que ela continha. A pesquisa dos elementos do espetáculo partiu destas informações. Para os figurinos, partimos da indicação de que as personagens eram duas ninfas, irmãs e que viviam sozinhas na ilha, "desde sempre". Quais seriam as possibilidades de veste para estas personagens? Usariam elas roupas? Com que material elas poderiam ter confeccionado suas roupas? A idéia inicial era de se usar como que um vestido transparente com sobreposição de flores, idéia que foi mantida, com modificações. Optamos por um sutiã revestido de flores e folhas com aplicação de lenços transparentes em tons pastel. A roupa dos mortos foi feita com retalhos de algodão cru. Na maquiagem seguiu-se a mesma idéia. A iluminação teve papel fundamental no espetáculo, pois acumulava duas funções. Além de finalizar a composição do universo, ela ajudava a compor "o céu" e "o mar", projeções de luz azul e verde, respectivamente, sobre duas telas de T.N.T.233 branco. O céu funcionava suspenso como rotunda, disposta semicircularmente, atrás da qual ficavam as pessoas responsáveis pelas "ondas do mar". Tinha 14,0 metros de comprimento por 4,20 metros de altura. O mar era um retângulo com 10,0 metros de comprimento por 4,20 metros de largura. Ficava "solto" no chão, sendo movimentado por 13 pessoas. Três eram responsáveis pela movimentação das marés e outras dez, auxiliadas por 08 ventiladores, produziam as ondas. Seguiu a indicação de dia e noite, com as nuanças de anoitecer e amanhecer conduzidas pela ação das personagens no desenrolar de sua rotina. Tínhamos duas gerais, uma amarela, para o "dia" e uma azul com gobos, para a "noite". Cinco 233 T.N.T.: tecido não tecido. 130 refletores eram responsáveis pela projeção do céu, quatro azuis e um vermelho 234, para diferenciar o dia e a noite, e cinco refletores projetavam o verde do "mar". Para o espaço cênico, como a platéia do Anfiteatro Caixa Preta é móvel, dispusemos a estrutura de módulos que a compõe semi-circularmente, do ponto onde chegava a "maré cheia" até os fundos do teatro. Os módulos foram colocados de forma a criar um desnível que decrescia no sentido "mar"-fundos, onde novamente se elevava. Lográvamos com isso criar no espaço os penhascos à beira da praia, como se o público estivesse observando do alto. Pura subjetividade. Com a mudança da concepção do espaço, introduzimos no cenário uma fonte de água doce, que ficava no centro do semicírculo formado pelos módulos, onde havia uma abertura, que também servia de entrada para o público. De início, a fonte serviria para solucionar as saídas de cena, para deslocar o foco de atenção do público para a cena principal, que em alguns momentos se passava na praia. Contudo, acabou destacando-se mais do que se pretendia, e isso de certa forma foi bom, pois também auxiliou os atores na construção de sua ação interna. Os objetos de cena manuseados pelas atrizes foram aviados em conformidade com as indicações do texto. Precisávamos dos tecidos que eram usados no ritual com os mortos e de algum recipiente utilizado para o banho dos mesmos. Optei pela utilização de algodão cru para os tecidos e pela confecção de uma bacia em formato de concha para o banho, que era utilizada para retirar água da fonte. O manuseio dos tecidos foi pesquisado em separado com as atrizes e depois de encontrarmos a forma, introduzimo-la na partitura de ações que compunha sua rotina diária. Como havia a repetição desta rotina por três vezes, eram três peças de tecido com 5,0 metros de comprimento por 1,40 metros de largura. O cenário era a junção de todos estes elementos, complementado pela trilha e efeitos sonoros, que foi composta e executada por acadêmicos do Curso de Música da UFSM/RS a partir da leitura do texto, de referências do diretor e de observação aos ensaios. Houve a participação de acadêmicos de Percussão, Flauta e Violão, que se utilizaram também de teclados e de música eletroacústica. A música foi fator determinante para estabelecer a atmosfera do espetáculo. Esteve presente todos os momentos, desde o primeiro instante do 234 O refletor vermelho funcionou conjugado à geral de "dia". 131 espetáculo, inicialmente com os ruídos do vento e do mar, sons de pássaros ao amanhecer e de insetos ao anoitecer e trilhas incidentais para reforçar a atmosfera de algumas situações. Fotos: Adriana Dal Forno 132 CONCLUSÃO Conclusão parcial de um processo que recém iniciou: a vida na arte. Difícil dizer que é disso que se trata no trabalho sobre si mesmo, da vida. A vida diária que nos escapa à atenção esguia da resistência de si mesmo, que se deve superar a cada minuto. A vida no aqui-agora, no momento presente, com presença. Presença de espírito também. Claro, para poder superar as pequenas desavenças que insistimos em cultivar... Vida corrida, falta de paciência. OK. Pontos de vista. O meu, o seu, o do vizinho... bem, ele não fala a mesma língua. Humm..., me parece que seu gramado está mais verde. Vou regar o meu jardim. Perfeito! Fazer por mim mesmo. Quem sabe se plantar em solo fértil, a grama vem melhor! Foi o que tentei fazer, o meu próprio jardim, com gramado, flores e espinhos. ANÁLISE ATIVA. Caráter analítico, de pesquisa improvisacional e adaptativo. Prático. Pragmático. Sintético. Funcional. Não discuto teoricamente os equívocos sobre as teorias de Stanislávski, os confirmo na prática do pensamento completo, desenvolvido, articulado: na busca da sistematização das qualidades necessárias a uma atuação convincente em cena, depois de muita observação, prática e experimentação, Stanislávski chega às ações físicas, que acabam se tornando na sequência das pesquisas, um instrumento na aplicação do método da Análise Ativa. Observação, experimentação e prática... A partir da ação, o ator penetra no universo da obra, circunstanciada pelo autor. A partir dos fatos descritos no texto pelos personagens, o diretor constrói o acontecimento cênico a partir da circunstância dada. Os elementos do sistema se prestam para embasar este processo, libertando o ator para a cena, para agir naturalmente a partir da circunstância dada. No aqui-agora da cena, vivendo a circunstância. A vida de que falo(ei) não desvincula carne e fluxo energético... experienciação/vivência + personificação/encarnação = corpo e alma/ação orgânica. No dia a dia dos ensaios, a discussão teórica pouco ajuda para a descoberta do fluxo orgânico da ação. O que conta é o envolvimento intelectual do diretor com o texto e o contexto do autor. Este trabalho, por mais que seja teórico, movimenta a prática do 133 conhecimento da essência daquilo que é humano, de caráter ativo e por consequência, teatral. No fim, o que vale é a prática e a teoria que se pode inferir dela, não pelo escrito em si, mas pelo valor qualitativo que esta pode agregar à continuidade do trabalho, que na proposta ético-artística-pedagógica de Stanislávski ultrapassa a vida profissional e se converte num processo permanente, de envolvimento com a arte em todas as instâncias da vida. No caso da montagem teatral, a leitura da teoria sem a prática se anula, porque se não se concretiza aquilo de que se está falando, ou se ao menos já não se tentou, a discussão é vazia. Nesse sentido, a aproximação teórica ao método é insuficiente para garantir a utilização do método pelo diretor. É preciso que ele também domine os elementos do sistema para então poder conduzir o ator pelo processo criativo e eis aí uma de suas maior limitações. A descrição dos processos de encenação no decurso dos 8 semestres da disciplina me fizeram ver a coerência que havia no encaminhamento do processo pedagógico dentro do Curso. Além da prática pedagógica, havia o comprometimento ético e artístico, o que é uma questão determinante em se falando de Teatro, sobretudo na Academia. Ensinar a prática do Teatro com tempo determinado é algo que se torna estranho... O tempo de assimilação dos conteúdos e mesmo o entendimento das práticas realizadas em aula não é o mesmo para cada um. Algumas coisas só entendi com a prática e bastante tempo depois. Como ensinar resistência física, por exemplo, sem desenvolvê-la? Levemos em consideração que cada semestre letivo dura em média quatro meses e que esse tempo é curto para todos as etapas da montagem de um Shakespeare, por exemplo. Foram quatro experimentos curtos, e dois de maior extensão. Em cada semestre, alguma coisa se destacava no desenvolvimento da técnica. A aproximação à ideia central do texto pelo estabelecimento de uma metáfora no primeiro semestre já foi um excelente estímulo à imaginação do aspirante a diretor e apontava uma das primeiras lições: a separação do texto em suas partes principais e a aproximação à ideia central do texto, e o respeito ao autor e sua obra. Ao dividir a obra em suas partes constituintes, uma a uma, o diretor facilita para o ator o trabalho de aproximação ao universo ficcional, construindo no imaginário e na lembrança do ator, o passado, o presente e dirigindo-o ao futuro, ao encontro do superobjetivo, o fim da história, a motivação final do dramaturgo. 134 A ênfase no respeito ao trabalho de quem escreveu a obra seguiu-se em todos os semestres, nunca deixando de afirmar também a autoria do diretor e do ator no processo da montagem. Na encenação do segundo semestre, a ênfase era ainda no autor e na obra, no desvelamento do universo no qual estavam imersos os personagens. Com este exercício, ficou claro o quão prejudicial ao texto pode ser a tendência, se esta não está de acordo com a ideia da obra. A concepção do diretor deve estar em concordância com o que se presume que pense o autor, do contrário, quando se pensa no todo, aquele fragmento de tendência contrária fica desconectado, se desvia da linha transversal de ação que perpassa cada pequeno objetivo, todos seguindo na mesma direção, a resolução do conflito gerador da ação. Foi uma experiência para fazer entender o processo de reagrupamento dos pequenos círculos, na composição da linha transversal de ação, do particular ao geral com a resolução dos pequenos problemas que se complementam na composição do todo da obra. O diretor descobre pela análise que, quando desvenda do texto a ação, determinada pela circunstância dada, engendra a luta do personagem rumo ao objetivo. Foi também um experimento de resolução cênica, já que não se podiam ignorar os outros acontecimentos ao elaborar a concepção de montagem do acontecimento em particular, que deveria resolver-se em si e convergir para a realização da ideia central. No terceiro exercício, com o conhecimento teórico do Método da Análise Ativa e com os elementos do sistema praticamente assimilados na prática, foi possível experimentar um novo modo de conduzir a montagem, o étude circunstanciado. A maior constatação a que cheguei nesse experimento, foi que o ator precisa ter o controle sobre o seu aparato psicofísico bem como saber conduzir sua atenção dentro dos círculos com o uso da imaginação. Se o ator não se permite „viajar‟ nos domìnios do seu mundo imaginário, que ele precisa criar a partir das referências que recebe do diretor, ele não consegue conectar as ações de forma orgânica, fluida; não se estabelece o processo interior que o coloca inserido no acontecimento, conhecendo seu passado, vivendo o presente em direção ao futuro. A imaginação é a locomotiva que conduz o ator pelos trilhos da linha transversal de ação, abastecida pelo combustível do “se mágico” que engendra o seu movimento. Stanislávski se referia à linha transversal de ação como a espinha dorsal do espetáculo, o centro nevrálgico por onde passam 135 todos os impulsos que conduzem ao superobjetivo da obra, a esta altura já enriquecido com os superobjetivos artísticos de toda a equipe de produção. A montagem de Augusto Jantar foi um desafio à parte, pois tratava de trabalhar a ação na quase imobilidade. A imensidão do palco, aliada ao tamanho desproporcional da sala de jantar e dos utensílios utilizados pelos atores, obrigava uma qualidade extra na condição de quase imobilidade. A movimentação permitida pelos padrões da „etiqueta‟ eram a medida da possibilidade de ação dos atores, já que o texto, como sugere o título, propõe o jantar. A partir dessa condição, trabalhei no sentido de promover a dilatação do corpo dos atores, não pela exageração da movimentação, mas pela irradiação da segunda natureza do ator, desenvolvida no processo de treinamento, durante os ensaios e durante o processo de formação até então, já que os atores também eram alunos do curso. Ambos apresentavam o domínio dos elementos do Sistema, condição indispensável para a montagem via Análise Ativa. E aqui temos outro fator limitador dos procedimentos via Análise Ativa. A maior dificuldade foi conseguir realizar todas as etapas da montagem dentro do prazo de um semestre letivo, ou seja, quatro meses. Ficou claro com meu processo de montagem do exercício de encenação do quarto semestre que é imprescindível que o diretor compreenda a universalidade da circunstância dada dentro do contexto da obra, para poder melhor conduzir o ator em seu processo criativo interior, para que possa oferecer os melhores estímulos para sua imaginação, para que a resposta seja o “como se” mais verossímil. O diretor empresta a circunstância dada ao ator que cria o seu próprio “se” e age em resposta ao estímulo circunstancial. O exercício de encenação realizado no quinto e sexto semestres foi importante para demonstrar que a ligação de todos os pequenos acontecimentos no estabelecimento da linha transversal de ação do personagem é um processo gradual, e na academia, muitas vezes esse processo não chegava nem mesmo a se estabelecer. Isso acontecia pois os exercícios eram atropelados pelo início do próximo semestre letivo, já que as apresentações eram o encerramento das atividades em cada semestre. Além disso, a Universidade não oferecia uma estrutura de manutenção e circulação dos espetáculos na forma de projetos de extensão. Com relação à linha direta de ação do 136 espetáculo, esta fica mais evidente por conta dos elementos exteriores de ajuda ao ator e ao espectador, cenários, figurinos, adereços, iluminação, trilha sonora, enfim, um arsenal de recursos técnicos dos quais pode lançar mão o diretor, mas que, no fim das contas, se o ator não sustenta a cena, por si só não bastam para expressar a completude da obra. Neste caso em particular, a Disciplina Legislação e Produção me estimulou a conseguir agendar apresentações para o espetáculo, que sobreviveu por quatro anos, fazendo duas, três apresentações por ano e para os mais diversos públicos. Apresentamos em escolas de Ensino Médio, eventos Científicos de Filosofia, cursos pré-vestibular, participamos da Primeira Mostra Universitária de Teatro de Santa Maria e em parceria com o Departamento de Artes Cênicas convertemos o espetáculo em um vídeo de média-metragem. O vídeo não finalizado de forma adequada por falta de recursos. Para se ter uma ideia, o orçamento cobriu apenas as despesas de aluguel de (pouco) equipamento de iluminação. O material ficou engavetado por anos, até que resolvi fazer uma edição caseira para ter uma ideia do resultado, pois só havia assistido algumas tomadas do material bruto235. A pertinência de falar do vídeo está no fato de que durante as gravações e assistindo ao material durante a montagem, pude perceber a familiaridade dos atores com a movimentação e com as ações da peça, agora transpostas para o vídeo, que obviamente apresenta um estilo teatral, quase tipificado na representação. Eles repetiam a partitura com tamanha naturalidade, independente de onde começassem a repetir, transitavam com leveza por qualquer acontecimento e em qualquer momento desse acontecimento. Para mim, mais uma vez se comprovou o caráter adaptativo da Análise Ativa, ao trabalhar no roteiro de montagem, e desta vez numa outra linguagem, com a qual se comprova também que como instrumento de análise, o método se mostra eficiente também na adaptação para roteiros. Com a proximidade da finalização do Curso de Direção, para mim, enquanto aspirante a diretor, ainda faltava explorar a “poética” da expressividade do corpo do ator mais a fundo. A partir da eleição do conto de Marina Colassanti, essa possibilidade se apresentou concretamente. O universo que a autora descortina em Onde os Oceanos 235 O resultado pode ser conferido em meu canal do Youtube, na web ou digitando-se “o amor é uma falácia” em qualquer buscador. 137 se Encontram, uma ilha paradisíaca, habitada somente por duas ninfas irmãs, cúmplices da morte, a seu serviço, era o desafio perfeito para o espetáculo de graduação. O pequeno número de atores também motivou a eleição do texto, pois poderia me dedicar mais tempo a cada um. Ao final do processo eram mais de 20 pessoas envolvidas na montagem. Com esta experiência ficou comprovado o amplo espectro de atuação do diretor, que precisa estar apoiado em uma infinidade de outras especialidades para conseguir concretizar sua concepção e afirmar-se como autor do espetáculo. Sua autoria não desmerece o trabalho dos demais membros da equipe, pois cada um, em sua especialidade, também é o autor daquilo que se concretizou com o espetáculo, todos assinam o programa. E daí se pode tirar a grande lição: generosidade e humildade são as qualidades mais necessárias à pratica do Teatro. Não se pode fazê-lo sozinho. O Planejamento minucioso de cada fase também é indispensável para o sucesso da montagem. Mas, principalmente a seleção do elenco e da equipe de trabalho. Se faz necessário harmonizar a razão-vontade-sentimento de cada artista envolvido no projeto e trabalhar com a estimulação do seu melhor, possibilitando liberdade de criação, mas exigindo comprometimento. Falar de meu processo artístico no mundo acadêmico acabou sendo o recorte desta pesquisa. Não queria falar sobre meu processo e acabou que foi o que saiu no momento da escrita. Cada vez mais percebia que falar do Método da Análise Ativa sem falar do contexto em que ele foi desenvolvido e de como se deu sua transmissão até ser por mim assimilado ao longo de minha trajetória artística, não soaria a amplitude do estudo que o Método supõe. Ao final desse processo, a impressão que tenho é que o comprometimento que o Método exige faz com que ele seja um tipo de Passargada, onde poucos chegam e quando chega percebe a pedra no sapato. A infinidade de elementos que se precisa dominar para a aplicação de todo o seu potencial – analítico, improvisacional e adaptativo – dificulta sua utilização. São necessários atores treinados nos elementos do Sistema para sua aplicação efetiva e de modo funcional. De qualquer forma, se podem utilizar os três aspectos que ela abrange isoladamente, conseguindo ainda assim algum resultado. 138 Contudo, continuo um entusiasta, tanto do Sistema Stanislávski quanto do Método da Análise Ativa, que contém em si o Método das Ações Físicas. Limitações todos possuímos, e sempre que temos capacidade encontramos meios de superá-las. A questão da assimilação dos elementos do sistema é só um fator temporal, e se houver ao menos um grupo de atores com uma imaginação e disponibilidade, uma vez assimilados os elementos permanecerão por bom tempo com o ator. 139 BIBLIOGRAFIA ALEXANDER, Gerda. Eutonia: um caminho para a percepção corporal. São Paulo: Martins Fontes, 1991. ASLAN, Odette. O Ator no Século XX. Trad. de Raquel Araújo de Baptista Fuser, Fausto Fuser e J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1994. BENEDETTI, Jean. Stanislavsky an the Moscow Art Theatre 1898-1938. In: A History of Russian Theatre, editado por Robert Leach e Victor Borovsky, Cambridge: Cambridge University Press, 1999, p. 254-277. BEUMERS, Birgit. The „THAW‟ and After. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. In: A History of Russian Theatre, editado por Robert Leach e Victor Borovsky, Cambridge: Cambridge University Press, 1999, p. 358-381. BROOK, Peter. O ponto de mudança: quarenta anos de experiências teatrais: 19461987. 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Foi num desses dias que Lânia, vendo um corpo emborcado aproximar-se flutuando, entrou nas ondas para buscá-lo, e agarrando-o pelos cabelos o trouxe até a areia. Já estava quase chamando Lisíope, quando, ao virá-lo de rosto para cima, percebeu ser um homem jovem e lindo. Tão lindo como nunca havia visto antes. Tão lindo, que preferiu ela própria buscar água para lavar aquele sal, ela própria, com seu pente de concha, desembaraçar aqueles cachos. Porém, ao envolvê-lo no lençol ocultando-lhe corpo e rosto, tão grande foi seu sofrimento que, num susto, descobriu-se enamorada. Não, ela não devolveria aquele moço, pensou com fúria de decisão. E rápida, antes que Lisíope chegasse, correu para uma língua de pedra que estreita e cortante avançava mar adentro. - Morte! - chamou em voz alta chegando na ponta. - Morte! Venha me ajudar. Não demorou muito, e sem ruído a Morte sai de dentro d'água. - Morte - disse Lânia em ânsia -, desde sempre aceito tudo o que você me traz, e trabalho sem nada pedir. Mas hoje, em troca de tantos que lhe devolvi, peço que seja generosa, e me dê o único que meu coração escolheu. Tocada por tamanha paixão, concordou a Morte, instruindo Lânia: na maré vazante deveria colocar o corpo do moço sobre a areia, com a cabeça voltada para o 236 COLASANTI, Marina. Um Espinho de Marfim e outras histórias. São Paulo: L&PM Editores,1999, p. 75-78. 149 mar. Quando a maré subisse, tocando seus cabelos com a primeira espuma, ele voltaria à vida. Assim fez Lânia. E assim aconteceu que o moço abriu os olhos e o sorriso. Mas, em vez de sorrir só para ela que o amava tanto, desde logo sorriu mais para Lisíope, e só para Lisíope parecia ter olhos. De nada adiantavam as insistências de Lânia, as descul-pas com que tentava afastá-lo da irmã. De nada adiantava enfeitar-se, cantar mais alto que as ondas. Quanto mais exigia, menos conseguia. Quanto mais o buscava para si, mais à outra ele pertencia. Então um dia, antes do amanhecer, ajoelhada sobre a ponta da pedra, Lânia chamou novamente: - Morte! Morte! Venha me atender. E, quando a Silenciosa chegou, em pranto e raiva pediu-lhe que atendesse só ao último de seus pedidos. Levasse a irmã. E mais nada quereria. Seduzida por tamanho ódio, concordou a Morte. E instruiu: deveria deitar a irmã sobre a areia lisa da maré vazante, com os pés voltados para o mar. Quando, subindo a água, o primeiro beijo de sal a aflorasse, Ela a levaria. E assim foi que Lânia esperou uma noite de luar, quente e perfumada, e chegando perto de Lisíope lhe disse: - Está tão linda a noite, minha irmã, que preparei tua cama junto à brisa, lá onde a areia da praia é mais fina e mais lisa. E, conduzindo-a até o lugar onde já havia posto seu travesseiro, ajudou-a a deitar-se, cobriu-a com o linho do lençol. Em seguida, sorrateira, esgueirou-se até uma árvore que crescia na beira da praia, e subiu até o primeiro galho, escondendo-se entre as folhas. De olhos bem abertos, esperaria para ver cumprir-se a promessa. Mas a noite era longa, na brisa vinha cheiro de jasmim, o mar apenas murmurava. E aos poucos , agarrada ao tronco, Lânia adormeceu. Dorme Lânia na árvore, dorme Lisíope perto d'água, quando um raio de luar vem despertar o moço que dorme, quase a chamá-lo lá fora com todo seu encanto. E ele se levanta e sai. E estonteado de perfumes caminha, vagueia lentamente pela ilha, até 150 chegar à praia, e parar junto a Lisíope. No sono, o rosto dela parece fazer-se ainda mais doce, boca entreaberta num sorriso. Sem ousar despertá-la, o jovem se deita ao seu lado. Depois, bem devagar, estende a mão, até tocar a mão delicada que emerge do lençol. Sobe o amor no seu peito. Na noite, a maré sobe. Já era dia quando Lânia, empoleirada no galho, despertou. Luz nos olhos, procurou na claridade. Viu o travesseiro abandonado. Viu o lençol flutuando ao longe. Da irmã, nenhum vestígio. - A Morte fez o combinado - pensou, descendo para correr ao encontro do moço. Mas não correu muito. Diante de seus passos, estampada na areia, deparou-se com a forma de dois corpos deitados lado a lado. A maré já havia apagado os pés, breve chegaria à cintura. Mas na areia molhada a marca das mãos se mantinha unida, como se à espera das ondas que subiam. 151 ANEXO 2 Para verificar sua tese de que a biografia e os livros sobre o sistema seguem dia a dia em sincronismo, Franco Ruffini realiza um estudo específico onde apresenta as correspondências entre uma coluna e outra e, em nota, a exemplificação dessas relações. Abaixo, segue a tradução da Tabela Comparativa das obras Minha Vida na Arte e os dois volumes de O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo, do capítulo Trasmettere l‟esperienza. I libri di Stanislavskij (Transmitir a experiência. Os Livros de Stanislávski). In: RUFFINI, Franco. Stanislavskij: Dal Lavoro Dell‟Attore al Lavoro Su di Sé (Stanislávski: Do Trabalho do Ator ao Trabalho Sobre Si). Roma. Editori Laterza: 2003, pp. 27-35. MINHA VIDA NA ARTE O TRABALHO DO ATOR SOBRE SI MESMO [NO PROCESSO DAS VIVÊNCIAS] Primeiro volume 1863-1887 A Infância Artística e O artista na 237 Adolescência não são ainda um tempo de Stanislávski. Pertencem à vida de Konstantin Alexéiev. Não deixam pistas conscientes do “trabalho do ator sobre si mesmo" que Konstantin Stanislavski conduz e experimenta na escola de Tórtsov. 1888-1897 Começa a Juventude Artística. Dos primeiros espetáculos da Sociedade Moscovita de Arte e Literatura, até 'Otelo', que Stanislávski interpreta em 1896, se desenrola o laborioso processo do diletantismo aos limites do profissionalismo. "Otelo" não foi um grande sucesso de público, mas, sobretudo, foi para Stanislávski a prova definitiva de que é impossível "espremer [de si] [...] o sentimento trágico" a um comando. Desenvolvem-se, durante esse período, todas as variantes da imitação. Desde aquela de um modelo formal externo com “O Cavalheiro Avaro”, de Pushkin (1888), a aquela de um modelo exterior, mas vivo, com “George Dandin”. Stanislávski acreditava haver infundido nesse modelo externo uma vida própria, mas não demorou para reconhecer que “havia confundido [...] uma espécie de histeria” com o ìmpeto da verdadeira inspiração. Com “Um Destino Amargo”, de Pisemski, Stanislávski pode criar a 237 Os alunos da escola apresentam [suas] cenas ao professor. Tórtsov comenta, quando em quando, advertindo-os contra a doença do diletantismo que é a imitação. Ele finaliza os testes de todas as turmas, mostrando a grande distância que existe entre Arte Cênica e artesanato cênico. A sua critica é primeiro contra o modelo externo, de único efeito, ou mesmo vivido. Quando o ator os imita, o que obtém é somente “excitação artificial dos nervos periféricos”. E mesmo imitando um modelo criado por si mesmo, o ator não faz outra coisa senão “repetir [uma] forma mecanicamente”. É a vez de Kóstia, responsável pelo diário da Escola. Irmana-se com “Otelo”. Tratando de “espremer de [si] mesmo qualquer sentimento”, só consegue cólica e rouquidão. Mas, no grito “Sangue, Iago, sangue!”, Kóstia tem pela primeira vez a experiência do “tornar-se”, e não mais do imitar. Como subtrair esse resultado da inspiração casual? Como padronizar / Na tradução utilizo os títulos da edição brasileira de Minha Vida na Arte. (STANISLAVSKI, 1989) e das edições argentinas de O Trabalho do Ator sobre Si Mesmo.(STANISLAVSKI, 1980 e 1983) (N.T.). 152 partir de si um paradigma, mas depois se limitou a imitá-lo. A primeira experiência verdadeiramente criativa se verifica com a primeira [montagem de] “A Aldeia de Stiepântchikovo” (1891), na qual Stanislávski é finalmente capaz de “tornar-se” o personagem. O Encontro Notável com NemiróvitchDântchenko (1897), durante o qual foi projetado em detalhes o futuro Teatro de Arte de Moscou, proporciona a entrada no território da "arte cênica”. 1898-1906 Com os preparativos [de] Às Vésperas da Inauguração do Teatro de Arte de Moscou e com O Início da Primeira Temporada, começam as atividades no Teatro de Arte [de Moscou]. A memorável encenação de “A Gaivota” ficará como emblema do Teatro de Arte, pintada na cortina. Seguem o perìodo das “linhas entrelaçadas”, ou seja, as realizações até a morte de Tchekov: da Linha Histórica e de Costumes (com as montagens de "Czar Feodor" e "Júlio César", entre outras), à Linha do Fantástico (com a montagem de “Branca de Neve”), até a Linha Polìtico-Social (com a montagem de “Um Inimigo do Povo”), só para citar algumas. No fervor, até mesmo na confusão, da busca artística de Stanislávski, há a breve tentativa de colaboração com Meyerhold no “Estúdio da Rua Povarskaia” (1905); há a 238 observação admirada dos quadros de Vrubel , nos quais Stanislávski descobre que o movimento imaterial que vê não pode ser alcançado nem procurando na própria interioridade dos personagens pintados. Em seguida há os sucessos de A Primeira Viagem ao Exterior (1906), com o triunfo, em particular, do personagem do Doutor Stockmann, mas ainda com a insatisfação por este sucesso, que só é sucesso pela “memória muscular”. Acerca disso Stanislávski reflete num rochedo na Finlândia, voltando-se para A Descoberta de Verdades Há Muito Conhecidas. Juntamente com a maturidade artística, começa a busca programática pelo sistema. As experiências do passado devem ser ordenadas em “prateleiras do espìrito”. Stanislávski estabelece as “pedras fundamentais” para suas pesquisas futuras. 238 sistematizar a arte cênica? Essa é a função da escola, que está por começar. No primeiro perìodo se colocam as “pedras fundamentais” para a arte cênica. Não são partes de um teorema. Não se poderão dar como adquiridas de uma vez por todas como se poderia fazer com as passagens pregressas de uma dedução lógica. Há, primeiro de tudo, Ação. O “Se”. As “Circunstâncias Dadas”. A ação deve ser “fundamentada e útil”, para não degenerar em imitação. Na cena, onde tudo é falso, somente o “se” pode dar inìcio à ação, então “„a circunstância dada‟ a desenvolve”. Em seguida a Imaginação, que só pode nos transportar a outro mundo se for disciplinada; A Atenção Cênica, Mikhail Vrubel (1856-1910), pintor russo relacionado aos movimentos Simbolista e Art Nouveau. (N.T.) 153 para nunca se deixar levar pelo automatismo; a Relaxação Muscular, sem a qual é impossível focalizar a atenção; os Acontecimentos e 239 Objetivos nos quais é preciso segmentar a ação, para não perder sua presença; a Fé e Sentido da Verdade, como condição – preliminar, mas conquistada por esforço – para agir de forma fundamentada e útil, apesar de, e até mesmo através da ficção. 1907-1908 O Drama da vida, de Hamsun, com o qual fazem seu ingresso no Teatro de Arte Satz e Sulier – o cenógrafo Ilia Satz e Leopold Sulierjitski – é o primeiro experimento consciente e programático das verdades há pouco descobertas mas “há muito tempo conhecidas”. Stanislávski busca obter a “imobilidade trágica”. Não pode, diz ele, pela falta de “boa convenção” cênica capaz de sustentar o ator, e também pelo caráter independente das paixões que deveriam ser representadas naquele drama. A independência das paixões dificulta – ao limite do impossível – o ator utilizar seus recursos pessoais de memória e emoção. O Veludo Negro, que colocado ao fundo, permite que desapareça da vista tudo que estiver pintado de preto, vai em direção à busca por boas convenções cênicas: por boa convenção deve-se entender “tudo aquilo que auxilie na recitação do ator”. Stanislávski (re-) descobre o veludo negro para a montagem de A Vida de um Homem, de Andreiev. A visita [do] Hóspede [Desconhecido] de Maeterlinck – mestre do simbolismo – é a marca, ainda que mundana, desta fase das pesquisas. 1909 Mas o bom convencionalismo cênico não é o suficiente. Ocorre também que o desenho psicológico do personagem [precisa] ser detalhado e, de certa forma compatível com o do ator. É isso mesmo o que se verifica com Um Mês no Campo, de Turguêniev. Nesse espetáculo, em que o personagem não possuía o caráter absolutamente exagerado do drama de Hamsun, Stanislávski, incapaz de se comunicar, permanece praticamente imóvel. São suas, finalmente, “radiações invisìveis da vontade do sentimento”, que apesar de invisìveis podem ser percebidas. A ação real – explica Tórtsov – não é somente ação exterior. Para adequar-se ao sentido da verdade, a ação deve ser também – se não principalmente – ação interior. O máximo da ação pode ocorrer quando o ator está “tragicamente inativo”. A ação interior deve apoiar-se nas lembranças e emoções pessoais. Mas despertar a Memória Emotiva não é fácil. Não se pode agir diretamente. A ela só podemos cercar de perguntas, de modo que em algum momento você possa responder. O primeiro recurso, e ainda a primeira ajuda para o ator, vem da [própria] cena, quando esta foi feita “para ajudar o ator”. Apoiado por boas convenções cênicas, firmemente ancorado na memória emotiva, que é sua própria vivência, o ator poderá realizar a Comunhão/Comunicação, com os companheiros de cena e com os espectadores, sem precisar recorrer a gestos e movimentos supérfluos, ou seja, “somente com a irradiação”. A Adaptação poderá então adequar a comunicação aos conteúdos que o ator quer transmitir, naquela situação específica. 1909-1913 239 Literalmente, “seções” e “tarefas”. Na edição argentina vê-se Unidades Y Objetivos. 154 Para um problema resolvido, a peça de Turguêniev lhe abre, no entanto, outro ainda mais grave. É a “nova paixão de Stanislávski”, que se reforça ainda mais com o trabalho para “Hamlet”, consequência do encontro com Duncan e Craig: o “trabalho sobre o papel”. Stanislávski decide afastar-se do Teatro de Arte [de Moscou]. Tenta O “Sistema” Posto em Prática na escola dramática Adasev, e decide finalmente abrir O Primeiro Estúdio do Teatro de Arte (1912): lugar de trabalho e de experimentações intensas, mas também de camaradagem desinteressada, como testemunha a prática dos Kaputsniki, “repolho” literalmente, espetáculos de cabaré com montagem de números cômicos e clownescos nos quais atuou o próprio Stanislávski. As Forças Motrizes da vida psíquica (intelecto, vontade, sentimento) se preparam para a batalha com o papel. Todas as pedras fundamentais são mobilizadas para obter, como resultado de todo o processo O Subconsciente e a Atitude do Ator em Cena, quando começa a operar a “natureza criadora”. [O TRABALHO DO ATOR SOBRE SI MESMO NO PROCESSO DA ENCARNAÇÃO] Segundo Volume Única lacuna, e único pesar em momento futuro, a insuficiente atenção aos problemas da expressividade do corpo. Para se tornar eficaz, o sistema requer exercícios sistemáticos. Mas “todos esses exercìcios sistemáticos não foram praticados”. 1914-1922 O resultado vem com os espetáculos pushkianos, em particular “Mozart e Salieri”, levado à cena em 1915. Não somente “as coisas revividas se expressavam nos movimentos” – relembra Stanislávski – “especialmente nas palavras e na linguagem, contra minha vontade se criava uma ruptura, uma dissonância”. Em particular, para a palavra, sobretudo em versos, não basta que o ator sinta, conclui Stanislávski. No mais, O Ator Deve Saber Falar. Somente o domínio da técnica poderá consentir-lhe que se “afaste do papel”. Em “Mozart e Salieri”, ao invés disso, a pressão dos sentimentos era tal que Mas a psicotécnica não é suficiente, explica Tórtsov, pressionado por seus próprios alunos. Depois da descoberta inicial de que sem o sentido da verdade o ator não consegue realmente agir em cena, agora Stanislávski descobre que o sentido da verdade, para ser eficaz, não pode encontrar obstáculos na reação física do organismo, que, portanto, deve ser perfeitamente treinado. A Passagem para a Encarnação, em outras palavras, requer um adequado Desenvolvimento da Expressão Corporal. Abrem-se as misteriosas salas da escola de Tórtsov. Se começa com o trabalho sobre a plasticidade. Entre os exercícios, fazer escorrer uma imaginária bola de mercúrio, sem deixá-la cair, por exemplo, dos ombros à mão. Mas, adverte Tórtsov, ao ator não basta a plasticidade exterior do dançarino. Acontece que a ela é preciso associar a plasticidade interior. Além do corpo, também A Voz e A Linguagem devem ser adequadamente treinadas. O perfeito controle do organismo físico e de suas funções expressivas também permite ao ator estar simultaneamente nas Perspectivas do Ator e do Personagem. Sem esta capacidade, exemplifica Tórtsov, as palavras não podem nunca se conectar em “perìodos e pensamentos completos”. É ao Tempo-Ritmo que Tórtsov e seus alunos dedicam maior empenho. “Abençoados os músicos, os cantores, os dançarinos: podem contar com o metrônomo, o diretor, o coreógrafo”. O ator deve suprir [tais 155 “cada palavra pronunciada era separada da outra por grandes intervalos”. Algum tempo depois, assistindo a um concerto, Stanislávski descobre que á a música a chave para resolver a fundo os problemas da palavra. Inveja os cantores porque têm “a sua disposição a batuta, a pausa, o metrônomo, o diapasão, a harmonia, o contraponto”. Entrementes, com A Revolução, acontece para o Teatro de Arte Uma Catástrofe. Os atores profissionais se dispersam, e a disponibilidade econômica e logística para trabalhar se tornam cada vez mais escassas. De sua inveja pelos cantores, Stanislávski pode verificar a consistência trabalhando no Estúdio de Ópera do Teatro Bolshói , de 1918 a 1922. Aos cantores ensina o sistema, mas deles aprende o valor do tempo e do ritmo. Não somente, Stanislávski descobre também que o cantor, graças à música, possui, em relação ao ator, um importante instrumento a mais para a vivência. “Caim”, de Byron (1920) vem juntamente com uma situação de extrema dificuldade. Mas é, ainda assim, uma experiência útil. Stanislávski descobre que, além de falar “no tempo e no ritmo [...] devemos também saber como nos movimentar no ritmo”. Idealiza para isso, um Estúdio de balé. 1922-1924 Com a tournée euro-americana se conclui a autobiografia de Stanislávski. Entre A Partida e o Regresso, há um tempo de meditação, de olhar em volta. Impera a forma, e Stanislávski não a desaprova inicialmente. Só que, considera que ela deve ser justificada, colocada em vida, para que não seja vazia, mero formalismo. Avaliando Um Resumo e o Futuro, define e esclarece sua tarefa pedagógica. Escreverá sobre o sistema. Ele anuncia sua articulação em: trabalho sobre si mesmo e trabalho sobre o papel (a partir de um texto), cada um por sua vez dividido em: trabalho interior e trabalho exterior, vivência e encarnação. Hoje, mais do que nunca, é necessário garantir que o sistema não seja tomado como um conjunto de fórmulas: um livro de receitas. carências] com seus próprios recursos: criar o equivalente à música. Controlando o temporitmo da voz e da palavra, o ator não deve somente expressar o sentimento, mas suscitá-lo. “Entre o tempo-ritmo e o sentimento – diz Tórtsov – há uma reciprocidade e uma interdependência”. Não tem validade somente para a voz e a palavra, mas também para o movimento. Executando a ação física segundo a Lógica e a Continuidade/consequência, ou seja, com “o tempo-ritmo correto”, a mesma coerência será induzida na ação interior. Lembrem-se, diz Tórtsov, que “quanto mais claras, concretas e precisas sejam vossas ações, tanto menos trairão vosso sentimento”. A escola de Tórtsov se aproxima da conclusão [do curso]. Depois de haver experimentado na Caracterização a diferença entre forma vazia e forma justificada, os alunos ouvem as Considerações Finais. Tórtsov, com a ajuda do assistente Rachmanov, faz o resumo do trabalho desenvolvido naquele ano, dedicado ao trabalho sobre si mesmo, em seus componentes da vivência e da encarnação. O próximo ano será dedicado ao trabalho sobre o papel, a partir de um texto. Nas palavras de despedida, bem como no balanço e em projetos futuros, ressoa/ecoa o primeiro ensinamento de Tórtsov. Não existe fórmula, nem sistema. Existe só a natureza criativa. O trabalho do ator sobre si mesmo pode servir somente para preparar o terreno. 156 Texto original da Tabela Comparativa das obras Minha Vida na Arte e os dois volumes d‟O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo, do capítulo Trasmettere l‟esperienza. I libri di Stanislavskij (Transmitir a experiência. Os Livros de Stanislávski). In: RUFFINI, Franco. Stanislavskij: Dal Lavoro Dell‟Attore al Lavoro Su di Sé (Stanislávski: Do Trabalho do Ator ao Trabalho Sobre Si). Roma. Editori Laterza: 2003, pp. 27-35. LA MIA VITA NELL‟ARTE IL LAVORO DELL‟ATTORE SU SE STESSO Primo Tomo 1863-1887 L‟Infanzia artistica e l‟Adolescenza artistica non sono ancora un tempo di Stanislavskij. Appartengono alla vita di Konstantin Alekseev. Non lasciano tracce consapevoli nel “lavoro dell‟attore su se stesso” que Konstantin Stanislavskij vorrà portare, e sperimentare nella scuola di Torzov. 1888-1897 Comincia la Giovanezza artistica. Dalle prime prove alla Società di arte e di letteratura di Mosca, fino all‟”Otello”, che Stanislavskij interpreta nel 1896, si snoda il faticoso processo dal dilettantismo alle soglie del professionismo. “Otello” non fu un grande successo di pubblico, ma soprattuto fu per Stanislavskij la definitiva riprova che è impossibile “spremere [...] il sentimento tragico”, a comando. Si susseguono, durante questo periodo, tutte le varianti dell‟imitazione. Da quella di um modello esterno formale con “il modello esterno formale con “il cavaliere avaro” di Puskin (1888), a quello di un modello esteriore però vivo con “Georges Dandin”. Stanislavskij crede di aver infuso in questo modello esterno una sua propria vita, ma non tarda a riconoscere di “aver scambiato [...] una sorta di isterismo” con l‟impeto della vera inspirazione. Con “Destino amaro” di Pisemskij, Stanislavskij riuscì a creare da sé il proprio modello, ma poi si limitò ad imitarlo. La prima experienza veramente creativa si verifica con il primo “Villaggio Stepancikovo” (1891) in cui Stanislavskij riesce finalmente a “diventare” il personaggio. Il Famoso incontro con NemirovicDancenko (1897), durante il quale fu progettato nei minimi dettagli il futuro Teatro d‟Arte di Mosca, sancisce l‟ingresso nel territorio dell‟”arte scenica”. 1898-1906 Con i preparativi Prima dell‟inaugurazione e con l‟Inizio della prima stagione, comincia l‟attività al Teatro d‟Arte. La memorabile messincena del “Gabbiano” resterà, con l‟immagine dipinta nel Gli allievi della scuola presentano delle scene al maestro. Torzov commenta, di volta in volta, mettendoli in guardia da quella malattia del Dilettantismo che è l‟imitazione. Ne prende via via in esame tutti i gradi, mostrando la grande distanza tra Arte scenica e mestieri scenico. La sua critica è dapprima contro i modelli esterni, di solo effetto, o anche vissuti. Quando l‟attore li imita, quello che ottiene è solo “eccitazione artificiale dei nervi periferici”. E anche imitando un modello creato da se stesso, l‟attore non fa altro che “ripetere [una] forma meccanicamente”. È la volta di Kostia, responsabile del diario della Scuola. Si cimenta con “Otello”. Cercando di “spremere da [se] stesso qualche sentimento”, ottiene solo crampi e raucedine. Ma, nell‟urlo “Sangue, Jago, sangue!”, Kostia per la prima volta ha l‟esperienza del “diventare”, e non più dell‟imitare. Come sottrarre questo risultato alla casuale ispirazione? Come padroneggiare l‟arte scenica? A questo serve la scuola, che sta per cominciare. 157 sipario, come emblema del Teatro d‟Arte. Segue il periodo delle “linee intrecciate”, cioè delle realizazioni fino alla morte di Chechov: dalla Linea storico-di costume (con le messe in scena di “Zar Fëdor” e di “Giulio Cesare”, tra le altre), alla Linea del fantastico (con la realizzazione della “Fanciulla di neve”), alla Linea politicosociale (con la messa in scena di “Un nemico del popolo”), solo per citare alcune. Nel fervore, ma anche nella confusione, della ricerca artistica di Stanislavskij, c‟è il breve tentativo di collaborazione con Mejerchol‟d allo Studio sulla Povarskaja (1905); c‟è l‟osservazione ammirata dei quadri di Vrubel‟, in cui Stanislavskij scopre che le movenze immateriali che vede no possono essere raggiunte né cercandole nella propria interiorità di attore né cercandole nell‟interiorità dei personaggi dipinti. Poi ci sono i sucessi de Primo viaggioall‟estero (1906), con il trionfo, in particolare, del personaggio del Dottor Stockmann, ma anche com l‟insoddisfazione per questo successo, che è solo un successo per “memoria dei muscoli”. A questo riflette Stanislavskij dallo scoglio in Finlandia, teso verso la Scoperta di verità da lungo tempo note. Insieme alla maturità artistica, inizia la ricerca programmatica per il sistema. Le esperienze passate devono essere ordinate in “scaffali dell‟anima”. Stanislavskij getta le “pietre di fondamenta” per le sue ricerche future. 1907-1908 Il Dramma della vita, di Hamsun, con il quale fanno il loro ingresso al Teatro d‟Arte Sac e Suler – lo scenografo il‟ja Sac e Leopol‟d Sulerzickij – è il primo esperimento consapevole e programmatico delle verità da poco scoperte ma “da lungo tempo note”. Stanislavskij cerca di ottenere l‟”immobilità tragica”. Non vi riesce, racconta, per la mancanza di “buone convenzione” sceniche in grado di sostenere l‟attore, e anche per il carattere assoluto delle Nel primo periodo, si pongono le “pietre di fondamenta” per l‟arte scenica. Non sono passaggi di un teorema. Non le si potrà mai dare per acquisite una volta per tutte, come si potrebbe fare per passaggi pregressi di una deduzione logica. Ci sono, prima di tutto, L‟azione. I “se”. Le “circostanze date”. L‟azione deve essere “fondata e utile”, per non degenerare in imitazione. Nella scena, dove tutto è finto, solo il “se” può dare avvio all‟azione, quindi “‟le circostanze date‟ la sviluppano”. Poi L‟immaginazione, che può portarci in un altro mondo solo se è disciplinata; l‟Attenzione scenica, per non lasciarsi mai andare all‟automatismo; la Distensione muscolare, senza la cuale è impossibilefocalizzare l‟attenzione; le Sezione e compiti in cui bisogna segmentare l‟azione, per non perdere la presenza; il Senzo del vero, come condizione – preliminare ma conquistata a fatica – per agire in modo fondato e utile, nonostante e anzi attraverso la finzione. L”azione reale – spiega Torzov – non è solo azione esteriore. Per adeguarsi al senso del vero, l‟azione dev‟essere anche – se non soprattutto – azione interiore. Il massimo di azione può aversi quando l‟attore è “tragicamente inattivo”. L‟azione interiore deve appoggiarsi ai ricordi e alle emozione personalli. Ma destare la Memoria emotiva non è facile. Non si può agire direttamente. La si può solo circondare di richiami, in modo che ad un certo punto vi risponda. I primi 158 passioni che in quel drama si dovevano rappresentare. L‟assolutezza delle passioni rende difficile – e al limite impossibile – all‟attore far ricorso al proprio patrimonio personale di ricordi ed emozioni. Il Velluto nero, che collocato in fondale consente di far sparire alla vista tutto quello che è colorato in nero, va nella direzione della ricerca di buone convenzioni sceniche: dove per buona convenzione deve intendersi “tutto ciò che giova alla recitazione dell‟attore”. Stanislavskij (ri-)scopre il velluto nero per la messa in scena della Vitta dell‟uomo, di Andreev. La visita Ospiti di Maeterlinck – maestro del simbolismo – è il suggelo anche mondano di questa fase di recerca. 1909 Ma le buone convenzioni sceniche non bastano. Ocorre anche che il disegno psicologico del personaggio sia particolareggiato e, in certo modo, compatibile con quello dell‟attore. Proprio questo ora si verifica con Un mese in campagna di Trigenev. In questo spettacolo, in cui il personaggio non aveva l‟assolutezza smisurata del dramma di Hamsun, Stanislavkij riesce a comunicare, pur restando praticamente immobile. Le sue sono, finalmente, “invisibili radiazoni della volontà e del sentimento”, che pur essendo invisibili giungono a segno. 1909-1913 Per un problema risolto, il dramma di Turgenev ne apre però un altro ancora più grave. È la “nuova infatuazione di Stanislavskij”, che si rafforza ancora di più con le lavoro per l‟”Amleto”, conseguente all‟incontro con Duncan e Craig: il “lavoro sulla parte”. Stanislavskij decide di staccarsi dal Teatro d‟Arte. Tenta un primo Esperimento per l‟attuazione del “sistema” alla scuola drammatica Adasev, e decide infine di aprire un suo Primo Studio (1912): luogo di lavoro e di sperimentazione intensi,ma anche di scanzonato cameratismo, come testimonia la pratica dei Kaputsniki, alla lettera “cavolate”, spettacoli cabarettistici con montaggio di numeri comici o clowneschi, nei quali si cimentò lo stesso Stanislavskij. richiami, e dunque il primo aiuto per l‟attore, vengono dalla scena, quando questa sia formata “per aiutare l‟attore”. Sostenuto da buone convenzioni sceniche, solidamente ancorato alla memoria emotiva, cioè al proprio vissuto, l‟attore potrà realizzare la Comunicazione, con i compagni di scena e con gli spettatori, senza dover ricorrere a gesti e movimenti superflui, cioè “con le sole radiazioni”. L‟Adattamento potrà poi adeguare la comunicazione ai contenuti che l‟attore vuole trasmettere, nella situazione specifica. I mottori della vita psichica (inteleto, volontà, sentimento) si preparano a dar battaglia alla parte. Tutte le pietre di fondamenta vengono mobilitate per arrivare, come esito dell‟intero processo Alle soglie del subconsciente, là dove comincia l‟opera della “natura creatrice”. Secondo Tomo Unica lacuna, e unico rimpianto poi nel futuro, l‟insuficiente attenzione ai problemi dell‟espressività del corpo. Per rendere efficace il sistema, occorrono esercizi sistematici. Ma “tutti questi esercizi sistematici non furono praticati”. Ma la psicotecnica non basta, spiega Torzov incalzato dai suoi stessi allievi. Dopo l‟iniziale scoperta che senza il senso del vero l‟attore non riesce ad agire realmente in scena, ora Stanislavskij scopre che il senso del vero, per essere efficace, non deve trovare ostacoli nella 159 reazione dell‟organismo fisico, il quale dunque deve essere perfettamente allenato. Il Passaggio all‟incarnazione, in altre parole, richiede un adeguato Sviluppo dell‟espressività del corpo. Si aprono le stanze misteriose della scuola di Torzov. Si comincia con il lavoro sulla plasticità. Tra gli esercizi, un‟immaginaria pallina di mercurio da far scorrere senza farla cadere, ad esempio dalla spalla alla mano. Ma, avverte Torzov, all‟attore non basta la plasticità esteriore del danzatore. Occorre che ad essa si associ la plasticità interiore. 1914-1922 La resa dei conti arriva con gli spettacoli puskiani, in particolare “Mozart e Salieri”, andato in scena nel 1915. Non appena “le cose rivissute si esprimevano nel movimento – ricorda Stanislavskij – especialmente nelle parole e nel linguaggio, contro la mia volontà si creava una rottura, una stonatura”. In particolare, per la parola, soprattutto se in versi, non basta che l‟atore senta, conclude Stanilasvskij. In più, L‟attore deve saper parlare. Solo la padronanza tecnica potrà consentirgli di “allontanarsi dalla parte”. In “Mozart e Salieri”, invece, la pressione del sentimento era tale che “ogni parola gonfiata era divisa dall‟altra da grandi intervalli”. Ascoltando, qualche tempo dopo, un concerto, Stanislavskij scopre che è la musica la chiave per risolvere in profondità i problemi della parola. Invidia i cantanti perché hanno “a dispozicione le battute, le pause, il metronomo, il diapason, l‟armonia, il contrapunto”. Nel frattempo, con La rivouzione è sopravvenuta per il Teatro d‟Arte La Catastrofe. Gli attori professionisti si disperdono, e le disponibilità economiche e logistiche per lavorare diventano sempre più esigue. Della sua invidia per i cantanti, Stanislavskij può verificare la consistenza lavorando, dal 1918 al 1922, ad uno Studio operistico al Bol‟soj. Ai cantanti insegna il sistema, ma da loro apprende il valore del tempo e del ritmo. Non solo, Stanislavskij scopre anche che il cantante, grazie alla musica, ha un importante strumento in più rispetto all‟attore per la reviviscenza. “Caino” di Byron (1920) viene allestito in una situazione di estrema difficoltà. Ma è, comunque, un‟esperienza utile. Stanislavskij scopre che, oltre che parlare “a tempo e a ritmo [...] dobbiamo anche sapere altrettanto bene muoverci a ritmo”. Sogna, per questo, un Studio di balletto. 1922-1924 Con la tournée euro-americana si conclude l‟autobiografia di Stanislavskij. Tra La partenanza e il ritorno, ha il tempo di meditare, di guardarsi Oltre il corpo, anche La voce e la parola vanno adeguatamente addestrate. Il perfetto controllo dell‟organismo fisico e delle sue funzione espressive consente inoltre all‟attore di essere contemporaneamente nella Prospettiva dell‟attore e della parte. Senza questa capacità, esemplifica Torzov, le parole non potranno mai collegarsi in “periodi e pensieri completi”. È al Tempo-ritmo che Torzov e i suoi allievi dedicano il maggior impegno. “Beati i musicisti, i cantanti i ballerini: essi hanno il metronomo, il direttore, il coreografo”. L‟attore deve supplire con le sue sole risorse: creare l‟equivalente della musica. Controllando il tempo-ritmo della voce e della parola, l‟attore può non solo esprimere il sentimento, ma suscitarlo. “Tra il tempo-ritmo e il sentimento – dice Torzov – c‟è una reciprocità e una interdipendenza”. Non vale solo per la voce e la parola, ma anche per il movimento. Eseguendo l‟azione fisica secondo Logica e consequenzalità, cioè com “il tempo-ritmo giusto”, la stessa coerenza si troverà indotta nell‟azione interiore. Ricordate, dice Trozov, che “quanto più chiare, concrete e precise saranno le vostre azioni, tanto meno tradirete il vostro sentimento”. La scuola di Torzov si avvia alla conclusione. Dopo aver sperimentato nella Caratterizzazione la differenza tra forma vuota e forma giustificata, gli 160 intorno. Impera la forma, e Stanislavskij non la disapprova per principio. Solo, ritiene che essa debba essere giustificata, messa in vita, per non estare vuoto formalismo. Valutando I risultati e il futuro, definisce e precisa il suo compito pedagogico. Scriverà sul sistema. Ne preannuncia l‟articolazione in: lavoro su se stessi e lavoro sulla parte (a partire da un testo), ognuno dei quali a sua volta articolato in: lavoro interiore e lavoro esteriore, reviviscenza e personificazione. È più che mai necessario, oggi, affinché il su sistema non venga preso per un insieme di formule: un ricettario di cucina. allievi ascoltano gli Ultimi colloqui. Torzov, con l‟aiuto dell‟assistente Rachmanov, fa il riepilogo del lavoro svolto quell‟anno, dedicato al lavoro su se stesso, nelle sue componenti della reviviscenza e della personificazione. L‟anno prossimo sarà dedicato al lavoro sulla parte, a partire da un testo. Nelle parole di congedo, oltre a bilanci e progetti a venire, risuona l‟insegnamento primo di Torzov. Non esistono formule, né sistemi. Esiste solo la natura creatrice. Il lavoro dell‟attore su se estesso può servire solo a preparare il terreno. 161 ANEXO 3 Tradução da nota número 22 do capítulo Trasmettere l‟esperienza. I libri di Stanislavskij (Transmitir a experiência. Os Livros de Stanislávski), de Franco Ruffini. Na nota se podem ler as exemplificaçoes das relações entre Minha Vida na Arte e O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo em seus dois volumes relacionadas na tabela comparativa acima. In: RUFFINI, Franco. Stanislavskij: Dal Lavoro Dell‟Attore al Lavoro Su di Sé (Stanislávski: Do Trabalho do Ator ao Trabalho Sobre Si). Roma. Editori Laterza: 2003, pp. 135-136. Para uma discussão geral sobre o assunto, cfr. F. Ruffini, Romance Pedagógico. Um estudo sobre os livros de Stanislávski240, cit. O período [citado] entre [os anos de] 1914-1920 é o ano de 1917, apresentado como ano divisor de águas na edição russa. Logicamente, não é só por este motivo que Stanislávski trabalhou com particular atenção [na edição russa]; já o mencionamos. [A diferença] pode ser vista também numa comparação puramente quantitativa. Os capítulos A Guerra, A Segunda Revolução, O Estúdio de Ópera, da edição americana se multiplicam na edição russa em O Ator deve saber falar, A revolução, A catástrofe, Caim, O Estúdio de Ópera do Teatro Bolshói. Mas há sobretudo uma mudança qualitativa: com “O ator deve saber falar”, quase dando indicações de uma "coluna do conhecimento". Assim é, na verdade. O capítulo se refere aos espetáculos pushkinianos, em particular a Mozart e Salieri, encenada em 1915. Às voltas com os versos e com a profundidade psicológica do personagem, a Stanislávski se revelam todas as suas carências técnicas relativas ao uso da voz. A estes problemas é dedicado o capítulo correspondente do outro livro [O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo No Processo da Encarnação], A Voz e a linguagem241. Stanislávski relembra, também, sua incapacidade naquela ocasião de 240 O artigo pode ser encontrado traduzido ao espanhol em MÁSCARA – Cuaderno Iberoamericano de Reflexión sobre escenologia. Año 3, nº 15. Stanislavski: Ese Desconocido. México. Escenologia A. C.: 10/1993. RUFFINI, Franco. Novela Pedagogica – un estúdio sobre los libros de Stanislavski (Romance Pedagógico. Um estudo sobre os livros de Stanislávski). Tradução de Margherita Pavia. Há também neste artigo uma versão resumida da tabela comparativa entre Minha vida na arte e os dois volumes de O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo. 241 Como utilizo as versões em espanhol da Quetzal, traduzo “linguagem” ao invés de “palavra”, como no original italiano. 162 “distanciar-se do papel”: e raciocina em seguida, em termos de conhecimento, no próximo capítulo do livro sobre o sistema, Perspectivas do ator e do personagem. Fica convencido de que para “a arte de falar e de ler versos” é preciso em primeiro lugar “procurar [as] bases na música” (La mia vita nell‟arte, cit., p. 450): e é à procura destas bases que dedica o capítulo seguinte do livro sobre o sistema, Tempo-ritmo. Graças às respectivas variações, o bloco da autobiografia da Revolução ao Estúdio de Ópera do Teatro Bolshói corresponderá, ponto por ponto e na mesma ordem, ao bloco do livro sobre o sistema de A Voz e a linguagem até Tempo-ritmo. Ainda mais exemplar é a situação do período que vai de 1907 a 1914. Estes são os dois índices. Para a versão russa: A descoberta de verdades há muito conhecidas, O drama da Vida, I. A. Satz e L. A. Sulierjitski, O Veludo Negro, A vida de um Homem, Hóspedes de Maeterlinck, Um mês no Campo, Duncan e Craig, O “sistema” posto em prática, O Primeiro Estúdio do Teatro de Arte; para a edição americana: O Começo do meu Sistema, Leopold Sulerjitsky, O Drama da Vida; Decepções, A Vida de um Homem, Um Visitante de Maeterlinck, Duncan e Craig, A Fundação do Primeiro Studio, Um Mês no Campo. Além das variações de estilo e de sotaque, as mudanças estruturais são impressionantes. Stanislávski desloca o capítulo sobre O Drama da Vida para logo depois de A Descoberta de Verdades Há Muito Conhecidas, e antecipa o capítulo sobre Um Mês no Campo para antes daquele sobre Hamlet realizado com Gordon Craig. Assim fazendo, delineia um percurso biográfico que se pode percorrer, em perfeito sincronismo no outro livro. Por pontos: o Stanislávski que para o Drama da Vida tinha tomado “aos atores todos os meios exteriores de interpretação” se reflete em Kóstia obrigado a ficar “tragicamente inativo” (La Mia Vita Nell‟Arte, cit., p. 377-78); o Stanislávski que finalmente em Um Mês no Campo foi capaz de dominar a imobilidade trágica se reflete nos alunos de Tórtsov tentando se comunicar “com as suas irradiações”; e, por fim, em relação ao trabalho sobre o papel, Tórtsov relembra que uma estátua desmembrada em partes perde todo o seu fascínio, repetindo com as mesmas palavras aquilo que Stanislávski havia dito em Minha Vida na Arte a propósito de Hamlet (p. 421). Graças às eventuais variações, o bloco da autobiografia de O Drama da Vida a Duncan e Craig irá corresponder, ponto por ponto e na mesma ordem, ao bloco de O trabalho do ator sobre si mesmo [no processo das vivências] desde Fé e Sentido da Verdade até As 163 forças Motrizes da Vida Psíquica. A mesma correspondência se pode verificar para todos os blocos paralelos dos dois livros, e para os dois livros juntos. 164 Texto original da nota número 22 do capítulo Trasmettere l‟esperienza. I libri di Stanislavskij (Transmitir a experiência. Os Livros de Stanislávski). In: RUFFINI, Franco. Stanislavskij: Dal Lavoro Dell‟Attore al Lavoro Su di Sé (Stanislávski: Do Trabalho do Ator ao Trabalho Sobre Si). Roma. Editori Laterza: 2003, pp. 135-136. Per una trattazione generale dell‟argomento, cfr. F. Ruffini, Romanzo Pedagogico. Uno studio sui libri di Stanislavskij, cit. Al centro del periodo 1914-1920 c‟è quell‟anno 1917 introdotto come ulteriore spartiacque nell‟edizione russa. Logico, non foss‟altro per questo motivo, che Stanislavskij vi dovesse lavorare con particolare attenzione; ne abbiamo già accennato. Lo si vede anche ad un puro raffronto quantitativo. I capitoli The War, The Second Revolution, The Opera Studio, dell‟edizione americana si moltiplicano, nell‟edizione russa, in L‟attore deve saper parlare, La rivoluzione, La catastrofe, Caino, Lo studio operístico al Bol‟soj. Ma c‟è soprattutto il cambiamento qualitativo: con quell”attore che deve saper parlare”, a pretendere quasi indicazioni dalla “colonna delle conoscenze”. Cosí è, infatti. Il capitolo si riferisce agli spettacoli puskiniani, e in particolare a Mozart y Salieri, andato in scena nel 1915. Alle prese con i versi e con la profondità psicologica del personaggio, a Stanislavskij si rivelarono tutte le sue carenze tecniche relative all‟uso della voce. A questi problemi è dedicato il capitolo corrispondente dell‟altro libro, Voce e parola. Stanislavskij ricorda, inoltre, l‟incapacità in quell‟occasione di “allontanarsi dalla parte”: e ne ragiona quindi, sul piano della conoscenza, nel successivo capitolo del libro sul sistema, Prospettiva dell‟attore e della parte. Si convince che per “l‟arte del parlare e del leggere versi” è necessario prima di tutto “cercare [le] basi nella musica” (La mia vita nell‟arte, cit., p. 450): ed è alla ricerca di queste basi che è dedicato il capitolo successivo del libro sul sistema, Tempo-ritmo. Grazie alle variazioni apportatevi, il blocco dell‟autobiografia dalla Rivoluzione a Lo studio operistico al Bol‟soj va a corrispondere, punto per punto e nello stesso ordine, al blocco del libro sul sistema da Voce e parola a Tempo-ritmo. Ancora più esemplare è la situazione per il periodo che va dal 1907 al 1914. Questi sono i due indici. Per la versione russa: Scoperta di verità da lungo tempo note, Dramma della vita, Sac e Sulerzickij, Il velluto nero, Vita dell‟uomo, Ospiti da Maeterlinck, Un mese in campagna, Duncan e Craig, L‟esperimento pel l‟attuazione del “sistema”, Il primo studio; 165 per l‟edizione americana: The Beggining of my System, Leopold Sulerjitsky, The Drama of Life; Disappointments, The Life of Man, A Visit to Maeterlinck, Duncan and Craig, The Founding of The First Studio, A Month in The Country. A parte le variazioni di stile e d‟accento, i cambiamenti strutturali sono imponenti. Stanislavskij sposta il capitolo sul Dramma della vita subito dopo la Scoperta di verità da lungo tempo note, e anticipa il capitolo su Un mese in campagna a prima di quello sull‟Amleto realizzato con Gordon Craig. Così facendo, delinea un percorso biografico che può riproporsi, in perfetto sincronismo nell‟altro libro. Per punti: lo Stanislavskij che per il Dramma della vita aveva tolto “gli attori tutti i mezzi esteriore di interpretazione” si specchia in Kostia obbligato a restare “tragicamente inattivo” (La mia vita nell‟arte, cit., pp. 377-78); lo Stanislavskij che finalmente in Un mese in campagna riesce a dominare l‟immoblità tragica si specchia negli allievi di Torzov che cercano di comunicare “con le sole radiazioni”; e infine Torzov che, in rapporto al lavoro sulla parte, ricorda che una statua disunita in pezzi perde tutto il suo fascino, richiama con le stesse parole ciò che Stanislavskij aveva detto nella Mia vita nell‟arte a proposito dell‟Amleto (p. 421). Grazie alle variazioni apportatevi, il blocco dell‟autobiografia dal Dramma della vita a Duncan e Craigi va a corrispondere, punto per punto e nello stesso ordine, al blocco del Lavoro dell‟attore su se stesso dal Senso del vero a I motori della vita psichica. La stessa corrispondenza si potrebbe verificare per tutti i blocchi paralleli dei due libri, e per i due libri nel loro insieme.