ESTUDO DA HIDRÓLISE DO ÁCIDO CLAVULÂNICO NA PRESENÇA DO POLIETILENO GLICOL M. C. A. D. Barros1, C. S. da Silva2, M. B. Pasotto3 1 Bolsista de iniciação Científica IC/FAPESP/UFSCar, discente do curso de Engenharia Química Bolsista de doutorado, discente do curso de Engenharia Química 3 Professor do Departamento de Engenharia Química da UFSCar/SP 2 1,2,3 Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, Via – Washington Luis, Km 235, CEP: 13565-905 – São Carlos – SP, Brasil e-mail: [email protected] RESUMO - O sistema de duas fases aquosas composto por polietileno glicol e fosfato de potássio tem sido estudado como alternativa para a purificação do antibiótico ácido clavulânico, o qual é encontrado em culturas de Streptomyces clavuligerus e é potente inibidor de enzimas beta-lactamase. Devido à necessidade de aperfeiçoamento do sistema de duas fases aquosas, o presente trabalho mostra resultados de um estudo de degradação do ácido clavulânico na presença do polietileno glicol 6000 e 400 e nas regiões de pH entre 5,4 e 8. Foi utilizado ácido clavulânico proveniente do produto farmacêutico Clavulin®, e do caldo de fermentação prétratado por membrana de ultrafiltração de 3 kDa. Os resultados demonstraram que o ácido clavulânico na presença do polietileno glicol apresenta uma maior estabilidade em pH 5,4. O polietileno glicol 6000 apresentou uma menor velocidade de degradação do ácido clavulânico. O ácido clavulânico distribuído na fase de fundo apresenta uma maior instabilidade em relação ao ácido clavulânico presente na fase de topo. Palavras-Chave: Ácido clavulânico; Degradação; Sistema de duas fases aquosas. INTRODUÇÃO O ácido clavulânico AC é um antibiótico βlactâmico, de ocorrência natural em cultura de Streptomyces clavuligerus, e um potente inibidor de enzimas β-lactamase. Tal substância não apresenta alta atividade antimicrobiana, mas seu uso associado a penicilinas dá-lhes proteção contra tais enzimas (Santos et al., 2009). O ácido clavulânico é produzido industrialmente em cultura submersa e purificado através de uma série de passos, dos quais os mais importantes são a separação por extração líquido-líquido e a adsorção por troca iônica. Os processos convencionais de extração líquido-líquido são realizados mediante a um abaixamento de pH e utilizando-se a mistura de solvente orgânico para promover a extração do composto do meio fermentado. Esta técnica tem dois inconvenientes, sendo que o primeiro está relacionado ao aspecto ambiental, tendo em vista a utilização de solventes orgânicos (Kilikian et al., 2000), e segundo os estudos realizados por Bersanetti et al. (2000) o AC é molécula quimicamente instável e apresenta altas taxas de degradação em regiões básicas, pH acima de 7,5, e em regiões ácidas, pH abaixo de 4,5. Esta instabilidade química acarreta baixos rendimentos ao processo de purificação industrialmente. Por isso, no caso da separação e purificação de AC, novos tipos de extração líquido-líquido vêm sendo estudados. Devido à facilidade e confiabilidade no aumento de escala, a rápida transferência de massa, a possibilidade de se conduzir a extração em temperatura ambiente e o fato do baixo custo de seus componentes, atoxidade, o sistema de duas fases aquosas (SDFA) tem sido alvo de estudo como alternativa de separação do ácido clavulânico. (Videira e Aires-Barros, 1994; Hirata, 2002; Brites, 2005. Silva et al., 2008). Para maioria dos SDFA constituídos por Polietileno glicol (PEG)/sal o produto é comumente separado na fase superior rica em PEG, enquanto que, os subprodutos são dispensados na fase inferior rica em sal. O ácido clavulânico possui uma alta afinidade pela fase rica em PEG, apresentando altos valores de recuperação (90-99%). Os valores obtidos para o coeficiente de partição, que analisa a distribuição da molécula de interesse entre a fase de topo e fundo do SDFA, estão entre 1,5 a 114, para o AC (Videira e Aires-Barros, 1994; Hirata, 2002). Embora, o SDFA seja ambiente favorável à extração de antibióticos beta-lactâmicos, sua composição é constituída de 90% de água (Bora et al. 2005). Nenhum trabalho aborda a taxa de degradação AC no SDFA, sendo assim, estudos da degradação do AC são considerados de VIII Congresso Brasileiro de Engenharia Química em Iniciação Científica 27 a 30 de julho de 2009 Uberlândia, Minas Gerais, Brasil fundamental importância para que, ao apontar as faixas de pH e de massa molecular de PEG que apresentam menor taxa de degradação do AC, e o uso do SDFA possa ser aplicado na indústria farmacêutica. Neste intuito, este trabalho teve objetivo de estudar a taxa de degradação do ácido clavulânico em ambas as fases do SDFA. MATERIAIS E MÉTODOS pseudo-primeira ordem. A degradação, por hidrólise, do AC ocorre conforme a equação: k2 AC → PD (1) em que PD é produto de degradação. Considerando o excesso de água comparado à quantidade de AC, a degradação do mesmo segue a cinética de pseudo-primeira ordem segundo a equação: Materiais Ácido clavulânico: O ácido clavulânico foi obtido de duas fontes diferentes: solução 700mg/l de clavulanato de potássio obtido através do produto farmacêutico Clavulin® (um comprimido contém 125mg de clavulanato de potássio e 500mg de amoxicilina), importado por GlaxoSmithKline Brasil Ltda; e o caldo de fermentação de ácido clavulânico foi obtido através de cultivo de Streptomyces clavuligerus, ATCC 27064, pré-tratado por membrana de ultrafiltração de polisulfona de tamanho de poro 3kDa. Polietileno glicol: Foram utilizados PEG de massas moleculares 200, 300 e 600 (Fluka, BioChemica), 400 (Synth ) e 4000 e 6000 (Merck). Solução de fosfato: As soluções tampão de fosfato foram feitas com KH2PO4 e K2HPO4, em pHs 8, 7 e 5,4. Método analítico Determinação da concentração do AC: A concentração do ácido clavulânico em solução aquosa foi determinada em espectrofotômetro, segundo o método proposto por Bird et al. (1982), que se baseia na derivatização do ácido clavulânico com uma solução de imidazol de 60g/L e leitura de absorbância em 312 nm. Método experimental Os sistemas de duas fases aquosas foram formados a partir de soluções estoque de PEG e fosfato de potássio com pH variando de 5,4 a 8, e à temperatura controlada em 20ºC. Após a separação das fases um volume da cada fase foi recolhido em frasco Erlenmeyer de 250mL. Os frascos foram mantidos à temperatura constante em 20ºC, e para que a concentração de AC fosse determinada foram retiradas, desses frascos, alíquotas de 0,5mL periodicamente. RESULTADOS E DISCUSSÃO Cinética de degradação do AC Segundo Bersanetti et al. (2000) a degradação do AC se ocorre como uma cinética de − dC = k 2C dt (2) Em que k2 é a constante de velocidade de segunda ordem e C é a concentração de AC. Assim, isolando as variáveis comuns e integrando, obtém-se a relação linear entre a concentração de AC e tempo: − ln C = k 2t C0 (3) Degradação de AC presente em solução de Clavulin A estabilidade do AC em solução de Clavulin para pHs entre 5,4 e 8 na fase de topo do SDFA para os PEGs 6000 e 400, estão representados na Figura 1 e 2, respectivamente. Pode ser observado que a velocidade de degradação do AC, k, aumenta com aumento do pH, para ambos os PEGs. Este comportamento pode ser observado para a degradação do AC na fase de fundo do SDFA para os PEGs 6000 e 400 (Figura 3 e 4, respectivamente). Normalmente após a formação das fases do SDFA o pH da fase de fundo é muito semelhante ao pH da fase de topo. O fato da maior massa molecular de PEG apresentar uma menor velocidade de degradação deve estar relacionado ao fato de uma maior interação entre AC e o PEG 6000, sendo esta proporcionando uma maior estabilidade à molécula do AC. As constantes de velocidade, k, estimadas por regressão linear dos dados experimentais, a partir do gráfico semi-logarítmico versus tempo, são mostradas nas Tabelas 1 e 2 para fase de topo e fase de fundo, respectivamente. Comparando os valores das constantes de velocidade, k, entre fase de topo (Tabela1) e fundo (Tabela 2), nota-se que a velocidade de degradação é superior à fase fundo. A degradação do AC presente na fase de fundo ocorre em sua totalidade dentro de 6h após a separação das fases para o PEG 400 (Figura 4), vale ressaltar que os coeficientes de partição do AC para SDFA são altos entre 10 e 100 (Videira e Aires-Barros, 1994), indicando que o AC se distribui quase na sua totalidade na fase de topo do SDFA. Esta alta velocidade de degradação está relacionado à menor quantidade de PEG presente na fase de fundo após a formação das fases para ambos os PEgs. 3 -ln(C/C0) pH 8 pH 7 pH 5,4 pH 8 pH 7 pH 5,4 3 2 -ln(C/C0) 1 2 0 0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 3 4 5 6 7 8 100 Tempo (h) Figura 1 – Hidrólise do AC na fase de topo do SDFA-PEG 6000. Solução de Clavulin. 5 pH 8 pH 7 pH 5,4 4 2 1 0 0 20 40 60 80 100 120 140 160 Tempo (h) Figura 2 – Hidrólise do AC na fase de topo do SDFA-PEG 400. Solução de Clavulin. 6 pH 8 pH 7 pH 5,4 5 4 3 2 1 0 0 10 20 30 40 50 60 Tabela 1 – Constantes de velocidade, k, na fase de topo do SDFA. Solução de Clavulin. -1 PEG pH k(h ) 6000 5,4 0,016 400 5,4 0,025 6000 7,0 0,029 400 7,0 0,041 6000 8,0 0,038 400 8,0 0,109 Tabela 2 – Constantes de velocidade, k, na fase de Fundo do SDFA. Solução de Clavulin. PEG pH k(h-1) 6000 5,4 0,067 400 5,4 0,130 6000 7,0 0,315 400 7,0 0,379 6000 8,0 0,269 400 8,0 0,747 3 -ln(C/C0) 2 Figura 4 – Hidrólise do AC na fase de fundo do SDFA-PEG 400. Solução de Clavulin. 0 -ln(C/C0) 1 Tempo (h) 1 70 Tempo (h) Figura 3 – Hidrólise do AC na fase de fundo do SDFA-PEG 6000. Solução de Clavulin. Degradação de AC presente em caldo de fermentação As Figuras 5 e 6 mostram o resultados experimentais da degradação do AC presente em caldo de fermentação para os PEGs 6000 e 400 nas fases de topo. Na Tabela 3 pode se observar os valores obtidos para constantes de velocidades, k, estes foram próximos aos resultados obtidos para o AC proveniente da solução de Clavulin (Tabela 3) para ambos PEGs. Resultado este também observado para a fase de fundo do PEG 6000(Tabela 4). No entanto, a degradação total do AC na fase de fundo do PEG 400 ocorreu em um tempo inferior 1h, impossibilitando a determinação da velocidade de degradação. Este fato pode ser explicado possivelmente pela presença de alguns componentes no meio fermentativo, como compostos de amônia, que aumenta a instabilidade do AC, e estes compostos podem ter a sua maior distribuição na fase de fundo do PEG 400. As Figura 6 a 7 pode-se observado que a velocidade de degradação do AC, k, aumenta com aumento do pH, para ambos os PEGs. Fato este observado para ao AC proveniente do Clavulin (Figura 1 a 4). 5 pH 8 pH 7 pH 5,4 4 Tabela 4 – Constantes de velocidade, k, na fase de fundo do SDFA. PEG pH k(h-1) 6000 5,4 0,084 6000 7,0 0,364 6000 8,0 0,750 3 -ln(C/C0) Tabela 3 – Constantes de velocidade, k, na fase de topo do SDFA. -1 PEG pH k(h ) 6000 5,4 0,016 400 5,4 0,024 6000 7,0 0,021 400 7,0 0,021 6000 8,0 0,027 400 8,0 0,036 2 1 0 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 CONCLUSÕES 240 Tempo (h) Figura 5 – Hidrólise do AC na fase de topo do SDFA-PEG 6000. Caldo de fermentação. 5 pH 8 pH 7 pH 5,4 4 -ln(C/C0) 3 2 1 0 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240 260 Tempo (h) Figura 6 – Hidrólise do AC na fase de topo do SDFA-PEG 400. Caldo de fermentação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 4 pH 8 pH 7 pH 5,4 3 -ln(C/C0) Apesar de que o SDFA ser um ambiente favorável à extração de biomoléculas e tendo vasta aplicação industrial da técnica para extração do antibiótico beta-lactâmico ácido clavulânico, foi estudado a sua degradação neste sistema, para os PEGs 6000 e 400, em diferentes condições pHs e origem do AC. O PEG de maior peso molecular 6000 apresenta ambiente mais favorável à estabilidade do AC em toda faixa de valores de pHs. O antibiótico ácido clavulânico apresenta uma maior estabilidade em pH 5,4 para os dois PEGs apresentados independente da origem do acido clavulânico. O AC presente na fase de fundo apresenta uma maior instabilidade em relação ao AC presente na fase de topo. Finalmente a cinética de degradação do AC no SDFA segue uma cinética de pseudo-primeira ordem como proposto inicialmente na realização dos experimentos. 2 1 0 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 Tempo (h) Figura 7 – Hidrólise do AC na fase de fundo do SDFA-PEG 6000. Caldo de fermentação. BERSANETTI, P.A., ALMEIDA, R.M.R.G., BARBOZA, M., ARAÚJO, M.L.G.C., HOKKA, C.O., 2005. Kinetic studies on clavulanic acid degradation, Biochemical Engineering Journal, 23, 31 – 36. BORA, M.M., BORTHAKUR S., RAO, P.C., DUTTA N.N., 2005. Aqueous two-phase partitioning of cephalosporin antibiotics: effect of solute chemical nature. 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