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O Projeto de Lei de Acesso a Recursos Genéticos
(PL No 306/95):
A Genética Humana em Questão1
In: Emerick, M. C. & Carneiro F. (Orgs) Recursos Genéticos Humanos – Limites ao
Acesso , Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 1997.
A Convenção sobre Diversidade Biológica (1992), da qual o Brasil é signatário,
estabelece que aos Estados cabe regulamentar a questão do acesso a recursos genéticos
em legislações nacionais. Esta seria a raiz deste projeto de lei na 306/95:
A Convenção é um instrumento de regulamentação global da
utilização e conservação da biodiversidade na qual o acesso aos recursos
genéticos é um dos instrumentos mais importantes.
No Brasil, o debate em torno da "Lei de Propriedade Industrial" fez emergir
questões tais como a definição de microorganismos para efeitos de patenteamento; a
necessidade de salvaguardas para proteger os recursos genéticos localizados em áreas
indígenas e os direitos relativos ao conhecimento acumulado das chamadas
comunidades "locais" ou "tradiconais". O Projeto de Lei 306/95, da Senadora Marina
Silva, foi gestado a partir dessa experiência parlamentar e visa à elaboração de medidas
de proteção das informações e acesso aos recursos genéticos vegetais e animais,
excluindo os humanos.
O relator do projeto é o Senador Osmar Dias. As audiências públicas têm sido
uma das formas adotadas para recolher sugestões das diversas esferas sociais e de
estudiosos da questão.
O palestrante destacou como pontos principais do projeto: princípios gerais e
definição de autoridade competente para regular e fazer contratos de acesso; definição
dos contratos de acesso; proteção dos direitos sobre o conhecimento e transferência de
tecnologia; infrações e sanções.
A exclusão dos recursos genéticos humanos do âmbito do projeto foi motivo de
questionamentos, tendo sido a FIOCRUZ a primeira a apontar a questão da
oportunidade de inclusão de alguma proteção jurídica para evitar o acesso e o uso
irrestritos do genoma humano. Este poder de manipulação vem gerando sustos no
Direito.
Devemos prever; desde já, a indicação de um regime específico, em uma outra lei,
para recursos genéticos humanos? Por constituírem um campo de práticas muito
específicas, criticas e com muitos problemas éticos e morais, seria impr6prio serem
tratados numa lei geral de acesso aos recursos genéticos?
A partir dessas indagações, a equipe de relatoria percebeu o alargamento da
dimensão científica que o projeto alcança, e passou a enfrentar o desafio de redigir um
1
Relato da palestra de Francisco Eugênio Arcanjo. advogado. Consultor Legislativo do Senado Federal
em Direito Internacional e Propriedade Intectual. Compõe a equipe que elaborou o texto substitutivo do
PL No 306/95.
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recurso jurídico com a finalidade de prevenir práticas ilícitas do acesso e do .uso dos
recursos genéticos humanos e estabelecer limites ou indicativos no corpo do PL no
306/95.
Esclarece que, até o momento, o PL vem trabalhando com a hipótese de que os
recursos genéticos de vegetais e animais, no Brasil, “de uso real e potencial”: são
“bens públicos de uso especial, isto é uma classificação jurídica de um bem existente
em que incide o interesse público, mas que é passível também sua apropriação
privada”. Seria a tradução de uma nova visão do Estado Brasileiro sobre esses recursos
genéticos, vistos agora "com grande valor econômico, estratégico, político e cultural”.
Mas, alerta que deverá estar claro que "essa concepção não se aplica aos recursos
genéticos humanos (...) que são propriedade de cada indivíduo”. E assim, evidenciouse a questão ético-jurídica de fundo dessa discussão, exigindo fundamentos conceituais
e posições políticas.
A Resolução no 196/96 é lembrada:
Trata- se de recurso perfeito do ponto de vista técnico, uma norma
muito bem acabada, uma arquitetura jurídica multo boa, uma contribuição
importante do Conselho Nacional de Saúde na formulação sobre o
consentimento prévio informado; sobre o princípio do consentimento da
população para as pesquisas; sobre a proteção às comunidades
vulneráveis. Seria importante sua utilização em nossa lei de acesso, São
normas sobre pesquisa em seres humanos e a lei de acesso se dirige mais à
coleta de material genético, sangue para pesquisa ou para comércio. Essa
interface seria uma contribuição boa na discussão de hoje, para
conseguirmos avançar nesses conceitos da vulnerabilidade do
consentimento prévio da comunidade.
Com a intenção de salvaguardar os interesses individuais do acesso e do uso
indevido aos recursos genéticos apresentou para o debate a seguinte proposta de
redação2:
Esta lei não se aplica: aos recursos genéticos e quaisquer
componentes ou substâncias dos seres humanos; ficando proibida da
qualquer atividade de acesso com fins comerciais a esses recursos;
componentes ou substâncias; até que entre em vigor lei específica sobre
esta matéria.
Tal formulação para o texto do substitutivo. fez emergir outras questões também
trazidas pelo palestrante para o debate:
• Finalidades comerciais podem ser tratadas diferentemente de finalidades
científicas? A lei deve fazer distinção entre ambas?
• Recursos genéticos humanos devem ser objeto de restrições especiais para
finalidades de pesquisas científicas? A quem deverá ser autorizado o acesso?
A pessoas privadas, a instituições estrangeiras ou só a instituições nacionais
de pesquisa?
2
Em substituição ao artigo 4o do projeto original: “Esta lei não se aplica: ao todo, suas partes e
componentes genéticos humanos (...)”.
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•
Como fins científicos devem ser protegidos juridicamente?
Finalizou sua exposição mencionando que algumas legislações nacionais, como
a de Filipinas e Equador; fazem diferenciação quanto às finalidades do uso comercial e
de pesquisa científica. O Pacto Andino tem uma resolução reconhecendo o valor
jurídico e o grande potencial econômico que os recursos genéticos representam.
Esclarece que alguns debates e opiniões emergentes no Brasil apontam, entre nós, uma
outra concepção que parece ser a predominante: a de que não é possível fazer distinção
jurídica entre finalidades pois, qualquer pesquisa básica pode ser o início de um
processo que culminará no mercado.
Hoje há uma posição predominante no Governo, nas Organizações
Não-Governamentais (ONGs) e em muitos outros setores de que não deve
haver distinção, pois toda pesquisa hoje em dia, qualquer pesquisa básica,
qualquer pesquisa universitária, já tem esse germe da busca do lucro.
Entretanto, ainda não estamos convencidos disso, achamos que há um certo
tipo de pesquisa básica que mereceria uma proteção, que mereceria um
regime de acesso mais simplificado.
Como estou hoje aqui no meio de cientistas - discuti esse aspecto com
O Instituto Biológico de São Paulo e outros que são favoráveis a essa
distinção - gostaria de, hoje à tarde, discutir se uma lei de coleta de
material, se uma lei de acesso deve distinguir acesso com fins comerciais e
acesso com fins científicos.
Nota da Redatora
Este livro, estava em fase final de edição quando o texto do substitutivo do Pl
306/95, relatado pelo Senador Osmar Dias, foi apresentado na Comissão de Assuntos
Sociais do Senado Federal com o seguinte texto relativo a nossa questão:
Art. 8º Esta Lei não se aplica:
I - aos materiais genéticos e quaisquer componentes ou substâncias dos seres
humanos. ficando toda coleta ou uso desses recursos. componentes ou substâncias
dependente de aprovação do Poder Executivo. após o consentimento prévio
fundamentado do indivíduo. até que entre em vigor lei específica sobre esta matéria;
(...)
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