Fundamentos de Bioquímica: Polímeros Biológicos Brasília, 2011. Elaboração Ana Isabel de Camargo Thatyane Morimoto Nobre Julio Cesar Pissuti Damalio Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Todos os direitos reservados. W Educacional Editora e Cursos Ltda. Av. L2 Sul Quadra 603 Conjunto C CEP 70200-630 Brasília-DF Tel.: (61) 3218-8314 – Fax: (61) 3218-8320 www.ceteb.com.br [email protected] | [email protected] SUMÁRIO APRESENTAÇÃO...................................................................................................................................... 5 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA.................................................................................. 6 Introdução.......................................................................................................................................... 8 Unidade I INTRODUÇÃO À BIOQUÍMICA..................................................................................................................... 11 CapÍtulo 1 Ligações Químicas.................................................................................................................. 13 CapÍtulo 2 Água e Soluções Tamponantes................................................................................................ 20 Unidade II AMINOÁCIDOS PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS...................................................................................................... 23 CapÍtulo 3 Propriedade dos Aminoácidos................................................................................................ 25 CapÍtulo 4 Estereoisomeria ................................................................................................................... 29 CapÍtulo 5 Ligações Peptídicas................................................................................................................ 31 CapÍtulo 6 Proteínas: Estrutura e função............................................................................................... 33 Unidade III CARBOIDRATOS E GLICOBIOLOGIA ............................................................................................................. 37 CapÍtulo 7 Monossacarídeos, Dissacarídeos e Polissacarídeos................................................................ 39 Capítulo 8 Glicoconjugados................................................................................................................... 44 Unidade IV LIPÍDEOS E VITAMINAS ............................................................................................................................ 47 Capítulo 9 Lipídeos de Armazenamento................................................................................................... 49 Capítulo 10 Lipídeos Estruturais.............................................................................................................. 52 Capítulo 11 Colesterol e Vitaminas.......................................................................................................... 54 Unidade V DNA e RNA........................................................................................................................................... 59 Capítulo 12 Nucleotídeos e Ácidos NuclEicos............................................................................................ 61 Capítulo 13 Estrutura do DNA.................................................................................................................. 64 Capítulo 14 Estrutura do RNA.................................................................................................................. 67 PARA (NÃO) FINALIZAR.......................................................................................................................... 70 referências ...................................................................................................................................... 71 APRESENTAÇÃO Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Pensamentos inseridos no Caderno, para provocar a reflexão sobre a prática da disciplina. Para refletir Questões inseridas para estimulá-lo a pensar a respeito do assunto proposto. Registre sua visão sem se preocupar com o conteúdo do texto. O importante é verificar seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. É fundamental que você reflita sobre as questões propostas. Elas são o ponto de partida de nosso trabalho. Textos para leitura complementar Novos textos, trechos de textos referenciais, conceitos de dicionários, exemplos e sugestões, para lhe apresentar novas visões sobre o tema abordado no texto básico. Sintetizando e enriquecendo nossas informações abc 6 Espaço para você fazer uma síntese dos textos e enriquecê-los com sua contribuição pessoal. Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas Aprofundamento das discussões. Praticando Atividades sugeridas, no decorrer das leituras, com o objetivo pedagógico de fortalecer o processo de aprendizagem. Para (não) finalizar Texto, ao final do Caderno, com a intenção de instigá-lo a prosseguir com a reflexão. Referências Bibliografia consultada na elaboração do Caderno. 7 Introdução O Caderno de Estudos e Pesquisa “Fundamentos de bioquímica: polímeros biológicos” foi elaborado com o objetivo de proporcionar conhecimentos básicos e aplicados na área da bioquímica, assim como sua interação com outras áreas das ciências da saúde. A bioquímica nada mais é do que o uso dos conhecimentos químicos aplicados nos estudos biológicos. É uma área de junção de conhecimentos, que embasa todo o conhecimento prático e aplicado na área da saúde. Por milhares de anos, utilizamos microrganismos como leveduras e bactérias para a fabricação de produtos alimentícios importantes, como pão, vinho, queijo e iogurte. Em geral, os antibióticos provêm de microrganismos, assim como as vitaminas e as enzimas utilizadas em diversos processos. Enfim, sempre utilizamos a bioquímica em nossas vidas, mesmo sem saber ao certo como ela funcionava. É chegada a hora de observarmos mais de perto as macromoléculas responsáveis pela organização das atividades celulares. Vamos olhar mais de perto essas pequenas moléculas, sua estrutura, função e importância para os seres vivos e, dessa forma, aplicar o conhecimento aprendido em práticas cotidianas. Este caderno lhes fornecerá uma visão detalhada da estrutura de ácidos nucleicos, aminoácidos, proteínas, carboidratos e lipídeos, bem assim forma como essas moléculas agem, em conjunto, nos mais diversos processos celulares. Bons estudos! Objetivos »» Apresentar as principais moléculas responsáveis pela vida. »» Introduzir as estruturas moleculares dos ácidos nucleicos: DNA e RNA. »» Explicar as diferenças entre as moléculas de DNA e RNA. »» Apresentar os aminoácidos e as proteínas: classificação, estereoisomeria, ionização e ação tamponante. »» Compreender a determinação do ponto isoelétrico de aminoácidos, polipeptídeos e proteínas. 8 »» Apresentar a organização estrutural e conformacional das proteínas, assim como ensinar sobre as ligações peptídicas. »» Apresentar o complexo mundo dos carboidratos: classificação, estrutura cíclica e isomeria. »» Mostrar a diferença estrutural dos carboidratos, assim como a especificidade funcional de cada grupo. »» Transmitir conhecimento a respeito dos glicoconjugados: glicoproteínas e glicolipídeos. »» Introduzir os lipídeos: unidades fundamentais. »» Discutir sobre a função dos lipídeos nos organismos vivos estrutural e funcionalmente. »» Diferenciar os tipos de vitaminas. »» Compreender os tipos de hormônios e seus mecanismos de ação. »» Estudar as propriedades físicas e químicas das biomoléculas, seus níveis de organização e suas interações nos organismos, de modo a possibilitar a compreensão de suas funções fisiológicas em bases moleculares e energéticas. 9 Unidade INTRODUÇÃO À BIOQUÍMICA I CapÍtulo 1 Ligações químicas Os átomos presentes na natureza estão unidos por ligações químicas a outros átomos, e somente alguns elementos, como os gases nobres, existem como átomos individuais. As moléculas e compostos químicos são formados pela interação entre átomos e/ou íons, e sua estabilidade depende, justamente, da energia envolvida nas ligações químicas entre as espécies que formam a molécula. Existem diferentes tipos de ligações químicas envolvidas na formação de uma molécula. De uma maneira geral, as ligações covalentes ocorrem quando átomos compartilham elétrons, já as ligações iônicas ocorrem devido a atrações eletrostáticas, em que um átomo doa elétrons para outro. Por fim, as ligações metálicas são aquelas que ocorrem exclusivamente entre metais, os quais se agrupam de forma ordenada formando um retículo cristalino, definindo, assim, suas propriedades específicas, como condutividade e dureza. O fator que define a ligação envolvida em cada molécula formada depende da configuração eletrônica dos elementos envolvidos. Veremos agora com mais detalhes os principais tipos de ligações. Site com tabela periódica interativa para auxiliar na compreensão do conteúdo: <http://profmokeur.ca/quimicap/quimicap.htm>. Ligações covalentes A ligação covalente é comumente encontrada entre os não metais, entre um átomo de hidrogênio e um não metal e também entre dois átomos de hidrogênios. Esta ligação ocorre pelo compartilhamento de elétrons entre dois átomos, levando o sistema a um estado de menor energia, ou seja, de maior estabilidade. É um tipo de ligação que requer alta quantidade de energia para ser rompida. Ligação covalente molecular – a ligação covalente ocorre com o compartilhamento de um ou mais elétrons entre átomos. Cada um dos átomos envolvidos fornece um elétron para a formação de um par compartilhado, que irá pertencer a ambos os átomos. As ligações covalentes podem ser classificadas segundo o número de pares de elétrons compartilhados pelos elementos. A água (H2O) é um exemplo de composto molecular formado pela ligação de dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, podendo ser representado das seguintes formas (Figura 1). 13 UNIDADE I | INTRODUÇÃO à BIOQUÍMICA Fórmula de Lewis Fórmula estrutural Fórmula molecular H2O Figura 1. Exemplo de ligação covalente. Diferentes representações da molécula de água: fórmula de Lewis, fórmula estrutural e fórmula molecular. Modificado a partir de: <http://www.reocities.com/Area51/Hollow/9495/ligacoes.htm>. Retirado em: 12/6/2011. A água é resultado da união de dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, ambos gasosos à temperatura ambiente. Então, por que a água é líquida à temperatura ambiente, já que seus átomos formadores são gasosos? Ligação covalente dativa – é conhecida também como ligação covalente coordenada e é representada por um pequeno vetor. Nessa ligação, um átomo que já atingiu a estabilidade eletrônica (octeto completo) se une a outro que necessite de elétrons para completar sua camada de valência. Um exemplo dessa ligação é quando um átomo de enxofre (S) se liga a dois de átomos de oxigênio (O) para formar o dióxido de enxofre (SO2). Ligações de dissulfeto – são ligações covalentes que ocorrem por meio de grupos sulfidrila (–SH), presentes, por exemplo, nos resíduos do aminoácido cisteína, produzindo um resíduo de cistina. Duas cisteínas podem estar separadas por muitos aminoácidos em uma mesma estrutura primária de proteína ou mesmo estarem em duas cadeias polipeptídicas diferentes, como é o caso da proteína insulina, representada abaixo (Figura 2). O enovelamento das proteínas pode aproximar os resíduos de cisteína e favorecer a formação da ligação covalente. As ligações dissulfeto possuem um importante papel na estabilidade da estrutura tridimensional de proteínas e dificultam sua desnaturação. 14 INTRODUÇÃO À BIOQUÍMICA | UNIDADE I Figura 2. Polipeptídeo de insulina formado por duas cadeias de aminoácidos (Cadeia A e Cadeia B), unidas por duas pontes dissulfeto de cistina e uma ponte dissulfeto interna na Cadeia A. Modificado a partir de: <http://www.virtual. epm.br/material/tis/curr-bio/trab2000/insulina/covalente.htm>. Retirado em: 12/6/2011. Ligações não covalentes São interações fracas energeticamente, isto é, precisam de pouca energia para serem rompidas. No entanto, possuem papel fundamental na determinação da estrutura e função de biomoléculas, como proteínas, ácidos nucleicos, lipídeos e carboidratos. Ligações iônicas – ocorrem devido à atração de íons carregados positivamente (cátions) a íons carregado negativamente (ânions). Ao contrário das ligações covalentes, as ligações iônicas não possuem uma orientação geométrica fixa ou específica. A ligação iônica só ocorrerá quando a variação da energia total da reação for favorável, ou seja, quando os átomos ligados possuírem energia menor que os átomos no estado livre. Quanto maior a variação da energia total, mais forte será esta ligação. Observe o exemplo do NaCl (Figura 3): Figura 3. NaCl (sal). O sódio perde um elétron e passa a ser um cátion e o cloro ganha um elétron e passa a ser um ânion e, dessa forma, se atraindo. Modificado a partir de: <http://ntevaiaescolaestadualazevedofernandes.blogspot.com/2008/12/pesquisa-sobre-ligaes-qumicas-inica-e.html>. Retirado em: 12/7/2011. Ligações de hidrogênio – participam dessas ligações moléculas que possuem átomos de hidrogênio ligados a átomos bastante eletronegativos, como F, O ou N. Nessas moléculas, os átomos eletronegativos retiram a densidade eletrônica do hidrogênio, deixando seu núcleo positivo bastante exposto, formando uma ligação extremamente polar. Outras moléculas do mesmo composto ou de compostos diferentes, que também possuam átomos eletronegativos, especialmente com pares de elétrons não compartilhados, podem interagir com os hidrogênios da primeira molécula de forma “atrativa”. Esse tipo especial de ligação possui cerca de 80% de caráter eletrostático e 20% covalente e é bastante direcional, em que os três átomos participantes se dispõem quase que em linha reta. 15 UNIDADE I | INTRODUÇÃO à BIOQUÍMICA As ligações de hidrogênio ocorrem a pequenas distâncias e são facilmente formadas e quebradas. A maioria dessas ligações nas moléculas biológicas, como nas proteínas, apresenta uma força de ligação variando de 1 a 10 KJ/mol. Já as ligações de hidrogênio entre moléculas de água possuem valores de aproximadamente 5 kcal/mol. Este valor ainda é muito menor que uma ligação covalente OH, por exemplo, que é de aproximadamente 110 kcal/mol. Apesar de as ligações de hidrogênio serem ligações consideradas fracas, apresentam função essencial para a determinação das propriedades da água e auxiliam na estabilização de moléculas, como o DNA e proteínas. Além disso, considerando a soma das muitas ligações de hidrogênio que ocorrem em uma macromolécula, a energia global envolvida é considerável. Abaixo é apresentado o caso dos nucleotídeos (Figura 4). Figura 4. Ligações de hidrogênio entre bases nitrogenadas do DNA. Duas ligações entre adenina e timinas e três ligações de hidrogênio entre as guaninas e citosinas, auxiliando na estabilidade da dupla fita de DNA (ver mais à frente). Modificado a partir de: <http://casadoexercicio.blogspot.com/2011/02/1-uea. html>. Retirado em: 12/7/2011. Interações de Van der Waals – grupos ou moléculas polares são aquelas eletricamente neutras, mas que apresentam uma deslocalização da nuvem eletrônica em função da presença de elementos eletronegativos. Nesses casos, as moléculas não apresentam carga elétrica, contudo, possuem uma distribuição eletrônica diferente em determinadas regiões, o que é usualmente descrito como carga parcial. Pode ocorrer nas seguintes condições: Interação dipolo-dipolo: as moléculas de alguns materiais, embora eletricamente neutras, podem possuir um dipolo elétrico permanente. Esse fato ocorre por uma distorção na distribuição da carga elétrica, que gera uma molécula com um polo ligeiramente mais “positivo” e outro ligeiramente mais “negativo”. Com isso, ocorre a tendência de essas moléculas alinharem-se e interagirem umas com as outras, por atração eletrostática entre os dipolos opostos. A molécula polar induz um dipolo elétrico na outra apolar, que é mantido somente enquanto as moléculas permanecem próximas, gerando, assim, atrações como o dipolo-dipolo (Figura 5). 16 INTRODUÇÃO À BIOQUÍMICA | UNIDADE I Figura 5. Representação de interação dipolo-dipolo na molécula de HCl. Forças de atração eletrostática entre as moléculas com dipolo permanente. As moléculas se atraem mutuamente devido aos polos de carga positiva e negativa e tendem a alinhar-se. Modificado a partir de: <http://aquimicadaresenha. blogspot.com/2008/11/fora-dipolo-dipolo.html>. Retirado em: 12/7/2011. Interação dipolo induzido: ocorre mesmo que a molécula seja apolar, devido ao movimento de seus elétrons. Em um dado momento, a molécula vai estar com mais elétrons em uma região do que em outra. Nesse caso, a molécula estará momentaneamente polarizada e, devido a este fenômeno, poderá promover a polarização de uma molécula próxima, dando origem a uma fraca atração entre elas (Forças de London) (Figura 6). Essa interação é cerca de dez vezes mais fraca que as ligações dipolo-dipolo. SEPARAÇÃO DE CARGAS – + – + – + – + – + – + – + – + FLUTUAÇÃO DA DIPOLO SEGUNDA MÓLECULA – + – + – + – + SEPARAÇÃO DE CARGAS INDUZIDA PELA PRIMEIRA MOLÉCULA INTERAÇÃO DE VAN DER WAALS Figura 6. Representação de ligação dipolo-induzido mostrando a flutuação das cargas. Modificado a partir de: <http://www.st-andrews.ac.uk/~ulf/levitation. html >. Retirado em: 12/7/2011. Sugestão de leitura: AUTUMN, Kellar et al. Adhesive force of a single gecko foothair. NATURE, v. 405, 8 June, 2000, p. 681-685. 17 UNIDADE I | INTRODUÇÃO à BIOQUÍMICA Interações hidrofóbicas – moléculas apolares ou regiões apolares tendem a se agregar em água. As moléculas de água não são capazes de fazer ligações de hidrogênio com substâncias apolares e, então formam estruturas rígidas com formas pentagonais e hexagonais ao redor destas moléculas. Esse estado não é favorável, pois diminui os graus de liberdade da molécula de água e, consequentemente, diminui a entropia do sistema (entropia é uma medida de organização do sistema). Se moléculas apolares, em meio aquoso, agregam com suas regiões hidrofóbicas voltadas umas para as outras, ocorre uma redução da área hidrofóbica exposta para o meio aquoso. Como consequência, menos moléculas de água são necessárias para formar as estruturas ao redor das moléculas apolares, e a entropia do sistema aumenta. Nesse sentido, a água provoca a formação de agregados ao invés de construir uma força atrativa, como as ligações de hidrogênio. Em meio aquoso, moléculas apolares ou regiões apolares tendem a se agrupar pelo efeito hidrofóbico, minimizando seu contato direto com moléculas de água (Figura 7). Figura 7. Representação do efeito hidrofóbico mostrando os estados agregado e não agregado. Modificado a partir de: Molecular Cell Biology, Lodish et al. (2003). Aprenda um pouco mais sobre entropia. Visite o site: <http://www. portalsaofrancisco.com.br/alfa/dilatacao/entropia.php>. Para ilustrar a importância de todas as ligações vistas neste capítulo, observe a Figura 8 a seguir, em que duas proteínas formam um complexo, justamente devido a suas interações moleculares. 18 INTRODUÇÃO À BIOQUÍMICA | UNIDADE I Figura 8. Exemplo de ligações químicas entre duas moléculas proteicas. Modificado a partir de: Molecular Cell Biology, Lodish et al. (2003). 19 CapÍtulo 2 Água e soluções tamponantes Como vimos, a água é uma molécula assimétrica, formada por um átomo de oxigênio e dois átomos de hidrogênio, ligados covalentemente. O oxigênio possui maior afinidade pelos elétrons da ligação entre oxigênio e hidrogênio, então os elétrons não estão distribuídos igualmente. Essa diferença de eletronegatividade dos átomos proporciona uma carga parcial negativa no oxigênio e cargas parciais positivas nos hidrogênios. Os íons H+ e OH- são fundamentais nas reações bioquímicas que envolve água. A água pura deve conter quantidades equimolares de H+ e OH–. Sabendo que a constante de ionização da molécula de água (Kw) é 10-14 M2 a 25°C, uma solução com [H+] = 10-7 M é considerada neutra, enquanto uma solução com [H+] maior que 10-7 M é considerada ácida. Da mesma forma, uma solução com [H+] menor 10-7 M é considerada básica. A concentração de H+ e OH- em uma dada solução é que determinará o valor de pH correspondente. Quanto mais alto o pH, menor a concentração de H+ e quanto menor o pH, maior a concentração de H+ na solução. Observe a relação na Figura 9: Figura 9. Representação da relação entre o valor de pH e a concentração de íons H+ e OH- na água. Modificado a partir de: <http://www.buying-cannabisseeds.com/ph-cannabis.html>. Retirado em: 14/7/2011. 20 INTRODUÇÃO À BIOQUÍMICA | UNIDADE I Na tabela a baixo você encontrará alguns valores de pH para substâncias conhecidas. SUBSTÂNCIA pH Água sanitária 13 Amoníaco 12 Bicarbonato de sódio 8,5 Água do mar 8 Sangue 7,4 Leite 7 Saliva 6,6 Refrigerante 4 Vinho 3,5 Vinagre 3 Suco gástrico 1,5 Tabela 1. Valores de pH de substâncias comuns. Modificado a partir de: <http://jonas-dantas.blogspot.com/2010_05_01_archive.html>. Retirado em: 22/7/2011. Soluções tampões são aquelas capazes de manter o pH constante, independentemente da adição de pequenas quantidades de ácidos ou de bases. Os fluidos biológicos de maneira geral são altamente tamponantes, pois qualquer variação de pH nessas substâncias poderia comprometer o funcionamento do organismo. De acordo com Johannes Brönsted e Thomas Lowry, um ácido é uma substância capaz de doar prótons, enquanto uma base é a substância capaz de aceitar prótons. A partir dessa definição estabelece-se a seguinte relação: HA + H2O ↔ H3O+ + A– Onde, a partir da reação de um ácido (HA) com uma base (H2O), forma-se uma base conjugada do ácido (A-) e um ácido conjugado da base (H3O+). Conhecendo as concentrações de todas as moléculas, podemos, então, calcular uma constante de equilíbrio (K) para uma reação ácido-base: K= [H3O+] [A-] [HA] [H2O] Onde os reagentes estão no denominador e os produtos, no numerador. Convenientemente, as constantes de dissociação dos ácidos são transformadas em valores de pKa por meio da fórmula: pKa = – log K 21 UNIDADE I | INTRODUÇÃO à BIOQUÍMICA A relação entre pH e grau de dissociação de um ácido fraco não é direta como nos ácidos fortes. No entanto, ela pode ser analisada por meio da equação de Henderson-Hasselbach. Considere a reação de dissociação de um ácido fraco em solução aquosa: HA(aq) ↔ H+(aq) + A– (aq) pH = pKa + log [A–] [HA] A equação de Henderson-Hasselbach mostra que o pH de uma solução, contendo significativa quantidade de um ácido fraco, dependerá da proporção das formas dissociadas. Se H+ ou OH- forem adicionados na solução, a razão [base]/[ácido] será alterada com o consumo de [H+] ou [OH-], sem variar o pH da solução ou sua constante de dissociação. Uma solução tampão é então utilizada para manter o valor de pH desejado, o qual se encontra uma unidade acima ou abaixo do valor de pKa, pois é nesta faixa que o efeito tamponante ocorre. Observe o exemplo abaixo (Figura 10): Figura 10. Curva de titulação do ácido fosfórico (H3PO4). Essa substância possui três valores de pKa diferentes; as áreas mais escuras representam as três faixas com efeito tamponante. Modificado a partir de: Molecular Cell Biology, Lodish et al. (2003). Sabendo destas informações »» pH sangue arterial = 7,4 / pH sangue venoso = 7,3 »» Acidose quando pH < 7,3 / Alcalose quando pH > 7,4 »» pH < 6,9 ou > 7,7 = MORTE Como o sistema tamponante do sangue age em nosso organismo? 22 Unidade AMINOÁCIDOS PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS II CapÍtulo 3 Propriedade dos aminoácidos Os aminoácidos, além de servirem como sistema tampão no controle do pH das células, são unidades fundamentais das biomoléculas mais abundantes nos seres vivos: as proteínas. Estas, por sua vez, são polímeros que exercem funções fundamentais em todos os processos biológicos de um organismo. As proteínas são constituídas por unidades monoméricas, os aminoácidos, que podem ser de 20 diferentes tipos, unidos entre si por ligações peptídicas e reunidos em combinações praticamente infinitas, possibilitando, assim, a formação de estruturas variadas. Um aminoácido é composto por um grupo amino primário (-NH2) e um grupo carboxílico (-COOH). A prolina é a única exceção, apresentando um grupo imino (-NH-) no lugar do amino. Estes grupos estão ligados ao carbono α (ou carbono quiral, já que está ligado a quatro grupamentos químicos diferentes) juntamente com um grupo variável conhecido como cadeia lateral ou grupo R. A cadeia lateral (R) é que irá determinar as propriedades de cada aminoácido, diferenciando-os entre si (Figura 11). Ligado ao carbono α ainda encontramos um átomo de hidrogênio. Figura 11. Estrutura geral de um aminoácido. O grupo amino à esquerda, o carboxílico à direita e o radical R. Modificado a partir de: <http:// mapasconceituais.webnode.com/estrutura/o%20que%20s%C3%A3o%20proteinas->. Retirado em: 14/7/2011. A classificação dos aminoácidos é feita a partir das características de sua cadeia lateral. Eles podem ser divididos de acordo com sua polaridade (Figura 12). 25 UNIDADE II | AMINOÁCIDOS PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS Figura 12. Estrutura e classificação dos aminoácidos de acordo com a polaridade. Modificado a partir de: <http://baraodemel.blogspot.com/2010/05/ proteinas-e-aminoacidos.html>. Retirado em: 16/7/2011. Apolares – são hidrofóbicos que possuem cadeia lateral formada por carbono e hidrogênio e não interagem com a água. Polares não carregados – são hidrofílicos que possuem cadeia lateral contendo hidroxilas, sulfidrilas e grupamentos amida. Polares carregados positivamente – são aminoácidos básicos, carregados positivamente, diamino e monocarboxílicos. Polares ccarregados negativamente – são aminoácidos ácidos, carregados negativamente, monoamino e dicarboxílicos. Os aminoácidos podem agir como ácidos ou bases, pois possuem pelo menos dois grupos ionizáveis, podendo existir na forma protonada (-COOH, -NH3+) ou desprotonada (-COO-, NH2), dependendo do pH da solução em que se encontram. Enquanto o grupo carboxila ioniza-se em solução liberando um próton e adquirindo, assim, carga negativa, o grupo amina ioniza-se aceitando um próton e adquire carga positiva. Em meio ácido, os aminoácidos tendem a aceitar prótons, comportando-se como base e adquirindo carga positiva. Já em meio básico, tendem a doar prótons, comportando-se como ácidos e 26 AMINOÁCIDOS PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS | UNIDADE II adquirindo carga negativa (Figura 13). Moléculas que possuem grupos com polaridade oposta, como os aminoácidos, são chamados de zwitterions. Um aminoácido zwitteriônico apresenta o grupo amino protonado e o grupo carboxílico desprotonado, em pH fisiológico. O valor de pH em que as cargas elétricas do aminoácido se igualam e se anulam chama-se ponto isoelétrico (pI). O valor de pI pode ser calculado com a seguinte relação: pI = ½ (pK1 + pK2) Onde pK1 e pK2 são as constantes de dissociação dos dois grupos ionizáveis. Curva de titulação alanina Figura 13. Curva de titulação do aminoácido alanina mostrando as duas regiões tamponantes e o valor de pI. Retirado de: Bioquímica Básica, Valter T. Motta. (2009). Os valores de pK e pI calculados para diversos aminoácidos podem ser encontrados na tabela abaixo. Observe que alguns aminoácidos possuem um terceiro valor de pK, isso ocorre devido à natureza de seu grupo R (Tabela 2). 27 UNIDADE II | AMINOÁCIDOS PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS AMINOÁCIDO pK1 pK2 pKr a–COOK a–NH3 (R) pl Alanina 2.34 9.69 – 6.02 Arginina 2.17 9.04 12.48 (guanidino) 10.76 Ácido aspártico 2.09 9.82 3.86 (carboxil) 2.97 Asparagina 2.02 8.80 – 5.41 Ácido glutâmico 2.19 9.67 4.25 (carboxil) 3.22 Glutamina 2.17 9.17 – 5.65 Cisteina 1.96 10.28 8.18 (sulfidril) 5.07 Cistina 1.65; 2.26 7.85; 9.85 – 5.06 Fenilalanina 1.83 9.13 – 5.48 Glicina 2.34 9.60 – 5.97 Histidina 1.82 9.17 6.0 (imidazol) 7.59 Hidroxilisina 2.13 8.62 9.67 (e-amino) 9.15 Hidroxiprolina 1.92 9.73 – 5.83 Isoleucina 2.36 9.68 – 6.02 Leucina 2.36 9.60 – 5.98 Lisina 2.18 8.95 10.53 (e-amino) 9.74 Metionina 2.28 9.21 – 5.75 Prolina 1.99 10.60 – 6.30 Serina 2.21 9.15 – 5.68 Tirosina 2.20 9.11 10.07 (fenol) 5.66 Treonina 2.63 10.43 – 6.53 Triptofano 2.38 9.39 – 5.66 Valina 2.32 9.62 – 5.97 Tabela 2. Valores de pK e pI calculados para os aminoácidos. Retirado de: Bioquímica Básica, Valter T. Motta. (2009). Pesquise sobre os aminoácidos incomuns em proteínas e sobre os aminoácidos biologicamente ativos. 28 CapÍtulo 4 Estereoisomeria Todos os aminoácidos, com exceção da glicina, são opticamente ativos, pois o átomo de carbono α é um centro quiral, também chamado de centro assimétrico. Os aminoácidos com átomos quirais podem existir como estereoisômeros, ou seja, podem existir em duas disposições espaciais distintas, sendo imagens especulares que não podem se sobrepor. Essas duas disposições são chamadas de enantiômeros designados isômeros L ou D (Figura 14). Os prefixos L e D correspondem à configuração absoluta dos constituintes em torno do carbono quiral. Historicamente, a nomenclatura foi proposta por Emil Fisher (1891), que denominou todos os compostos com configurações semelhantes à do L-gliceraldeído de L e todos os compostos com configurações semelhantes à do D-gliceraldeído de D. Figura 14. Enantiômeros de alanina nas formas L e D. Modificado a partir de: <http://veronicabcdc.blogspot.com/2010/09/aminoacidos-molecula-contieneun-grupo.html>. Retirado em: 14/7/2011. Os aminoácidos também podem ser classificados pelo Sistema RS. Esse sistema observa a distribuição dos grupos funcionais ao redor do carbono quiral. Os quatro grupos ligados ao carbono α são numerados de acordo com um esquema de prioridade, em que os átomos com maiores números atômicos têm prioridade sobre os de menor número atômico (R, se a distribuição é no sentido horário, e S, se for no sentido anti-horário) (Figura 15). Figura 15. Classificação dos aminoácidos de acordo com o Sistema RS. Modificado a partir de: <http://pt.scribd.com/doc/53682795/6/Para-configuracaoabsoluta>. Retirado em: 14/7/2011. 29 UNIDADE II | AMINOÁCIDOS PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS As proteínas são sempre compostas por aminoácidos na forma de L-aminoácido, ou seja, possuem sempre a mesma configuração relativa ao redor dos átomos de seus centros quirais. A estereoespecificidade das reações catalisadas por enzimas explica o fato de só existir uma forma de isômero para os aminoácidos que compõem as proteínas, uma vez que os sítios ativos das enzimas que os formam são também assimétricos. Sugestão de leitura: Moléculas quirais: as novidades da indústria farmacêutica que estão deixando os genéricos obsoletos! Disponível em: <http://www.qmc.ufsc.br/ qmcweb/artigos/drogas_quirais.html>. 30 AMINOÁCIDOS PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS | UNIDADE II CapÍtulo 5 Ligações peptídicas Como já sabemos, as proteínas são formadas por aminoácidos, mas como estas moléculas se ligam para formar longas cadeias polipeptídicas? A ligação envolvida neste processo é uma ligação do tipo covalente, conhecida como ligação peptídica. Esse processo ocorre devido à ligação do grupo carboxila de um aminoácido com o grupo amino de outro aminoácido, liberando uma molécula de água (Figura 16). Figura 16. Representação de uma ligação peptídica entre dois aminoácidos formando um dipeptídeo. Modificado a partir de: <http://www.explicatorium.com/ quimica/Proteinas.php> Retirado em: 14/7/2011. A união de dois aminoácidos forma um dipeptídeo, assim como a ligação de 3, 4 ou 5 aminoácidos forma tri, tetra e pentapeptídeos, respectivamente. Cadeias constituídas de poucos resíduos de aminoácidos são chamadas de oligopeptídeos e cadeias maiores, com um número grande de resíduos, de polipeptídeos. As cadeias de aminoácidos sempre apresentam uma extremidade aminoterminal (N-terminal) e outra caboxiterminal (C-terminal), como pode ser observado no pentapeptídeo a seguir (Figura 17). 31 UNIDADE II | AMINOÁCIDOS PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS Figura 17. Representação do pentapeptídeo serilgliciltirosilalanileucina, composto por resíduos de Ser-Gly-Tyr-Ala-Leu. As ligações peptídicas aparecem sombreadas. Modificado a partir de: Princípios de Bioquímica, Lehninger et al. (1995). As cadeias polipeptídicas são compostas por diversos arranjos e combinações de aminoácidos, que podem ter tamanhos altamente variados, no entanto, seu peso molecular não está intimamente ligado com sua atividade. As proteínas podem ser compostas de algumas dezenas de aminoácidos até milhares deles. Também podem ter uma única cadeia polipeptídica ou mais de uma cadeia ligada entre si (multissubunitária). Alguns exemplos podem ser observados na tabela abaixo (Tabela 3). PROTEÍNA PESO MOLECULAR (D) NúMERO DE RESÍDUOS NúMERO DE CADEIAS POLIPEPTÍDICAS Citocromo c 13.000 104 1 Lisozima 13.930 129 1 Mioglobina 16.890 153 1 Interferon 34.200 288 2 Hemoglobina 64.500 574 4 Soroalbumina 68.500 609 1 RNA polimerase 450.00 4.158 5 Tabela 3. Exemplos de composição de algumas proteínas. Retirado de: Princípios de Bioquímica, Lehninger et al. (1995). 32 AMINOÁCIDOS PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS | UNIDADE II CapÍtulo 6 Proteínas: estrutura e função No capítulo anterior, pudemos entender um pouco sobre a estrutura dos aminoácidos, as ligações peptídicas realizadas e, consequentemente, a formação de polipeptídeos, como as proteínas. Moléculas de proteínas são responsáveis por todas as funções celulares e bioquímicas de um organismo e, por isso, formam uma complexa área de estudo, envolvendo suas estruturas e funções. Sendo uma proteína formada por dezenas ou milhares de resíduos de aminoácidos, podemos calcular o número aproximado desses resíduos dividindo o peso molecular da proteína por 110. Sabemos que o peso molecular médio dos 20 aminoácidos que podem compor as proteínas é, aproximadamente, 138. No entanto, existem certos aminoácido que aparecem com mais frequência e outros que são mais raros na estrutura das proteínas, e, levando isso em consideração, a média fica em torno de 128. Como uma molécula de água (peso molecular 18) é liberada na reação de ligação peptídica, subtraímos o valor desta do peso médio de aminoácidos: 128-18 = 110. Para entendermos a estrutura de uma proteína, podemos dividi-la em quatro estruturas ou níveis (Figura 18). Figura 18. Representação dos quatro níveis que compõem a estrutura de uma proteína. Modificado a partir de:<http://naturaxiz.wordpress.com/bio2ba/ composicion-da-materia-viva/compostosorganicos/proteinas/estrutura-das-proteinas/>. Retirado em: 14/7/2011. 33 UNIDADE II | AMINOÁCIDOS PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS Estrutura primária – são as sequências de aminoácidos que compõem as cadeias polipeptídicas. As ligações peptídicas entre estes aminoácidos da sequência primária são ligações covalentes e levam a restrições conformacionais. A ligação peptídica tem um caráter de dupla ligação e não pode ser rotacionada. Os quatro átomos dos grupamentos ficam dispostos em um plano rígido, como mostrado no esquema abaixo (Figura 19). Entretanto, existem algumas regiões de dobramento entre as ligações, devido à possível rotação em torno das ligações com o carbono α (Cα-C e Cα-N). Estas ligações podem sofrer rotações em ângulos chamados de ângulos torsionais: Φ (para Cα-C) e Ψ (para Cα-N). Ambos os ângulos estão em 0° quando as duas ligações peptídicas vizinhas ao carbono α estão no mesmo plano. Entretanto, em estruturas de proteínas, o ângulo 0° nunca vai ocorrer, devido a impedimentos estéricos. Uma cadeia polipeptídica é formada, então, Cadeia polipeptídica por unidades planares unidas entre si por porções articuláveis. Figura 19. Esquema que mostra uma cadeia polipeptídica com seus planos rígidos conectados por regiões articuláveis em ângulos Φ (fi) e Ψ (psi). Modificado a partir de: <http://www.eead.csic.es/compbio/material/algoritmos3D/node27.html>. Note que os grupos peptídicos estão na conformação trans, em que os átomos de Cα sucessivos estão em lados opostos da ligação peptídica que os une. Devido a menor estabilidade espacial, existem poucas exceções de proteínas que adotam a conformação cis. Estrutura secundária – são as estruturas bidimensionais formadas pelos resíduos de aminoácidos. Estes é que vão determinar o padrão de dobramento da molécula, como, por exemplo, as hélices e folhas-β (Figura 20). Figura 20. Representações de elementos de estrutura secundária: α-hélice e folha-β. Modificado a partir de: <http://www.bionova.org.es/biogal/tema08. htm>. Retirado em: 18/7/2011. 34 AMINOÁCIDOS PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS | UNIDADE II As α-hélices e folhas-β são elementos de estrutura secundária de proteínas, assim como as voltas e estruturas desordenadas. O que determina sua formação são as sequências de resíduos com valores repetidos dos ângulos Φ e Ψ. Por exemplo: os resíduos de aminoácidos em uma α-hélice de mão esquerda apresentam conformações com Ψ= -45° e Φ= -60°. O gráfico de Ramachandran é muito utilizado para termos informações sobre estrutura secundária. Esse gráfico apresenta dois eixos, cada um com valores diferentes dos ângulos Ψ e Φ. Por meio desta representação, podemos estabelecer as combinações mais estáveis de pares de ângulos Ψ e Φ, entre todas as teoricamente possíveis. Observe a figura abaixo (Figura 21): Figura 21. Gráfico de Ramachandran. No diagrama acima, as áreas brancas representam as regiões ou valores angulares em que ocorrem impedimentos estéricos e não são permitidas aos aminoácidos, com exceção da glicina. As regiões mais escuras correspondem aos valores em que não ocorrem impedimentos estéricos e são característicos de α-hélices e folhas-β. As regiões pontilhadas representam valores menos prováveis de ocorrerem, como as hélices de mão esquerda. Modificado a partir de: <http://swissmodel.expasy.org/course/text/chapter1.htm>. Retirado em: 15/7/2011. Estrutura terciária – é o dobramento tridimensional da cadeia polipeptídica, ou seja, a posição de cada átomo na proteína. É o correto enovelamento da estrutura terciária que vai garantir o funcionamento da molécula. A maioria das estruturas tridimensionais de proteínas já obtidas (Figura 22) está depositada no banco de dados Protein Data Bank (PDB), disponível na Internet <http://www.pdb.org/pdb/home/ home.do>. Figura 22. Estruturas tridimensionais de algumas proteínas. Da esquerda para direita: proteína patatina, proteína centrina ligante de cálcio e proteína Hfq ligante de RNA. Modificado a partir de:<http://www.pdb.org/pdb/home/home.do >.Retirado em: 14/7/2011. 35 UNIDADE II | AMINOÁCIDOS PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS Estrutura quaternária – é o arranjo tridimensional de mais de uma subunidade de uma proteína com mais cadeias polipeptídicas idênticas ou não. Algumas proteínas possuem subunidades unidas de modo não covalente. Estas são chamadas de protômeros, quando formadas por subunidades idênticas, e oligômeros, quando são diferentes. Um exemplo é a hemoglobina, que possui 4 subunidades unidas (Figura 23). Hemoglobina Figura 23. Estrutura quaternária da molécula de hemoglobina. Modificado a partir de: <http://www.bioterapi.ro/aprofundat/index_aprofundat_index_ enciclopedic_substanteHemoglobina.html >.Retirado em: 15/7/2011. De acordo com as definições de proteína fibrosa e proteína globular, existentes na literatura, como você classificaria a molécula de hemoglobina? Justifique a resposta. As proteínas não são moléculas estáticas, como visto nas estruturas tridimensionais cristalizadas. São moléculas dinâmicas, que muitas vezes dependem dessa característica para interagir com outras e desempenhar suas funções no organismo. As mudanças conformacionais sofridas por proteínas, muitas vezes, são sutis e referem-se a vibrações moleculares ou a pequenos movimentos dos resíduos de aminoácidos que as compõem. No entanto, existem classes de proteínas que sofrem drásticas mudanças em sua conformação, podendo deslocar-se até alguns nanômetros. É o caso das proteínas ligantes de cálcio que agem como sinalizadoras do íon dentro da célula. Conforme estudamos, cada proteína possui uma estrutura tridimensional específica, que é determinada por estruturas primárias, secundárias, terciárias e, algumas vezes, quaternárias. Seu enovelamento certo é que vai refletir sua correta função e atividade biológica na célula. Características da composição vão determinar a especificidade e função das proteínas, podendo esta função ser estrutural, de transporte, regulatória, sinalizadora ou motora. As interações hidrofóbicas, iônicas, ligações de hidrogênio e todas as interações fracas já estudadas são essenciais para manter a estrutura das proteínas e sua estabilidade. Ao final deste capítulo, pudemos adquirir uma noção geral da importância, do papel e da complexidade das proteínas. 36 Unidade CARBOIDRATOS E GLICOBIOLOGIA III CapÍtulo 7 Monossacarídeos, dissacarídeos e polissacarídeos Os carboidratos, também conhecidos como sacarídeos, são compostos principalmente por três elementos: carbono, hidrogênio e oxigênio. São combinados de acordo com a fórmula (CH2O)n e representam as moléculas mais abundantes na face da Terra. São fundamentais como fonte e reserva de energia, moléculas estruturais e matéria-prima para biossíntese de biomoléculas. A D-glucose, por exemplo, é o principal combustível dos organismos e o monômero primário dos polissacarídeos mais abundantes na natureza, o amido e a celulose. Os carboidratos são divididos em três classes, em função do seu tamanho. O tipo mais simples são os monossacarídeos (aldoses e cetoses), que são os açúcares simples. Os dissacarídeos são aqueles formados por duas unidades de monossacarídeos e os polissacarídeos são aqueles formados por mais de 20 unidades de monossacarídeos. Monossacarídeos – são unidades básicas de carboidrato com cadeia carbônica linear, que possuem, no mínimo, três carbonos. Todos os átomos de carbonos estão ligados por ligações covalentes simples. Estas unidades possuem um grupo carbonila e outro hidroxila. O grupo carbonila é formado pela união de um dos carbonos com um átomo de oxigênio, por meio de uma dupla ligação, e o grupo hidroxila está presente no restante dos átomos de carbono. O monossacarídeo é considerado uma aldose quando o grupo carbonila está localizado na extremidade da cadeia carbônica e uma cetose se o mesmo grupo não estiver nas extremidades, vejo o exemplo (Figura 24): Figura 24. Representação de duas pentoses, uma aldose (aldopentose) e uma cetose (cetopentose). As caixas cinzas indicam o grupo carbonila em cada um dos monossacarídeos. Modificado a partir de: <http://www2.ufp.pt/~pedros/bq/carb.htm>. Retirado em: 22/7/2011. 39 UNIDADE III | CARBOIDRATOS E GLICOBIOLOGIA Os menores monossacarídeos, com três átomos de carbono, são chamados de trioses, aqueles com 4, 5, 6 ou mais carbonos são chamados de tetroses, pentoses, hexoses e assim por diante. Com exceção da diidroxiacetona, todos os monossacarídeos possuem átomos de carbono quirais (assimétricos) e por isso possuem formas isoméricas opticamente ativas. O gliceraldeído, por exemplo, apresenta dois enântiomeros: D-gliceraldeído e L-gliceraldeído. A denominção D ou L para carboidratos é feita de acordo com a convenção de Fisher, e quando o grupo hidroxila no carbono de referência está ao lado direito na fórmula de projeção, o monossacarídeo é um D-açúcar, quando ele está ao lado esquerdo, é um L-açúcar (Figura 25). Figura 25. Fórmula de Projeção de Fisher para D-gliceraldeído e L-gliceraldeído. Os esterioisômeros são imagens especulares um do outro. Os açúcares na forma L são biologicamente menos frequentes que os D-açúcares e, por isso, o prefixo D muitas vezes é omitido. Modificado a partir de: <http:// blogbiologiaandrea.blogspot.com/2010_11_01_archive.html>. Retirado em: 22/7/2011. Podemos calcular os números de isômeros que um monossacarídeo pode apresentar levando em consideração o número de carbonos quirais deste. Uma molécula com “n” centros quirais vai ter 2n estereoisômeros. Em soluções aquosas, os monossacarídeos que apresentam mais de quatro carbonos formam estruturas cíclicas. Com a reação do grupo carbonila com o oxigênio de um grupo hidroxila, forma-se uma ligação covalente e um anel é formado. A glicose é um exemplo (Figura 26). Figura 26. Representação da molécula de glicose nas formas linear e cíclica. Na forma cíclica, um anel é formado (piranose). Modificado a partir de: <http:// www2.ufp.pt/~pedros/bq/carb.htm>. Retirado em: 22/7/2011. 40 CARBOIDRATOS E GLICOBIOLOGIA | UNIDADE III A formação dos anéis é, na verdade, o resultado de uma reação geral, que ocorre entre alcoois e os grupos carbonila de aldeídos e cetonas. O resultado é a formação de hemiacetais ou hemicetais, apresentando um carbono assimétrico a mais, podendo assim apresentar-se em duas formas esteroisoméricas (Figura 27). Figura 27. Formação de hemiacetais e hemicetais. Reação de um aldeído (à esquerda) e de uma acetona (à direita) com um álcool, produzindo um hemiacetal e hemicetal, respectivamente. Modificado a partir de: <http://www2.ufp.pt/~pedros/bq/carb.htm>. Retirado em: 22/7/2011. Quando o monossacarídeo torna-se cíclico, o carbono da carbonila torna-se um centro quiral. O par de isômeros que apresenta configuração distinta no carbono anomérico é chamado de anômero. No caso da glicose, as duas formas resultantes são α−D−glicose e β−D–glicose. No anômero α, o grupo OH ligado ao carbono anomérico está abaixo do plano do anel e no anômero β está projetado acima do plano do anel. As formas α e β são anômeras (Figura 28). Figura 28. D-glicose com formação de duas estruturas cíclicas de glicopiranose. Anômeros α e β se distinguem apenas na posição da hidroxila do C1. As formas glicopiranosídicas são mostradas como projeção de Haworth, em que as ligações mais escuras do anel são projetadas à frente do plano e as ligações mais claras são projetadas para trás. Modificado a partir de: <http://getyournotes.blogspot.com/2011/01/glucose.html>. Retirado em: 22/7/2011. Dissacarídeos e polissacarídeos – quando dois ou mais monossacarídeos são unidos covalentemente por uma ligação O-glicosídica, uma grande variedade de moléculas pode ser formada. A ligação O-glicosídica ocorre quando um grupo hidroxila, de uma molécula de monossacarídeo, reage com o carbono de outra molécula de açúcar (Figura 29). 41 UNIDADE III | CARBOIDRATOS E GLICOBIOLOGIA Figura 29. Ligação O-glicosídica na formação de maltose. Duas moléculas de glicose são precursoras do produto eliminando uma molécula de água. Modificado a partir de: <http://diariodefarmacia2010.blogspot.com/2011/06/carboidratos.html>. Retirado em: 25/7/2011. Os dissacarídeos e polissacarídeos possuem um carbono anomérico livre em uma de suas extremidades, denominada extremidade redutora. Os dissacarídeos podem ser hidrolisados por ácidos, liberando monossacarídeos livres, no entanto, são resistentes às bases. As ligações entre açúcares também podem ser N-glicosídicas, em que o átomo de carbono do monossacarídeo une-se ao átomo de nitrogênio em uma glicoproteína. Os polissacarídeos, também conhecidos como glicanos, podem ser divididos em dois grupos, os heteropolissacarídeos e os homopolissacarídeos. Essa classificação vai depender de os compostos serem formados por um ou vários monossacarídeos diferentes. Podem também possuir cadeias ramificadas ou lineares. Os homopolissacarídeos representam as formas de armazenamento de monossacarídeos, servindo de reserva energética. Esse é o caso do amido e do glicogênio. Também podem ser elementos estruturais, como a celulose, presente nas paredes celulares de células vegetais, ou a quitina, componente do exoesqueleto de artrópodes. Os heteropolissacarídeos representam os peptidoglicanos e glicosaminoglicanos, componentes das paredes celulares bacterianas e matriz extracelular, respectivamente. Você já se perguntou qual a diferença entre os antibióticos com ação em bactérias Gram-positivas e Gram-negativas? Para ajudar leia as informações abaixo: As bactérias são classificadas de acordo com a coloração do corante Gram: »» Bactérias Gram-positivas apresentam a parede celular espessa e formada por várias camadas de peptídeoglicanos que envolvem a sua membrana plasmática. 42 CARBOIDRATOS E GLICOBIOLOGIA | UNIDADE III »» Bactérias Gram-negativas apresentam a parede celular fina e formada por uma única camada de peptídeoglicano inserida entre as membranas lipídicas interna e externa. A celulose é um homopolissacarídeo, linear e composto por 10.000-15.000 unidades de D-glicose. Sabendo disso e com base na estrutura da molécula, responda por que a maioria dos animais não consegue digerir a celulose e como o cupim resolveu esse problema. 43 Capítulo 8 Glicoconjugados Por definição, os glicoconjugados são carboidratos covalentemente ligados a moléculas de proteínas ou lipídeos e são divididos em três classes: proteoglicanos, glicoproteínas e glicolipídeos. Proteoglicanos – são moléculas presentes na superfície e matriz celular, que estão ligadas a proteínas de membrana ou proteínas secretadas. São os glicoconjugados que compõem os tecidos conectivos, como as cartilagens, conferindo-lhes elasticidade e rigidez. Os proteoglicanos também são muito importantes para manter a lubrificação ideal nas articulações. Proteoglicanos são formados por uma proteína central que possui uma ou mais cadeias de glicosaminoglicanos (Figura 30). Essas cadeias são compostas por dissacarídeos carregados negativamente, devido à presença de grupos sulfato e ácido úrico. Por meio de estruturas específicas, estabelecem ligações covalentes com a proteína central dos proteoglicanos. De acordo com a cadeia glicosídica ligada à molécula, pode ser classificada e dividida em diferentes tipos. As cadeias podem ser de sulfato de condroitina, sulfato de dermatano, heparina, sulfato de heparano, sulfato de queratano ou hialuronato, a depender de sua ação. Na matriz extracelular, os proteoglicanos participam da formação de proteínas fibrosas, como o colágeno, e conferem a propriedade de umectação da matriz extracelular. A porção proteica dos proteoglicanos é sintetizada nos ribossomos e levada ao retículo endoplasmático rugoso. Já a ligação com os glicídeos é realizada no complexo de Golgi. Quando está completo, o proteoglicano é, então, levado por vesículas secretoras para a matriz extracelular da célula. Figura 30. Agregado proteoglicano. Molécula de hialuronato associada a centenas de moléculas de agrecana (proteína central). Cada agrecana com centenas de cadeias de condroitina e queratana sulfato ligadas covalentemente. Modificado de: Princípios de Bioquímica, Lehninger et al. (1995). 44 CARBOIDRATOS E GLICOBIOLOGIA | UNIDADE III Glicoproteínas – são vários oligossacarídeos ligados a proteínas. Estão presentes no sangue, na matriz extracelular e na superfície externa da membrana plasmática. São proteínas de reconhecimento, relacionadas à resposta imune do organismo e que apresentam sítios altamente específicos para o reconhecimento de outras moléculas. Nas glicoproteínas, os carboidratos se ligam a proteínas específicas, por meio de ligações O-glicosídicas, que envolvem grupos hidroxilas e resíduos de aminoácidos serina (Ser) ou treonina (Tre). Ligações N-glicosídicas também podem ocorrer, envolvendo o nitrogênio da função amida do resíduo de aminoácido asparagina (Asp) (Figura 31). Figura 31. Ligação de oligossacarídeos em glicoproteínas. À esquerda, uma ligação do tipo O-glicosídica envolvendo o resíduo de serina e, à direita, uma ligação N-glicosídica envolvendo o nitrogênio e o resíduo de asparagina. Modificado de: Princípios de Bioquímica, Lehninger et al. 1995. Glicolipídeos – são lipídeos que se localizam na membrana celular e possuem, na sua porção hidrofílica, algum oligossacarídeo. Estes agem como sítios específicos para reconhecimento de outras proteínas que se ligam a carboidratos (Figura 32). Figura 32. Estrutura de dois glicolipídeos. À esquerda, um esterol glicosídeo e, à direita, uma glicosil ceramida. Modificado a partir de: <http://www.biologie.uni-hamburg.de/bzf/fb5a006/dw_project1.htm.> Retirado em: 23/7/2011. Na próxima unidade, discutiremos mais sobre os glicolipídeos ao abordarmos os lipídeos estruturais. Os gangliosídeos são um exemplo de glicolipídeos localizados na membrana celular e são justamente estes que agem como antígenos do sistema ABO de grupos sanguíneos. 45 Unidade LIPÍDEOS E VITAMINAS IV Capítulo 9 Lipídeos de armazenamento Os lipídeos são moléculas caracterizadas por sua baixa solubilidade em água. Exercem inúmeros papéis biológicos importantes, entre eles: reserva de energia, componentes estruturais das membranas plasmáticas e isolantes térmicos. Os lipídeos podem ser divididos de acordo com suas funções: os lipídeos de armazenamento correspondem a mais de 80% da massa dos adipócitos e servem como reserva de energia. Os lipídeos estruturais correspondem ao valor compreendido entre 5 –10% de todo volume celular e são os principais componentes da membrana plasmática. Já os lipídeos biologicamente ativos, que são encontrados em quantidades bem menores que os demais, possuem papel importante: moléculas sinalizadoras e mensageiras. Lipídeos de armazenamento – fazem parte deste grupo os ácidos graxos e seus derivados. Os ácidos graxos são compostos de ácidos carboxílicos com longa cadeia carbônica, de 14-24 átomos de carbono, e não apresentam ramificação. Os ácidos graxos são considerados insaturados quando possuem duplas ligações na cadeia de hidrocarbonetos e saturados quando não apresentam duplas ligações. Os ácidos graxos insaturados ainda podem ser poli-insaturados, que são aqueles que possuem duas ou mais duplas ligações. Em plantas e animais, os principais ácidos graxos presentes são o ácido palmítico, oleico, linoleico e esteárico, observe algumas de suas estruturas (Figura 33): Figura 33. Representações estruturais de alguns ácidos graxos. As setas indicam as regiões de dupla ligação nos ácidos insaturados. Note que o ácido α-linolênico é poli-insaturado. Modificado de: <http://www.daanvanalten.nl/quimica/module12/bioquimica.html>. Retirado em 15/7/2011. 49 UNIDADE IV | LIPÍDEOS E VITAMINAS A presença de duplas ligações nas cadeias carbônicas dificulta a interação intermolecular e isso faz com que, em temperatura ambiente, os ácidos insaturados se apresentem no estado líquido. Por outro lado, os ácidos saturados possuem maior flexibilidade e facilidade de empacotamento intermolecular e apresentam-se sólidos. Consequentemente, o ponto de fusão dos lipídeos diminui de acordo com o aumento de insaturações (duplas ligações). O comprimento da cadeia vai interferir na solubilidade do lipídeo em água, e quanto mais longa a cadeia alquílica e menor o número de duplas ligações, menor será sua solubilidade na água. “Pessoas que buscam o desenvolvimento muscular têm procurado cada vez mais o consumo de ácidos graxos essenciais, pois algumas pesquisas mostram que eles reduzem a quebra do tecido muscular, aumentam o crescimento muscular, aceleram o tempo de recuperação, auxiliam na redução da inflamação, participam da secreção hormonal e contribuem para articulações saudáveis”. Fonte:<http://www.corpoperfeito. com.br/ce/acidos_graxos_essenciais>. Os triacilgliceróis, conhecidos como triglicerídeos, são triésteres de glicerol com ácidos graxos e atuam como reserva energética (Figura 34). Figura 34. Duas representação da molécula de triacilglicerol. Três ácidos graxos diferentes ligados a um glicerol. Modificado de: Princípios de Bioquímica, Lehninger et al. (1995). Os triacilgliceróis presentes na gordura animal possuem grande quantidade de ácidos graxos saturados, sendo sólidos à temperatura ambiente. Por outro lado, os triglicerídeos presentes na gordura vegetal normalmente são ricos em ácidos graxos insaturados, sendo, por esse motivo, líquidos. No processo de fabricação da margarina, que utiliza gordura vegetal, esta sofre um processo de hidrogenação, em que suas duplas ligações são reduzidas, tornando-a sólida à temperatura ambiente. No ano de 2004, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou a eliminação total do consumo de gordura trans industrial. A partir de 2006, no Brasil, a legislação determinou que a quantidade de gordura trans fosse descrita no rótulo de todos os alimentos comercializados. 50 LIPÍDEOS E VITAMINAS | UNIDADE IV Sabria Aued-Pimentel e Odair Zenebon. Lipídeos totais e ácidos graxos na informação nutricional do rótulo dos alimentos embalados: aspectos sobre legislação e quantificação. Revista do Instituto Adolfo Lutz. São Paulo, v. 68, n. 2, São Paulo, 2009. Saiba mais sobre gordura trans em:<http://www.alanrevista.org/ediciones/2006-1/ acidos_graxos_trans.asp>. As ceras também são derivadas de ácidos graxos e desempenham algumas funções biológicas importantes. São ésteres de ácidos graxos saturados e insaturados de cadeia longa. Em muitos animais, as ceras são secretadas por glândulas que agem como uma proteção para a pele, além de ajudar nos processos de lubrificação e flexibilidade. Nas plantas, estão presentes com a função de proteção contra parasitas e contra evaporação excessiva de água. Além disso, as ceras ainda possuem grande interesse e aplicação industrial, como, por exemplo, a cera de abelha e de carnaúba, muito utilizadas em cosméticos (pomadas, loções, hidratantes etc.). 51 Capítulo 10 Lipídeos estruturais Como vimos, a membrana plasmática é formada por uma bicamada lipídica, mais especificamente por glicerofosfolipídeos e esfingolipídeos. As membranas celulares são elásticas e resitentes graças às fortes interações hidrofóbicas entre os grupos apolares dos fosfolipídeos. Os glicerofosfolipídeos são derivados do glicerol e constituem o principal componente das membranas biológicas. São moléculas anfifílicas com porções hidrofóbicas e hidrofílicas e são formadas de glicerol-3fosfato. Os glicerofosfolipídeos são determinados de acordo com seus resíduos de ácido graxo. Os ácidos graxos presentes nos glicerofosfolipídeos constituem uma imensa variedade de moléculas. Na maioria das vezes, os glicerofosfolipídeos possuem um ácido graxo saturado localizado no C1 (cadeia carbônica 1)e outro insaturado no C2 (cadeia carbônica 2). As fosfolipases são enzimas que hidrolisam os glicerofosfolipídeos. Muitas destas estão presentes em venenos de cobras e abelhas e são do tipo fosfolipases A2. Como estas agem nas células? Os esfingolipídeos são muito semelhantes aos glicerofosfolipídeos, no entanto, não possuem a molécula de glicerol e seu esqueleto é formado por um aminoálcool com uma longa cadeia de hidrocarboneto, normalmente a esfingosina. O grupo amino da esfingosina liga-se a um ácido graxo a partir de uma ligação amídica, dando origem a uma ceramida. A ceramida é, então, um derivado dos ácidos graxos da esfingosina. As esfingomilelinas estão presentes na bainha de mielina, envolvendo os axônios, e são os esfingolipídeos mais comuns. Os cerebrosídeos são ceramidas com um único resíduo de açúcar (glicose ou galactose) em sua porção polar e não possuem grupo fosfato. Os gangliosídeos são ceramidas ligadas a oligossacarídeos. Tanto os cerebrosídeos como os gangliosídeos estão presentes predominantemente no cérebro. A degradação de gangliosídeos está relacionada a várias doenças hereditárias, como a doença de Tay-Sachs. 52 LIPÍDEOS E VITAMINAS abc | UNIDADE IV O quadro abaixo apresenta os lipídeos de acordo com sua estrutura e funções. Depois de ler sobre os lipídeos estruturais e de armazenamento, faça uma síntese sobre os lipídeos. Quadro 1. Síntese da estrutura dos lipídeos. Modificado a partir de: Princípios de Bioquímica, Lehninger et al. (1995). 53 Capítulo 11 Colesterol e vitaminas O colesterol é composto por quatro anéis hidrocarbonatos altamente apolares, com um grupo hidroxil altamente hidrofílico ligado a sua extremidade (Figura 35). É considerado um lipídeo de membrana, mas também desempenha o papel de molécula sinalizadora dentro da célula. Está presente na maioria das células eucarióticas e serve como precursor de várias outras moléculas. Todos os derivados do colesterol são denominados esteroides e são secretados pelas gônadas, córtex adrenal e placenta. Os hormônios esteroides, como testosterona e estrógeno, são exemplos de derivados do colesterol. Figura 35. Molécula de colesterol. Núcleo esteroide composto de quatro anéis fundidos, sendo três com seis carbonos e um com cinco carbonos. Modificado a partir de: <http://www.dbm.ufpb.br/DBM_bioquimica_monitoria.htm>. Retirado em: 15/7/2011. Os animais necessitam da molécula de colesterol para síntese de membranas, como precursor de hormônios e de vitaminas. A maior parte do colesterol é sintetizada no fígado, onde, posteriormente, pequena porção deste é incorporada na membrana e o restante é transportado como colesterol biliar, ácidos biliares e ésteres do colesterol. Como o colesterol é insolúvel em água, esta molécula necessita de lipoproteínas plasmáticas para poder ser transportada por meio da corrente sanguínea. As lipoproteínas, nesse caso, são complexos esféricos com lipídeos hidrofóbicos no centro e cadeias laterais hidrofílicas das proteínas na superfície. As diferentes composições de lipídeos nestas moléculas produzem lipoproteínas com densidades diferentes. A lipoproteína HDL (high density level) é a mais densa e a VLDL (very low density level) a menos densa, estando a LDL (low density level) (Figura 36) entre as duas. 54 LIPÍDEOS E VITAMINAS | UNIDADE IV Figura 36. Representação da molécula da lipoproteína LDL. Modificado a partir de: <http://pt-br.infomedica.wikia.com/wiki/Dislipidemias_-_Hiperlipidemia>. Retirado em: 15/7/2011. Quando uma pessoa ingere ácidos graxos ou carboidratos em quantidade maior do que aquela que necessita, estes são convertidos em triacilgliceróis no fígado e unem-se a apolipoproteínas, formando o VLDL. Estas moléculas são transportadas para músculos e tecido adiposo, e as moléculas de ácido graxo são liberadas deste complexo pela ação das lipases. Os ácidos graxos são, então, armazenados sob a forma de gotículas no interior dos adipócitos e no músculo, sendo utilizados para a produção de energia por oxidação. As lipoproteínas LDL transportam o colesterol para tecidos periféricos, os quais possuem receptores de superfície específicos que ajudam na captação do colesterol. As lipoproteínas HDL são sintetizadas no fígado e também no intestino delgado. As proteínas na superfície do HDL convertem fosfatidilcolina e colesterol remanescente em ésteres de colesterol. Estes são capturados pela molécula de HDL e levados ao fígado novamente, onde são convertidos em sais biliares. A ingestão de carboidratos em excesso pode induzir a um acúmulo de colesterol na corrente sanguínea. As lipoproteínas LDL são as responsáveis por transportar o colesterol do fígado para outros órgãos e tecidos e são elas que estão ligadas à maior parte das patologias, como a aterosclerose. A aterosclerose é o acúmulo de colesterol na parede de vasos sanguíneos que podem obstruir as artérias coronarianas, causando ataques cardíacos. Já as lipoproteínas HDL são conhecidas por ajudar no não acúmulo das placas de colesterol, uma vez que capturam o colesterol no sangue e levando-no para o fígado. Existe, então, uma correlação inversamente proporcional entre os níveis de HDL e LDL no sangue em relação às doenças arteriais. 55 UNIDADE IV | LIPÍDEOS E VITAMINAS abc O nível ideal de colesterol total na corrente sanguínea é abaixo de 200 mg/dL. O nível de colesterol entre 200 e 239 significa um aumento no risco de ter um ataque do coração ou um derrame. Já os níveis acima de 240 aumentam muito a probabilidade de doenças cardíacas. Os níveis das lipoproteínas (HDL e LDL) são também importantes. O colesterol LDL menor que 130 é o recomendado, assim como um nível de HDL de 60 ou acima. Um nível de LDL de 160 ou maior e de HDL menor que 35 significa um risco de doença cardíaca aumentado. Caso o colesterol total seja alto devido a alta taxa de LDL, há um maior risco quanto a doença cardíaca e derrame. Se a taxa total é alta por causa de HDL alto, provavelmente não há risco de doença cardíaca aumentada. Sugestão de leitura: <http://www.lenzafarm.com.br/estatinas.htm>. Mais informações em: <http://www.scielo.br/pdf/rbme/v8n6/v8n6a05.pdf>. As vitaminas são compostos orgânicos indispensáveis para a vida, necessárias em doses muito baixas; algumas delas são medidas em microgramas, essenciais para o funcionamento normal do metabolismo. Podem ser dívidas com base na solubilidade em lipossolúveis e hidrossolúveis. abc O termo “vitamina” foi utilizado pela primeira vez em 1911, para designar um grupo de aminas que eram consideradas vitais. Embora saibamos que várias das vitaminas hoje conhecidas não possuem grupos aminas em suas estruturas químicas, o termo é usado até hoje. A maioria das vitaminas deve ser obtida na dieta alimentar, já que não pode ser sintetizada pelos animais. As vitaminas lipossolúveis são compostos isoprenoides, que são grandes cadeias carbônicas com fórmula geral (C5H8)n, e incluem as vitaminas A, D, E e K. São insolúveis em água, absorvidas no intestino com a ajuda de sais biliares. O excesso dessas vitaminas é armazenado no fígado e em depósitos de gordura do corpo. Por serem insolúveis em água, precisam de moléculas transportadoras, como colesterol (lipoproteínas). A vitamina A, também chamada de retinol, age como pigmento visual (com produção de rodopsina), queratinização da pele, reforço do sistema imunológico, formação de ossos, pele, cabelo e unhas, e antioxidante de radicais livres. A vitamina A é obtida a partir de uma dieta rica em óleos de fígado de peixe, ovos, leite, manteiga, fígado e alimentos ricos em β–caroteno. Sua carência pode provocar cegueira noturna, problemas na pele e mucosas, bem como o crescimento retardado. 56 LIPÍDEOS E VITAMINAS | UNIDADE IV A vitamina D, também conhecida como colecalciferol, é um grupo de pró-hormônios lipossolúveis e, normalmente, não pode ser obtida por meio da alimentação, pois é sintetizada a partir de 7-deidrocolesterol em uma reação fotoquímica catalizada pelo UV proveniente da luz solar. No fígado, a molécula produzida na reação é convertida em forma ativa: um hormônio que atua na regulação do metabolismo do cálcio, promovendo a absorção de cálcio pelos ossos, atuando no crescimento normal e na mineralização dos ossos. A falta de vitamina D no organismo pode causar doenças como raquitismo e osteoporose. Hoje em dia já existem produtos comerciais que incluem a molécula de calciferol, estruturalmente similar ao colecalciferol, que serve como suplemento alimentar. O calciferol comercial é obtido a partir do esteroide ergosterol, encontrado em vegetais e leveduras, por meio de irradiação com luz ultravioleta. A vitamina E contém na sua estrutura um anel aromático substituído e uma longa cadeia lateral isoprenoide; são chamados de tocoferóis e são antioxidantes. Seu anel aromático reage com as formas reativas dos radicais livres, eliminando-os. Também atuam no processo de formação de gametas. Sua carência pode causar esterilidade, distúrbios no crescimento embrionário, necrose hepática e degeneração dos rins. É encontrado em óleos vegetais e ovos. A vitamina K, também chamada de filoquinona (K1), menaquinona (K2) e menadiona (K3), atua na produção de protrombina, importante fator na coagulação do sangue. Essa vitamina age ainda na prevenção de osteoporose em idosos e mulheres depois da menopausa. O anel aromático dessa vitamina sofre um ciclo de oxidação e redução durante a formação de protrombina e sua carência pode causar distúrbios na coagulação, como hemorragias. A forma K1 é encontrada principalmente em vegetais, a forma K2 é sintetizada por bactérias no trato intestinal dos seres humanos e animais e a forma K3 é um composto sintético que pode ser convertido em K2 no trato intestinal. Fazem parte das vitaminas hidrossolúveis as vitaminas C, H, B1, B2, B3, B5, B6, B9 e B12. São solúveis em água e absorvidas no intestino, sendo eliminadas pela urina quando em excesso. Com exceção da vitamina C, todas as outras vitaminas hidrossolúveis têm atividade catalítica. Mudanças na estrutura destas vitaminas ou interações com outras moléculas são necessárias para ativá-las, pois na forma livre não estão na forma ativa (coenzima). Observe a tabela abaixo: as quatro primeiras vitaminas são as lipossolúveis (representadas em preto) e as demais hidrossolúveis (representadas em cinza) (Tabela 4): Vitaminas Fontes Doenças provocadas pela Carência Principais Funções no organismo A problemas de visão, secura da pele, diminuição de glóbulos fígado de aves, animais e cenoura vermelhos, formação de cálculos renais combate radicais livres, formação dos ossos, pele; funções da retina D óleo de peixe, fígado, gema de ovos raquitismo e osteoporose regulação do cálcio do sangue e dos ossos E verduras, azeite e vegetais dificuldades visuais e alterações neurológicas antioxidantes K fígado e verduras desnutrição, má função do fígado, coagulação do sangue, previne problemas intestinais osteoporose 57 UNIDADE IV | LIPÍDEOS E VITAMINAS Vitaminas Fontes Doenças provocadas pela Carência Principais Funções no organismo B1 cereais, carnes, verduras, levedo de cerveja beribéri metabolismo energético dos açúcares B2 leites, carnes, verduras inflamações, anemias, seborreia metabolismo de enzimas, proteção no sistema nervoso B5 fígado, cogumelos, milho, abacate, fadigas, cãibras musculares, ovos, leite, vegetais insônia B6 carnes, frutas, verduras e cereais seborreia, anemia, distúrbios de crescimento crescimento, proteção celular, metabolismo de gorduras e proteínas, produção de hormônios B12 fígado, carnes anemia perniciosa formação de hemácias e multiplicação celular metabolismo de proteínas, gorduras e açúcares C laranja, limão, abacaxi, kiwi, acerola, morango, brócolis, melão, escorbuto manga fortalecimento de sistema imunológico, combate radicais livres e aumenta a absorção do ferro pelo intestino H noz, amêndoa, castanha, levedo de cerveja, leite, gema de ovo, arroz integral eczemas, exaustão, dores musculares, dermatite metabolismo de gorduras M ou B9 cogumelos, hortaliças verdes anemia megaloblástica, doenças do tubo neural metabolismo dos aminoácidos, formação das hemácias e tecidos nervosos PP ou B3 ervilha, amendoim, fava, peixe, feijão, fígado manutenção da pele, proteção do insônia, dor de cabeça, dermatite, fígado, regula a taxa de colesterol diarreia, depressão no sangue Tabela 4. Vitaminas essenciais aos seres humanos e suas principais fontes e funções. Modificado a partir de: <http://www.acessosaude.com.br/index. php?p=lno&c=1&id=122>. Retirado em: 22/7/2011. As vitaminas são sensíveis ao calor, à umidade e à luz, portanto devemos ter cuidado ao manipular os alimentos, a fim de não destruirmos suas propriedades nutricionais. Há bastante tempo, muitas pessoas acreditam que ingerindo grandes quantidades de suplementos vitamínicos se previne o aparecimento de determinadas enfermidades, como o resfriado. Entretanto, essas suposições nunca foram comprovadas e, ao contrário do efeito esperado, podem causar problemas de saúde. A hipervitaminose, ou envenenamento por vitaminas, ocorre quando o indivíduo ingere altos níveis de vitaminas que podem levá-lo a um quadro de intoxicação. 58 Unidade DNA e RNA V Capítulo 12 Nucleotídeos e ácidos nucleicos Os nucleotídeos e ácidos nucleicos são moléculas que estão envolvidas em reações fundamentais para a manutenção e propagação da vida. Os nucleotídeos participam da transferência de energia, e os ácidos nucleicos são suas formas poliméricas que armazenam a informação genética. Os nucleotídeos são compostos por uma base nitrogenada ligada a um açúcar (pentose) que possui um grupo fosfato. Um nucleosídeo é a molécula sem o grupo fosfato. Os nucleotídeos são moléculas aromáticas, planares e heterocíclicas, todas derivadas de uma purina ou de uma pirimidina. Observe as diferenças entre as bases purinas e pirimidinas (Figura 37). Figura 37. Representação de compostos purínicos e pirimidínicos. Adenina (A) e guanina (G) são purinas e citosina (C), timina (T) e uracila (U) são pirimidinas. A uracila é encontrada somente em moléculas de RNA. Modificado a partir de: <http://html.rincondelvago.com/bioquimica_41.html>. Retirado em: 15/7/2011. No nucleotídeo, a base nitrogenada, que pode ser adenina (A), guanina (G), citosina (C), timina (T) ou uracila (U), liga-se ao carbono-1`da pentose por meio de uma ligação N-β-glicosídica, e o fosfato encontra-se esterificado ao carbono-5`. As pentoses, ou açúcares dos ribonucleotídeos, são riboses e são encontradas apenas na molécula de RNA (ácido ribonucleico). Os desoxirribonucleotídeos possuem açúcares chamados de 2´-desoxirriboses e estão presentes somente nas moléculas de DNA (ácido desoxirribonucleico) (Figura 38). 61 UNIDADE V | DNA e RNA Figura 38. Estruturas de um desoxirribonucleotídeo (esquerda) e ribonucleotídeo (direita). Observe as posições dos carbonos 1´- 5´. Modificado a partir de: <http://www.bae.uky.edu/~snokes/bae549thermo/microbio/nucleicacids.htm>. Retirado em: 16/7/2011. Os nucleotídeos responsáveis pela informação genética são unidos entre si para formar grandes macromoléculas de DNA e RNA. Os nucleotídeos ligados por seus grupos fosfato são denominados ácidos nucleicos. O grupo 5´-hidroxila de uma unidade nucleotídica liga-se ao grupo 3´-hidroxil do nucleotídeo seguinte por meio de uma ligação fosfodiéster. Nucleotídeos sucessivos são unidos covalentemente por ligações fosfodiésteres (Figura 39). O resultado é um esqueleto de grupos fosfatos e açúcares (pentoses) alternantes, resultando na característica hidrofílica as moléculas de DNA e RNA. Figura 39. À esquerda, observamos o esqueleto de açúcar-fosfato e o hidrogênio ligando as bases no centro da molécula. Podemos ver o emparelhamento das bases (A-T, C-G). À direita, observamos uma representação de duas cadeias antiparalelas unidas pelas bases (pontes de hidrogênio) e as ligações fosfodiésteres entre as bases do mesmo esqueleto. Modificado a partir de: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov:80/books/bookres.fcgi/mga/ch2f2.gif >.Retirado em: 18/7/2011. 62 DNA e RNA | UNIDADE V Quando uma cadeia de ácidos nucleicos está sendo formada, cada novo nucleotídeo vai ligar o grupo fosfato ao carbono 3’ da pentose do último nucleotídeo da cadeia. Então, sempre que um nucleotídeo apresentar o seu carbono 3’ livre pode ligar-se a outro nucleotídeo. Por esse motivo, as cadeias polinucleotídicas de DNA ou RNA crescem sempre no sentido 5’-3’. Para entender melhor, observe a Figura 40. Figura 40. Estrutura de um ácido nucleico. Ligações fosfodiésteres no esqueleto da molécula. Note que a extremidade 5´ não possui nucleotídeo na posição 5´ e a extremidade 3´não possui nucleotídeo na posição 3´ e o sentido da molécula é 5´-3´. Modificado a partir de: <biotec.icb.ufmg.br/cabi/aulas/aula02. pdf.> Retirado em: 16/7/2011. Os nucleotídeos livres e seus derivados também desempenham papéis importantes nas células, como funções metabólicas. A molécula de ATP (adenosina trifosfato) é um exemplo de nucleotídeo que não desempenha funções relacionadas à informação genética, mas é extremamente importante como carreador de energia. No processo de fotossíntese ou de degradação de carboidratos e ácidos graxos, ocorre a formação de ATP a partir do ADP (adenosina difosfato). O ATP é, então, encarregado de fornecer energia para as células, disponibilizando um ou dois de seus grupos fosfatos para outras moléculas. Existem outros nucleotídeos com funções importantes no metabolismo, entre eles destacamse a flavina-adenina-dinucleotídeo (FAD), a nicotinamida-adenina-dinucleotídeo (NAD) e a coenzima A (CoA). 63 Capítulo 13 Estrutura do DNA Muitas informações a respeito da estrutura do DNA foram obtidas no início do século XX, no entanto, foi somente a partir de 1953 que o modelo tridimensional foi postulado. Porém, em 1940, as Regras de Chargaff forneceram informações essenciais para elucidação da estrutura DNA. Essas regras são relações quantitativas que estabelecem que: »» as bases variam sua composição com a espécie; »» todos os tecidos de uma espécie têm a mesma composição de bases; »» não há variação nas bases em função da alimentação, idade ou ambiente; »» A+G=T+C Todas essas afirmativas foram posteriormente confirmadas e até hoje servem como regras para a composição do DNA. Em 1953, os pesquisadores James Watson e Francis Crick ficaram mundialmente conhecidos por desvendarem a estrutura tridimensional da molécula do DNA (leia o texto sobre a história do DNA indicado neste capítulo). A molécula tridimensional do DNA consiste em duas cadeias helicoidais que se enovelam em torno de um mesmo eixo, formando uma dupla hélice. O esqueleto hidrofílico dos grupos alternantes, desoxirribose e fosfatos estão localizados na parte externa da hélice. As bases adenina (A) sempre pareiam com timina (T) por meio de duas pontes de hidrogênio e guanina (G) com citosina (C) por meio de três pontes de hidrogênio. O pareamento das fitas cria um sulco principal e um secundário na superfície da molécula. A estabilidade da dupla hélice é mantida por pontes de hidrogênio entre as bases e interações de empilhamento destas (Figura 41). O diâmetro da hélice é de aproximadamente 20Å, as bases adjacentes estão separadas por 3,4Å e a estrutura helicoidal se repete a cada 34Å. 64 DNA e RNA | UNIDADE V Figura 41. Modelo tridimensional da molécula de DNA. Observe os sulcos formados na dupla hélice. Modificado a partir de: <http://www.biomol.org/historia/ propduplahelice.shtml>. Retirado em: 18/7/2011. Sugestão de leitura: A descobreta do DNA: uma viagem pela história da molécula. Disponível em: <http://www2.faac.unesp.br/pesquisa/lecotec/projetos/revista/ index.php/memoria/15-a-descoberta-do-dna-uma-viagem-pela-historia-damolecula?start=1>. Animação DNA: <http://www.youtube.com/watch?v=Qc4u6mRJDfs&feature=r elated>. O DNA é uma molécula muito grande e flexível, que contém toda informação genética da célula. O genoma de um organismo pode estar dividido em diversos cromossomos. Por ser uma molécula muito longa, são descritos em termos do número de pares de base (pb) ou em quilobases (kb). Observe na tabela abaixo o número de pares de bases de alguns organismos e número de cromossomos (Tabela 5). ORGANISMO (ESPÉCIE) NOME COMUM TAMANHO DO GENOMA (pb) NÚMERO DE CROMOSSOMOS Oryza sativa Arroz 5.000.000.000 24 Mus musculus Camundongo 3.454.200.000 40 Homo sapiens Homem 3.400.000.000 46 Drosophila melanogaster Mosca da fruta 2.900.000.000 8 Tabela 5. Tamanho do genoma de alguns organismos e número de cromossomos. Modificado a partir de: <http://bioetefev.blogspot.com/2011/02/ sequenciamento-do-genoma-humano.html>. Retirado em: 22/7/2011. 65 UNIDADE V | DNA e RNA A estrutura do DNA descrita por Watson e Crick é conhecida como DNA de forma B. Essa forma é a mais comum e mais estável da molécula. No entanto, existem mais duas formas possíveis, a forma A e a forma Z (Figura 42). A forma A é mais comum em condições sem água, é uma dupla hélice de mão direita, mas se apresenta mais larga que a forma B. Na forma A, existem 11 resíduos por volta, enquanto a forma B possui apenas 10,5 resíduos por volta, não ocorre in vivo. A forma Z DNA apresenta uma dupla hélice com rotação para a esquerda e, por isso, difere-se mais da formas A e B. Esta forma ainda apresenta 12 resíduos por volta e a estrutura toda é mais delgada e alongada que as outras formas da molécula. Existem estudos que sugerem que a forma Z DNA é necessária para a regulação da expressão de determinado genes em alguns organismos, mas sua ocorrência ainda é incerta. Figura 42. Estruturas tridimensionais das diferentes moléculas de DNA. A-DNA à esquerda: possui forma mais compacta, B-DNA ao centro: possui sulcos mais acentuados, Z-DNA à direita: possui forma mais alongada. Modificado a partir de: <http://www.molecularstation.com/molecular-biology-images/502dna-pictures/36-a-dna-b-dna-z-dna.html?size=big>. Retirado em: 18/7/2011. 66 Capítulo 14 Estrutura do RNA A molécula de RNA (ácido ribonucleico), assim como o DNA, também é formada por uma cadeia de nucleotídeos, no entanto, são moléculas menores, de cadeia simples e com o açúcar ribose. No RNA a base uracila (U) é usada no lugar da timina (T), então adenina (A) pareia com uracila (U) e citosina (C) pareia com guanina (G). O RNA encontra-se no citoplasma, onde desempenha diversas funções relacionadas com a síntese de proteínas. Conforme a função que a molécula de RNA desempenha, esta apresenta diferentes formas. Existem três tipos principais de RNA: ribossômico, mensageiro e de transferência (Figura 43). Figura 43. Esquema que mostra a transcrição e tradução do DNA. Observe as moléculas de mRNA e tRNA envolvidas no processo. A molécula de rRNA é componente principal do ribossomo. Modificado a partir de: <http://11biogeogondomar.blogspot.com/2010/09/do-dna-proteina.html>. Retirado em: 22/7/2011. RNA ribossômico – também conhecido como rRNA, é o principal componente dos ribossomos. Nos organismos procariontes, existem em três formas diferentes, chamadas 23S, 16S e 5S, e se diferem de acordo com seu comportamento de sedimentação. Com as proteínas ribossomais, formam as subunidades 50S e 30S. Nos eucariotos, existem quatro formas diferentes, chamadas 5S, 5.8S, 18S e 28S. Com as proteínas 67 UNIDADE V | DNA e RNA ribossomais, formam as duas subunidades ribossomais 40S e 60S. A principal função do rRNA, dentro da célula, é como catalisador na síntese de proteínas. RNA mensageiro – também conhecido como mRNA, é sintetizado a partir de um molde de DNA no mecanismo de transcrição. É a molécula que serve de molde para a síntese de proteínas no processo de tradução. Essa molécula tem vida muito curta, pois apenas transmite a mensagem do DNA do núcleo para o citoplasma. Nos organismos eucariontes, apresentam estruturas de haste-alça que auxiliam na regulação da tradução, possuem sinais de início e fim para a síntese de proteínas. RNA de transferência ou transportador – também conhecido como tRNA, possui importante papel no transporte de aminoácidos. Cada molécula de tRNA liga um aminoácido específico e transporta-o até o ribossomo. A molécula de tRNA tem forma de trevo e atua como molécula adaptadora durante a síntese proteica. Existe pelo menos um tipo de tRNA para cada um dos vinte aminoácidos (Figura 44). Figura 44. Representação de um molécula de tRNA com mRNA. Note a complexidade da molécula de tRNA, que possui a região anticódon, a qual reconhece o molde de mRNA. Modificado a partir de: <http://galileu.esamadora.dyndns.org:81/elearning200809/file.php/46/page_12.htm>. Retirado em: 24/7/2011. Como vimos nesta unidade, as moléculas de DNA e RNA possuem algumas semelhanças, no entanto possuem papéis diferentes dentro das células e algumas diferenças estruturais importantes. Na figura a seguir, podemos visualizar as duas moléculas de forma comparativa (Figura 45). 68 DNA e RNA | UNIDADE V Figura 45. Representação da molécula de DNA e suas bases (dupla hélice) e molécula de RNA e suas bases (hélice simples). Modificado a partir de: <http:// flopesbio.blogspot.com/>. Retirado em: 20/7/2011. 69 PARA (NÃO) FINALIZAR Todos os organismos, dos mais simples aos mais complexos, dependem de reações químicas para sua sobrevivência. Como vimos, os organismos crescem e se reproduzem por vários processos químicos que dependem de biomoléculas fundamentais. A Bioquímica forma uma ponte entre a Biologia e a Química e estuda como estas complexas reações e estruturas químicas originam a vida e a mantêm. A Bioquímica é o pilar fundamental para o início dos estudos de biologia molecular, genética, biotecnologia e outras áreas de conhecimento. Após estudarmos sobre as principais moléculas que participam dos processos vitais das células, podemos entender um pouco mais sobre a composição dos organismos. Como todas as formas de vida existentes hoje descendem do mesmo ancestral comum, elas apresentam, em geral, processos químicos muito parecidos. A partir de agora, podemos enxergar de um modo diferente toda vida a nossa volta. Podemos afirmar que somos todos resultados da nossa composição de moléculas, de proteínas que definem nosso fenótipo, do DNA proveniente de nossos antepassados, daqueles genes que “persistiram” e das modificações causadas pelo meio em que vivemos. Entender como trabalham todas essas moléculas em conjunto nos faz entender a complexidade e importância de cada uma e os danos acarretados por uma “simples” alteração. Visite este site e investigue sobre todos os processos aqui apresentados, além de recordar assuntos como evolução e biologia celular: <http://www.johnkyrk.com/evolution.pt.html>. 70 referências ALBERTS B. et al. Fundamentos da biologia celular. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. CHAMPE, P. C.; HARVEY, R. A.; FERRIER, D. R. Bioquímica ilustrada. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. CONN, E. E.; STUMPF, P. K. Introdução a bioquímica. Tradução de J. R. Magalhães; L. Mennucci. 4.ed. São Paulo: Edgard Blücher. Tradução de Outlines of biochemistry, 1980. GRIFFITHS, J. F. A. Introdução à genética. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 2002. HARPER, H. A. Bioquímica. 6. ed. São Paulo: Atheneu, 1998. JÚNIOR, R. R. Bioquímica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1997. LEHNINGER, A. L.; NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de bioquímica. São Paulo: Sarvier, 1995. LEWIN, B. Genes IX. Boston: Jones and Bartlett, 2008. MARZZOCO, A.; TORRES, B. B. Bioquímica básica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabaa, 2007. MOTTA, V. T. Bioquímica clínica para o laboratório – princípios e interpretações. 5. ed. Rio de Janeiro: Medbook, 2009. MOURA, R. Técnicas de laboratório. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria Atheneu, 1999. PELLEY, J. W. Bioquímica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. ROSKOSKI, R. J. Bioquímica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1997. STRYER, L.; TYMOCZKO, J. L.; BERG, J. M. Bioquímica. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. VIEIRA, E. C.; GAZZINELLI, G.; MARES-GUIA, M. Bioquímica celular e biologia molecular. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 1996. VOET, D.; VOET, J.; PRATT, C. W. Fundamentos de bioquímica. Porto Alegre: Artmed, 2000. 71 REFERÊNCIAS | Sites de pesquisa: http://www.scielo.br. http://www.capes.gov.br/periodicos http://www.rcsb.org/pdb http://www.pymol.org/ http://www.ncbi.nlm.nih.gov/ http://www.pdb.org/pdb/home/home.do 72