UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA INSTITUTO SUPERIOR DE ECONOMIA E GESTÃO MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL AS INSTITUIÇÕES SUPERIORES DE CONTROLO DAS CONTAS PÚBLICAS NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL EM CABO VERDE António Francisco Gomes Miranda Orientação: Professor Doutor João António Ramos Estêvão Júri Presidente: Professor Doutor João António Ramos Estêvão Vogais: Professor Doutor Eduardo Manuel Machado de Morais Sarmento Ferreira Professora Doutora Joana Helena Maria Fajardo Pacheco Pereira Leite Março de 2009 [email protected] Página 1 Índice geral……………………………………………………………………………...1 Agradecimentos………………………………………………………………………...3 Resumo e palavras-chave………………………………………………………………4 Introdução……………………………………………………………………………....7 1. Instituições segundo as modernas perspectivas institucionalistas - aspectos teóricos…………………………………………………………………………14 1.1. A abordagem institucionalista do conceito de instituição em veblen…………………………………………………………………..16 1.2. A perspectiva neo-institucionalista do conceito de instituições…….19 1.3. A abordagem do conceito de instituições na nova economia institucional (NEI)……………………………………………………..25 1.4. O papel do estado no processo de desenvolvimento económico e institucional……………………………………………………………33 2. O processo de criação de instituições em Cabo Verde……………………...41 2.1. Cabo Verde: caracterização geral……………………………………41 2.2. O modelo institucional pós-independência: o partido único e o controlo económico……………………………………………………45 2.3. Um novo modelo institucional: a abertura democrática e a liberalização económica……………………………………………….49 [email protected] Página 2 3. As Instituições superiores de controlo das contas públicas em Cabo Verde: Breve historial e sua evolução…………………………………………………….56 3.1. O tribunal administrativo e de contas de Cabo Verde antes da independência………………………………………………………….57 4. 3.2. O Tribunal de Contas de Cabo Verde na Iª República……………..72 3.3. O Tribunal de Contas de Cabo Verde na IIª República…………….74 A importância das actividades das instituições superiores de controlo para a melhoria do processo de governação e para o aprofundamento da democracia……………………………………………………………………..79 4.1. O contexto actual do tribunal de contas português e o controlo da boa gestão financeira………………………………………………….80 4.2. Relações com os órgãos de controlo interno…………………………81 4.3. Relações com o parlamento…………………………………………...82 4.4. Relações com os cidadãos……………………………………………..84 4.5. As observações da organização internacional das instituições superiores de controlo das finanças públicas (INTOSAI) sobre o papel das instituições de controlo das contas na melhoria da governança……………………………………………………………..85 Conclusão……………………………………………………………………………...89 Bibliografia…………………………………………………………………………….94 [email protected] Página 3 Agradecimentos Agradeço a Deus pela vida e pela saúde na elaboração deste trabalho. Torno público o meu agradecimento ao meu orientador o Prof. Doutor João António Ramos Estêvão (ISEG) por todo o apoio e encorajamento na orientação técnica e científica deste trabalho. Aos professores do mestrado em DCI por todo o apoio nos esclarecimentos de que precisei ao longo da parte curricular do mestrado e aos meus colegas do curso, companheiros de luta, um muito obrigado por todos os momentos que me proporcionaram numa etapa crucial da minha vida estudantil e familiar. Não poderia deixar de agradecer a minha família por todo o apoio emocional e intelectual na elaboração do trabalho, nomeadamente à minha esposa pelo apoio incondicional durante este longo período de trabalho. A todos aqueles que de uma forma ou de outra contribuíram para a execução deste trabalho, os meus sinceros agradecimentos. Bem hajam. [email protected] Página 4 Resumo e Palavras-Chave O processo de desenvolvimento económico e institucional acarreta um conjunto de factores quantitativos mas também qualitativos. O Estado tem o seu papel neste processo, criando as regras. Essas regras funcionam como “balizas” ou fronteiras que delimitam as actividades e as relações sociais, interpessoais e comerciais. Estas regras nem sempre estão padronizadas ou formalmente constituídas, no entanto têm uma grande força no estabelecimento das “regras do jogo” na sociedade. A assunção destas regras demora um longo período e são necessárias bases sólidas para a sua consolidação. As instituições desempenham um papel fundamental na construção dessas regras, sendo certo que a qualidade da mesma, determina todo o processo de desenvolvimento. Procuramos, com este trabalho, analisar as instituições e o impacto que têm no processo de desenvolvimento em Cabo Verde. Para isso estudamos o percurso histórico das Instituições de Controlo das Contas Públicas, nomeadamente o Tribunal de Contas de Cabo Verde. Este percurso de criação de instituições de controlo das contas públicas começou na época colonial com a administração portuguesa no arquipélago, passando por uma nova fase com a independência de Cabo Verde a 05 de Julho de 1975. A consolidação desta instituição aconteceu com a abertura democrática em 1990. Criou-se o Tribunal de Contas independente e com assento constitucional. A partir daí todas as contas do Estado passaram a ser controladas pelo Tribunal de Contas. Concluímos que o patamar de democracia atingido e o nível elevado de controlo da corrupção e a boa governação alcançados hoje por Cabo Verde são graças à criação de instituições sólidas e democráticas. É nesta base que este pequeno país se apoiou para a prossecução da boa governação. [email protected] Página 5 Palavras-chave: Instituição, Desenvolvimento, Estado, Democracia, Tribunais, boa governação. [email protected] Página 6 Abstract The process of economic and institutional development causes a set of quantitative but also qualitative factors. The State has its paper in this process, creating the rules. These rules function as "goals" or borders that delimit the social activities and interpersonal and commercial relations. These rules nor always are standardized or formal constituted, however they have a great force in the establishment of the "rules of the game" in the society. The installation of these rules delays a long period and is necessary solid bases for its consolidation. The institutions play a basic role in the construction of these rules, being certain that the quality of the same one, determines the development process all. We look for, with this work, to analyze the institutions and the impact that have in the process of development in Cape Verde. For this we study the historical passage of the Institutions of Public Control of Accounts, nominated the Court of Accounts of Cape Verde. This passage of creation of institutions of control of the public accounts started at the time colonial with the Portuguese administration in the archipelago, passing for a new phase with the independence of the Cape Verde on 05 of July of 1975. The consolidation of this institution happened with the democratic opening in 1990. The independent Court of Accounts was created and with constitutional seat. From all the accounts of the State had started there to be controlled for the Court of Accounts. We conclude that the reached platform of democracy and the high level of control of the reached corruption and the good governance today for Cape Verde are thanks to the creation of solid and democratic institutions. It is in this base that this small country has been supported for the prosecution of the good governance. Key Words: Institution, Development, State, Democracy, Courts, Good Governance. [email protected] Página 7 Introdução Nos últimos anos muitos estudiosos têm debruçado sobre estudo das instituições, concretamente sobre o papel das instituições no processo de desenvolvimento económico. Como as instituições são fundamentais à compreensão das diferentes trajectórias de crescimento económico, tanto a nível macro como micro económico, torna-se num imperativo a definição da mesma, apesar da complexidade da mesma. As instituições são usualmente definidas como conjunto de regras do jogo numa sociedade. Tais instituições estruturam os incentivos da troca entre as pessoas, seja essa económica, política ou social. As instituições têm um papel importante na mediação que fazem no funcionamento dos mercados. Reservam um papel principal que é o de reduzir as incertezas existentes no ambiente económico, social e político, criando estruturas estáveis que regulem a interacção entre os indivíduos. O processo de desenvolvimento de um país afecta toda a sua estrutura institucional, e por conseguinte, não deixa de parte a evolução das suas instituições. É o caso das Instituições Superiores de Controlo das Contas, que contribuem sobremaneira por todo o controlo das finanças públicas de forma a tornar transparente as actuações do Estado, fiscalizando toda a sua actividade financeira. Estas instituições só podem ter um poder efectivo quando inseridos dentro de um regime de direito democrático e principalmente quando perseguem o fito da boa governação e o combate à corrupção. Neste percurso de pesquisa, a metodologia utilizada centra-se nas etapas de procedimentos definidas por QUIVY, Raymond e CAMPENHOUDT (1998). Primeiro começaremos com as perguntas de partida, nomeadamente: Qual o papel das instituições de controlo das contas públicas no processo de desenvolvimento [email protected] Página 8 institucional em Cabo Verde? Que alterações é que houve no processo de controlo das contas públicas em Cabo Verde desde a Independência, passando pela abertura democrática aos nossos dias? Que alterações no quadro institucional em Cabo Verde serviram para a consolidação do processo de controlo das contas públicas em Cabo Verde? Das várias perguntas de partida estas foram as que ficaram retidas em todo o nosso processo de investigação. As mesmas partiram da percepção de que algo foi feito para que ao contrário de outros países com as mesmas características, Cabo Verde prosseguiu o seu processo de desenvolvimento institucional sem grandes sobressaltos, num clima de paz e estabilidade, mesmo enfrentando períodos de grande crise económica, secas e fome. No entanto prosseguiu-se no processo de controlo das contas públicas que culminou com a criação do Tribunal de Contas de Cabo Verde e com isso levou a que as suas instituições sejam sólidas e credíveis elevando assim o nível da boa governação que vem registando em Cabo Verde. Antes de mais e, para que o nosso processo de investigação se assentasse em bases sólidas foi necessário: romper com as evidências do senso comum, num percurso de investigação baseado em Gaston Bachelard que poderiam constituir obstáculos ao processo de produção de conhecimento científico. São elas: a construção do objecto e de teorias explicativas; a verificação da validade das teorias por comparação com os dados empíricos. O objecto de estudo deste trabalho é as Instituições de Controlo das Contas Públicas em Cabo Verde, com especial ênfase no Tribunal de Contas de Cabo Verde. Este estudo tem como objectivo analisar a formação e o percurso de criação do Tribunal de Contas de Cabo Verde passando pelos três seguintes períodos: Primeiro - o Sistema Administrativo nas Ilhas de Cabo Verde durante a época colonial, passando pelo Tribunal Administrativo e de Contas; Segundo - O Tribunal de Contas na Iª República, [email protected] Página 9 ou seja, após a independência, consequentemente, no período do partido único; Terceiro - O Tribunal de Contas na 2ª República, isto é, depois da abertura democrática em 1990. Finalmente falaremos sobre o Tribunal de Contas português, fazendo uma comparação com as recomendações da Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores – INTOSAI, para desta forma elucidar a importância das actividades das instituições superiores de controlo das contas públicas para a melhoria de governação e para o aprofundamento da democracia. Desde logo a nossa problemática assentou-se na realidade constitutiva dos três períodos que se seguem. A primeira começou no período colonial, em que Cabo Verde era considerado uma extensão da Metrópole portuguesa. O outro período teve o seu percurso com a Independência de Cabo Verde a 05 de Julho de 1975, com algumas alterações nos anos 80 e a outra que começou com a abertura democrática dos anos 90. Constatou-se que se continuou a ter um Tribunal de Contas, cumprindo com as suas formalidades, mas com uma natureza própria, diferente da que se conheceu até os anos 90. Mudanças houveram. Senão na estrutura e fundamentalmente na natureza operacional do Tribunal de Contas de Cabo Verde que hoje conhecemos. A observação constituiu essencialmente na aplicação de análise documental e questionários a alguns grupos alvo, nomeadamente algumas personalidades ligadas à política, à economia e ao poder judicial. Entrevistas e questionários ao actual Presidente do Tribunal de contas de Cabo Verde, Dr José Carlos Delgado, aos ex-juízes Conselheiros da Instituição, alguns técnicos, entre outros. Por fim procedeu-se à análise das informações e dos dados recolhidos e consequente elaboração das conclusões. As hipóteses foram: O esquema administrativo implantado em Cabo Verde pela administração portuguesa para que se fizesse o controlo das contas públicas abriu caminho para uma grande capacitação dos quadros cabo-verdianos no processo de [email protected] Página 10 controlo das contas. Após a independência foi necessário o Estado de Cabo Verde ter uma forte intervenção na economia e na reformulação das instituições, adaptando-as à nova realidade do país, criando assim mecanismos de controlo das contas. Para isso utilizou-se o ministério das finanças para exercer esta tarefa, acumulando funções com esta atribuição. A abertura democrática projectou positivamente a imagem de Cabo Verde a nível internacional e os mecanismos de controlo das contas públicas não ficaram de lado em todo este processo, uma vez que eram uma garantia institucional e consequentemente foram implementadas com rigor e transparência. Este rigor e transparência era um imperativo porque Cabo Verde encontrava-se muito mais dependente das ajudas externas. O rigor e a transparência exigida pelas instituições internacionais de ajuda ao processo de desenvolvimento tornavam-se cada ver mais fortes devido às situações de incumprimento e corrupção registado em muitos países. As finanças públicas na Iª República eram controladas pelo Estado/partido que se constituía como uma entidade fiscalizadora principal de todas as contas do Estado; Houve profundas alterações na estrutura e na natureza da instituição de controlo de contas públicas em Cabo Verde após a abertura democrática de 1990. Finalmente, com a criação do Tribunal de Contas de Cabo Verde, o controlo das contas ganhou um novo impulso. Apostado no rigor e transparência passou a fazer o controlo de todas as contas públicas no país. De ressaltar que as Instituições Superiores de Controlo das Contas Públicas têm um papel fundamental na estabilização económica, na luta contra a corrupção e dão credibilidade ao país junto das instituições nacionais e internacionais. Com base na elaboração das hipóteses acima referidas partimos para a actividade exploratória. Após o percurso de pesquisa bibliográfica, elaboramos uma problemática que serviu de suporte na construção do modelo de análise. [email protected] Página 11 O presente trabalho está estruturado em quatro capítulos: Primeiro sob o título “Instituições segundo as modernas perspectivas institucionalistas: aspectos teóricos”, procurar-se-á descortinar o conceito de instituição, tendo por base as análises de Veblen, os neo-institucionalistas e a abordagem da Nova Economia Institucional. Tentaremos descortinar o que representam estas “regras do jogo” na interacção entre os indivíduos. Focar-se-à no processo de modelação institucional, ressaltando a questão da dependência de caminho, que, mostra o carácter diferenciado do percurso de desenvolvimento económico e institucional. O papel do Estado neste processo afigurase importante, pelo que este ponto tentará elucidá-lo. Elaborar-se-á uma análise do papel do Estado no processo de desenvolvimento, dando uma especial atenção à questão institucional. Proceder-se-á à análise do conceito de desenvolvimento económico, no sentido em que este, não é apenas crescimento do PIB, mas também conjunto de condições que trespassa toda a camada social. E partiremos do pressuposto que o desenvolvimento institucional guia todo o processo de desenvolvimento e faz-se por etapas e, só a sustentabilidade na produção de recursos, não é capaz de manter e prolongar um nível de desenvolvimento aceitável. No capitulo II proceder-se-á à análise do Processo de Criação de Instituições em Cabo Verde, passando primeiramente por uma caracterização geral do País – Cabo Verde, o modelo institucional adoptado no pós-independência, com especial enfoque no partido único e o consequente controlo económico. Por um lado, esta problemática do mono partidarismo e o consequente controlo económico surgiu devido à mudança e nessa sequência a necessidade que o Estado cabo-verdiano teve em reduzir a pobreza e a fome. [email protected] Página 12 Cabo Verde apanhou a onda da democratização e tornou-se independente. Um país novo, pobre, insular, com fraca industrialização, perante as tendências do capitalismo mundial. Por outro lado esta insularidade que caracteriza o país, a sua reduzida dimensão do mercado interno, a reduzida população interna (cerca de 450 mil habitantes), as diversas vulnerabilidades, sociais, económicas e ambientais, a dependência relativamente ao mercado externo, nomeadamente, importação de quase todos os produtos e os problemas de transporte, põe em risco a sua sustentabilidade. Não poderíamos deixar de fazer referência aos quadros qualificados da Administração Pública que desde a época colonial serviram a Metrópole. De que forma este pequeno país encarou o seu processo de desenvolvimento. Seria, com ou sem intervenção do Estado na Economia? Que modelo institucional adoptou-se? Que instituições desenvolver? É com estas questão que se entra no capítulo III, onde debruçaremos no estudo das Instituições Superiores de Controlo das Contas Públicas em Cabo Verde. Analisarse-á todo o seu percurso desde a remota administração portuguesa em Cabo Verde através das companhias donatárias, passando pelos almoxarifados, as contadorias, o Tribunal de Contas provincial controlada pela Metrópole, Tribunal do Contencioso e de Contas de Cabo Verde criado em 1919, o Tribunal Administrativo e de Contas, com a nova legislação pós-independência, até um Tribunal de Contas independente do Ministério das Finanças, com as suas competências e funções. Tentar-se-á perceber a evolução destas instituições em Cabo Verde até ao nosso actual Tribunal de Contas, como hoje o conhecemos, com todo o poder que exerce, todas as suas competências e requisitos e toda a imagem que ela tem em Cabo Verde e que projecta a nível internacional. [email protected] Página 13 Finalmente, já no capítulo IV, falaremos da importância das actividades das Instituições Superiores de Controlo na melhoria do processo de governação e para o aprofundamento da democracia. Neste ponto falaremos da experiência portuguesa, que já tem grande experimentação nesta matéria. Tentar-se-á perceber como é que os tribunais de conta portugueses relacionam com os órgãos de controlo interno, o Parlamento e os cidadãos e com organizações internacionais como a INTOSAI. Servirá este estudo para levantar questões e pistas de reflexão sobre o actual Tribunal de contas de Cabo Verde e apontar alguns caminhos orientadores para o prosseguimento do controlo das contas públicas e da boa governação. Serve esta também para indicar caminhos de pesquisa numa matéria que ainda é nova em Cabo Verde, mas que, em determinados momentos, tem preenchido a agenda política caboverdiana. O Tribunal de Contas de Cabo Verde tem-se pautado pelo rigor, transparência e sobretudo, determinado no controlo das finanças públicas, promovendo o combate à corrupção e elevando o nível da boa governação em Cabo Verde. [email protected] Página 14 1. Instituições segundo as modernas perspectivas institucionalistas aspectos teóricos. Men are powerless to secure the future; institutions alone fix the destinies of nations. – Napoleon I, Imperial Séance (June 7, 1815). As instituições são definidas como sendo regras, formais ou informais, criadas pelos indivíduos para regular a interacção entre eles numa sociedade. As instituições são: conjunto de regras do jogo numa sociedade North, (1990). Tais instituições estruturam os incentivos da troca entre as pessoas, seja ela económica, política ou social. As instituições têm um papel importante na mediação que fazem no funcionamento dos mercados. Para além disso, as instituições reservam um papel principal que é o de reduzir as incertezas existentes no ambiente económico, social e político criando estruturas estáveis que regulem a interacção entre os indivíduos. O processo de desenvolvimento de um país afecta toda a sua estrutura institucional, e por conseguinte, não deixa de parte a evolução das suas instituições. Estas, absorvem ao longo do tempo diversas modificações. Quando essas modificações são positivas, dão um impulso positivo em termos de eficiência, dando origem a arranjos institucionais favoráveis, conduzindo, deste modo a desempenhos favoráveis. As instituições como conjunto de regras, elas conduzem a uma interacção entre os agentes. Não queremos dizer aqui que as instituições apenas restringem ou limitam o campo de comportamentos possíveis no encontro dos agentes no processo de transacções, mas elas têm também um papel pró-activa e construtiva na interacção entre os agentes, tanto porque fornecem os quadros necessários para projectar suas decisões no tempo, como também fornecem os meios para ajuizarem os resultados. [email protected] Página 15 Cada matriz institucional de um determinado país tem uma influência directa no desempenho económico desse mesmo país, de duas formas: 1º reduzindo os custos de transacção, 2.º reduzindo os custos de transformação (ou de produção), que juntos somam os custos totais. Como as instituições são fundamentais à compreensão das diferentes trajectórias de crescimento económico, tanto a nível macro como microeconómico, torna-se necessário defini-las de uma forma mais ampla, mas não é tarefa fácil devido à sua complexidade e, às vezes, ambiguidades que ela contém. Há diferentes perspectivas de abordagem que não somente aquela que a define como sendo regras de jogo numa sociedade, mas ela também remete-nos para as abordagens institucionalistas, sobre o qual iremos debruçar, de forma comparativa. A concepção metodológica do pensamento institucionalista está mais próximo do campo analítico heterodoxo do que do mainstream neoclássico, visto que os princípios institucionalistas originaram a partir da oposição aos fundamentos de equilíbrio, do óptimo e da racionalidade substantiva. Qualquer abordagem analítica que se pretenda ser institucionalista inclui a noção de path dependency, o que significa reconhecer o carácter diferenciado do processo de desenvolvimento económico e, pressupor que o ambiente económico envolve conflitos e incertezas. [email protected] Página 16 1.1. A abordagem institucionalista do conceito de instituição em Veblen. Instituição em Veblen pode ser resumida como um conjunto de normas, de valores e sua evolução no tempo. Esses factores resultam das interacções entre os agentes no presente que acaba por influenciar as posições futuras. Há, portanto, um forte vínculo entre as especificidades históricas e a abordagem evolucionária. Segundo Hodgson, “The core ideas of institutionalism concern institutions, habits, rules, and their evolution. However, institutionalism do not attempt to build a single, general model on the basis of those ideas. 0Instead, these ideas facilitate a strong impetus toward specific and historically located approaches to analysis. (...) The institutionalist approach moves from general ideas concerning human agency, institutions, and the evolutionary nature of economic processes to specific ideas and theories, related to specific economic institutions or types of economy. Accordingly, there are multiple levels, and types, of analysis. Nevertheless, the different levels must be linked together. A crucial point here is that the concepts of habit and of an institution help to provide the link between the specific and the general.”1. Esses aspectos sugerem que a relação entre a actividade humana, as instituições e a natureza evolucionária do processo económico definiriam diferentes tipos de economia. Alguns autores institucionalistas, dos mais antigos como Veblen, John Commons e Wesley Mitchel desenvolveram uma linha analítica mais descritiva da instituição, deixando a descoberto algumas questões teóricas. Desta forma, tal linha de pensamento pagou um pesado tributo, ao ser qualificada, por outros conceituados autores, como Schumpeter e Marshall, de pseudoteoria (Hodgson, 2000). 1 Hodgson (1998:168) [email protected] Página 17 O que torna os institucionalistas evolucionários é a rejeição em pensar a economia em torno da noção de equilíbrio ou ajustamento marginal, reiterando a importância do processo de mudança e transformação. A abordagem de Veblen centrase em três pontos: Primeiramente na inadequação da teoria neoclássica em tratar as inovações, supondo-as dadas, desconsiderando as condições de sua implantação; Numa segunda fase, a preocupação com a forma como se dá a mudança e o consequente crescimento, e não com o equilíbrio estável; em terceiro lugar, a ênfase colocada no processo de evolução económica e transformação tecnológica. A reiterada crítica ao pensamento neoclássico persiste pelo facto de o mesmo ter por pressuposto uma falsa concepção da natureza humana. O indivíduo é equivocadamente visto apenas em termos hedonísticos, sendo um ente socialmente passivo, inerte e mutável. Tal hipótese, veementemente rejeitada por Veblen, estabelece como alternativa a tentativa de construir uma “teoria económica evolucionária”, em que instintos, hábitos e instituições exerçam, na evolução económica, papel análogo aos genes na biologia [Veblen, (1899), apud Hodgson, 1993)]. Isto significa que as linhas de acção habituais definem pontos de vista através dos quais os factos e as tendências são percebidos. Como são as instituições sociais e a cultura que dão origem a certas formas de selecção e compreensão dos dados, estabelece-se a partir daí importantes vínculos entre o pensamento evolucionário e as concepções de Veblen sobre o papel das instituições2. Em 1919, Veblen salientava que a história da vida económica dos indivíduos constituía-se num “processo cumulativo de adaptação dos meios aos fins, que, cumulativamente, modificava-se, enquanto o processo avançava”. Isto implica reconhecer que Veblen adoptou uma posição pós-darwiniana, enfatizando o carácter de 2 (Hodgson, 1993:17). [email protected] Página 18 “processo de causação” tão comum na concepção evolucionária. Veblen escreveu, em 1899, que “a vida do homem em sociedade, assim como a vida de outras espécies, é uma luta pela existência e, consequentemente, é um processo de selecção adaptativa. A evolução da estrutura social tem sido um processo de selecção natural de instituições” [(Veblen, (1899), apud Hodgson, (1993)]. Esse processo de selecção ou coerção institucional não implica que elas sejam imutáveis ou rígidas. Pelo contrário, as instituições mudam e, mesmo através de mudanças graduais, podem pressionar o sistema, por meio de explosões, conflitos e crises, levando a mudanças de atitudes e comportamentos. Em qualquer sistema social há uma permanente tensão entre ruptura e regularidade, exigindo constante reavaliação de comportamentos rotineiros e decisões voláteis de outros agentes. Mesmo podendo persistir por longos períodos, as instituições estão igualmente sujeitas a súbitas rupturas e consequentes mudanças nas maneiras de pensar e nas acções, que são cumulativamente reforçadas. A complexidade das ideias de Veblen o credencia a estar incluído entre os grandes nomes do pensamento económico, como Marx, Marshall e Schumpeter. Igualmente poderia fazê-lo figurar entre os principais expoentes da “economia evolucionária”, uma vez que as suas pesquisas, assim como as de Schumpeter, procuravam implicitamente explorar a aplicação de ideias da biologia às ciências económicas. Isto, segundo Hodgson (1993), torna Veblen um evolucionário, o que permite designar o pensamento institucionalista como “institucionalismo evolucionário”. Neste sentido, Samuels (1995) afirma que o termo institucionalista é usado sem prejudicar o termo evolucionário, pois o que os une é um “corpo de conhecimento” comum, conforme será visto no próximo item. Segundo Samuels, “(...) all have an interest in topics that are institutionalist in substance and have no particular interest in [email protected] Página 19 contributing to the neoclassical paradigm. Some are specialists in particular areas of study, such as evolutionary analysis, organisation theory, and technology. These subjects require, as they see it, modes and methods of analysis often quite different from, though not necessarily totally in conflict with, neoclassical approaches to their subject. These modes and methods of analysis are more congruent with those of the US institutionalists, although they sometimes use tools and concepts originally developed by neoclassicists, such as transaction costs.”3 O revigoramento do interesse em discussões de temas institucionalistas seguindo a tradição dos “velhos” institucionalistas norte-americanos recolocou a necessidade de se aprofundarem algumas das noções propostas originariamente por Veblen. E foi tal objectivo de pesquisa que as abordagens neo-institucionalistas propuseram-se a desenvolver. 1.2. A perspectiva neo-institucionalista do conceito de instituições. O pensamento institucionalista ressurge no final dos anos 60, após quase 40 anos de ausência com a expressão de Hodgson, retomando seu vínculo com a antiga tradição norte-americana. Tal revigoramento dá-se, principalmente, através da Association For Evolutionary Economics (AFFE), responsável pelo Journal of Economic Issues, que, sob a influência de autores como Galbraith, Gruchy, seguidos de Hodgson, Ramstad, Rutherford, Samuels, Mark Tool, Stanfield e outros, constituiu a corrente neoinstitucionalista. A ideia de instituição nessa corrente é semelhante à de Veblen, Commons e Mitchell, deixando transparecer alguma discordância em percebê-la apenas como a que estabelece as “regras do jogo”, como genericamente o fez North e como fazem alguns autores da Nova Economia Institucional. Para os neo-institucionalistas, o 3 O termo “economia institucional” é usado sem prejuízo ao de “economia evolucionária”, pois ambos são unidos por um campo de pesquisa comum, Samuels (1995:576-577). [email protected] Página 20 conceito de instituição deve reportar-se a Veblen e Commons: “Veblen defined an institution as a habit of thought common to the generality of men. Commons defined an institution as collective action in control and enlargement, or liberation, of individual action. The two definitions appear at first glance to be in conflict but they are quite congruent and represent heuristic tools for analysis. Veblen’s definition stresses the cognitive aspect of institutions, whereas Common’s stresses the interpersonal or interelational aspect”.4 Hodgson (2000) apresenta uma outra definição, que complementa a anterior, actualizando-a dentro dos novos enfoques económicos: “Institutions are durable systems of established and embedded social rules that structure social interactions. Language, money, systems of weights and measures, table manners, firms (and other organizations) are all institutions. In part, the durability of institutions stems from the fact that they can usefully create stable expectations of the behaviour of others. Generally institutions enable ordered thought, expectation and action, by imposing form and consistency on human activities. They depend upon the thoughts and activities of individuals but are not reducible to them”. A abordagem neo-institucionalista resgata a importância de conceitos centrais ao antigo Institucionalismo Norte-americano e alimenta-se do crescente vigor teórico da tradição evolucionária. Conforme Samuels, alguns pressupostos definem seu conteúdo. Segundo ele, há no pensamento institucionalista “(...) objection to the mechanistic quest by neoclassicists for static determinate optimum equilibrium results. For the institutionalists the economic system not only comprises more than the market, it is an ongoing cultural process with elements which coevolve through complex cumulative 4 Samuels, (1995:575). [email protected] Página 21 processes of cumulative causation” 5. Por exemplo, Ray Marshall (1993) refere-se à economia institucional como a proposta por Wendell Gordon (1980), cujas ideias podem ser agrupadas em quatro eixos: primeiro, a economia é vista como um “processo contínuo”, que se opõe às hipóteses da economia ortodoxa, à medida que a “economia positiva” não está relacionada ao tempo, lugar e circunstâncias; segundo, as interacções entre instituições e valores são fundamentais; terceiro, a análise económica ortodoxa é rejeitada por ser demasiadamente dedutiva, estática e abstracta, constituindo-se mais em elevação das instituições económicas dominantes do que em uma procura pela verdade e justiça social; e quarto, os institucionalistas enfatizam aspectos ignorados por muitos economistas ortodoxos, como os trabalhos empíricos e teóricos de outras disciplinas, que conferem à economia um carácter multidisciplinar, ou seja, reconhecem a importância de interesses e conflitos, a mudança tecnológica e a inexistência de uma constante (velocidade da luz, por exemplo) aplicável à vontade humana, o que torna difícil compreender a economia como uma “teoria positiva”6 Portanto, importa à economia institucionalista o processo histórico na formulação das ideias e das políticas económicas. Samuels vê a economia institucional como uma alternativa não-marxista na seguinte afirmação: “[s]ome institutionalists consider their approach to be mutually exclusive with neoclassicism, whereas others, including this writer, consider institutionalism and neoclassicism to be supplementary. Some institutionalists consider their approach to be mutually exclusive with Marxism, whereas others, including this writer, consider institucionalism and Marxism as having significant areas of overlap. There 5 6 has been considerable diversity within institutional economics. Such Idem. Marshall, (1993:302). [email protected] Página 22 heterogeneity is not pathological. It is a sign of richness and ferment” 7. Para tanto, propõe um “paradigma institucionalista” como forma de identificar os elementos e crenças comuns, que operam em níveis teóricos e práticos semelhantes, sem, entretanto, deixar de distinguir as várias aplicações específicas. O primeiro ponto desse paradigma é o do papel do mercado como mecanismo, guia da economia ou a concepção da economia enquanto organizada e orientada pelo mercado. Para os institucionalistas (questionam a escassez de recursos alocados entre usos alternativos pelo mercado), quem determina a real alocação em qualquer sociedade é sua estrutura organizacional, ou seja, suas instituições, enquanto o mercado apenas dá cumprimento às instituições predominantes. O segundo ponto refere-se à preocupação dos institucionalistas com a organização e o controlo da economia, que constitui um sistema mais abrangente e complexo do que o mercado. Isto implica reconhecer a importância de vários aspectos, tais como: a distribuição de poder na sociedade; a forma de operação dos mercados (enquanto complexos institucionais em interacção uns com os outros); a formação de conhecimento (ou o que leva ao conhecimento em um mundo de radical indeterminação sobre o futuro); e a determinação da alocação de recursos (nível de renda agregada, distribuição de renda, organização e controlo), onde a cultura geral também importa8. O terceiro ponto é que há nos institucionalistas várias críticas ao neoclassicismo, embora Samuels julgue que exista uma certa complementaridade entre ambas as escolas, com notáveis contribuições dos últimos quanto ao funcionamento do mercado. Para os institucionalistas, a principal falha do pensamento neoclássico está no “individualismo metodológico”, que consiste em tratar indivíduos como independentes, auto subsistentes, com suas preferências dadas, porquanto, na realidade, os indivíduos 7 Idem, p. 570. 8 Samuels, (1995:571). [email protected] Página 23 são cultural e mutuamente interdependentes, o que implica analisar o mercado do ponto de vista do “colectivismo metodológico”. Mais ainda, o conceito de mercado é uma metáfora para as instituições que formam, estruturam e operam através dele9. Ao criticar a natureza estática dos problemas e modelos neoclássicos, reafirmam a importância de se resgatar a natureza dinâmica e evolucionária da economia. Portanto, o “paradigma institucionalista” centra-se em três dimensões: primeira: a crítica à organização e performance das economias de mercado, por se constituírem em mera abstracção; segunda: a geração de um substancial “corpo de conhecimento” em uma variedade de tópicos; terceira: o desenvolvimento de um approach multidisciplinar para resolver problemas. O referido corpo de conhecimento institucionalista é constituído por oito itens, que mais ou menos aglutinam as várias abordagens institucionalistas. São eles: a ênfase na evolução social e económica com orientação explicitamente activista das instituições sociais; o controlo social e o exercício da acção colectiva constituem a economia de mercado, que é um “sistema de controlo social” representado pelas instituições, as quais a conformam e a fazem operar; a ênfase na tecnologia como força maior de transformação do sistema económico; o determinante último da alocação de recursos não é o mecanismo abstracto de mercado, mas as instituições, especialmente as estruturas de poder, que os estruturam; a “teoria do valor” dos institucionalistas não se preocupa com os preços relativos das mercadorias, mas com o processo pelo qual os valores se incorporam e se projectam nas instituições, estruturas e comportamentos sociais; a cultura tem um papel dual no processo da “causação cumulativa” ou coevolução, porque é produto de uma contínua interdependência entre indivíduos e subgrupos; a estrutura de poder e as relações sociais geram uma estrutura marcada pela desigualdade e hierarquia, razão pela qual as instituições tendem a ser pluralistas ou 9 Idem. [email protected] Página 24 democráticas em suas orientações; e os institucionalistas são holísticos, permitindo o recurso a outras disciplinas, o que torna seu objecto de estudo económico, necessariamente, multidisciplinar. Todas as abordagens, apesar das diferentes nuances, aproximam-se do referido corpo de conhecimento, revelando um ponto em comum: a negação do funcionamento da economia como algo estático, regulado pelo mercado na busca do equilíbrio óptimo. Portanto, para o pensamento neo-institucionalista, persistem sérios antagonismos em relação ao neoclassicismo, o que não pode ser dito em relação aos teóricos da Nova Economia Institucional, para os quais há forte complementaridade entre sua respectiva concepção e aquela corrente. Essa divergência distingue, talvez de maneira inconciliável, o pensamento institucionalista entre os dois referidos matizes: o neoinstitucionalismo e a Nova Economia Institucional, conforme se procurará discutir a seguir. [email protected] Página 25 1.3. A abordagem do conceito de instituições na nova economia institucional Desde meados dos anos 60 avançou-se, no meio académico, um grande interesse e a consequente expansão de estudos na área que ficou conhecida como “Nova Economia Institucional” (NEI). Os principais autores que deram suporte a essa análise foram Coase, Williamson e North. Para esses autores, as instituições, ao se constituírem em mecanismos de acção colectiva, teriam como fim dar “ordem” ao conflito e aumentar a eficiência. Commons é, para a Nova Economia Institucional, a principal referência em relação ao antigo institucionalismo. Para ele, a maior contribuição da economia institucional era a explicação da importância da acção colectiva, cujo grau de cooperação exigido para se lograr eficiência surgia não de uma pressuposta harmonia de interesses, mas da invenção de instituições, que colocariam ordem no conflito, entendendo-a como um conjunto de “normas funcionais de acção colectiva, onde a lei é um caso especial”10. Sob esse enfoque, cabe destacar, mais uma vez, a definição de instituição proposta por Douglas North: “Institutions are the humanly devised constraints that structure human interaction. They are made up of formal constraints (e.g. rules, laws, constitutions), informal constraints (e.g. norms of behaviour, conventions, self-imposed codes of conduct), and their enforcement characteristics. Together they define the incentive structure of societies and specially economies. (...) Institutions form the incentive structure of a society, and the political and economic institutions, in consequence, are the underlying, determinants of economic performance. Time as it relates to economic and societal change is the dimension in which the learning process of human beings shapes the way institutions evolve”.11 10 11 Williamson, (1991:19). North, (1994:359-360). [email protected] Página 26 Ao colocar as instituições no centro do processo de desenvolvimento ou evolução da sociedade, North estabelece um elo de ligação das instituições com a abordagem neoclássica cuja mediação é feita pelo importante conceito de custos de transacção de Coase (1960) e Williamson (1985). Na sua visão: “Institutions and the technology employed determine the transaction and transformation costs that add up to the costs of production. It was Ronald Coase (1960) who made the crucial connection between institutions, transaction costs, and neoclassical theory. The neoclassical result of efficient markets only obtains when it is costless to transact. Only under the conditions of costless bargaining will the actors reach the solution that maximizes aggregate income regardless of the institutional arrangements. When it is costly to transact, then institutions matter”12. A Nova Economia Institucional preocupa-se, fundamentalmente, com aspectos micro-económicos, dando ênfase à teoria da empresa em uma abordagem não convencional, mesclada com história económica, economia dos direitos de propriedade, sistemas comparativos, economia do trabalho e organização industrial. Em linhas gerais, esses estudos centram a sua análise nas “transacções”. Segundo Williamson, “[l]os puntos comunes que vinculan estos diversos estudios son: (1) un consenso evolutivo en cuanto a que la microteoria convencional, tan útil y poderosa para muchos propósitos, opera en un nivel de abstracción demasiado alto para permitir que muchos fenómenos microeconómicos importantes se aborden de manera expedita; (2) una sensación de que el estudio de las ‘transacciones’, que ocupó la atención de los institucionalistas de la profesión hace alrededor de 40 años, es en realidad un punto fundamental y merece renovada atención. Sin embargo, a diferencia de los institucionalistas de antaño, el grupo actual se inclina hacia el ecleticismo. Los nuevos economistas institucionales 12 North, (1994:360). [email protected] Página 27 recurren a la microteoria y, en su mayoría, consideran lo que hacen más como un complemento que un sustituto del análisis convencional”13. Três hipóteses de trabalho aglutinam o pensamento da Nova Economia Institucional: em primeiro lugar, as transacções e os custos a ela associados definem diferentes modos institucionais de organização; em segundo lugar, a tecnologia, embora se constitua em aspecto fundamental das organizações, não é um factor determinante da mesma; e, em terceiro lugar, as “falhas de mercado” são centrais à análise. O antigo institucionalista norte-americano Commons é, para os teóricos da economia dos custos de transacção, um de seus fundadores. Ao fundar a tradição institucionalista, tratou de explorar aspectos novos empregando uma linguagem quase-judicial, cujo objecto de investigação era a transacção. Além disso, via o conflito como algo natural, em face da existência permanente de escassez na vida económica. Segundo ele, os estudos até então existentes sobre as empresas e os mercados preocupavam-se não em estabelecer princípios fundamentais, mas em elaborar análises, de maneira arbitrária, sem quaisquer conteúdos teóricos mais profundos. Esse artigo trata de dois pontos fundamentais: primeiro, não é a tecnologia, mas as transacções e seus respectivos custos que constituem o objecto central da análise; e, segundo, a incerteza e, de maneira implícita, a racionalidade limitada constituem-se em elementoschave na análise dos custos de transacção. Portanto, a empresa teria como função economizar os custos de transacção, o que se daria de duas maneiras: através do mecanismo de preços, que possibilitaria à empresa escolher os mais adequados em suas transacções com o mercado, gerando “economia de custos de transacção”; e substituindo um contracto incompleto por vários contractos completos, uma vez que seria de se supor que contractos incompletos 13 Williamson, (1991:18). [email protected] Página 28 elevariam os custos de negociação. Williamson salienta que Coase não aborda com a devida profundidade os aspectos internos da organização, mas supera analiticamente a ênfase no papel do mercado, o que constituiu um notável avanço para a época. O conceito de custos de transacção está intimamente associado à racionalidade limitada e ao oportunismo, ambos inerentes à organização económica e pressupondo a existência de falhas de mercado. Portanto, a ênfase nos aspectos internos da firma, as noções de “mercados e hierarquias” e a presença de falhas de mercado constituem o campo de análise da Nova Economia Institucional. Saliente-se que o surgimento das referidas falhas de mercado é resultante não da incerteza, mas da reunião da racionalidade limitada com o oportunismo. Como as transacções são fundamentais ao comportamento das empresas (Coase, 1972), elas também afectam a organização interna das empresas, influindo em sua estrutura hierárquica e na forma como as actividades internas se decompõem em partes operativas. Isto estabelece a fusão da estrutura organizacional interna com a estrutura de mercado, o que permite explicar a conduta e o desempenho nos mercados industriais e as subdivisões daí derivadas. Como todo o esquema de funcionamento da organização económica baseia-se na “transacção”, que é o seu objectivo central, deriva-se daí a seguinte proposição básica: assim como a estrutura de mercado é importante para avaliar a eficácia do comércio em actividades mercantis, a estrutura interna é útil para avaliar a organização interna. Portanto, “factores ambientais” conjugam-se com “factores humanos” para, dentro do enfoque de mercados e hierarquias, explicar quão custoso é elaborar um contrato, colocá-lo em execução e fazer respeitar suas complexas condições. Tais dificuldades, aliadas ao risco de se enfrentarem contratos incompletos, sob diversas condições não previsíveis, podem fazer com que a empresa decida evitar o mercado e recorrer a modelos hierárquicos de organização. Há, portanto, uma conexão entre os três conceitos fundamentais da Nova [email protected] Página 29 Economia Institucional: racionalidade limitada14 e oportunismo são hipóteses de comportamento que justificam a existência de custos de transacção. O oportunismo manifesta-se na fraqueza da própria razão e consiste na busca do auto-interesse com astúcia15. Relacionando oportunismo com a organização interna da empresa, observa-se que ele se manifesta através da má fé e desonestidade nas transacções. Nos casos em que há relações de intercâmbio altamente competitivas, as tendências oportunistas apresentam pouco risco; em outros casos, muitas transacções que, no início, envolviam licitadores qualificados tornam-se, ao longo do processo de execução do contrato (e antes de sua respectiva renovação), custosas e arriscadas, quando a elas se une o oportunismo16. A combinação de racionalidade limitada e incerteza adicionada, em segunda instância, ao oportunismo, somado às idiossincrasias, origina a organização interna da empresa. Portanto, a “economia dos custos de transacção” e a organização industrial definem o ambiente institucional e, consequentemente, as instituições que orientam o processo de tomada de decisões, em um meio permeado por incerteza e racionalidade 14 A racionalidade limitada é um princípio definido por Herbert Simon, a partir do reconhecimento do limite da capacidade da mente humana em lidar com a formulação e resolução de problemas complexos em face da realidade. Em função de limites tanto “neuro-fisiológicos” quanto de linguagem, torna-se por demais onerosa a adaptação às sucessivas eventualidades futuras não previsíveis. Por esta razão, os contractos de longo prazo precisam se antecipar aos referidos limites por meio de uma organização interna tal que permita à firma adaptar-se às incertezas, mediante processos administrativos de forma sequencial. Assim, em vez de antecipar todas as circunstâncias possíveis (contracto completo), a própria organização interna economiza os atributos de racionalidade limitada, tomando decisões em circunstâncias nas quais os preços deixam de ser “estatísticas suficientes” e a incerteza assume a devida importância. 15 O comportamento oportunista é exercido sob três formas: o manifesto, o subtil e o natural. No primeiro, o comportamento é semelhante ao do Príncipe de Nicolau Maquiavel: sabendo que os agentes económicos com quem tratava eram oportunistas, foi alertado a se engajar na recíproca, rompendo contratos com impunidade, sempre que arbitrasse que as razões que mantinham o vínculo de obrigações não mais existiam. No subtil, ocorre o comportamento estratégico, descrito na forma de buscar ou perseguir o auto-interesse com subtileza ou astúcia. Na forma natural de oportunismo, o sistema é tratado de maneira marginal e as decisões são tomadas visando auto-interesses corporativos. 16 Williamson, (1991:26). [email protected] Página 30 limitada e oportunismo17, com vistas à redução dos custos de transacção. Como normalmente acontece com conceitos centrais, como o de custos de transacção, há uma tendência a torná-lo tautológico, já que, ao procurar explicar tudo, acaba não explicando nada. A tradição institucionalista seguidora de Coase vê os custos de transacção, geralmente menos perceptíveis e de menor facilidade de identificação do que os custos de produção, como importante factor de tomada de decisão das empresas. Afirma-se que os custos totais são compostos de dois elementos: custos de produção, de um lado, e custos de transacção, de outro. As análises convencionais centram-se apenas nos primeiros, desconsiderando os últimos, já que são formados em ambientes institucionais variados e heterogéneos. Isto revela a importância das questões levantadas por Coase (tais como: por que é que as organizações importam? se os mercados fossem tão eficientes, teria sentido haver instituições e/ou organizações?). Como a operação de um mercado custa alguma coisa então importa o conteúdo teórico da Nova Economia Institucional. É comum surgir na literatura a “ficção” de um custo de transacção zero, como uma situação ideal a ser perseguida na actividade económica. Entretanto, o sistema não comporta esta possibilidade e está irremediavelmente sujeito à incidência de custos de transacção positivos. O fundamental não é discutir a existência desses factores, mas sim estabelecer como e por que os custos de transacção variam conforme os diferentes modos de organização. Isto implica considerar os seguintes aspectos: a transacção é a unidade básica de análise; as transacções diferem quanto à frequência, à incerteza e, especialmente, à especificidade dos activos; cada forma genérica de governação (mercado, híbrido, instituição privada ou pública) é definida por uma síndrome de 17 Segundo Williamson (1991:23), os modelos económicos standard tratam os indivíduos como se jogassem um jogo com regras estabelecidas e obedecidas: não compram mais do que podem pagar, não malversam fundos e não roubam bancos. Ao contrário das suposições convencionais, o oportunismo assume uma variedade de formas e tem papel central na análise de mercados e hierarquias. [email protected] Página 31 atributos, em que cada uma revela discretas diferenças estruturais, tanto de custo quanto de concorrência; cada forma genérica de governação é sustentada por uma maneira distinta de contrato legal; as transacções, que diferem em seus atributos, estão alinhadas conforme as estruturas de governação, que também diferem em custos e competências; o meio ambiente institucional (instituições políticas e legais, leis, costumes, normas) é o locus da mudança de parâmetros que provocam alterações nos custos de governação; e a economia dos custos de transacção, sempre e em qualquer lugar, é um exercício de “análise comparativa institucional” em que as comparações relevantes se dão entre alternativas factíveis, razão pela qual ideias hipotéticas são operacionalmente irrelevantes18. De entre os críticos da análise de Williamson, inclui-se Pitelis (1998), que afirma que o referido autor centra sua análise na comparação de formas diferenciadas de organização capitalista, sem ter propriamente uma clara definição do termo. Já Zysman (1994) afirma que Williamson constrói uma micro-economia organizacional (da análise do custo de transacção) que coloca os agentes, no caso indivíduos, tentar arranjar suas transacções da maneira mais eficiente. Nesta noção está implícito que a única razão pela qual as nações industrializadas avançadas têm sistemas económicos de mercado, com empresas de mais de uma pessoa, é a tentativa de reduzir os altos custos de transacção, que são criados por três forças: especificidade dos activos, racionalidade limitada e oportunismo. Assim, para a Nova Economia Institucional, a geração da acção colectiva e a estruturação de arranjos contratuais apropriados para minimizar custos de transacção orientariam o comportamento e a definição das próprias instituições. Apesar da pertinência dessas críticas, é inegável reconhecer o avanço obtido no campo de pesquisa 18 Williamson, (1995:27). [email protected] Página 32 da NEI no tratamento teórico dado às empresas e organizações, superando em larga medida os limites da análise convencional. [email protected] Página 33 1.4. O papel do Estado no processo de desenvolvimento económico e institucional. “No society can surely be flourishing and happy, of which by far the greater part of the numbers are poor and miserable” Adam Smith, 1776. O desenvolvimento económico, é um processo com várias etapas e que consome muito tempo no seu processo de consolidação. Vai desde a criação de riqueza num país até a forma como é distribuída este mesmo rendimento. Meier constata que o desenvolvimento económico atravessa estas fases, definindo-o desta forma:“Economic development is the process whereby the real per capita income of a country increasses over a long period of time – subject to the stipulations that the number of people below an “absolute poverty line” does not increase, and that the distribution of income does not become more unequal”19. Este processo continuado de aumento do rendimento implica um conjunto de factores não apenas os relacionados com o crescimento económico, engloba também mudanças nas estruturas sociais e económicas. Portanto, para além do elemento quantitativo, existe também uma forte componente qualitativa quando se fala do desenvolvimento económico. Esta diferença qualitativa está no melhoramento da performance de vários factores, e Meier, é expressivo na seguinte afirmação: “Development is taken to mean growth plus change: there are essential qualitative dimensions in the development process that extend beyond the growth or expansion of an economy through a simple widening process. This qualitative difference is especially likely to appear in the improved performance of the factors of productions and 19 MEIER, (1995:7). [email protected] Página 34 improved techniques of production–in our growing control over nature. It is also likely to appear in the development of institutions and a change in attitudes and values” 20. Tendo em conta as desigualdades sociais e os níveis de pobreza registada nos países pobres, o desenvolvimento económico abarca necessariamente o reforço das capacidades no sentido da redução da pobreza; “The primary task of development is to eliminate poverty”21. O Millennium Development Goals22, traça um conjunto de objectivos a alcançar até 2015, e a redução da pobreza está na génese de todos esses objectivos. Como se pode verificar, o desenvolvimento económico requer um período longo para a sua concretização. Não basta dar início a um processo de desenvolvimento económico, fundamental será, então, torná-la sustentável por um longo período. O Estado tem uma grande responsabilidade neste longo processo no que se refere à criação de políticas, criação de condições institucionais, a boa governação, garantir a paz e a estabilidade no país. A literatura sobre o desenvolvimento económico tem como ponto central o papel do Estado e a sua relação com o mercado. Para a abordagem do papel do Estado no processo de desenvolvimento institucional, iremos centrar no conceito de organização enquanto agente da mudança institucional. A questão do Estado é para North central no processo de desenvolvimento. E, segundo ele, o Estado pode ser uma organização com capacidade que estende para além do seu território, para além das suas fronteiras. O Estado tem uma força e um poder sobre os constituintes, nomeadamente, no que toca ao pagamento dos impostos e de garantir direitos numa determinada sociedade. Tal como North refere numa das suas passagens: 20 Idem. World Bank, Report, (1992). 22 Cf., WB, Millennium Development Goals e World Development Report. 21 [email protected] Página 35 “State is an organization with a comparative advantage in violence, extending over a geographic area whose boundaries are determined by its power to tax constituents. The essence of property rights is the right to exclude, and an organization which has a comparative advantage in violence is in the position to specify and enforce property rights23”. Portanto, o Estado não é apenas uma organização política. O Estado tem funções, não só políticas, socais e económicas, mas também de segurança, protege e garante os direitos de propriedade. Hobbes no Leviathan, define o Estado como “uma pessoa de cujos actos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum” 24. Estas funções só o Estado pode desempenhar dentro de uma sociedade. E para além disso, o Estado, na pessoa do governo, vende protecção e justiça e recebe como remuneração, os impostos. É uma função que “permanece o mesmo até os nossos dias”25. Os agentes particulares não são capazes de desempenhar esta função por ser muito custoso, uma vez que não possuem economias de escala como o Estado. O Estado acaba por acumular poupanças vindas das remunerações do serviço que presta, que depois será dividida na sociedade. North, no seu “modelo neoclássico de Estado” contempla três características26: A primeira, relativamente ao processo de troca entre o governante e os seus governados, diz, já na sua formulação inicial sobre o assunto que: 23 NORTH, (1981:21). HOBBES, (1995:146). 25 NORTH e THOMAS, (1973:97). 26 NORTH, (1881:23). 24 [email protected] Página 36 “The more monopoly power an existing prince could claim – that is, the less close or threatening were his rivals – the greater the percentage of rents which the state could appropriate”27. Portanto, as remunerações (rendas) numa sociedade onde o Estado garante os direitos de propriedade dos governados, é maior do que caso os governados garantissem eles próprios os seus direitos, dadas as economias de escala do Estado nessas tarefas. A segunda, relativamente aos termos de troca entre governantes e governados, diz que o Estado tenta agir como um monopolista discriminador, separando grupos de governados de forma a atribuir direitos de propriedade que maximizem a receita do Estado. A terceira, ainda dentro da questão dos termos de troca entre governantes e governados, diz que o Estado enfrenta restrições na sua actuação como monopolista discriminador na medida em que sempre existem rivais potenciais para o mesmo tipo de serviços28. Isto porque o Estado nas novas formas democráticas de governo respondem perante o povo, são fiscalizados e prestam contas. Isto leva a que as decisões sejam coordenadas e concertadas, o que impede as decisões autónomas. A mudança institucional não é um processo rápido. É lento e gradual, no qual as oportunidades rentáveis de curto prazo criam um conjunto de condições, favorecendo, assim, uma mudança institucional de longo prazo. Para além do papel das organizações no processo de mudança institucional, o Estado será também um agente implementador destas mudanças. O Estado é, então, aqui, um agente congregador e com forte poder para incrementar estas transformações de forma gradual sem perder de vista os objectivos benéficos a nível social, económico e político. 27 28 NORTH e THOMAS, (1973:98). FIANI, (2003:143). [email protected] Página 37 Na existência de ineficiências no funcionamento do mercado, o Estado tem uma responsabilidade interventora que vai muito além da criação das instituições adaptativas. O Estado, em vez de substituir mercados, a sua acção deve ser no sentido de criar ou completar mercados e de construir uma infra-estrutura institucional que leve os mercados a funcionarem mais eficazmente29. No entanto o Estado desempenha um papel público que só cabe a ele. O Estado cria novas instituições onde há ineficiências, mas também onde há falhas no sector privado. O Estado é necessário para regular as instituições financeiras não só para garantir a competição, mas para garantir a segurança e a sintonia no sistema financeiro, sem esquecer de promover a concorrência. Esta actuação não está apenas directamente apontado para o sector financeiro mas também para outros sectores sejam elas políticas ou sociais. Irma Adelman enfatiza o Estado como o líder no processo de desenvolvimento económico30. Na ausência do sector privado, o Estado deve continuar a incentivar os empresários, subsidiando e criando condições para a concorrência. A questão do papel do Estado no desenvolvimento económico teve um forte impacto nos anos 80, num contexto de crítica à economia Política Neoclássica. Na época, o neo-institucionalismo retomou problemas relacionados com a acção colectiva, mudança institucional, informação imperfeita e custos de transacção. Contrapondo à ideia de que o mercado nunca pode ser livre, tal como previsto pelos neoclássicos, que defende que dado que o mercado é constituído por conjunto de trocas pressupõe a existência de um conjunto de regras inseridos numa teia de relações pessoais e sociais, a actividade económica constitui um processo institucionalizado de interacção entre o homem e o ambiente que o rodeia, que lhe garante meios para satisfazer as suas 29 Ideia desenvolvida pelo Professor Doutor João Estêvão no WP 08/2004/DE/CESA, ESTÊVÃO, (2004:8). 30 ADELMAN, (1999:4). [email protected] Página 38 necessidades. Houve uma procura de alternativas ao modelo neoclássico introduzindo a dimensão institucional no plano de análise. A racionalidade individual reverte para o segundo plano a necessidade de instituições que controlam as actuações visto que no mercado os preços encarregam de coordenar toda a actividade económica. No entanto é preciso apontar que existem incertezas no mercado e com isso abre as portas à existência de regras. Regras, queremos com isto dizer – Instituições. Aqui é que entra o Neo-Institucionalismo, remetendo deste modo para o papel do Estado. É que numa situação de incerteza e quando o comportamento individual aponta sempre para a maximização do seu bemestar, é necessário instituições que controlam, definindo claramente quais são as “regras do jogo”. Qual será então o papel do Estado? Que tipo de instituições é que garante este controlo? Com que estrutura? São questões que terão a sua resposta ao longo do trabalho. Portanto, o papel do Estado no desenvolvimento, desta feita, desenvolvimento institucional, está intimamente ligado ao tipo de instituições que é desenvolvido neste processo. As abordagens de Peter Evans ajudar-nos-ão nesta questão, procurar compreender os tipos de organização interna do Estado, nomeadamente com o conceito de autonomia incrustada.31 Segundo ele, existem 3 arquétipos de Estado associado à questão de desenvolvimento: O Estado Predatório que corresponde a uma realidade em que a concretização de valores ligados ao bem-estar social está completamente afastada. É praticamente um Estado utilitário, que não se preocupa com a definição de regras claras, que não dota as 31 EVANS, (1995). [email protected] Página 39 instituições de poderes necessários ao controlo social. Todos e cada um tentam maximizar o seu bem-estar individual, consoante o poder que concentra em suas mãos, estando dentro do aparelho estatal. Com isso aumenta a desconfiança num sistema desprovido de regras claras e objectivas que orienta a acção dos indivíduos na sociedade. O Estado Desenvolvimentista, que corresponde a um Estado empreendedor junto às empresas privadas. É um Estado observador e “oportunista”, aquele que está atento ao processo de desenvolvimento, que apoia, porém com a distância suficiente como forma de evitar a monopolização burocrática. É um Estado imbuído de um espírito de transformação estrutural. Neste ponto é de referir o contributo de Chang (2003), que identifica duas funções do Estado no processo de transformação estrutural, ou seja, a provisão de uma visão para o futuro e a mediação de conflitos.32. A Correia do Norte e alguns outros países da Ásia são exemplos claros do suporte do Estado no processo de desenvolvimento, em que o Estado, em conjunto com os privados procurou soluções e orientações mais eficazes no processo produtivo e no processo de desenvolvimento interno. O Estado Intermédio, que corresponde a um Estado sem capacidade de promover um processo de desenvolvimento com especial atenção aos privados, porém não necessariamente predatório. Para uma melhor compreensão deste tipo de Estado é necessária uma análise profunda à organização interna do Estado e perceber as suas nuances institucionais. A estrutura social e a organização política de um Estado determinam em grande medida a forma de prosseguir no processo de desenvolvimento. É necessária uma boa estrutura política, determinação e um olhar na maximização do bem-estar social. Uma burocracia 32 CHANG, Ha-Jonn (2003). [email protected] Página 40 competente assente numa estrutura institucional coesa e virado para a maximização do bem-estar social revela-se decisiva para o desenvolvimento. A organização política com uma visão de progresso, determinado nas políticas de desenvolvimento e com uma excelente capacidade de gestão de conflitos tem também capital importância no processo de transformação e crescimento. [email protected] Página 41 2. O processo de criação de instituições em cabo verde. 2.1. Cabo verde: caracterização geral. Desde sempre o povo cabo-verdiano teve a sina das coordenadas interatlânticas que começou com o comércio negreiro, abastecimentos de longo curso, passando pela pesca da baleia, a convivialidade libertadora com outros povos, a saudade provocada pela emigração, chegando actualmente a um interesse de uma parceria especial com a União Europeia. Tudo isto faz parte do património cabo-verdiano que o identifica como um povo com uma identidade própria, posicionado no meio do Oceano Atlântico e que em 2008 efectivou a sua entrada no grupo dos países de desenvolvimento médio (PDM). Cabo Verde fica situado a 500 km da Costa Africana à latitude média de 16º N e à longitude média Oeste de 24º. O arquipélago de Cabo Verde é constituído por 10 ilhas e alguns ilhéus, formando dois grupos: o de Barlavento constituído pelas Ilhas de Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia (a única desabitada), São Nicolau, Sal e Boa vista e o grupo de Sotavento constituído pelas ilhas de Maio, Santiago Fogo e Brava. É um arquipélago de origem vulcânica apresentando assim ilhas muito planas e outras muito montanhosas. O clima é temperado/tropical seco, influenciado pelos ventos alísios do Norte e integrado na zona do Sahel, com grande escassez de chuva. Existe uma grande escassez de recursos naturais, reduzidos ao sal, pesca, porcelana. A sua posição estratégica e um elevado índice de escolarização da população tem ajudado este país na senda do desenvolvimento. A população residente, resultante de uma mestiçagem entre colonos europeus e escravos africanos que se fundiram num só povo, o crioulo, representa, segundo estimativas do Instituto Nacional de Estatística de Cabo Verde, cerca de 480.000 habitantes em 2006 numa proporção de 48% homens / 52% mulheres. Concentrando-se [email protected] Página 42 essencialmente nos meios urbanos (55% da população), Santiago é a ilha mais populosa, com mais de 50% dos habitantes, seguindo-se São Vicente (15%) e Santo Antão (11%). Esta população está instalada numa área de 4.033 km², o que resulta numa densidade populacional média de 119 Hab./Km². O crescimento da população é muito acelerado, compensado com a alta taxa de emigração – 12.35/1000. A estrutura etária da população apresenta em 1999 45.0% com idade compreendida entre 0 e os 14 anos, 49.0% entre os 15 e 64 anos de idade e 6.0% com idade superiores a 65 anos33. Quadro 1: Estrutura etária da população em 1980 e 1999. 1980 1999 2005 65 e mais anos 6.5% 6.0% 6,0% 15-64 anos 47.8% 49.0% 54.0% 45.7% 45.0% 40.0% Menos de 15 anos Fonte: SECP e CIA (*) estimativa34 Houve um aumento da percentagem da população com idades compreendida entre 15 e 65 anos. Passou de 47.8% em 1980, para 54.0% em 2005. A esperança média de vida, que em 1975 rondava os 63 anos, atinge em 2003, os 71 anos (67 para homens; 75 para as mulheres). Em 2006 a esperança média de vida situava-se em uma média de 71,6 anos, sendo 68,3 para os homens e 74,5 anos para as mulheres. A taxa de mortalidade infantil, que em 1975 rondava os 1100/00 nascimentos vivos, representava, em 2004, um valor de 200/00 (440/00 em 1990; 260/00 em 2000), valor inferior às taxas de outros países de categoria de rendimento semelhante. Estima-se que actualmente 33 34 INE, Sensus (2000). SECP, (1983:41-50). [email protected] Página 43 estes valores rondam os 80/00. A taxa de crescimento da população, dependente dos fluxos migratórios, situou-se, no decénio 1990 – 2000 (data do último censo populacional), em cerca de 2,4%, valor que se manteve constante até 2005. De aí em diante prevê-se que a mesma estabilize em torno dos 1,9%. Os agregados familiares, em 2006, eram constituídos, em média, por 4,9 membros (5 no meio rural e 4,5 no meio urbano). As motivações migratórias dos cabo-verdianos são as mais variadas, sendo certo que nenhuma delas prende-se com questões de conflitos interno, mas sim a procura de uma vida melhor. Daí a importância atribuída ao papel que a diáspora tem para o desenvolvimento de Cabo Verde. Cabo Verde sempre foi um país aberto à emigração. Os fluxos migratórios acompanharam toda a história de Cabo Verde desde a sua formação. A emigração cabo-verdiana é secular, sendo facilitada pela grande circulação local de navios de longo curso. O Brasil recebeu desde o século XVI os primeiros emigrantes. A partida para os EUA inicia-se, em fins do século XVIII, quando os baleeiros deste país, começam a pescar estes cetáceos por estas paragens. Ao longo do século XIX, criam-se importantes comunidades em Boston, Providence, New Bedford, etc. Ao longo do século XIX registam-se já comunidades emigrantes deste país espalhadas pelas Américas (EUA, Brasil, Argentina, Uruguai, etc.) e, por Portugal35. Com o fim da escravatura, em meados do século XIX, milhares de caboverdianos são forçados a emigrarem para as regiões carentes de mão-de-obra (Brasil, S. Tomé e Príncipe, etc.). Trata-se de uma nova forma de escravatura, sendo agora os escravos denominados "contratados". A existência destes procedimentos está amplamente documentada desde meados do século XIX até meados do século XX nas colónias portuguesas. 35 História Geral de Cabo Verde (1988). [email protected] Página 44 No século XX, passam a emigrar também para outras regiões da Europa, para além de Portugal, concentram-se em especial na Holanda (anos 50), Itália (anos 70) e França (finais dos anos 70, com maior afluência nos anos 80)36. Os números oficiais desta emigração são bem elucidativos da presente diáspora. Entre 1900-1920 emigraram 27.765 (18.629 para os EUA); 1927-1945: 10.120 (3.336 para Lisboa); 1946-1952: 6.804; 1953-1973: 135.289. O fluxo emigratório continuou muito elevado até aos nossos dias. Em 1987, os principais destinos foram os seguintes: EUA (39,7%), Portugal (22,3%), Holanda (8%), França (4,3%) e Angola (5,5%). A Itália perdeu a importância que tinha nos anos 70, como destino para esta emigração. Calcula-se que existam comunidades cabo-verdianas espalhadas por mais de 100 países. Estima-se que actualmente, o número de emigrantes cabo-verdianos corresponde a um total de 517.78 espalhados pelo mundo37. Através do sacrifício, do trabalho árduo e de uma vontade de correr riscos, alguns cabo-verdianos ganharam a posse de instituições que apoiam a sua existência transnacional. No final do séc. XIX, os cabo-verdianos compraram veleiros velhos e tecnologicamente ultrapassados e começaram o que veio a ser chamado "Brava Packet Trade" (Linha Mercante da Brava), fazendo até dez travessias por ano entre Cabo Verde e Providence e New Bedford, levando carga, correio, passageiros, imigrantes e auxílio humanitário. Estes frágeis navios alimentaram a ligação cabo-verdiana com o exterior. 36 37 CARREIRA, (1977). CARLING, (2003: 533-539). [email protected] Página 45 2.2. O modelo institucional pós-independência: o partido único e o controlo económico A Independência de Cabo Verde ocorreu a 5 de Julho de 1975, após uma intensa luta armada que teve início em 1963 na Guiné-Bissau entre as tropas Portuguesas e o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo , constituído por guineenses e cabo-verdianos. Encontrávamos, já, na IIIª vaga da democratização38 e o Partido Africano para A Independência da Guiné e Cabo Verde beneficiava, na altura, de um grande apoio político e diplomático da comunidade internacional e da ONU. Na sequência da queda do regime fascista português, Portugal via-se pressionado a reconhecer a independência das duas colónias, Guiné e Cabo Verde39. Com a Revolução de 25 de Abril de 1974 e logo após a independência da Guiné e Cabo Verde, os representantes do governo português, na altura, desenvolveram conversações com os representantes do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, com o objectivo de construir um governo de transição, com o fim de se criar condições para a independência de Cabo Verde. Segundo Daniel Costa, “inicialmente, um dos projectos dos ideólogos e dos dirigentes do Partido Africano Para A Independência de Cabo Verde era unir Guiné-Bissau e Cabo Verde numa federação. Contudo, depois da independência da Guiné-Bissau, em Setembro de 1974, a direcção do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, em Cabo Verde decidiu que os dois territórios deviam prosseguir uma existência separada até estarem criadas as condições para a formalização de uma federação com a Guiné-Bissau”40. Na altura o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde tinha algumas ideias sobre a organização político-institucional a ser adoptada, nomeadamente a união 38 HUNTINGTON, (1991). ANDRADE, (1977). 40 COSTA, (2001:14). 39 [email protected] Página 46 da Guiné-Bissau e Cabo Verde numa federação. No entanto depois da independência da Guiné-Bissau, em 1974, o núcleo do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, em Cabo Verde “decidiu que os dois territórios deviam prosseguir uma existência separada até estarem criadas as condições para a formalização de uma federação com a Guiné-Bissau”41. O Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde era constituído por guineenses e cabo-verdianos e isto fez com que o partido tivesse um grande apoio popular em Cabo Verde, facto que lhe deu condições para legitimar-se como o único representante do povo cabo-verdiano no processo de negociação que levou à independência e dominar o cenário político, implantando a sua estrutura partidária por todo o arquipélago42 e eliminando toda a oposição interna representada, desigualmente, pela união Democrática (UDC) e pela União dos Povos das Ilhas de Cabo Verde (UPICV)43. Cabia ao Governo de Transição, uma vez dotado de poderes legislativo e executivo, conduzir a política geral do território, assegurar a administração e promover a democratização do mesmo. Neste último aspecto, cabia-lhe garantir as condições para executar as operações conducentes à realização de eleições pluralistas por meio de sufrágio directo e universal, onde grupos de 300 cidadãos eleitores recenseados teriam o direito de apresentar listas plurinominais de candidatos por círculo eleitoral44. Dessas eleições sairia uma Assembleia Constituinte, que teria a função de declarar a independência do Estado de Cabo Verde e elaborar a primeira constituição do país. 41 Idem. O Partido Africano Para A Independência Da Guiné E Cabo Verde adoptou um regime de partido único baseado na ideologia marxista-leninista, de inspiração soviética e no princípio do centralismo do estado (Cf., ANDRADE, 1977; 1980; PEREIRA, 1978; CARDOSO, 1993; SILVEIRA, 2004). 43 Cf., FURTADO, (1997:152-153). 44 A organização das eleições para a Assembleia Constituinte foi regulamentada pela lei eleitoral de 15 de Abril de 1975, que representava elementos claramente pluralistas, porém, o domínio político que o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde passou a ter sobre a cena política não permitiu um reflexo real dessa lei. Cf., (CARDOSO, 1993:39). 42 [email protected] Página 47 Após as eleições de 30 de Junho de 1975 em que saiu vencedor o único partido concorrente, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, constituiu-se a Assembleia Constituinte. A Assembleia Constituinte teve como primeira função proclamar a Independência de Cabo Verde a 5 de Julho do mesmo ano e promulgar uma Lei da Organização Política do Estado (LOPE). Essa lei tinha a mesma função da Constituição. A Constituição só viria a ser aprovada na IX Sessão Legislativa de 5 de Setembro de 198045. O Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde até 1980 era um partido que tinha por princípio promover a “unidade da Guiné-Cabo Verde”, e tinha dois órgãos supranacionais: uma sessão governava Guiné-Bissau e a outra governava Cabo Verde. Cada uma com grande autonomia administrativa, porém, com uma coordenação política comum. Com o golpe militar na Guiné-bissau em 14 de Novembro de 1980, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde é dissolvido e criado o Partido Africano para a Independência de Cabo Verde, Constitucionalmente o Partido Africano para a Independência de Cabo Verde é erigido em “força dirigente da sociedade e do Estado”. Nas eleições de 30 de Junho de 1975, as únicas listas de candidatos apresentadas eram do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde46. O modelo institucional adoptado na época por vários países saídos da colonização afigurava-se o mesmo, ou seja, um modelo assistencial, mas Cabo Verde, posicionou-se como um caso diferente. De qualquer modo, não podemos deixar de 45 Constituição da República de Cabo Verde foi aprovada no dia 05 de Setembro de 1980 e publicada no Boletim Oficial n.º 41.º e revista pela Lei Constitucional n.º 2/81 de 04 de Fevereiro, Lei Constitucional n.º 1/III/88, de 17 de Dezembro e Lei Constitucional n.º 2/III/90, de 29 de Setembro. 46 Segundo CARDOSO (1993), apesar da aceitação pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde dos trâmites do acordo e dessa lei eleitoral pluralista, nada acrescentavam para o processo político cabo-verdiano, na medida em que esse partido já tinha eliminado toda a oposição interna, inibindo, portanto, a apresentação de quaisquer listas de candidatos que se lhe oporiam. Posteriormente, tal prática eleitoral foi constitucionalmente estabelecida e vigorou nos quinze anos de governo unipartidário do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. [email protected] Página 48 referir que com a independência nacional, o estado pós-colonial vê-se obrigado a, ele também, a reproduzir um modelo assistencial. A partir de então a reprodução da sociedade cabo-verdiana passa a depender vitalmente da distribição pelo estado dos recursos financeiros captados de forma graciosa no exterior. Porém o estado nacional corrigiu e reconverteu o modelo distribucionista que vigorava, apesar de, no essencial, o modelo de reprodução social ser o mesmo. Este modelo de reprodução social induz à modelação institucional do Estado. Cabo Verde posicionou-se fortemente na procura de ajudas externas, usufruindo da sua posição geo-estratégica. Internamente preconiza-se um Estado de funções sociais maximalistas. A Constituição de 1980 é clara neste aspecto: “(…) eram propriedade do Estado, o subsolo, as àguas, as riquezas minerais, as principais fontes de energia, os meios básico da produção industrial, os meios de informação e comunicação, os bancos, os seguros, as infra-estruturas e os meios fundamentais de transporte”47. O desempenho do papel assistencial implicou o controlo de preço dos produtos e serviços essenciais e o estabelecimento de monopólios estatais. O modelo de regulação económica teve um grande peso no Orçamento do Estado. O Orçamento Geral do Estado contemplava três categorias de despesas a saber: as operações (despesas ordinárias e operacionais do Estado), as emergências (despesas extraordinárias) e por fim as despesas das empresas autónomas (ver quadro abaixo). Quadro 2 – Classificação das despesas públicas Categorias Operações Emergências Empresas autónomas 1977 41,4% 45,3% 1978 30,4% 59,7% 13,2% 10,48% 100% 100% Fonte: Orçamento Geral do Estado para o Ano Económico de 1977 e Orçamento Geral do Estado para o Ano Económico de 1978, Direcção Geral das Finanças, Praia 1977, 1978. 47 LIMA, (s/d). [email protected] Página 49 Houve uma grande expansão do emprego público, funcionando como uma faceta do assistencialismo, com a abertura das frentes de assalariamento de camponeses vitimados pela seca e fome. Mas este modelo não apresenta apenas fraquezas. O modelo económico-social assente na distribuição pelo Estado dos donativos alcançou inegáveis êxitos como a reflorestação, a redução acentuada da taxa de analfabetismo, a formação de quadros, o aumento da esperança média de vida e a forte queda na taxa de mortalidade infantil. De qualquer forma era imperativo mudar de modelo de desenvolvimento distribucionista e passar para um modelo que seja capaz de subtrair à dependência dos influxos financeiros externos, nomeadamente os donativos e as remessas de emigrantes. Afigura-se, portanto, que, a estrutura institucional do desenvolvimento nacional é o sector empresarial do Estado. 2.3. Um novo modelo institucional: a abertura democrática e a liberalização económica. Neste período de trinta anos, Cabo Verde deu passos significativos, rumo à democratização em todas as esferas da sociedade. Fez um percurso que foi desde um sistema de partido único, para um sistema democrático, com eleições livres. O sistema de partido único enraizado e mantido por um período de, aproximadamente, quinze (15) anos, caracterizava-se por um estado dirigista, com forte intervenção na economia. O Estado assumiu, após a independência do país ocorrida a 5 de Julho de 1975, como “garante das transformações económicas e sociais e da sobrevivência dos indivíduos”48. O partido era o Estado, conforme vem expresso na (Lei da Organização Política e do Estado). Este período decorreu até 1990. É nesta altura que se começa a efectivar a abertura democrática. 48 Discursos, (1988:57-58), vol. I, (1973-1980). [email protected] Página 50 A democracia, considerado um dos valores fundamentais da sociedade moderna é, comum e remotamente definida como o Governo do povo. Esta é uma definição que remonta à Grécia Antiga. Pressupõe-se, segundo a definição que é o povo quem governa. Isto é verdadeiro do ponto de vista de princípio. Segundo Amartya Sen, “We must not identify democracy with majority rule. Democracy has complex demands, which certainly include voting and respect for election results, but it also requires the protection of liberties and freedoms, respect for legal entitlements, and the guaranteeing of free discussion and uncensored distribution of news and fair comment. (… )”49. A liberdade abrange tanto a liberdade política, religiosa, de imprensa, social, económica, etc., como também a liberdade pessoal e civil do indivíduo. Assim, se enobrece a vida dos cidadãos através de três vias. A primeira tem a ver com a liberdade política como sendo uma parte relevante da liberdade humana de um modo geral. Neste sentido, o exercício dos direitos civis e políticos constituem parte integrante e importante do bem-estar dos indivíduos. A segunda via tem a ver com o valor instrumental da democracia como valor ligado à melhoria da audição que os cidadãos esperam obter do sistema político, ao expressarem as suas reivindicações políticas. A terceira via mostra que a prática da democracia proporciona aos indivíduos uma segunda oportunidade de aprenderem uns com os outros e assim, ajudarem na construção da sociedade e formar os seus valores e prioridades. Ao longo dos anos, os estudiosos têm procurado investigar o processo democrático em muitos países. Com isso, adoptaram-se algumas metodologias de estudo, de entre os quais aquelas que debruçam sobre as medições dos diferentes níveis de liberdade democrática. R.D. Gastil criou duas medidas de liberdades, baseadas no 49 SEN, (1999:5). [email protected] Página 51 Gastil´s Ranking of Counrties50. Segundo Gastil, de um lado está a liberdade política que se baseia na possibilidade de os indivíduos terem o controlo sobre quem governa, por outro lado, a liberdade civil que pretende medir os direitos relacionados com o indivíduo, tais como a liberdade de imprensa, liberdade de organização política e religiosa e liberdade de associação. Gastil classifica os direitos civis e políticos numa escala de 1 a 7, sendo que 1 é o grau mais elevado de liberdade e, 7, o grau mais baixo de liberdade. Actualmente e, politicamente, Cabo Verde é considerada uma democracia parlamentar, com um regime semi-presidencialista e que conta com a seguinte classificação da Freedom House51: Political right: 1; Civil liberties: 1; Status: Free52. Portanto, é um país que goza de um estatuto de livre e que se encontra no grau mais elevado de posse de direitos políticos e de liberdades civis. Com abertura democrática nos finais dos anos 80 e início dos anos 90, surgiram vários partidos e facções que reclamavam a introdução de um sistema político multipartidário. De entre esses partidos, destaca-se o Movimento para a Democracia (MPD), que surgiu em Abril de 1990, cujo presidente era o Sr. António Mascarenhas Monteiro. Devido às pressões internas e externas, em Janeiro de 1991 realizaram-se as primeiras eleições legislativas multipartidárias, tendo o esse partido conseguido 56 dos 79 lugares elegíveis na Assembleia Nacional. Em Fevereiro do mesmo ano realizaram-se as primeiras eleições presidenciais, tendo o Dr. Mascarenhas Monteiro conseguido 73,5% 50 GASTIL, (1990:25-30). www.freedomhouse.org 52 Segundo o índice da Freedom House, o valor 1 corresponde ao grau mais elevado de posse de direitos políticos e de liberdades civis eo valor 7 para a menor existência daqueles direitos. Neste intervalo de valores os países são classificados em diversas categorias: entre 1 e 2,5, como país livre; entre 2,5 e 5,5, como país parcialmente livre; entre 5,5 e 7 como país não livre. 51 [email protected] Página 52 do total dos votos. Um ano depois, em Dezembro de 1991, realizaram-se as primeiras eleições autárquicas, tendo esse partido, mais uma vez saído vitorioso, conquistando 10 dos 14 distritos. A Nova constituição surgiu dois anos após a abertura política, nomeadamente em Setembro de 1992, com uma característica designada de 2ª República e por conseguinte, construído a nova bandeira nacional. Para uma maior consolidação democrática, surgiram algumas revisões e emendas na constituição. Já após a independência em 1975, o Estado de Cabo Verde implementou alterações significativas no modelo da economia a fim de atingir um rápido desenvolvimento económico e social e, por conseguinte, erradicar a grande situação de carência e pobreza no país. Para termos uma ideia, em termos macro-económicos, em 1973 o PIB de Cabo Verde rondava os 1075 milhões de escudos CV, com uma distribuição sectorial, para o sector primário de 21%, sector secundário 17% e sector terciário de 62% e, com a seguinte distribuição por população activa, em 1970, para o sector primário de 91%, sector secundário de 3% e sector terciário 6%. O problema da escassez de alimentos e propriamente fome era visível na sociedade cabo-verdiana. A situação de desemprego era insuportável pelo aparelho do Estado, as infra-estruturas físicas eram escassas, da mesma forma que os recursos naturais e financeiros. De 1976 a 1981 o governo apoiou nos “Planos de Emergência”, seguido depois, de vários planos de desenvolvimento. Mas para esse período, a intervenção do Estado na economia revelava-se necessária e, segundo Lima, (1998) “não deve ser esquecida a importante função do Estado na mobilização, na centralização e na coordenação do [email protected] Página 53 esforço de desenvolvimento, nomeadamente na coordenação da imprescindível ajuda externa”53. Surgiu depois a aposta no investimento no sector público aplicado pelo Governo que visava alterações estruturais. A aposta no desenvolvimento rural teve um decréscimo para 19% em 1981 em detrimento dos 39,1% em 1978. De 1976 a 1981 foi um período de forte investimento público como se pode verificar pelo quadro abaixo. Quadro 3: Investimentos públicos – 1976 /1981 (1000cv contos correntes) 1978 1979 1980 1981 Total % Desenvolvimento Rural 415 320 480 465 1680 27 Pesca 65 50 175 15 305 5 Indústria 30 5 35 420 490 8 Energia/Dessalinização 5 20 155 205 385 6 Construção civil 60 45 75 60 240 4 Transportes e Comunicações 240 395 235 615 1485 24 Distribuição 20 25 25 45 115 2 - 5 45 100 150 2 Educação 15 40 70 115 240 4 Saúde 35 40 35 70 180 3 Habitação e Urbanismo 90 90 95 120 395 6 Administração Pública 85 80 155 210 530 9 1060 1115 1580 2440 6195 100 Hotelaria e Turismo Total Fonte: CECP (1983) citado por Ferreira (1986:10). 53 LIMA, (1998:18-19). [email protected] Página 54 A Estrutura sectorial do PIB sofreu alterações relativamente ao ano de 1973 como se pode verificar pelo quadro seguinte: Quadro 4: Estrutura do PIB 1976 1981 24% 18% Sector Secundário 15% 19% Sector Terciário 63% Sector primário 61% 100% 100% Fonte: Rainha (2002:82). Seguiram depois vários planos Nacional de Desenvolvimento no sentido de suportar as mudanças estruturais na economia de forma integrada e racional. De salientar que o Plano Nacional de Desenvolvimento (1982 – 1986) tinha como objectivo geral a definição e aplicação de um programa de investimentos públicos caracterizado pela intenção de alterar estruturalmente a economia do país e a elevada dependência externa quanto ao financiamento do programa. Tal como diz Lima (1998), “O Plano constitui um primeiro esforço de sistematização e de coerência da política económica (…). Há uma mudança em relação ao período anterior, em que a tónica (…) era colocada na gestão do imediato (…). O reconhecimento da necessidade de criação das bases para a transição económica que se fazia sentir”54. A partir de 1990 todos os planos focavam a integração de Cabo Verde na senda internacional, nomeadamente, pertencer à Organização Mundial do Trabalho, Organização Internacional do Comércio, com efectivação em 2008 e várias outras. Para isso o país teve que dotar de um novo modelo institucional assente no controlo da das despesas, estabilização económica, as privatizações através do “Projecto de Privatização e Reforço da Capacidade de Regulação Institucional” que decorreu de 1998 a 2002, o 54 Idem, p.29. [email protected] Página 55 reforço das instituições de controlo e luta contra a corrupção e uma grande aposta na boa governação. A credibilidade de Cabo Verde tem aumentado ao longo dos anos junto da comunidade internacional, pelo controlo das contas públicas, pela segurança e pela estabilidade económica, social e política. Os desafios tornaram-se cada vez mais altos e mais importantes ao ponto de, neste momento (2008) Cabo Verde pertence ao grupo de países de desenvolvimento médio. Não menos importante é o esforço desenvolvido para uma parceria e aquisição do estatuto especial junto da União Europeia. [email protected] Página 56 3. As instituições superiores de controlo das contas públicas em Cabo Verde: breve historial de sua evolução. Para uma melhor interpretação e compreensão de uma instituição, é necessário analisar a dimensão histórica da mesma. A dimensão histórica, além de mostrar o passado, interessa ao presente, uma vez que acompanha a sua evolução mostrando os momentos de crise e de desenvolvimento. Neste sentido, conduz à formulação de um juízo sobre a sua adequação às condições sociais, económicas e políticas de cada época. É nesta óptica de ideias que iremos desenvolver este trabalho, deitar um olhar sobre a criação das instituições superiores de controlo das contas públicas em Cabo Verde e, consequentemente, melhor compreender o papel destas instituições criadas desde a administração colonial portuguesa em Cabo Verde. Sendo instituições que vêm do passado, trazem consigo uma vivência histórica importante e vem, passando pelas diversas gerações, servindo de fio condutor às realizações verificadas ao longo do seu percurso. A organização política e administrativa do império português no ultramar desde sempre teve problemas quanto à organização política do espaço e o consequente domínio efectivo. O Império caracterizava-se pela grande dispersão territorial. Tentouse, portanto, fazer a adaptação de instituições que já haviam sido experimentados em outras paragens, nomeadamente, nos Açores e na Madeira. Segundo António Manuel Hespanha, “o Império português não se estrutura sobre um modelo único de administração, antes fazendo conviver instituições muito variadas (instituições municipais e senhoriais de tipo europeu, capitanias-donatárias, feitorias-fortalezas, situações político-institucionais desenhadas, caso a caso, em tratados de paz, de vassalagens e de protectorados com simples enquadramento táctico a partir de redes de relações comerciais, da acção dos missionários ou mesmo de presença de aventureiros [email protected] Página 57 portugueses, etc.) em territórios também eles múltiplos, de acordo com intenções e oportunidades de ocupação”55. Assim, após a descoberta de Cabo Verde, segundo consta, em 1460, impunha-se a sua ocupação, povoamento, rentabilização e a consequente gestão, fazendo-se esta através do controlo exercido por um aparelho administrativo-institucional. Não é, pois, de estranhar a implantação bem cedo no solo cabo-verdiano de órgãos de fiscalização, gestão e controlo da coisa pública. 3.1. O tribunal administrativo e de contas de Cabo Verde antes da independência. As instituições implementadas em Cabo Verde foram moldadas sobre as que haviam sido experimentadas nas outras ilhas atlânticas, caso da ilha da Madeira, por muitos definida como o modelo institucional de valorização socio-económica do atlântico português e, como tal, ponto de referência obrigatório no estudo da expansão portuguesa no Atlântico56. De referir, mais uma vez, que a orgânica de todas as instituições implantadas em Cabo Verde, apresentam-se, inicialmente, igual ao sistema peninsular para depois evoluir e adaptar-se às condições arquipelágicas. Não se estranha, pois, que a estrutura institucional lançada ao longo do século XV pelos portugueses no território caboverdiano viesse a prefigurar o modelo peninsular, sendo poucas as inovações. De qualquer modo, as estruturas burocráticas tributais foram implantadas em Cabo Verde dado o interesse e a imperiosa necessidade da administração, controlo e regulamentação de recursos públicos. Segundo Vitorino Magalhães Godinho, “A formação da 55 HESPANHA, e SANTOS, (1991:893). A madeira foi a primeira ilha do Atlântico português a merecer uma plena ocupação efectiva e demarca-se, portanto, como a matriz que serviu de modelo à dinâmica institucional que os portugueses imprimiram ao espaço atlântico. Daqui, saíram os necessários ensinamentos para a constituição dos alicerces institucionais para outros espaços, nomeadamente, para Cabo Verde. 56 [email protected] Página 58 mentalidade quantitativista, inerente á construção do Estado Moderno, incrementou e desenvolveu a contabilidade pública”57. Após a criação dos almoxarifados, uma segunda fase no desenvolvimento das estruturas de administração fiscal é inaugurada com a instituição da contadoria que terá ocorrido durante a década de 80 de quatrocentos. Aparece o cargo de contador cuja função fundamental era superintender sobre “todos os nossos direitos que nos houvermos de haver na dita ilha (Santiago) e o nosso almoxarife ou recebedor que houver em a dita ilha será obrigado a lhe dar conta em cada ano do que receber”58. Analisando este extracto da carta de mercê do cargo de contador, datada de 1480, podemos concluir que este oficial se encontra no topo da hierarquia da administração tributária e detendo alçada sobre os almoxarifes. A par disso conhece-se pouco sobre as atribuições do contador ao longo do último quartel de Quatrocentos. Segundo Ângela Domingues, “a partir de 1517 e na sequência de uma série de medidas legislativas, o cargo parece revestir-se de uma outra capacidade de intervenção. A qual incide particularmente sobre o trato com a Guiné. Para além de ser da sua competência a difusão da legislação para que os moradores não pudessem alegar desconhecimento – apregoando e mandando registar nos livros das contas do almoxarifado e câmara os alvarás – devia fazer cumprir a lei; supervisionar o descarregamento das mercadorias idas do litoral africano, do reino ou de qualquer outro local e vistoriar a carga dos navios chegados e partidos da ilha; verificar se os capitães das armações eram homens brancos unicamente; inquirir se algum dos indivíduos idos nas embarcações permanecia na costa a confiscar os bens dos lançados”59 A criação da Contadoria insere-se num processo de progressiva complexificação da organização administrativa no arquipélago de Cabo Verde. O contador era nomeado 57 GODINHO, (1984:31). SILVA, (s/d:211). 59 DOMINGUES, (1991:76). 58 [email protected] Página 59 pela Coroa, daí a importância do tal cargo. O contador mantinha laços de dependência com a Coroa, o que garantia o direito à protecção pessoal através de guardas para o acompanharem, pagos pela fazenda Real. Da mesma forma, estas prerrogativas eram extensivas aos corregedores e provedores. Aos ouvidores cabia ainda a função da revisão das decisões proferidas pelos juízes ordinários e juízes vinteneiros, confirmando-as, corrigindo-as ou revogando-as, consoante fosse de direito. De certa forma, competências ainda mais amplas eram atribuídas aos Ouvidores-Gerais, nomeadamente “a fiscalização do comportamento funcional e moral dos ouvidores locais, bem como a resolução das questões de direito nas sentenças e decisões de outros agentes judiciais de escalão inferior, fiscalizar e corrigir os actos e deliberações das Câmaras, das alfândegas, etc.”60. Ao Corregedor régio competia a função geral de inspecção, correcção e tutela sobre quase tudo quanto se fazia nas câmaras, entre os mais importantes aspectos da governação que eram da sua competência, cabia-lhe: Zelar pelo cumprimento dos deveres tributáveis; Autorizar a cobrança de receita extraordinária; Zelar pela exactidão na arrecadação das ordinárias. A crescente integração de Cabo Verde no circuito comercial com a Costa Ocidental africana determinou o estabelecimento de estruturas aduaneiras orientadas para a intercepção dos réditos fiscais provenientes deste comércio que era regulamentado por um conjunto de normas. É que o privilégio concedido pelo monarca como incentivo à colonização do arquipélago implicava uma ligação regular e com fins comerciais com a costa africana61. 60 CARREIRA, A., (s/d:49), A capitania das Ilhas de Cabo Verde (Organização civil, eclesiásticas e militar, séculos XVI-XIX. Subsídios). 61 DOMINGUES, (1991:76). [email protected] Página 60 Quanto aos contratos de arrendamento sobre a cobrança das rendas e direitos reais das ilhas de Cabo Verde, implementadas na centuária de Quinhentos, provém de variadíssimas razões que não vamos desenvolver aqui pela deficiente disponibilidade documental. No entanto, exigia-se uma gestão dos arrendamentos já que possibilitava a arrecadação de receitas. Quanto à caracterização dos contratos de arrendamento, a historiadora Zelinda Cohen afirma que “Quando introduzida e inaugurada a prática de arrendamento, das rendas e direitos reais nas ilhas de Cabo Verde, a Coroa portuguesa já contava, de há muito, com larga experiência nesse campo. Era frequente no Reino, o Estado exercer a sua função tributadora, não através dos seus funcionários, mas via agentes particulares com quem estabelecia contratos para a cobrança dos mais variados impostos62. A experiência excedia, no entanto, o âmbito da tributação. Igualmente comum era o arrendamento da exploração de produtos que se constituíam em monopólio régio. Este sistema era, por conseguinte, adoptado com a mesma constância, tanto para a cobrança das sisas como para a exploração das Alfândegas ou venda de produtos estancados, caso do sabão. A opção por esta prática em que o Estado se fazia substituir no seu papel de controlador directo das suas fontes de receita advinha de vários factores, entre os quais, a precariedade do aparelho administrativo de que impunha para essas operações. A máquina posta ao serviço da Coroa, destinada e voltada para a gestão dos seus recursos e cobrança de rendas, revelava-se incapaz de responder adequadamente àquilo que lhe tocava como função”. Do ponto de vista do poder da Coroa, o pólo unificador de todos os ramos da administração periférica devia ser constituído pelos órgãos da administração central que pela profissionalização nos assuntos do ultramar podiam, melhor que o soberano, 62 COHEN, (1994:317). [email protected] Página 61 ponderar da real situação e, consequentemente, melhor gerir os bens auferidos. Desta forma, na década de 20 da centúria de Quinhentos, foi criada uma Feitoria real na ilha de Santiago e outra subsidiária na ilha do Fogo. Segundo Cohen, “foi uma decisão que visou, em última instância, alterar aquele estado de diminuição da receita global que a coroa podia alcançar pela exploração da Costa (…)”63. As feitorias de Santiago e da ilha do Fogo que haveriam de cumprir o seu papel como bases de apoio e suprimento das armações reais com destino aos resgates, tinham também a função de controlar e direccionar toda a actividade comercial dos moradores de uma e de outra ilha. Ao feitor de Santiago cabia coordenar as idas dos navios aos pontos do continente africano onde se realizavam as transacções de modo a não sobrecarregar certas áreas com a concorrência excessiva. A afirmação dos direitos fiscais da Coroa passa necessariamente pela disposição de estruturas administrativas organizadas capazes de, com um mínimo de eficácia, fazer prevalecer e cumprir as prescrições legais nesse âmbito. A constituição desse conjunto de organismos exige a disponibilidade de meios humanos e económicos que na altura não se encontravam sobejamente disponíveis. Relativamente a esses meios, sabe-se bem que existe uma grande relação de interdependência entre as estruturas de administração periférica da Coroa e o quadro tributário instituído. Por conseguinte, se o suporte financeiro provém, por um lado, das receitas do fisco, por outro, a existência de um aparelho forte é condição fundamental para uma intervenção eficaz ao nível da cobrança. A estrutura administrativa periférica montada no arquipélago de Cabo Verde no domínio da tributação coincide com o período Filipino (1580-1640), altura em que a economia de Cabo Verde encontra-se exausta de recursos, Mesmo assim os oficiais da 63 COHEN, (1994:351). [email protected] Página 62 Fazenda continuaram a beneficiar dos remanescentes vindos da Metrópole. A estrutura administrativa e as funções dos oficiais são: O Provedor, nomeado por três anos, competia-lhe velar pelos interesses da Fazenda. O Escrivão da Fazenda, normalmente nomeado por dois anos, prolongáveis até que fosse nomeado o substituto, conferia todo o movimento alfandegário em parceria com o Escrivão do Almoxarifado. O Almoxarife, competia-lhe o pagamento dos diversos ordenados, desde o Governador ao Clero. O escrivão dos Contos e Almoxarifado, normalmente nomeado por tempo indeterminado, cooperava no trabalho do Almoxarifado e sobretudo confirmar a sua escrita e a dos livros alfandegários. O Provedor das Fazendas dos Defuntos e Ausentes, nomeado por dois ou três anos, prorrogáveis, competia-lhe a administração dos bens, quer dos defuntos, quer de ausentes. Tesoureiro das Fazendas dos Defuntos e Ausentes, era encarregado das operações monetárias respeitante à referida fonte de rendimentos tributáveis. Governador, título atribuído à mais alta autoridade política do arquipélago de Cabo Verde, já nos primórdios do século XVII. Antes, denominou-se de Capitão-geral ou Capitão-Mor. O Governador era a autoridade que superintendia todos os assuntos judiciais. Exercia as funções concernentes à administração e gestão da coisa pública. Pela natureza do trabalho, não vamos, aqui, analisar em pormenor essa estrutura administrativa e as funções dos oficiais. A Coroa oferecia a quem era designado para desempenhar funções de relevo nas possessões ultramarinas, um conjunto de competências e atribuições. Face a isto, e [email protected] Página 63 segundo Cohen, “se, por vezes, era o próprio rei que, em carta dirigida às autoridades instaladas na Ribeira Grande, fazia referências às Ilhas e seu distrito”, também não se deixou de ensaiar uma alteração no título do “Governador de Cabo Verde, de modo a expressar a maior latitude de sua jurisdição”64. De salientar que dentro do aparelho administrativo montado no domínio da Fazenda, se destaca pela sua especificidade, a organização alfandegária, cuja origem em Cabo Verde remonta à criação do almoxarifado, provavelmente, em 1471. As alfândegas desempenhavam o seu papel de controlo de entrada e saída de mercadorias e receber os seus respectivos tributos. Terminada a descarga de um navio e transportados todos os artigos para a casa alfandegária, dava-se início ao processo de despachos, presidido pelo juiz a quem competia atribuir o valor da dízima sobre as mercadorias. Relativamente à competência das Cortes em matéria fiscal, a questão do consentimento ou acordo do reino deve ser entendida como um procedimento politicamente favorável para qualquer monarca Seiscentista, atendendo às proverbiais limitações materiais do aparelho de cobrança de tributos montados pela Coroa. Com a revolta de 1640, devido à introdução da décima, a situação agravou-se. Após 1640 tendeu-se a ser mais estreita a relação entre a concessão de serviços fiscais pelo reino reunido em Cortes, e a Concessão de favores, por parte do rei65. A situação de crise no desenvolvimento económico, financeiro e comercial do arquipélago de Cabo Verde agravou-se ainda mais. “O fenómeno não era uma novidade, conhecido desde a centuária anterior (…), com a bancarrota de Companhia de Cabo 64 65 COHEN, (1995:193). XAVIER e HESPANHA (s/d:150). [email protected] Página 64 Verde e de Cacheu, o isolamento relativamente ao Reino constituíam outras faces da delicada situação”66. Assim, pelo decreto de 7 de Dezembro de 1836, a questão da administração dos domínios ultramarinos foi tratada por cada orgânica, “determinando que os domínios africanos formassem três governos-gerais e um particular, ficando Cabo Verde constituído pelo arquipélago e pela Costa da Guiné e suas dependências”67. Neste sentido, por Decreto-Lei, de 24 de Dezembro de 1892, é criado o Tribunal de Contas Provincial. Até finais do séc. XIX, a administração e gestão dos bens públicos na Província de Cabo Verde eram feitas pelo Governador da Província, coadjuvado pelos seus agentes, sob a tutela do Tribunal de Contas da Metrópole. O Tribunal de Contas Provincial tinha as seguintes competências: Ajustar as contas dos exactores de Fazenda Formular a Conta Geral do Tesoureiro-geral da Província, ajustando-a para ser presente à Junta do Ultramar, para o seu final julgamento Consultar o Governo e o Governador-geral sobre todos os assuntos de contabilidade em que pretendessem ouvi-lo Propor os regulamentos provinciais precisos para se fazer a contabilidade de uma maneira prática e expedita Conhecer e decidir de todos os recursos sobre impostos directos, lei de selo, décima de juros e outros que não fossem aduaneiros ou municipais Conhecer e decidir em última instância dos recursos acerca da inclusão ou exclusão na lista dos quarenta maiores contribuintes Conhecer e decidir em última instância de todos os actos de escrivães de Fazenda. Este Organismo era composto por: 66 67 PINHEIRO e RIBEIRO, (1997:124). CARREIRA, (1972:129). [email protected] Página 65 Governador-Geral da Província, Presidente; Secretário de Fazenda, secretário; Presidente da Câmara Municipal da Praia; Três vogais eleitos pelos quarenta maiores contribuintes da cidade da Praia. No entretanto, seis anos depois da sua criação, O Tribunal de Contas Provincial, viria a ser extinto, pelo Decreto de 21 de Julho de 1898 que, ao mesmo tempo, fixou a competência das estações oficiais que deveriam, a parir daí, julgar os recursos anteriormente julgados pelo Tribunal de Contas Provincial. Foi criada, em substituição, uma Inspecção-geral dos Serviços da Fazenda e Ultramar. E, no Decreto de Sua Majestade, de 27 de Dezembro do mesmo ano, ficou determinado que: Todos os recursos em matéria de impostos directos, do selo, da décima, de juros e dos outros impostos, exceptuando os aduaneiros, seriam julgados pelos Conselhos da Província nos termos do código administrativo de 1842; A todos os processos de recurso, que envolvessem interesses da Fazenda Pública, fosse dado visto ao Inspector ou Secretário de Fazenda, a fim de, no prazo de cinco dias, alegar por escrito o que conviesse a bem desses interesses; Todas as decisões dos Conselhos de Província, em matéria de impostos, tivessem sempre cabimento de recurso para a Junta Consultiva do Ultramar: Na cidade da Praia, o recurso para a Junta Consultiva do Ultramar deveria ser entregue, no prazo de quinze dias, ao Inspector ou Secretário de Fazenda, e fora da capital ao administrador do concelho, devendo-se passar recibo em duplicado, um dos quais ficando junto ao processo e outro entregue ao interessado para prova de haver apresentado o recurso em devido tempo; [email protected] Página 66 Quando a Junta Consultiva do Ultramar exercesse as funções que lhe fossem atribuídas, serviria de Ministério Público o chefe da 1ª repartição da Direcção-Geral do Ultramar; Nos recursos para a Junta Consultiva do Ultramar, o Inspector ou Secretário de Fazenda Pública deveria dar deles conhecimento ao Conselho da Província a tempo deste discutir a informação a dar e, serem os mesmos recursos expedidos para a Metrópole, dentro do prazo de quinze dias. Até inícios do século XX, a estrutura administrativa da Província não sofreu alterações de relevo, e, por isso, o controlo da gerência do dinheiro público no arquipélago de Cabo Verde manteve-se com a mesma estrutura. Em 1919, a Província de Cabo Verde constituía uma entidade financeira autónoma, sob a superintendência e fiscalização da Metrópole. A administração superior da Fazenda Pública continua da competência do Governador, que a exercera com a colaboração do Conselho do Governo, por intermédio dos funcionários seus subordinados. Além das atribuições que lhe eram conferidas por diplomas legais, cabia ao governador: Dar execução escrupulosa e diligente às ordens e instruções do Governo da Metrópole e mantê-lo ao corrente dos casos e assuntos que se relacionassem com a administração financeira da colónia; Representar a colónia, pessoalmente ou por delegação, em todos os actos e contratos de carácter geral relacionados com a sua administração financeira; Adoptar todas as providências tendentes a melhorar a administração financeira da colónia e garantir regularidade do funcionamento dos respectivos serviços de fazenda; Regulamentar a execução das leis, decretos e mais diplomas sobre a administração financeira do país, emanados da metrópole; [email protected] Página 67 Ordenar, sempre por escrito, o pagamento das despesas públicas que carecem da sua autorização; Determinar o cumprimento das providências que lhe fossem solicitadas pelo auditor fiscal ou Inspector de Fazenda, removendo todas as dificuldades tendentes a opor-se ao serviço fiscal; Providenciar para que ao auditor fiscal, seu adjunto ou Inspector de Fazenda fossem prontamente dados os esclarecimentos ou apresentados todos os livros e documentos que necessitassem para o melhor desempenho dos serviços a seu cargo; Submeter ao “visto” do auditor fiscal ou Inspector de Fazenda os contratos, diplomas e quaisquer títulos ou documentos sujeitos ao visto. Segundo Cláudia Correia, o Governador detinha alguns poderes ainda mais amplos: “A sua competência alargava-se também à administração superior da Fazenda pública em estrita colaboração com o Conselho do Governo e por intermédio de funcionários seus subordinados, sendo o ordenador do orçamento geral da Província não lhe sendo lícito, no entanto, ordenar despesas não previstas nas tabelas orçamentais ou ordená-las em importância superior à fixada, ou para aplicações diferentes das prescritas. Porém, era-lhe permitido, ouvido o Conselho do Governo, efectuar transferências de verbas dentro do mesmo capítulo, a abertura de créditos que só se tornavam efectivos com a anuência da Metrópole”68. No dia 17 de Janeiro de 1919, por Portaria da Secretaria-geral do Governo, foi criado o Tribunal do Contencioso e de Contas de Cabo Verde e, tratava das seguintes questões: Questões do contencioso administrativo; Questões do contencioso fiscal; 68 CORREIA, (1994:51). [email protected] Página 68 Processos de Contas. No dia 2 de Outubro de 1926, pelo Decreto Nº 12421, aprovou-se uma nova Base Orgânica de Administração Colonial que, de entre muitos princípios, o Governo orientava a sua acção pela: “ (…) - Unidade nacional; - Continuação do regime de autonomia administrativa e financeira com uma mais eficaz superintendência e fiscalização da metrópole; - Modificação do regime dos Altos Comissariados no sentido da possibilidade da sua adaptação às circunstâncias excepcionais de diversa natureza que determinam em cada caso particular a necessidade de tal regime”69. Esta nova política veio centrar a administração colonial e reforçar o poder da Metrópole sobre as colónias. Sobre os Tribunais de Conta, a nova lei orgânica determinou que “em cada colónia haverá um tribunal de contencioso, denominado Tribunal Administrativo, Fiscal e de Contas. Este tribunal era composto por magistrados judiciais e funcionários públicos. Também podiam fazer parte do Tribunal, vogais não funcionários públicos, eleitos pelo Conselho do Governo. Das decisões do Tribunal haveria recurso para o Conselho Superior das Colónias. Na composição e atribuição do Tribunal Administrativo, Fiscal e de Contas, ter-se-ia em atenção as condições especiais e grau de desenvolvimento de cada colónia”70. Em 1928, entrou em funcionamento o Tribunal Administrativo, Fiscal e de Contas na Província de Cabo Verde, cujo Regimento do Processo foi aprovado pelo Diploma Legislativo nº 74, datado de 25 de Fevereiro de 1928. Este tribunal era constituído pelo: Juiz de direito da Comarca de Sotavento; Director dos serviços de administração civil; 69 70 Carta Orgânica da Colónia de Cabo Verde, (1927:2). Idem. [email protected] Página 69 Um Advogado dos residentes na capital da Colónia; Um cidadão representante dos comerciantes, agricultores, industriais e proprietários Um representante do Ministério Público (Procurador da República da Comarca de Sotavento); Um secretário; Este tribunal, apesar de funcionar como Tribunal administrativo e de Contas e não como estritamente Tribunal de Contas, tinha um conjunto de competências em matéria preventiva e sucessiva, nomeadamente, questões do contencioso fiscal. No início dos anos 30, a dinâmica administrativa das colónias ultramarinas, particularmente a de Cabo Verde, sofreu novas alterações. A nova orientação da política ultramarina foi promulgada a partir de 1933 com a publicação do acto colonial, incorporado no novo texto da constituição de 1933. A carta orgânica do Império Colonial Português, acompanhou algumas mudanças iniciadas em Maio de 1926, tendente a afirmar a soberania portuguesa no Ultramar, numa lógica reordenada e integrada num processo de descentralização administrativa. A carta define ao pormenor todas as competências dos órgãos centrais e locais do governo nacional. Com isso ficou claro que a administração colonial portuguesa seria exercida pela Assembleia Nacional, o Governo central e governos coloniais. Estipulavam-se também, os órgãos consultivos de administração colonial, quer para a metrópole, quer para o ultramar. “O governo central exercia as suas funções, por intermédio do Conselho de Ministros, Presidente do Conselho e Ministro das Colónias. O Presidente do Conselho fazia a ponte entre o Governo e o órgão legislativo da nação, enviando e apresentando propostas de lei e informando sobre os diversos [email protected] Página 70 assuntos relacionados com as colónias. Era por ele que o Ministro das Colónias exercia a iniciativa legislativa na Assembleia”71. A Carta orgânica do Império Português que se constituiu a partir do Acto Colonial de 1930, e na adaptação da constituição às colónias, para além da divisão administrativa destas, propunha e estabelecia uma nova organização e funcionamento dos serviços administrativos, reformulando toda a legislação dos mesmos serviços. Quanto à política financeira, esta rompe com a política de equilíbrio prosseguida pelos últimos governos da 1ª República. “O acento tónico é colocado numa política de fomento com base no financiamento público, isto é, num objectivo de re-arranque económico inflacionário mediante generoso apoio do Estado às “Forças vivas” e sem excessiva intervenção da parte deste, com o propósito de uma incentivação da via económica nacional e com a esperança de futuro reembolso dos capitais mutuados e do acréscimo da matéria colectável”72. No que concerne ao controlo da gestão da administração pública em Cabo Verde, não houve alterações de relevo no quadro da orgânica do Tribunal administrativo, Fiscal e de Contas. A província de Cabo Verde continuou com a responsabilidade das suas despesas e dívidas, mantendo a sua autonomia financeira, sujeita a restrições ocasionais em situações graves na Fazenda ou eventuais perigos que podiam envolver a Nação nos casos em que: O Orçamento se apresente deficitário, especialmente na tabela das receitas e despesas ordinárias; A tabela das despesas estivesse organizada de forma a provocar fundados receios de ruína financeira ou económica; 71 Direito Público Colonial Português, (s/data: 118). Da Ditadura Militar ao Estado Novo: a “Longa Marcha” de Salazar, in História de Portugal – Dir. José Mattoso, p. 169. 72 [email protected] Página 71 A falta de observância das leis de administração financeira, especialmente quanto à previsão das receitas, comprometesse o equilíbrio das contas. Na década de sessenta, o contexto internacional estava marcado pelas ideias de autodeterminação dos povos. Essas ideias vieram refrear as iniciativas de continuidade da descentralização prudente, decretada pela carta orgânica de 1933, segundo os princípios orientadores do Acto colonial de 1930. Em 1951, integra-se o acto colonial na constituição, num processo de intenções centralizadoras. Nisto, em 1953, decretara-se a Lei Orgânica do Ultramar Português, instituindo-se, de novo, as cartas orgânicas privativas a cada Província Ultramarina, denominadas, a partir de então, de Estatutos Político-administrativos que, veio a entrar em vigor, na Província de Cabo Verde, em 1 de Janeiro de 1964 por Decreto-lei (45.371) do Ministério do Ultramar. Em 1972, as bases sobre a revisão da Lei Orgânica do Ultramar, são desde logo significativas ao começarem a afirmar o direito à autonomia das Províncias Ultramarinas, de entre os quais, Cabo Verde. As despesas da administração provincial serão, a partir daí, ordenadas nos termos da nova Lei Orgânica do Ultramar Português e dos diplomas especiais dos serviços das finanças. Fica da competência do tribunal administrativo de cada província a fiscalização jurisdicional das despesas públicas, nos termos e na medida em que a lei determinar. O envio das contas ao Ministério do Ultramar seguia os trâmites legais nos termos do nº 3 do artigo 91º da Constituição. Como Tribunais administrativos, tinham jurisdição na Província de Cabo Verde: O Conselho Ultramarino; O Tribunal de Contas; Um Tribunal Administrativo na cidade da Praia. [email protected] Página 72 3.2. O tribunal de contas de Cabo Verde na Iª República. Com a independência nacional em 1975 a administração do país sofreu modificações passando à responsabilidade dos cabo-verdianos, a condução e governação dos destinos do país. Com isto, o Tribunal de Contas de Cabo Verde, enquanto órgão supremo de fiscalização das despesas públicas, tomou um novo rumo em direcção à sua consolidação e desenvolvimento na sociedade cabo-verdiana. Tendo em conta que a “velha” estrutura administrativa herdada do colonialismo não servia mais as necessidades e os interesses da recém-criada República de Cabo Verde, por Decreto-lei N.º 4/75 de 23 de Julho, determina-se que o Tribunal Administrativo, Fiscal e de Contas fosse integrado no Conselho Nacional da Justiça. Em 1978 foi criado o Tribunal Administrativo e de Contas, sem a matéria fiscal, mantendo-se o seu funcionamento junto do Conselho Nacional de Justiça, este último, passando, posteriormente, a Supremo Tribunal de Justiça. O modelo institucional do “novo tribunal” não era totalmente diferente do que havia antes. Esse tribunal era composto por três Juízes, sendo um deles, o Presidente, nomeado pelo Conselho de Ministros sob proposta do Ministro da Justiça. Junto deste tribunal funcionava um representante do Ministério Público, o Adjunto do Procurador-geral da República, e, na sua falta ou impedimento, o Procurador da República sedeado na Praia. Este Tribunal tinha, a competência de conhecer e julgar, em última instância: Os recursos das decisões proferidas sobre contas de responsabilidade Os recursos dos actos definitivos e executórios das autarquias locais; As acções sobre a validade, interpretação ou execução de contratos; administrativos celebrados pelo Estado, pelas autarquias locais e pelos institutos públicos; Os recursos interpostos das decisões dos tribunais fiscais aduaneiros; [email protected] Página 73 Os conflitos de competência entre autoridades administrativas dependentes de diversos Ministérios ou entre elas e os Tribunais do Contencioso Fiscal e Aduaneiro. Em 1979, pelo Decreto-lei N.º 51, de 9 de Junho, produziu-se pela primeira vez, após a independência nacional, legislação sobre a competência material do Tribunal Administrativo e de Contas especificando-se quais os actos e contratos estão sujeitos à fiscalização preventiva. “São expressamente revogados o Decreto N.º 24.800, de 20 de Dezembro de 1934 (dispondo que nenhum diploma ou despacho sujeito ao visto do Tribunal Administrativo poderá ser executado ou produzir quaisquer efeitos antes da sua publicação no Boletim Oficial (BO) com a declaração de ter sido visado pelo mesmo Tribunal-corpo do artigo 1º - salvo raras excepções de urgente conveniência de serviço) e o Decreto N.º 25.724, de 7 de Agosto de 1935 (que mandava aplicar às nomeações interinas dos funcionários de justiça o disposto da alínea a) do ponto 1 do artigo 1º do Decreto N.º 24.800)”73. Em 1984, o Tribunal de Contas sucede-se então o Tribunal Administrativo e de Contas, até esse ano integrado no Supremo Tribunal de Justiça, numa nova designação que se liberta, somente, da matéria administrativa. O Decreto N.º 31/84, de 24 de Março, integrou orgânica e administrativamente o Tribunal de Contas no Ministério da Economia, diploma que viria a ser declarado inconstitucional pela Resolução N.º 35/II/85 da Assembleia Nacional Popular74. Com a publicação da Lei N.º 25/III/87, de 31 de Dezembro, verificou-se “a verdadeira autonomização do órgão de controlo das finanças públicas cabo-verdianas. A importância desta lei merece ser destacada, porquanto é ela que autonomizou o Tribunal de Contas face ao Supremo Tribunal de Justiça, em cuja integração se 73 74 MARTINS, (1995:136). Idem. [email protected] Página 74 verificava uma certa subalternização dos problemas de controlo financeiro em relação a matérias do foro judicial”75. Com a referida lei deu-se o passo decisivo rumo a um novo modelo das instituições em Cabo Verde, o modelo democrático das instituições, o que terá acontecido com as eleições livres e consequente queda do então partido único – o Partido Africano para a Independência de Cabo Verde, sucedendo-lhe o Movimento para a Democracia – MpD. Com a abertura democrática, houve um acelerar no processo de democratização de todas as instituições em Cabo Verde. O tribunal de Contas de Cabo Verde teve a sua consolidação como tribunal independente dentro do conjunto das categorias estabelecidas no artigo 213.º e 216 da Constituição da República de Cabo Verde76. 3.3. O Tribunal de Contas de Cabo Verde na IIª República. Com o Decreto-Lei nº 32/89 de 3 de Junho, institucionalizou o Tribunal de Contas com uma natureza distinta por ser o órgão do Estado ao qual compete a fiscalização preventiva da legalidade das despesas públicas, o julgamento das contas que a lei mandar submeter-lhe e a emissão de parecer sobre a Conta Geral do Estado e na prossecução das atribuições que lhe estão cometidas, dispõe de serviços próprios de apoio técnico e administrativo, integrado numa Direcção de serviços. Verifica-se, portanto, ainda, que não é um tribunal totalmente autónomo. A lei orgânica do Tribunal de Contas (Decreto-lei N.º 33/89), referia, fundamentalmente, ao julgamento das contas de gerência, omitindo qualquer referência 75 76 DELGADO, (1999:8). Constituição da República de Cabo Verde, 1ª Revisão ordinária (1999). [email protected] Página 75 a outras modalidades de fiscalização financeira, o mesmo não acontece em relação à década de noventa77. A partir de 1992, ao lado da fiscalização preventiva, começa-se a dar uma maior atenção à fiscalização sucessiva78. Refira-se que é a partir desta data que começaram a surgir as primeiras condenações de responsáveis financeiros em multa e em reposição de quantias nos cofres públicos79. Antes desta data, este tribunal servia praticamente para a fiscalização na emissão de vistos, relegando o controlo e punição para o esquecimento. O Tribunal de Contas é uma instituição de fiscalização80 e é fundamental na estrutura do Estado de Cabo Verde. Tem sofrido inúmeras modificações, adaptando-se deste modo às realidades político-financeiras e novos modelos de controlo, nomeadamente, no seu sistema integrado de fiscalização prévia e sucessiva. Em 1992, com a revisão constitucional, o artigo 241º81 atribui uma nova dimensão ao Tribunal de Contas com a sua integração no âmbito dos órgãos de soberania, passando a fazer parte do Estado. O Tribunal de Contas passou a ter um novo estatuto, ou seja, passou a ter um estatuto constitucional, consagrando – a jurisdição financeira, a forma de nomeação do Presidente e dos Juízes ao Presidente da República e, remetendo para a lei ordinária a regulamentação da sua composição, funcionamento e competências. Esse diploma determinou uma nova fase do Tribunal de Contas de Cabo Verde, principalmente pelo grau de autonomia organizativa e funcional que lhe confere em relação ao Executivo, passando a dispor de significativa independência em relação ao 77 Cf., ÉVORA, (2000:61). Idem. 79 Idem. 80 Instituição de fiscalização é uma entidade pública que independentemente da forma como é designada, constituída ou organizada, desempenha, em conformidade com a lei, as funções de fiscalização. 81 Constituição da República de Cabo Verde, (1992). 78 [email protected] Página 76 Ministério Público, fazendo jus ao seu papel determinante no controlo das contas públicas num estado de direito democrático. Tendo por base a Lei Nº. 84/IV, de 12 de Julho de 1993, foi dado cumprimento ao estatuído na constituição, no sentido de sistematizar as competências do Tribunal de Contas no que toca à emissão de parecer sobre a Conta Geral do Estado, criado pela Lei nº. 25/III/87 de 31 de Dezembro. Com isto, acabou-se por criar uma autonomia organizativa e funcional em relação ao poder executivo, tal como já se referiu, passando, o Tribunal de Contas a ter grande independência relativamente ao Ministério das Finanças. Ela é a instituição superior de controlo externo das finanças públicas no quadro da Constituição e da política do então governo para a área. Deu-se início à consagração de um novo modelo institucional no que concerne ao controlo das contas públicas em Cabo Verde. No entanto, o processo legislativo não foi completado visto que a Lei nº 84/IV/93, de 12 de Julho, ocupou-se apenas das competências, organização e funcionamento do Tribunal de Contas, deixando sem tratamento legal a estrutura orgânica dos serviços de apoio, bem como a tramitação processual do exercício das competências do Tribunal de Contas, o que permite a vigência de quase todas as leis editadas em 1989 no âmbito da então reforma82. Ressaltamos que houve uma grande reforma na estrutura institucional do Tribunal de Contas de assinalar em dois aspectos fundamentais: 1 - O Tribunal de Contas é um tribunal especial, diferente das demais categorias ou ordens de tribunais, no que respeita à sua competência (não exerce apenas funções jurisdicionais). Quanto à organização e funcionamento, é apoiado por um corpo técnico das mais diversas funções – Direito, Economia, Contabilidade, Relações Internacionais, entre outros. A nomeação e exoneração do seu Presidente é feita pelo Presidente da 82 Tribunal de Contas de Cabo Verde, (2006), Plano estratégico de desenvolvimento institucional 2007/2010. [email protected] Página 77 República sob proposta do Governo. O Tribunal de contas é o órgão supremo de fiscalização e controlo financeiro nacional, devendo os serviços de controlo e inspecção da Administração pública remeter-lhe os respectivos relatórios quando contenham matéria de interesse para a sua acção. Em 1993 o Tribunal de Contas de Cabo Verde passa a ter um modelo constitucional com as seguintes características e competências: “O Tribunal de Contas é o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que a lei mandar submeter – lhe” (art. 216º da Constituição Da República De Cabo Verde). Integra a categoria dos tribunais, com um estatuto de independência e de auto- governo, funcionando de forma autónoma em relação aos demais órgãos de soberania, designadamente Governo, Parlamento e Presidente da República. Compete ao Tribunal de Contas, essencialmente, desempenhar as seguintes funções: Dar parecer sobre a Conta Geral do Estado; Fiscalizar previamente a legalidade e cobertura orçamental dos contratos administrativos, dos documentos geradores de despesa ou representativos de responsabilidades financeiras para entidades sujeitas à sua jurisdição; Julgar as contas dos organismos, serviços e entidades sujeitos à sua jurisdição; Constitui ainda competência complementar do Tribunal de Contas, visando a correcta execução de sua actividade, as seguintes funções: Aprovar os regulamentos internos necessários ao seu funcionamento; Emitir as instruções indispensáveis ao exercício da sua competência, nomeadamente no que respeita ao modo como as contas e os processos devem ser submetidos à sua apreciação; [email protected] Página 78 Ordenar reposições de verbas e aplicar multas; Relevar a responsabilidade em que os infractores incorram ou reduzi-la, nos termos da lei; Propor as medidas legislativas e administrativas que julgue necessárias ao exercício correcto das suas competências; Ainda elabora o relatório anual da sua actividade; Efectivar responsabilidade financeira. Para a concretização dos objectivos que lhe são próprios e para completar o processo legislativo, o Tribunal de Conta elaborou e remeteu ao Governo, em 2001, um pacote legislativo contendo, além da lei de organização e seu funcionamento, os seguintes projectos: Lei orgânica dos serviços de apoio do Tribunal de Contas Regulamento orgânico do cofre do Tribunal de Contas; O regime jurídico dos emolumentos. Assim, por despacho nº. 32/2004, de 14 de Junho do mesmo ano, foi criada uma comissão com o objectivo de “apreciar o documento elaborado pelo Tribunal de Contas que foi apresentado ao Ministro da Finanças e Planeamento, para que o Governo o possa apresentar à Assembleia Nacional”83. 83 Idem. [email protected] Página 79 4. A importância das actividades das instituições superiores de controlo para a melhoria do processo de governação e para o aprofundamento da democracia. As Instituições Superiores de Controlo das Contas constituem peças fulcrais no funcionamento de qualquer democracia84. Cabe ao Estado a realização de um conjunto mais ou menos extenso de tarefas com vista à satisfação de necessidades colectivas. A satisfação destas necessidades implica despesas que têm que ser financiadas através de receitas. O Estado, munido do poder de jus imperii, impõe aos cidadãos a contribuição para a satisfação das necessidades colectivas. Os cidadãos abdicam de uma parcela do seu rendimento ou do seu património em nome da prossecução das necessidades de todos. Correlativamente, devem ter a garantia que os fundos que lhes são imperativamente abduzidos são efectivamente aplicados na satisfação de necessidades colectivas e que são bem geridos. Cabe às Instituições Superiores das Contas assegurar que tal se verifica. As Instituições Superiores das Contas têm, assim, uma função informativa e garante dos direitos e expectativas dos cidadãos no que à administração dos fundos públicos diz respeito. Cabe, no entanto, ao Parlamento, enquanto órgão representativo de todos os cidadãos, controlar politicamente a gestão do dinheiro público. É evidente a necessidade de um relacionamento estreito entre o Parlamento e as Instituições Superiores de Controlo das Contas para o sucesso das missões respectivas. Falamos em missões, no plural, para distinguirmos as atribuições de cada órgão. Na verdade, cada organização do Estado, bem como cada funcionário público é um elemento ao serviço de uma missão comum: servir o povo, que é afinal o detentor do poder constituinte. Não existe uma verdadeira democracia sem um controlo efectivo da actuação governativa. 84 Estudo, (2002), -DCP – Comunicação do Tribunal de Contas de Portugal relativa ao Tema II da I Assembleia-geral da Organização das ISC da CPLP, Luanda, 6 a 8 de Novembro de 2002. [email protected] Página 80 4.1. O contexto actual do Tribunal de Contas português e o controlo da boa gestão financeira. Em Portugal, bem como nos restantes países da União Monetária, o controlo da despesa pública passou, nos últimos anos, a ser uma prioridade. A integração dos Estados da Comunidade Europeia na União Monetária e a consequente adopção da moeda única, levou à assinatura do chamado Pacto de Estabilidade e Crescimento para garantir a sustentabilidade do Euro. Para cumprir as exigências deste pacto, os Estados membros continuam a adoptar medidas de contenção do défice orçamental até ao saldo zero, o que aconteceu em 2004, sob pena de significativas sanções. De uma maneira geral, todos os Estados do Euro continuam a recorer a instrumentos de engenharia orçamental e financeira, como os Project Finance, os Leasing, etc., para projectos de investimento plurianuais que seriam inexequíveis com os tradicionais encargos orçamentais globais. Da mesma forma, tem-se assistido crescentemente à criação de entidades públicas regidas pelo direito privado, bem como à utilização de expedientes de sub-orçamentação de despesas. A boa governação (ou boa governança) tem merecido uma atenção crescente por parte das autoridades portuguesas, sendo, igualmente, uma das prioridades da agenda da União Europeia. A governação (ou governança)85, designa o conjunto de regras, processos e práticas que dizem respeito à qualidade do exercício do poder, 85 Os termos governação e governança têm vindo a ser utilizados indistintamente ao nível da documentação Europeia – Cfr., Comissão das Comunidades Europeias, (2001), Governança Europeia: um livro branco, Bruxelas, e Conselho Económico e Social: Subcomité “Governação”, (2001) – Parecer sobre “A sociedade civil organizada e a governação europeia – contributo do Comité para a elaboração do Livro Branco”, Bruxelas. [email protected] Página 81 essencialmente no que se refere à responsabilidade, transparência, coerência, eficiência e eficácia86. A boa governação implica a gestão transparente e responsável dos recursos humanos, naturais, económicos e financeiros, tendo em vista um desenvolvimento equilibrado e sustentável. Para que tal seja possível as Instituições Superiores de Controlo das Contas assumem um papel fulcral e insubstituível. O art. 1.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas estabelece que “O Tribunal de Contas fiscaliza a legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas, aprecia a boa gestão financeira e efectiva responsabilidades por infracções financeiras”. A apreciação da boa gestão financeira, que não apenas da legalidade formal, não pode, todavia, ser confundida com qualquer juízo de valor sobre a opção política do decisor da despesa pública. Esta opção política, isto é, os fins escolhidos pela autoridade política, não pode nem deve ser sindicada pelo Tribunal de Contas nas suas auditorias. Tão só os meios financeiros utilizados e os resultados alcançados são objecto da actuação do Tribunal de Contas, numa perspectiva independente e técnica de análise da economia, eficiência e eficácia. Todavia, um contributo eficaz do Tribunal de Contas para a boa governação depende de um relacionamento próximo com os órgãos de controlo interno, com o Parlamento e com os cidadãos. 4.2. Relações com os órgãos de controlo interno Cabe ao controlo interno supervisionar, acompanhar e avaliar a gestão, fornecendo informação aos gestores para que estes possam corrigir deficiências, evitar 86 Cfr. cit., Comissão Das Comunidades Europeias, (2001:1), Governança Europeia: um livro branco, Bruxelas. [email protected] Página 82 erros futuros e melhorar os processos gestionários, permitindo um melhor desempenho, com ganhos de economia, eficiência e eficácia. Assim, o controlo exercido pelas Instituições Superiores das Contas deverá incidir também sobre o(s) sistema(s) de controlo interno da Administração Pública, nomeadamente, sobre as suas adequabilidade e fiabilidade, contribuindo para que estes desempenham com eficácia o seu papel nos respectivos sistemas nacionais de controlo financeiro. Em Portugal, o Tribunal de Contas tem competência para apreciar a organização, o funcionamento e a fiabilidade dos sistemas de controlo interno, cabendo ao seu Presidente promover as acções necessárias ao intercâmbio, coordenação de critérios e conjugação de esforços entre todas as entidades encarregadas do controlo financeiro. 4.3. Relações com o Parlamento Em qualquer Estado de direito e democraticamente constituído, o contributo das Instituições Superiores das Contas para a boa governação passa necessariamente pelo Parlamento. É o Parlamento que, aprovando a cobrança dos impostos e a realização da despesa pública, anualmente, há-de cumprir a tarefa fundamental de acompanhar e avaliar o modo como a actividade financeira do Governo é executada, designadamente, em matéria de despesa pública. Assim o impõe a sua função de representação dos cidadãos, em nome dos quais, anualmente, aprova o Orçamento e ulteriormente aprecia a respectiva Conta Geral do Estado. O olhar atento das Instituições Superiores das Contas é, nesta matéria, fundamental. No caso português, as observações e recomendações feitas pelo Tribunal de Contas quer nos relatórios de auditoria quer no próprio parecer sobre a Conta Geral do Estado só terão eficácia se o Parlamento delas se ocupar e fizer dar seguimento. [email protected] Página 83 Assume, neste ponto, particular relevância a apreciação da Conta Geral do Estado por parte do Parlamento. É ao Parlamento, enquanto órgão representativo de todos os cidadãos portugueses que, nos termos do art. 162.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), compete vigiar pelo cumprimento da Constituição e exercer um controlo político sobre a actuação do Governo e da Administração. No entanto, tratando-se o Parlamento de um órgão legislativo e político, não terá a preparação técnica indispensável para um controlo rigoroso e eficaz da execução orçamental. Deste modo, cabe a uma instituição independente e tecnicamente preparada – o Tribunal de Contas – cooperar com o Parlamento no sentido de o auxiliar no cabal desempenho da sua missão de controlo político. Nesta matéria assume particular relevo o Parecer sobre a Conta Geral do Estado. O Tribunal emite, através deste Parecer, um juízo sobre a legalidade e a correcção financeira das operações examinadas, podendo pronunciar-se sobre a economia, a eficiência e a eficácia da gestão e, bem assim, sobre a fiabilidade dos respectivos sistemas de controlo interno87. O Tribunal de Contas pode, igualmente, formular recomendações dirigidas ao Parlamento ou ao Governo, tendo em vista a melhoria da gestão das finanças públicas88, competindo ao Parlamento, sempre que sejam evidenciados factos constitutivos de responsabilidade financeira, deliberar a remessa o Parecer ao Ministério Público, tendo em vista o desencadeamento de eventuais procedimentos jurisdicionais para a efectivação daquela responsabilidade89. Todavia, conforme temos vindo a acentuar, o Parlamento concentra habitualmente a sua atenção na discussão e aprovação do Orçamento e descura a 87 Cfr. art. 41º, n. º 2, Lei da Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC). Idem, art. 41º, nº 3. 89 Idem, art. 5º, n.º 3, 57º e 58º. 88 [email protected] Página 84 apreciação da Contas Gerais do Estado, o que se revela manifestamente desadequado face à realidade actual. Com efeito, esta realidade traduz-se, designadamente, numa insuficiente transparência do processo orçamental, cada vez mais dominado pelo Executivo, a qual se deve quer à falta de credibilidade gerada pela incerteza inerente às previsões económicas quer à falta de sinceridade do Projecto de Orçamento por suborçamentação de despesas. O Parlamento deve, portanto, concentrar-se menos na discussão do Orçamento e empenhar-se cada vez mais no controlo e na avaliação da execução orçamental, analisando e avaliando os resultados da execução das políticas orçamentais. Assim, o contributo das Instituições Superiores das Contas para a boa governação, passa necessariamente pela actuação do Parlamento no sentido de atribuir eficácia às suas observações e recomendações. Tal como acontece em Portugal, as Instituições Superiores das Contas poderão, ainda, contribuir para a boa governação através da elaboração de pareceres sobre projectos legislativos em matéria financeira, sempre que solicitadas pelo respectivo Parlamento ou Governo. 4.4. Relações com os cidadãos As Instituições Superiores das Contas desempenham, ainda, um importante papel formativo e informativo dos cidadãos. Os cidadãos devem ser informados acerca da forma como decorreu a aplicação dos dinheiros públicos ao longo do ano respectivo. É de capital importância que os cidadãos disponham de informação que lhes possibilite compreender e exercer um controlo sobre a actividade do Estado – controlo social, controlo difuso ou controlo político em sentido amplo – controlo este que se efectivará, fundamentalmente, através do exercício do direito de voto. [email protected] Página 85 Na verdade, os cidadãos eleitores só poderão votar livremente se dispuserem de informações acessíveis, suficientes e credíveis; caso contrário tal liberdade será apenas formal. De referir que na relação entre as Instituições Superiores das Contas e os cidadãos não pode ser negligenciado o papel dos órgãos de comunicação social. É fundamental que elas estabeleçam um relacionamento sério com os órgãos de comunicação social, onde impere o respeito mútuo, que possibilite o desenvolvimento de acções informativas e formativas dos cidadãos. Tal relacionamento deve ser encarado com naturalidade em democracia. Aberrante num sistema democrático seria a ocultação de informação aos cidadãos acerca da forma como é gerido os dinheiros públicos. 4.5. As observações da organização internacional das instituições superiores de controlo das finanças públicas (INTOSAI) sobre o papel das instituições superiores de controlo na melhoria da governança. No XVI encontro em, 1998 realizada no Uruguai, os delegados partilharam-se da visão de que as Instituições Superiores das Contas desempenham um papel importante na melhoria da gestão financeira dos governos. No referido encontro foram apresentados os relatórios das comissões permanentes da INTOSAI e dos grupos de trabalho em matéria de melhoria da governança pelo trabalho das Instituições Superiores das Contas. Da análise dos diversos relatórios resultou a discussão de diversos aspectos da actividade das Instituições Superiores das Contas, sendo possível distinguir: 1. O papel institucional das Instituições Superiores das Contas no sector público; 2. As normas e valores dos auditores; 3. Definição dos padrões (standards) de qualidade de auditoria; 4. A implementação de standards, métodos e técnicas. [email protected] Página 86 Relativamente ao primeiro ponto, concluiu-se que as Instituições Superiores das Contas, ao estimularem uma gestão financeira rigorosa, a transparência e a responsabilidade no sector público, contribuem para o correcto funcionamento do sector público e do processo democrático. A actuação das Instituições Superiores das Contas permite, ainda, uma maior protecção contra as diversas formas de fraude e corrupção. O trabalho desenvolvido pelas Instituições Superiores das Contas tende, também, a aumentar a consciência sobre os padrões éticos na administração pública. Reconheceu-se que as Instituições Superiores de Controlo só podem desempenhar efectivamente o seu papel na melhoria da boa governança se forem independentes e dispuserem de mandatos e meios suficientes. Relativamente às normas e valores dos auditores, foi manifestada a convicção de que a conduta profissional dos auditores no sector público implica um comportamento de acordo com elevados padrões éticos, os quais constituirão exemplo para o sector público como um todo. A este propósito, a aplicação pelas Instituições Superiores das Contas do Código de Ética, o qual oferece os conceitos éticos básicos, partilhados por todos os países, clarifica o que é visto pelas Instituições Superiores das Contas como elementos de integridade e elevada conduta ética. Quanto aos padrões (standards) de qualidade de auditoria, eles devem acompanhar as mudanças e desenvolvimento no ambiente das Instituições Superiores das Contas, devendo ser actualizados de forma a manter a sua utilidade e a sua qualidade. Concordaram que elevados padrões de qualidade são ferramentas importantes no combate contra a fraude e a corrupção. Finalmente, quanto às estratégias de implementação de padrões, métodos e técnicas, o acento tónico no uso prático dos outputs das comissões permanentes e dos grupos de trabalho revela de grande importância. Neste ponto, há a necessidade de [email protected] Página 87 publicação de standards e guidelines, recolha e distribuição activa de informação, realização de estudos em aspectos técnicos e metodológicos, etc. [email protected] Página 88 Conclusão Debruçamos sobre esta investigação para analisar o percurso histórico no processo de criação das Instituições Superiores de Controlo das Contas Públicas em Cabo Verde nomeadamente o Tribunal de Contas de Cabo Verde. As sociedades possuem instituições, mas nem todas essas instituições são suficientemente fortes para garantirem a segurança e o direito das pessoas. Nesta medida, as instituições são a garantia do funcionamento de um Estado. Para que haja desenvolvimento é necessária a presença de instituições e a sua adaptação às mudanças e desafios inerentes ao processo de desenvolvimento. É de salientar que as regras informais, por serem normas de conduta, tradições, etc., têm um grande peso em todas as sociedades. São menos complexas, de fácil assimilação e de uso frequente nas sociedades. Enquanto que as regras formais obedecem um padrão definido e complexo que orienta as relações sociais, padronizando e controlando todas as actuações. Em todos os países, independentemente do seu grau de desenvolvimento, existem regras informais. Elas facilitam as transacções. Estas regras têm um forte peso em países de fraco desenvolvimento, onde as regras formais são pouco desenvolvidas e quando desenvolvidas, muitas vezes a sociedade não se encontra preparada em termos de nível de formação para a familiarização com essas normas, que, de resto, têm um nível de complexidade elevada. Ficou patente que o Estado tem um papel importante no processo de desenvolvimento económico não só porque ele é que tem o poder de aplicar sanções, mas também colmata as ineficiências de mercado, sendo, de facto, impulsionador na implementação de políticas no processo de desenvolvimento. [email protected] Página 89 O Estado não é apenas uma organização política. O Estado tem funções, não só políticas, socais e económicas, mas também de segurança, protege e garante os direitos de propriedade. O desenvolvimento económico abarca necessariamente o reforço das capacidades no sentido da redução da pobreza, a consolidação das instituições e a boa governação. O desenvolvimento económico e requer um período longo para a sua concretização. Não basta dar início a um processo de desenvolvimento económico. Fundamental será, então, torná-la sustentável por um longo período. O Estado tem uma grande responsabilidade neste longo processo no que se refere à criação de políticas e condições institucionais que garantem a paz e a estabilidade no país, que combate a corrupção e proporciona a boa governação. Após a independência em 1975, o Estado de Cabo Verde implementou alterações significativas na economia e nas instituições a fim de atingir um rápido desenvolvimento económico, social, político e institucional, e, por conseguinte, erradicar a grande situação de carência e pobreza no país. De 1976 a 1981 o governo implementou os “Planos de Emergência”, seguido depois, de vários “Planos de desenvolvimento”. Mas, segundo os dados, para esse período, a intervenção do Estado na economia, revelava-se necessária, não só por se ter tornado num Estado independente, mas também pela situação de pobreza que, na altura, se vivia no país. A descolonização deixou uma elite letrada formada, com larga experiência na Administração Pública, que por sua vez enfrentou grandes dificuldades na administração da coisa pública porque a passagem de um período de colonizado para descolonizado foi rápida, sem ter havido qualquer preparação para se assumir as questões económicas sociais e institucionais. O Estado assumiu todo o processo de [email protected] Página 90 transformação económica, social e institucional. O Estado teve a iniciativa das reformas institucionais. O Estado funcionou como um grande maximizador de utilidades. A sustentabilidade do desenvolvimento económico e institucional na qual se apoiou, é que serviu de base para a entrada no grupo de países de Desenvolvimento médio (PDM). Por fim, o principal papel do desenvolvimento é reduzir a pobreza e garantir direito às pessoas em todas as suas esferas. Assumido o poder por parte do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, o então partido tornou-se no guia da sociedade e do Estado caboverdiano. Verifica então a adopção de um modelo institucional centralista. O partido teve que assumir toda a responsabilidade inerente à governação do país. Nesse período de trinta anos, Cabo Verde deu passos significativos, rumo à democratização em todas as esferas da sociedade. Fez um percurso de consolidação institucional desde um sistema de partido único, para um sistema democrático, com eleições livres. O sistema de partido único enraizado e mantido por um período de, aproximadamente, quinze (15) anos, caracterizava-se por um modelo institucional centralizado e dirigista, com forte intervenção na economia. O Estado assumiu, após a independência do país ocorrida a 5 de Julho de 1975, como garante das transformações económicas e sociais e de sobrevivência dos indivíduos. O partido era o Estado, conforme vem expresso na (Lei da Organização Política e do Estado). Este período decorreu até 1990. O Governo para minimizar a crise, criou planos de emergência de combate à pobreza. A preocupação em colocar o país na senda internacional levou a que Cabo Verde assinasse alguns acordos e parcerias com instituições internacionais. [email protected] Página 91 A liberalização económica antecedeu-se de um grande investimento público para o reforço das capacidades internas e diminuição da ajuda externa e consequentemente redução da dívida. De referir que o nível de desenvolvimento, a paz social e a boa governação são aspectos que levaram Cabo Verde a não ser contemplado no grupo de países a beneficiar do perdão da dívida por parte de alguns países e instituições financeiras internacionais. Cabo Verde não foi contemplado com os programas Heavily Indebeted Poor Countries (HIPC) do FMI. Durante a década de 90 surgiram várias privatizações como forma de impulsionar o crescimento económico. Com isto, o Estado passa a ter mais meios para financiar futuros projectos. Com a liberalização das telecomunicações e uma aposta nas empresas, o Estado acabou por ter sucesso no modelo de desenvolvimento adoptado, principalmente a partir da abertura democrática até hoje. Todo o modelo esteve apoiado na criação de regras de funcionamento do mercado, nomeadamente na criação de instituições de controlo das finanças públicas. Neste sentido o Tribunal de Contas de Cabo Verde passou a ter um papel fundamental, conseguido com a revisão constitucional de 1992, o artigo 241º atribui uma nova dimensão ao Tribunal de Contas de Cabo Verde com a sua integração no âmbito dos órgãos de soberania, passando a ser um órgão independente. O Tribunal de Contas de Cabo Verde passou a ter um novo estatuto, ou seja, estatuto constitucional, consagrando – a jurisdição financeira, a forma de nomeação do Presidente e dos Juízes a nomeação do Presidente da República e, remetendo para a lei ordinária a regulamentação da sua composição, funcionamento e competências. O Tribunal de Contas de Cabo Verde é a instituição superior de controlo externo das finanças públicas no quadro da Constituição da República de Cabo Verde. Com jurisdição e poderes de controlo financeiro em território nacional e no estrangeiro [email protected] Página 92 cometidos nomeadamente pela Constituição da República de Cabo Verde (artigo 216º) e a Lei nº. 84/IV/93, de 12 de Julho (artigo 2º). O Tribunal de Contas de Cabo Verde é hoje apontado como exemplo a ser seguido entre os países africanos no propósito de alcançar a sedimentação da democracia, controlo das contas públicas e prossecução da boa governação. Com isto a sua acção ganhou uma grande reputação tanto a nível nacional como internacional. Tem-se pautado no estabelecimento de estratégias de intervenção e desenvolvimento de acções concertadas com entidades que se dedicam ao controlo da actividade do Estado. Verifica-se também que apesar desse controlo que faz das finanças públicas, não há registo de reposição de contas, apesar dos vários acórdãos existentes. As parcerias nacionais e, principalmente, supranacionais com entidades de controlo e fiscalização das finanças fez aumentar as capacidades de controlo das finanças por parte do Tribunal de Contas de Cabo Verde e com isso reduzir o nível de corrupção. O contributo das Instituições Superiores de Controlo para a redução do nível de corrupção e para a boa governação desenvolve-se, pois, em toda a amplitude das suas missões e em todos os níveis da sua actuação. Este contributo passa pela realização e divulgação de estudos técnicos e pelo desenvolvimento de acções de controlo eficazes, nomeadamente através da realização de auditorias de diversa natureza a todas as instituições estatais, e os resultados obtidos permitem desenvolver acções pedagógicas e formativas, consultivas e informativas e, ainda, a efectivação de responsabilidades financeiras nos casos em que as Instituições Superiores de Controlo disponham de mandato para tal. Este papel só poderá ser desempenhado eficazmente com base no conhecimento técnico e na garantia de independência delas e em estreita colaboração com as outras entidades de controlo interno tanto a nível político como social. [email protected] Página 93 De um modo geral, concluímos que, não houve até o momento eficácia no controlo, nomeadamente no que toca ao cumprimento das sentenças. De forma a contribuir para a boa governação e um eficaz controlo institucional, é desejável que as Instituições de Controlo das Contas Públicas em Cabo Verde, nomeadamente, o Tribunal de Contas de Cabo Verde: Exerça um controlo da boa gestão financeira, para além do controlo da legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas; Desenvolva uma relação estreita de colaboração recíproca com as diversas entidades de controlo existentes na sociedade; Mantenha uma relação especialmente estreita com o Parlamento, nomeadamente através da criação, neste órgão, de uma comissão ou, no mínimo, subcomissão especializada que reúna regularmente com a ISC do país respectivo no sentido de acompanhar a execução orçamental e de fazer dar seguimento às recomendações e observações daquele órgão de controlo externo; Mantenha, em qualquer caso, intacta a sua independência; Adopte, na sua organização, as melhores práticas de gestão e um elevado padrão ético, de forma a servir de exemplo a todo o sector público; Desenvolva e divulgue estudos no domínio financeiro e colabore activamente na elaboração de projectos legislativos em matéria financeira, na medida em que estrutura legal do país o permita; Procure persuadir os respectivos Governos e Parlamentos sobre as vantagens do intercâmbio interinstitucional de informação para a boa governação. 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