Intervenção Psicológica em casos de violência Maria de Lourdes Gurian Ernesto Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental Contato: [email protected] Cel: 70534081 Objetivo da aula : Fornecer subsídios para reflexão na intervenção no âmbito psicológico em casos de violência. Fomentar a discussão do atendimento em TCC. Por que a ênfase no atendimento psicológico em casos de violência ? Reconhecimento histórico e normativo: A legislação prevê reparação à vítimas: 1.Resolução 30/45 : ONU, 1985 – Declaração dos Princípios básicos de justiça para vítimas de crime e abuso de poder. 2.ECA (1992). 3.Lei Maria da Penha (2006). Tipificação geral: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. Crimes contra a vida: homicídio e latrocínio (tentado ou consumado) Violência sexual Violência intrafamiliar Violência de gênero/doméstica Violência psicológica Tortura Negligência Outras (discriminação, injúria, etc.) Questões éticas para pensar o atendimento Sigilo Notificação (atendimento infantil ou em caso de ameaça à vida) Busca de apoio na rede institucional, familiar e relacional quando há o consentimento da vítima Avaliação e reflexão contínua de pedidos e convites feitos pela vítima no contexto psicoterapêutico. Ex: laudos, testemunho, etc. Constante avaliação e revisão da condução ou planejamento do atendimento Estabelecer contratos claros e objetivos Diretrizes técnicas e ético-políticas do trabalho clínico Considerações sobre a TCC A TCC centra-se nos problemas apresentados pelo cliente no momento que este procura ajuda, com o objetivo de auxiliá-lo a apreender novas estratégias para lidar com o ambiente que vive, como também, no ponto de partida de sofrimento apresentado. Fornece subsídios na relação terapêutica para que o sujeito possa olhar para si mesmo e para o ambiente de forma participativa e crítica, (Bahls e Navolar, 2004). A intervenção pode ser focal, dialética e educativa, visando a ressignificação do evento traumático e mudança de condição de vida. Sugestão de dados para levantamento inicial de dados no atendimento em TCC: 1. História de vida individual e familiar 2.Relato da violência sofrida (tipificação), contexto que ocorreu, influência na rotina de vida atual. 3. Genograma – Violência Transgeracional 4. Linha do tempo: construção: antes do episódio, violências ocorridas – situação posterior 5. Estabelecimento de diagnóstico ( se necessário) 6. Levantamento de crenças, pensamentos automáticos e comorbidades geradas pelo trauma (Ex: TEPT, depressão, pânico, etc) 7.Análise das contingências ambientais e relacionais da vítima (Há risco? Há ameaça? Preconceito? ) 8.Análise da habilidade de resiliência e estratégias de mudança. 9.Potencialidades x Dificuldades atuais 10. Complicações ou Ruptura dos laços afetivos e sociais 11. Trabalho conjunto à rede de serviços (rede assistencial, saúde, judiciário, etc). 12. Conceituação de caso e registro adequado dos atendimentos Primeiras Sessões – Aspectos peculiares É recomendável propiciar nos primeiros encontros espaço de escuta livre investigativa. de julgamentos ou postura O movimento de buscar ajuda pode implicar num momento de rompimento de silenciamento, paralisação ou até mesmo crise e denúncia. A possibilidade de oferecer espaço seguro, sigiloso e ético já é em si uma forma de intervenção que pode ser terapêutica ou desencadear momento de busca para uma mudança de condição de vida com possibilidades de escolha de lugar social (de vítima à protagonista de sua própria história). Os contratos de atendimento estabelecidos devem ser claros no sentido de impedir a revitimização. É aconselhável que o enquadre psicoterapêutico possa ser focal ou livre (dialético) e o contrato de trabalho sempre implicará na construção de sentido na interface: desejo/expectativa da vítima em acordo com o trabalho psicoterapêutico proposto. O psicoterapeuta precisa avaliar se há necesssidade de intervenção psiquiátrica dependendo dos sintomas emergentes Considerações gerais sobre os efeitos da violência Pessoas que sofreram violência podem apresentar quadros sintomáticos de ansiedade, TEPT, síndrome do pânico, depresssão, flashbacks do evento podendo chegar a quadros delirantes e surto psicótico. Além disto podem apresentar pensamentos e comportamentos disfuncionais e expor sua vida em risco na tentativa de conduzir investigações: “fazer justiça com as próprias mãos” ou apresentar pensamentos automáticos, rituais, crenças disfuncionais e episódios de crise em datas comemorativas. Atendimento à vítimas diretas de violência- Considerações Gerais Ameaça à vida: Casos que a vítima esteve envolvida em ameaça por curto ou longo prazo necessitam de avaliação do risco e encaminhamento para serviços de proteção. Caso o episódio de ameaça tenha cessado, pode emergir como conseqüência sentimentos e ideações de persecutoriedade, TEPT, pânico e fobias. O psicoterapeuta deve estar atento à poder trabalhar a retomada da vida após o episódio de risco, podendo oferecer subsídios para ressignificação do trauma e de adaptação. Violência de gênero A violência de gênero é caracterizada numa perspectiva construída culturalmente e historicamente e correlaciona-se com crenças de desvalia e de relações de poder. Pode acontecer desde a violência física/sexual ou de formas subliminares como assédio moral, assédio sexual, preconceito e discriminação, tortura, etc. Violência doméstica: A violência de doméstica caracteriza-se pela violência que ocorre dentro do espaço privado (casa), normalmente associada à violência intrafamiliar ou de gênero. É tangenciada por ciclos de diversas formas de violência com efeito “dominó”. Aspectos específicos da Violência de Gênero Crenças: O repertório de crenças interfere tanto nos aspectos que reforçam o comportamento violento do agressor tanto quanto na vítima que sofre a agressão, podem ser crenças arraigadas transgeracionalmente. No atendimento psicoterapêutico emergem vários discursos de vingança e ódio da vitima, mas também pode haver o pedido que cesse a violência e que o autor da agressão mude. Neste caso pode-se avaliar a possibilidade de um trabalho de atendimento ao autor da violência com foco na responsabilização e educação sobre machismo e relação de gênero. Intervenção além da TCC Empoderamento : Mulheres em situação de violência geralmente apresentam crenças de submissão e dependência. O psicotepeuta pode trabalhar o empoderamento para que ela conquiste autonomia e possa sair desta condição, independente da separação ou conciliação do casal. Recomenda-se para além do atendimento psicológico o atendimento social, jurídico e atendimento familiar ou infantil, se necessário. Casos crônicos de violência seguido de ameaça: Muitas vezes o autor da violência infere ameaças sobre a vítima, a escuta do profissional deve ser sempre atenta caso haja necessidade de buscar a rede de apoio que ofereça proteção. (Ex: notificação da ameaça, realização do BO e busca por local seguro – rede familiar ou rede assitencial. Ciclo de violência Conjugal Abuso sexual infantil : O abuso sexual infantil pode ocorrer de diversas formas (desde carícias inapropriadas, exposição até o estupro e estupro qualificado) e implica em uma experiência que pode ser traumática para a vítima, que pode vir a desenvolver diversos sintomas como: transtornos alimentares, agressividade, retardo ou adiantamento do desenvolvimento, depressão, insônia, TEPT, TOC, dentre outros sintomas e comorbidades. Indicadores da situação crônica de abuso Abuso – Pacto de Segredo Raiva – agressividade Medo, perda de confiança e controle, inibição, ansiedade, TEPT, TOC, distúrbios alimentares, enurese, encoprese, fobias, pânico, etc. + Confusão – não reconhecimentos dos sentimentos submissão Culpa – isolamento – depressão – tentativa de suicídio drogadição ou Adição – conduta sexualizada Mattos e Miyarara (2009), Como a situação de abuso configura-se numa situação de um pacto de segredo e submissão a uma relação de poder, os aspectos acima citados, dentre outros (como relatos e brincadeiras sexualizadas no contexto familiar), são pontos de atenção para o psicoterapeuta no atendimento quando a situação do abuso ainda não foi revelada. No atendimento à crianças vítimas de abuso sexual, a intervenção psicoterapêutica primária tem pressupostos básicos a serem seguidos no caso de abuso sexual infantil no âmbito intrafamiliar: Todas as crianças dependem estruturalmente de seus cuidadores e tem vínculos com: progenitores que abusam, os que não abusam e outros membros da família. Para impedir novos abusos precisa-se considerar os aspectos legais, a garantia de direitos da criança (ECA) e as instituições provedoras de serviços de proteção e saúde. No atendimento, dentre os aspectos cognitivos e relacionais que permeiam o universo da criança que sofre abuso destacase: Síndrome do Segredo; Pactos e ameaças; culpa; medo, silenciamento e recompensa (pelo agressor). A relação entre agressor e abusado baseia-se também numa relação de poder unilateral. Neste sentido, no âmbito lúdico do atendimento infantil destacam-se jogos que podem colocar em questão as crenças infantis desta relação de poder e da passagem da condição de objeto para sujeito. A situação de abuso, dependendo da forma que ocorre pode gerar dor ou prazer na criança e dependendo da sua fase de desenvolvimento, crenças e comportamentos são frutos desta relação. Quando a ocorrência do abuso é revelada, o profissional precisa além da notificação às autoridades competentes, buscar uma rede de apoio que possa interromper a situação do abuso e impedir que a criança seja punida, como por exemplo: afastamento da família, culpabilização por sedução, dentre outros aspectos que permeiam o contexto situacional que varia de acordo com a cultura familiar. Atendimento familiar: É aconselhável no atendimento familiar trabalhar a responsabilidade parental e a culpa sentida pelo cuidador que não protegeu a criança quando o segredo é desvelado e a ruptura ou conflitos familiares gerados a partir da denúncia. Notificação : Pode ser direcionada para conselhos tutelares, Vara da Infância, polícia, etc. O agressor sexual pode apresentar adição e o ciclo descrito por Mattos e Miyarara (2009) que configura em tensão – fantasia – planejamento – excitação – abuso e alívio. Além da responsabilização pelo ato criminoso, ressalta-se que o comportamento aditivo deve ser abordado. Existem intervenções possíveis também para o comportamento de compulsão. Para além da psicoterapia a criança também pode ser beneficiada por trabalhos interdisciplinares e educativos que visam prevenção ou interrupção do abuso, como: Legitimação dos aspectos legais do abuso; dar licença para o profissional para romper o segredo e falar sobre o abuso (o fato e a experiência); aprender a reconhecer as diversas formas de abordagem dos adultos que indicam abuso; distinguir “toque bom” e “toque mau” e ser capaz de recusar e aprender a buscar um cuidador-protetor que a escute e proteja. Exploração sexual infantil Caracteriza-se desde o uso inadequado de imagens até o aliciamento à prostituição. O contexto envolve sempre um adulto que de alguma forma instaura na criança uma relação de negociação ou barganha com o próprio corpo. Tem como conseqüências a crença de corpo-objeto, sendo assim a vítima pode vir a desenvolver adição e diversos sintomas provenientes desta relação, principalmente a drogadição, distúrbios alimentares, além da sujeição à diversas outras violências. O trabalho possível pode ir de encontro no resgate de habilidades e potencialidades como também a sensibilização para outras formas de vida e de vivência com o corpo. Ex. dança; esporte, etc. Sugestões de Técnicas em TCC Registro de Pensamentos Automáticos Reestruturação cognitiva Dessensibilização Sistemática (através de mentalizações e trabalho com AT) Role play Treinamento de Habilidades Sociais Aliança terapêutica com reparação (Jeffrey Young) Terapia focada no esquema Técnicas de Prevenção de recaída Follow up – Acompanhamento no processo de desligamento Cuidados e reflexões necessárias para o profissional que trabalha com a violência Despir-se de julgamentos morais Reavaliar crenças e conceitos íntimos e culturais Estar em psicoterapia e buscar supervisão Quando necessário buscar apoio em instituições, rede de serviços e grupos de estudos, fóruns e debates. Avaliar as expectativas pessoais frente ao trabalho (impotência x onipotência) Sempre que achar necessário recontratar plano de atendimento. Pensar de forma crítica as diretrizes clínicas aplicadas e seus efeitos Consultar SEMPRE o código de ética e materiais normativos (ECA, Lei Maria da Penha, Estatuto do Idoso, etc) e se necessário buscar apoio institucional (conselhos, Varas Judiciais, etc). s p . g Sugestões : o v . Filme : Preciosa b r / Lei Maria da Penha em Cordel d http://tiaosimpatia.blogspot.com/ p e s p / Núcleo de Defesa da Mulher D- NUDEM e www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx f a u l t . a Referência e Agradecimentos Bibliografia AFFONSO, R.M.L.; MOTA, E.M.T.; PEREIRA, A.C.; Working a psychology clinical model about violence victim of São Paulo city. Psikê – R. Curso Psicol. Univ. FMU. São Paulo, 5 (2): 26-40, jul./dez., 2000. BAHLS, S.C.; NAVOLAR, A.B.B.; Terapias CognitivoComportamentais: Conceitos e pressupostos teóricos. Psico UTP on line - N.4, Curitiba, jul. 2004 www.utp.br/psico.utp.online BOULEN, P.A.; HOUT, M.A.; BOUT, J.; A CognitiveBehavioral Conceptualization of Complicated Grief. Utrecht University, Netherlands-Clin Psychol. Sci. Prac. 13: 109-128, 2006. SOARES, G.,A,D.; MIRANDA, D., Gênero e trauma. Soc estado.v.20 n.1 Brasília jan./abr.2005 www.scielo.org.br TRAMONTE, M.R.; Homicide Crisis Intervention in a Multicultural School Setting; Annual Convention of the National Association of School Psychologists- 31st, Las Vegas NV, April 610, 1999. •MATTOS e MIYARARA (2009), Tratamento psicoterápico para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual;Compreendendo a violência sexual numa perspectiva muldisciplinar, WCF, São Paulo, SP. SILVA, A. Verdade, conhecimento e emoções nas abordagens cognitivas. Em: ABREU, ROSO e cols. (org.) 2003, Psicoterapias Cógnito-construtivistas - novas fronteiras da prática clínica. Porto Alegre, Artes Médicas, 2003. PAULINE, B.; Ambuiguous Loss. Harvard University Press, 2000. SILVA, A. Verdade, conhecimento e emoções nas abordagens cognitivas. Em: ABREU, ROSO e cols. (org.) 2003, Psicoterapias Cognitivo-construtivistas - novas fronteiras da prática clínica. Porto Alegre, Artes Médicas, 2003. Cartilhas do governo federal: Marcadas a ferro-Violência contra a mulher, uma visão multidisciplinar. Diálogos sobre violência doméstica e gênero. As cartilhas estão disponíveis nos sites: Texto O que é Violência contra a mulher?: http://www.ibam.org.br/viomulher/inforel9.htm Secretaria Especial de Políticas para mulheres www.presidencia.gov.br/sedh/ ou www.sedh.gov.br Secretaria Especial de Direitos Humanos www.presidencia.gov.br/mulheres Lei Maria da Penha – disponível no site : http://www.presidencia.gov.br/