ESCRITORES DA LIBERDADE, UM ELO DE CONTATO COM MUNDO: O DESAFIO DO ACESSO E PERMANÊNCIA EM PROJETOS DE INCLUSÃO Mônica Maria Montenegro de Oliveira (IFPB) Raimundo Nonato Oliveira Furtado (IFPB) Palavras-chave: Desigualdade social; Racismo; Preconceito; Exclusão; Desestrutura familiar; Políticas públicas. Pescadores de vida Diego não conhecia o mar: O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para descobrir o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar e tanto o seu fulgor, Que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar; tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a olhar! Eduardo Galeno Escritores da Liberdade é um filme baseado em fatos reais, cuja trama gira em torno da necessidade da criação de vínculos sociais em sala de aula, despertando através das histórias de vida dos alunos, no qual cada um tem a oportunidade de falar de si próprio, de seus medos, suas angústias, suas mágoas e demasiada violência em seus ambientes residenciais, o que os motiva a compreender as pessoas que são. A Secretaria de Educação de um município da Califórnia decidiu instalar em uma determinada escola (Wilson) um programa de reintegração social para jovens delinquentes, com o objetivo de reintegrá-los socialmente, onde diversas raças, culturas e etnias compunham o grupo. Encontramos nessas cenas o que Cipriano Luckesi, na sua obra Avaliação da Aprendizagem Escolar, explica sobre a avaliação diagnóstica, as possibilidades que são dadas aos profissionais da educação de evidenciarem o conhecimento prévio que os alunos já possuem e identificar suas potencialidades, a fim de utilizá-las na estruturação do processo de ensino aprendizagem. Ao manter esse contato com os alunos, participando de forma pró-ativa no seu mundo, a professora Erin Gruwell, interpretada pela atriz Hilary Swank, conquista e resgata o respeito e a (auto)confiança de seus alunos, através da metodologia da escrita em diários, onde cada um pode registrar o que quiser sobre suas vidas, relações, interações, ideias de mundo, leituras, etc. Ao criar um elo de contato com o mundo, Erin fornece aos aprendizes um elemento real de comunicação que permite aos mesmos se libertarem de seus medos, anseios, aflições e inseguranças. Partindo do exemplo de Anne Frank, menina judia alemã, branca como a professora, que sofreu perseguições por parte dos nazistas até perder a vida durante a 2ª Guerra Mundial, Erin consegue mostrar aos alunos que as situações de exclusão e preconceito podem afetar a todos, independentemente da cor da pele, da origem étnica, da religião, ou da classe social. Atentas, alunas acompanham o desenrolar do filme A dinâmica do depoimento e debate em sala de aula demarcam que é preciso que cada qual se enxergue, se responsabilize e se comprometa a "fazer sua parte", como diz a personagem da secretária austríaca que abrigou Anne Frank no filme Escritores da Liberdade "fazer a coisa certa ou ética, como uma pessoa comum, anônima, e representante do que é ser civilizado”. Uma educação que não exercita o ato de pensar, com todos os seus riscos, além da própria ausência de pensamento, tem como efeito o não comprometimento, o não tomar decisões, ou não se responsabilizar por elas, conforme afirma CRITELLI (2006, p.80) A tarefa fundamental do pensar é descongelar as definições que vão sendo produzidas, inclusive pelo conhecimento e pela compreensão e que vão sendo cristalizados na história. A tarefa do pensar é abrir o que os conceitos sintetizam, é permitir que aquilo que ficou preso nos limites da sua própria definição seja liberado. É livrar o sentido e o significado dos acontecimentos e das coisas da camisa-deforça dos conceitos. Para alguns, é insuficiente o(a) professor(a) apenas "fazer sua parte", uma vez que existe um mundo para além dos limites da sua sala de aula. Mas, a lição da professora no filme está em "fazer-bem-sua-parte. Diz ela: A tarefa da educação é justamente a de apresentar o mundo ás gerações do presente, tentando fazê-las conscientes de que comparecem a um mundo que é o lar comum de múltiplas gerações humanas. Ao conscientizá-los do mundo a que vieram, estas deverão compreender a importância de sua relação e ligação com as outras gerações, passadas e vindouras. Tal relação se dará, primeiro, no sentido de preservar o tesouro das gerações passadas, isto é, no sentido de a geração do presente tomar o cuidado de trazer a esse mundo sua novidade sem que isso implique a alteração, até o irreconhecimento, do próprio mundo, da construção coletiva do passado. O posicionamento pedagógico-político-ético da função docente deve ser pontuada pela sua autoridade, sensibilidade e senso de inovação que, ao ser testado, na realidade cotidiana da escola costuma pagar um preço em forma de resistências, incompreensões e críticas maldosas. Assim posicionado nesse tripé é que o docente pode tanto se defender dos ataques externos como resistir às frustrações advindas do seu próprio trabalho. Que cada educador(a) faça diferença no seu ato de ensinar. O ensino regular visa levar os alunos a aprenderem os conteúdos programados pelos currículos. Contudo, não se pode ensinar sem incluir também uma mudança educativa. Um ensino sem educação para o pensar é vazio de sentido prático e existencial. Uma educação sem aprendizagem dos conteúdos e sem o reconhecimento dos saberes também é vazia e tende a degenerar em retórica moral e emocional. Ensinar e educar implicam em responsabilidades: pedagógica, política e moral, dentro e fora da escola; implica, ainda, na responsabilidade do coletivo, o qual tem duas faces: a cultura dos professores da escola e a estrutura técnico-burocrática que orienta o funcionamento da escola. Quem sou eu? Quem é você? Quem são as pessoas com as quais todo o dia interagimos? Com que profundidade conhecemos os colegas de trabalho? Se atuam em educação, quais são as informações que possui(mos) a respeito dos alunos? Normalmente, temos apenas uma visão superficial e pouco clara da maior parte dos relacionamentos que estabelecemos ao longo de nossas existências. E será que estamos comprometidos com isso? Após a exibição, alunas debatem realidade mostrada no filme É uma nova realidade possível de transformação como aponta Paulo FREIRE (1987). Os alunos saem da condição de marginalidade, de oprimidos e se iniciam no campo das possibilidades, ao lutarem pelos seus ideais, pelas suas conquistas ao enfrentarem os obstáculos, não mais com a violência, mais com o conhecimento. Em outras palavras, o movimento para a liberdade deve surgir e partir dos próprios oprimidos. Logo, vê-se que não é suficiente que o oprimido tenha consciência crítica da opressão, mas que se disponha a transformar essa realidade; trata-se de um trabalho de conscientização e politização. Os alunos devem ser estimulados à libertação, a serem críticos, criativos e reflexivos diante de uma sociedade excludente, mostrando que é possível fazer a diferença, modificando pelo menos a parcela que está próxima de si. A educação tem este compromisso: o de ensinar e orientar buscando reflexões sobre o próprio contexto do aluno e assim encaminhando-os para o pleno exercício da cidadania, visto que através desta conquista haverá a busca pela autonomia. É necessário, cremos que todos devem ponderar sobre questões e situações do mundo real que afetam a coletividade e que colocam barreiras e criam problemas a nossa existência. Da mesma forma, enquanto não nos preocuparmos, de fato, uns com os outros, iniciando essa ação a partir das pessoas que nos são mais próximas e presentes, como podemos imaginar que as questões globais poderão ser resolvidas? Escritores da Liberdade é uma fabulosa história de vida baseada no best seller “O Diário dos Escritores da Liberdade” que nos mostra como as palavras podem emancipar as pessoas e de que forma a educação, a cultura e o conhecimento são as bases para que um mundo melhor realmente aconteça e se efetive. Que façamos igual a Erin enquanto profissionais da educação: ofereçamos aos nossos alunos, em particular, às alunas beneficiárias do Programa Mulheres Mil a chance da mudança, ou seja, a oportunidade de terem uma voz própria e que através dela sejam capazes de buscar alternativas de transformação. A cidadaniaprecisaser discutidana família e tambémno ambienteescolar, para que desdecedo cada cidadão, conscientedos seus direitos e dos direitos dos outros, torne realidadeum país que é de todos, e de cada um. [Marie-Pierre Poirier, representantedo UNICEFno Brasil] REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA CRITELLI, Dulce. O ofício de pensar. In: Rev. Educação: Hannah Arendt pensa a educação. São Paulo: Segmento, n.4, 2006, p.74-83. FRANCISCO, Maria de Fátima S. Preservar e renovar o mundo. In: Rev. Educação: Hannah Arendt pensa a educação. São Paulo: Segmento, n.4, 2006, p. 26-35. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. LUCKESI, Cipriano Luckesi. Avaliação da Aprendizagem Escolar. REBELLO DE SOUZA, Denise Trento. Formação continuada dos professores e fracasso escolar: problematizando o argumento da incompetência. In: Rev. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n3, p.477-492, set./dez.2006. Sobre os autores: Profa. Mônica Maria Montenegro de Oliveira (IFPB) Gerente do Projeto Mulheres Mil no IFPB; Doutoranda em Linguística; Mestre em Literatura AngloAmericana; Especialista em Educação; Graduada em Letras (Português/Inglês) e Psicologia. Professora de Leitura e Produção Textual; Relações Humanas/Interpessoais e Inglês junto ao Projeto Mulheres Mil. Coordenadora para Assuntos e Projetos Internacionais e Coordenadora Projeto Vitae - Formação de Professores no IFPB. Raimundo Nonato Oliveira Furtado (IFPB) Assessor da Expansão II junto aos novos campi do IFPB; Mestre em Meio Ambiente; Especialista em Educação na Área de Ciências Sociais. Atua nas áreas de Ciências Humanas e Sociais. Professor de História/Sociologia; Trabalho e Economia Solidárias junto ao Projeto Mulheres Mil.