I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR O ensino de gramática tendo o texto como objeto de ensino no município de Engenheiro Beltrão GULHOTTI, Katie Emanoele de Lima (PIC). (Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão – FECILCAM) ALEIXO, Antonio Carlos (OR). (Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão – FECILCAM) RESUMO: Neste artigo apresentamos os resultados finais de nossa pesquisa desenvolvida no projeto de iniciação cientifica (PIC) da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão, cujo objetivo foi investigar como se deu o início da prática de ensino de gramática a partir de textos na Rede Estadual no Município de Engenheiro Beltrão. Tomando por orientação o método dialético, primeiramente, analisamos as propostas para o ensino de gramática apresentados nos documentos oficiais PCN e DCE, seguida da revisão bibliográfica dos autores que tratam o tema ensino de gramática e texto. Na sequência, realizamos entrevistas com 10 professores em serviço neste Município, a fim de investigar, a partir de seus discursos, quando se deu para eles o início deste processo. As análises dos dados levantados na revisão bibliográfica mostraram são tidas como causa para a mudança de prática pedagógica a emergência das pesquisas cientificas nas universidades brasileiras e o fim da ditadura militar no Brasil. Quanto à análise dos dados obtidos por meio das entrevistas, verificamos que há, por parte dos professores entrevistados, apesar das dificuldades apontadas e da postura eclética com o ensino tradicional, em alguns momentos, uma postura voltada para o reconhecimento da necessidade do ensino a partir de textos. PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores; Gramática; Ensino; ABSTRACT: In this article we present the final results of our research developed in the scientific initiation program (SIP) from the Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão, which objective was to investigate how the beginning of the teaching grammar practice happened from texts of the State Network in the Municipality of Engenheiro Beltrão. Choosing as guidance the dialectic method, originally, we analyzed the proposals for the grammar teaching presented in the official documents PCN and DCE followed by the bibliographic reform of the authors who discuss the grammar and text teaching theme. Then, we interviewed 10 teachers in service in that municipality in order to investigate, from their speeches, when the beginning of that process happened. The analyze of information obtained in the bibliographic review showed that the emergency of the scientific researches in Brazilian universities and the end of military dictatorship in Brazil are considered the cause of changing in pedagogical practice. As for the analyze of information obtained from interviews, we verified that there is, for some teachers who were interviewed, despite of the difficulties showed and the eclectic stance with the traditional teaching, in some moments, a stance toward the recognition of the necessity of teaching from texts. KEY-WORDS: Teachers Formation; Grammar; Teaching; INTRODUÇÃO ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR O ensino de gramática, nos últimos 30 anos, tem produzido polêmicas entre pesquisadores e professores de Língua Portuguesa. O ponto de divergência é se a gramática normativa deve ou não ser ensinada em sala de aula e qual deveria ser a metodologia para isso. A revisão bibliográfica na literatura sobre a historia recente da educação no Brasil apontou que foi a partir de 1980 que as pesquisas sobre a formação de professores tiveram maior aceitação entre os educadores e pesquisadores e as práticas tradicionais e tecnicistas passaram a ser atacadas pelas chamadas “Teorias críticas”, não apenas no conteúdo que propagavam, mas também na nova perspectiva que estas teorias possibilitaram para a formação dos professores de língua portuguesa, seus trabalhos e práticas pedagógicas. No que se refere ao ensino de línguas, ou de Língua Portuguesa, mais precisamente, os anos de 1990 e os primeiros anos no século XXI já encontraram os trabalhos com os estudos da linguagem voltados para a valorização do discurso, das condições de produção e da rejeição à gramática tradicional pelo menos nas manifestações dos professores. Não é incomum, por exemplo, dados os diversos cursos de formação continuada a que são submetidos, pelos diferentes governos, que professores informem sobre a mudança na prática pedagógica, tanto no que se refere ao conteúdo ensinado como à metodologia, ou metodologias, de ensino. Esta pesquisa buscou investigar, tanto na bibliografia produzida nos últimos anos, e que são referidas nos documentos oficiais, das escolas públicas, quanto nas manifestações dos professores, as condições de aparecimento do ensino de gramática com textos. No que se refere às declarações dos professores, buscou, através de entrevistas semi-estruturadas, respostas para o aparecimento, ou a descoberta, desta proposta para alguns professores de Língua Portuguesa no município de Engenheiro Beltrão. Embasados, principalmente, pelo método histórico dialético, compreendendo-o como meio de entender a estruturação, o desenvolvimento e a transformação dos fenômenos sociais, dos objetos investigados, ou em outras palavras, a essência dos fenômenos as perguntas que nos motivaram foram: A que se deve a entrada do ensino a partir de textos nas escolas públicas? Quais os motivos para a mudança de prática dos professores de língua portuguesa? Como se deram essas transformações e o que elas representam? A busca se deu a partir da revisão teórica da literatura científica que trata do tema, produzida a partir de 1980. Os objetivos desta primeira ação investigativa foram os de identificar, situar historicamente e revelar as causas aparentes, atribuídas pelos autores, ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR para a entrada do texto na sala de aula. Seguida da análise de entrevista semi-estruturada realizada com alguns professores atuantes, servidores das escolas estaduais do município. Com base nos depoimentos dos professores entrevistados, foi levantada parte da história concreta da emergência do ensino com textos nas escolas públicas. Assim, no presente artigo, focalizamos mais especificamente os resultados da análise das entrevistas feitas com os professores referidos. Inicialmente discutiremos os processos de mudança nas escolas públicas e no ensino de Língua Portuguesa no Brasil. Faremos também, uma breve discussão acerca do papel da escola no que se refere ao ensino de gramática. Finalizaremos o artigo com a discussão dos resultados obtidos e considerações finais. DESENVOLVIMENTO Em meados do século XX, deu-se início a uma nova realidade nas escolas públicas do Brasil. As camadas populares passaram a ocupar parte do espaço que antes era guardado apenas para as elites, o que levou à revisão da postura dos professores, que até então, estavam habituados a um diferente grupo social de estudantes, os da classe média alta. As razões para a entrada de outro grupo social nas escolas públicas estão vinculadas à mudança econômica e política pela qual passou o Brasil, no final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980. Com as diversas vitórias do PMDB – partido de oposição que abrigava diversas tendências ideológicas, inclusive as que fizeram, durante os anos de 1970, oposição armada à Ditadura Militar, no Brasil – para governos estaduais, intelectuais ligados ao PCB, à teologia da libertação e aos movimentos sociais, assumiram postos importantes em tais governos e a plataforma vencedora os obrigava a incluir uma ampla parcela da sociedade que ficava ausente das políticas públicas. Tudo isso, certamente, sem alterar a estrutura do modo de produção capitalista. As reformas aconteceram a partir de modelo de estado gestor da nova ordem econômica, que, já nos anos de 1980 apresentava os primeiros traços, no Brasil, da globalização capitalista. Tanto a globalização da economia, que provocou abertura dos mercados e das regras internas dos países, quanto a transformação na base material de produção, incluindo novas tecnologias e novas máquinas, modificaram as estruturas e ações dos governos durante os anos de 1990. ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR Facci (2004, p. 5) afirma que “A sociedade passa por um processo de globalização, de internalização do capital, com ´abertura´ comercial, econômica, financeira e cultural, criando um ´novo cenário´”. Para diversos autores, neste novo contexto, o mercado exige pessoas polivalentes, flexíveis, ágeis, com visão do todo, conhecimentos técnicos, que falem, leiam e escrevam em diferentes idiomas, possuam múltiplas habilidades, etc. Quem não estiver capacitado de acordo com essas exigências está fora do mercado. Nesta sociedade marcada pela revolução tecnológica-científica, o centro do processo produtivo está no conhecimento e, portanto também na educação, agora mercantilizada. Produtos desta nova realidade no campo da Educação podem ser sentidos na elaboração da nova LDB, em 1996, e na produção dos Parâmetros Curriculares Nacionais, logo em seguida. Análises de tais documentos já apontaram que os mesmos são a expressão de um modelo econômico que necessita de um novo sujeito, adequado mais aos padrões da situação emergente de produção, incluindo as novas maquinarias na base material, que ao modelo anterior, de produção repetitiva e em série. Essa nova realidade na reconfiguração da Educação em geral produziu, no interior das escolas, outro tratamento ao ensino de Língua Materna. O ensino de Língua Portuguesa, fortemente embasado no método tradicional, não apenas não reconhecia as variedades da Língua, trazidas pelo grupo social que passava a freqüentar as escolas públicas, como também discriminava qualquer variedade linguística que desviasse do que era aceito como Língua Padrão. Foram as diferenças entre a realidade dos professores e alunos que fizeram despertar a consciência de que o ensino, da maneira como vinha sendo feito, não atingia o público alvo. Iniciou-se então um momento de tentativas de renovação no ensino de Língua Portuguesa e Gramática: A democratização da escola, ainda que falsa, trouxe em seu bojo outra clientela e com ela diferenças dialetais bastante acentuadas. De repente não damos mais aulas só para aqueles que pertencem a nosso grupo social. Representantes de outros grupos estão sentados nos bancos escolares. E eles falam diferente (GERALDI, 1984 p. 43). A preocupação com o papel da gramática no ensino de Língua Portuguesa vem, desde então, se mostrando cada vez mais presente entre pesquisadores no campo dos estudos Linguísticos. E apesar de haver autores que defendam o ensino da gramática normativa, são predominantes os questionamentos a respeito da consistência deste conteúdo de ensino. ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR De fato, esta discussão não foi apenas uma consequência da necessidade de se atender aos novos alunos da escola pública. Questionava-se também a inconsistência do ensino normativo, que priorizava apenas regras e, obviamente, não dava conta de todas as possibilidades de uso da Língua, ou seja, conceber o ensino de gramática apenas como um conjunto de regras a serem seguidas ficava à margem do real uso da Língua. Possenti (1997, p. 17) faz uma discussão acerca do ensino de gramática. O autor afirma que o papel da escola é sim o de ensinar a língua padrão, uma vez que as crianças adquirem e usam a língua de forma natural, ou seja, possuem uma gramática internalizada: “O objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou, talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido”. O mesmo autor discute de maneira detalhada os diferentes conceitos de gramática, cuidando para não valorizar um modelo de gramática acima do outro, ressalta a necessidade de preparar o aluno para que reconheça e utilize cada uma delas nos diferentes contextos em que estiver inserido: “O papel da escola não é ensinar uma variedade no lugar da outra, mas de criar condições para que os alunos aprendam também a variedade que não conhecem, ou com as quais não têm familiaridade” (POSSENTI, 1997, p. 83). Afirma ainda, que aprender a língua padrão não significa conhecer as regras ou os nomes técnicos com os quais a língua é analisada, mas saber utilizá-las, efetivamente. Considerando as publicações mais citadas nos documentos institucionais, ocupamonos de investigar a bibliografia que trata do tema “ensino de gramática com de textos” publicada a partir de 1980. Para tanto, tomamos por base os seguintes autores: Cardoso (1999); Rojo e Cordeiro (2004); Geraldi (1997); Geraldi (1885); PCN (1997); Diretrizes Curriculares Estaduais de Língua Portuguesa (2008); Koch (1984); Koch (1989); Koch e Travaglia (1989); Possenti (1997); Bagno (2002). Os objetivos desta ação investigativa eram o de identificar, situar historicamente e revelar as causas aparentes, atribuídas pelos autores para a entrada do texto na sala de aula. Buscamos relações entre a entrada do texto na sala de aula e as causas apresentadas pelos trabalhos acadêmicos. Verificamos que, para os autores, são tidas como causas para a mudança da prática pedagógica o movimento de redemocratização do Brasil, após os anos de 1980, as pesquisas cientificas no campo da linguística e dos estudos da linguagem, especialmente oriundos das universidades européias bem como a disseminação de pesquisas a partir da pós-graduação nas universidades brasileiras, sobre a temática do ensino de gramática e texto. ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR Com isso, identificamos que, invariavelmente, dois aspectos são considerados como causa para a mudança de prática pedagógica, em relação ao tema proposto neste trabalho: a superação do regime de exceção, ou seja, a ditadura militar no Brasil e a emergência das pesquisas científicas nas universidades brasileiras. No que diz respeito ao ensino de língua portuguesa, a literatura cientifica tem apontado que todo trabalho do seu entorno leva em consideração aquilo que se concebe como linguagem, como língua e como gramática. Geraldi (1985), Possenti (1997), Koch (2002,) apontam três concepções de linguagem: A linguagem como expressão do pensamento, como instrumento de comunicação e como forma de interação. Consideremos o que afirma Geraldi a respeito das concepções de linguagem: Fundamentalmente, três concepções podem ser apontadas: A linguagem é a expressão do pensamento: essa concepção ilumina, basicamente, os estudos tradicionais. Se concebemos a linguagem como tal, somos levados a firmações-correntes-de que pessoas que não conseguem se expressar não pensam. A linguagem é instrumento de comunicação: essa concepção está ligada à teoria da comunicação e vê a língua como código (conjunto de signos que se combinam segundo regras) capaz de transmitir ao receptor certa mensagem. Em livros didáticos, é a concepção confessada nas instruções ao professor, nas introduções, nos títulos, embora em geral seja abandonada nos exercícios gramaticais. A linguagem é uma forma de interação: mais do que possibilitar uma transmissão de informações de um emissor a um receptor, a linguagem é vista como um lugar de interação humana. Por meio dela, o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria levar a cabo, a não ser falando; com ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não preexistiam à fala. Grosso modo, essas três concepções correspondem às três grandes correntes dos estudos lingüísticos: a gramática tradicional; o estruturalismo e o transformacionalismo; a linguística da enunciação; (GERALDI, 1985, p. 41). O autor situa a discussão proposta na terceira concepção de linguagem. Para ele, esta implicará uma postura educacional diferenciada, visto que a linguagem está situada como o lugar onde se constituem as relações sociais, onde os falantes se tornam sujeitos. Para a linguagem como forma de interação, mais do que tornar possível a transmissão de uma mensagem emissor/receptor, ela é vista como uma forma de interagir. Através dela, o sujeito pratica ações que seriam impossíveis. Com ela, o falante age sobre o ouvinte, cria vínculos e compromissos que não existiam antes da fala. De acordo com as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (2008) é a lei 5692/71 que denomina os conteúdos de Língua Portuguesa de Comunicação e Expressão (nas quatro primeiras séries) e Comunicação em Língua Portuguesa (nas quatro últimas séries), baseados ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR em estudos posteriores a Saussure, especialmente, nos estudos de Jakobson, referentes à teoria da comunicação. Ou seja, tal lei institui, nas escolas brasileiras, a formalização do estruturalismo linguístico. Ainda de acordo com o mesmo documento, na década de 1970 outras teorias a respeito da Linguagem passaram a ser debatidas, entre elas a Sociolinguística, a Análise do Discurso, a Semântica e a Linguística Textual. Do estudo e da adoção dessas teorias, resultou o questionamento sobre a eficácia das aulas de gramática no ensino. Com a introdução dos estudos Saussureanos e, principalmente com as discussões sobre as funções de linguagem, esta deixou, então, de ser entendida apenas como a expressão do pensamento e passou a ser vista também como um instrumento de comunicação. Essa concepção envolve um interlocutor e uma mensagem a ser compreendida. A partir daí, todos os gêneros passaram a ser vistos como importantes instrumentos de transmissão de mensagens e passou a ser importante que os alunos aprendessem as características de cada um deles para serem capazes de reproduzi-los na escrita e identificá-los nos textos lidos. Ainda era relevante seguir um padrão preestabelecido, a língua ainda era tida como um código e escrever era apenas um exercício de combinar palavras e frases a fim de formar um texto. Assim, o ensino era focado prioritariamente nas estruturas, os substantivos, os verbos, os pronomes, etc. que compõe a língua e seus usos corretos. No entanto, em pouco tempo, as correntes acadêmicas para o discurso e texto se ampliaram e os textos de Mikhail Bakhtin passaram a figurar nas discussões e nas produções científicas na área da linguagem. A partir daí, a relação interpessoal, o contexto de produção, as diferentes situações de comunicação, os gêneros, a interpretação e a intenção de quem o produz passaram a ter total importância: As novas concepções sobre a aquisição da Língua Materna chegaram ao Brasil no final da década de 1970 e início de 1980, quando as primeiras obras do Círculo de Bakhtin passam a ser lidas nos meios acadêmicos. Essas primeiras leituras contribuíram para fazer frente à pedagogia tecnicista. A dimensão tradicional de ensino de língua cedeu espaço a novos paradigmas, envolvendo questões de uso, contextuais, valorizando o texto como unidade fundamental de análise (DCE-LP, 2008, p. 46). Nesta concepção, a comunicação não é mais tida como uma representação da realidade, mas considera-se o resultado das intenções de quem a produziu e o impacto que terá sobre o receptor. Na sala de aula, portanto, o aluno passa a ser visto como sujeito ativo e atuante, não apenas um reprodutor de modelos. Não se tem como objetivo fundamental a ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR substituição de padrões que o aluno já adquiriu e sim a ampliação dos recursos que ele já possui. Assim, busca-se colocá-lo em situações efetivas do uso da língua. Através da escola, para esta orientação ideológica, o sujeito tem a oportunidade de aprender diferentes variedades linguísticas, tendo em vista sempre as diferentes situações em que se colocam. Uma vez que ele já domina determinado padrão linguístico é papel da escola auxiliá-lo a fim de que não só conheça outros padrões, mas que também os utilize quando a situação exigir. O texto e o discurso tornam-se protagonistas nesta modalidade de ensino. No Paraná, O livro O texto na sala de aula (1985), organizado por João Wanderley Geraldi, em 1984, marcou as discussões sobre o ensino de Língua Portuguesa. O uso de textos como objeto de ensino passa a ser proposto pelos documentos oficiais, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) em 1990 e, posteriormente, as DCE a partir de 2004. Tais documentos sugerem que seja levado em consideração o real uso da língua/linguagem, que seja abandonado o trabalho tradicional com exercícios normativos ou descritivos, possibilitando assim, que o aluno torne-se sujeito ativo no processo ensino- aprendizagem. Conforme expresso nas atuais Diretrizes Curriculares Estaduais (DCE): A prática de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e/ou falado, um trabalho no qual o aluno percebe o texto como resultado de opções temáticas e estruturais feitas pelo autor, tendo em vista o seu interlocutor. Sob essa ótica, o texto deixa de ser pretexto para se estudar a nomenclatura gramatical e a sua construção passa a ser o objeto de ensino. Assim, o trabalho com a gramática deixa de ser visto a partir de exercícios tradicionais, e passa a implicar que o aluno compreenda o que seja um bom texto, como é organizado, como os elementos gramaticais ligam palavras, frases, parágrafos, retomando ou avançando ideias defendidas pelo autor, além disso, o aluno refletirá e analisará a adequação do discurso considerando o destinatário, o contexto de produção e os efeitos de sentidos provocados pelos recursos linguísticos utilizados no texto (DCE-LP, 2008, p. 61). Ainda de acordo com este documento, faz-se mais importante que seja proporcionado ao aluno uma interação com o mundo a fim de que nasça no mesmo uma consciência do lugar que ocupa e também que se extrapole o domínio linguístico e só depois que ele tenha essas capacidades, seja mediado pelo professor o ensino da gramática normativa: Quando se assume a língua como interação, em sua dimensão linguísticodiscursiva, o mais importante é criar oportunidades para o aluno refletir, construir, considerar hipóteses a partir da leitura e da escrita de diferentes textos, instância em que pode chegar à compreensão de como a língua funciona e à decorrente competência textual. O ensino da nomenclatura ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR gramatical, de definições ou regras a serem construídas, com a mediação do professor, deve ocorrer somente após o aluno ter realizado a experiência de interação com o texto (DCE-LP, 2008, p. 61). Os PCN sugerem que o trabalho com textos seja feito na base dos gêneros discursivos orais ou escritos, pois, segundo eles, a perspectiva dos estudos gramaticais na escola, até hoje, centra-se, em grande parte no entendimento da nomenclatura gramatical como eixo principal: descrição e norma confundem-se na análise da frase, deslocada do uso, da função e do texto. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS Este trabalho teve como informantes 10 professores de Língua Portuguesa da rede pública, aos quais pediu-se que respondessem a um questionário, contendo algumas questões gerais com dados objetivos e questões subjetivas a respeito de suas práticas e concepções acerca do ensino de gramática. A intenção com a pesquisa não estava em fazer qualquer tipo de avaliação de suas práticas, mas apenas procurar observar a visão que possuíam do papel da gramática no contexto de ensino de Língua Portuguesa. As entrevistas serviram como instrumento complementar aos questionários, visando assim, garantir maior validade aos dados coletados. Todos os 10 professores responderam ao questionário. Já a entrevista, nem todos se dispuseram a responder. De um total de 10 professores, 6 foram entrevistados. A partir de informações preliminares, obtidas com a representante do Núcleo Regional de educação no Município, levantamos que há 23 professores, todos do sexo feminino, com idade entre 28 e 64 anos. Destes, 17 são Quadro Próprio do Magistério (QPM) e 6 Processo Seletivo Simplificado (PSS). 17 estão em sala de aula, 3 na direção e 3 readaptados. A origem familiar desses profissionais, de acordo com o Critério de Classificação Econômica Brasil ou Critério Brasil, que define as classes sociais em função do poder de compra e consumo de determinados itens, varia de classe baixa a classe média alta, predominando a classe média. A partir das informações obtidas pelas entrevistas/questionários, caracterizamos as informantes como sendo com idade entre 25 e 54 anos, originais da região sul do país, formados em Letras nos últimos 23 anos (1986-2009) nas faculdades de Ciências e Letras de Campo Mourão (FECILCAM) e Faculdade de Filosofia de Jandaia do Sul (FAFIJAN). Na época em que analisamos os dados, o tempo de experiência dos professores em sala de aula variava entre 1 e 20 anos. ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR Pelos dados obtidos foi possível constatar que as professoras frequentaram cursos de formação continuada após a licenciatura, programas de pós-graduação, cursos oferecidos pelas escolas nas quais trabalham e grupos de estudos. Tiveram acesso às novas orientações para o ensino de Língua Portuguesa por meio desses cursos frequentados ou pela leitura dos textos oficiais PCN e DCE, ou ainda, no caso dos formados há menos tempo, 4 tiveram contato com a nova prática ainda no curso de graduação e/ou estágio obrigatório. Observou-se que 62,5% dessas professoras já eram formadas há mais de 10 anos. No entanto, pode-se supor que esses profissionais não estejam completamente desatualizados teoricamente, pois a maioria dos professores afirma frequentar cursos de atualização com alguma regularidade. Além disso, 87,5% desses professores têm algum tipo de pós-graduação. Quanto às 3 professoras formadas pela FECILCAM, entre os anos de 2003 e 2009, as mesmas afirmaram que tiveram contado com as orientações para o trabalho com textos durante o curso de graduação e, que já no estágio obrigatório eram orientadas a colocá-las em prática. No entanto, uma delas, formada pela mesma faculdade no ano de 1993 afirma ter tido os primeiros contatos com a metodologia de ensino nos cursos de pós-graduação, cursos ofertados pela FECILCAM e nos cursos de capacitação ofertados pela SEED. Pode-se concluir, então, que o Curso de Letras da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão, tem, por volta dos últimos 8 anos, orientado os professores de Língua Portuguesa, em pré-serviço, para o ensino de gramática com textos. Assim como, tem oferecido cursos de especialização com a mesma perspectiva de ensino. As professoras participantes afirmam reconhecer a necessidade de uma nova postura no ensino de gramática, apesar das limitações do ensino público. Demonstram também ter dificuldades com o ensino a partir de textos. Evidencia-se que, ainda hoje, apesar de todo conhecimento a respeito do ensino com textos, das orientações nos documentos oficiais e da ineficácia comprovada do ensino tradicional, em vários momentos, os mesmos optam pelo ensino tradicional. A análise permitiu-nos verificar, também, que já em 1986, conforme levantado na pesquisa bibliográfica, havia uma nova postura no ensino de Língua Portuguesa e gramática. No entanto, isso se deu apenas nos discursos e nos meios acadêmicos, pois, de acordo com os depoimentos coletados, apenas há mais ou menos 10 anos passou-se a utilizar um novo método de ensino em sala de aula. Quanto às linhas teóricas, com as quais as professoras têm contato, os termos discursivo, Interacionismo Sócio Discursivo (ISD), variedade de gêneros, sócio construtivista ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR e as DCE apareceram nas respostas dos informantes. O que atenta ao fato de que não há uma linha específica, única, para as professoras, e, ainda assim, elas afirmam conhecer e colocar na prática em sala de aula as teorias que valorizam o texto e o discurso. Embora tenham respondido às perguntas anonimamente, nota-se uma preocupação com o aquilo que autoriza suas posições, pois preocuparam-se em citar sempre as orientações das DCE e PCN, enfatizando que tiveram contato com as novas perspectivas de ensino, seja na graduação, seja nos cursos de pós ou aperfeiçoamento. Acreditamos que o fato de estarem sendo entrevistados por alguém ainda no espaço acadêmico pode tê-las influenciado no sentido de citarem as concepções que ouviram e/ou leram no decorrer de suas formações, mas que nem sempre fazem parte das suas práticas diárias. Invariavelmente, a justificativa para o “não uso” desta nova prática foram: alunos carentes com déficit de aprendizagem, com dificuldade de leitura e compreensão de textos, falta de material didático, escolas “pobres”, falta de interesse dos alunos pela leitura, falta de atenção nas aulas, falta de suporte teórico para os professores, falta de tempo para preparação das aulas, para pesquisa dos professores e falta de material. É evidente que não podemos generalizar, afirmando que o ensino tradicional ainda é unânime entre os professores de Língua Portuguesa. No entanto, fica claro no discurso deles que por algum motivo esta ainda não é uma prática presente em todas as aulas. “Creio que em alguns momentos todos, ou quase todos os professores acabam fazendo isso”, responde em relação à mistura de gramática tradicional e o ensino com textos. Fica clara também, a atribuição, do fracasso do ensino, aos alunos. Na maioria das vezes, nota-se que o “desinteresse” deles em relação às aulas de gramática é um fator que incomoda a todas as professoras entrevistadas. “Se tivéssemos outra realidade em sala de aula, conseguiríamos fazer um excelente trabalho”. Notamos que as professoras se sentem inseguras e que, apesar de todos os cursos oferecidos, ainda sentem necessidade de mais embasamento teórico. “Penso também, que mesmo com tantos cursos de aperfeiçoamento que os educadores têm participado, ainda falta um pouco de suporte teórico”. São hipóteses para uma tentativa de explicação do fracasso no ensino de Língua Portuguesa, a falta de preparo dos professores em relação ao domínio da prática daquilo que veem na teoria, combinados com a realidade das escolas públicas, que tem altos índices de indisciplina, desinteresse, provavelmente originados, na maioria das vezes, em famílias carentes cujos pais têm baixo grau de instrução, quando não, nenhuma instrução escolar, ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR pouco ou nada incentivam a leitura e o acesso à cultura, tornando assim, os textos trazidos pelos professores desinteressantes para esses alunos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados da pesquisa aqui apresentada trazem evidências de que está em andamento um processo de mudanças no contexto de ensino de Língua Portuguesa. Deixa evidente também, que nem todas as concepções estão bem compreendidas e que os profissionais entrevistados ainda encontram dificuldades para colocar em prática na sala de aula o que veem na teoria. Observa-se que de maneira geral, as práticas em sala de aula ainda tendem para o ensino tradicional e que na maioria das vezes, atribui-se aos alunos as dificuldades encontradas para o ensino com textos, assim como a falta de condições adequadas para o trabalho e a falta de suporte teórico-metodológico aos professores da rede. Evidencia-se ainda, por parte dessas professoras, a busca por mudanças em um método de ensino considerado ineficiente e acima de tudo, um reconhecimento da necessidade de uma nova postura acerca do ensino de gramática. REFERÊNCIAS: BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 15. ed. São Paulo: Loyola, 2002. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. 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