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ESPAÇO COMO OBJETO E OBJETIVAÇÃO DE REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS: ELEMENTOS PARA PENSAR A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES NA EDUCAÇÃO INFANTIL
ANDRADE, Daniela Barros da Silva Freire1 - UFMT / CIERS-Ed
Grupo de Trabalho – Formação de Professores e Profissionalização Docente
Agência Financiadora: Fundação de Amparo à Ciência do Estado de
Mato Grosso -FAPEMAT
Resumo
Esta proposição sugere uma série de reflexões sobre a relação espaço e representações sociais.
O espaço simbolizado, segundo as contribuições de Jodelet (2002), será caracterizado como
objeto de representação social e como objetivação, anunciando universos de socialização (DE
LAUWE, 1991). Serão analisados dois estudos articulados de orientação etnográfica:
Berçário como lugar: significações segundo profissionais da Educação Infantil das unidades
de atendimento à criança de até três anos no município de Cuiabá (SILVEIRA, 2013); e Bebês
por entre vivências, afordâncias e territorialidades infantil: de como o berçário se transforma
em lugar (ALVES, 2013). Os estudos também levam em consideração que: 1º ao nascer, a
criança se insere em um mundo já estruturado pelas significações e ocupa lugar em um
conjunto sistematizado de relações e práticas sociais; 2º adultos organizam os espaços infantis
e revelam elementos culturais e historicamente situados; esses adultos evidenciam suas
representações sobre criança, bem como sobre sua formação e identidade profissional (DE
LAUWE, 1991); e 3º em sua vivência, a criança desenvolve habilidade de interpretar as
descobertas do meio físico e social e veicula formas específicas de inteligibilidade,
representação e simbolização (VIGOTSKI, 2010, 2006; CASTORINA; KAPLAN, 2003). Os
estudos analisados mostraram que se prestam, ainda, à discussão sobre formação de
professores e sobre constituição de suas identidades profissionais em articulação com práticas
educativas cujos contornos também são regulados pela ação dos bebês. O espaço como
categoria teórico-metodológica revelou, segundo conceito de objetivação, articulação de redes
de significados importantes para a compreensão dos processos subjacentes à educação de
bebês.
Palavras-chave: Representações Sociais. Espaço. Infância.
1
Doutora em Educação: Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP).
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso
(PPGE/UFMT), coordenadora do Grupo de Pesquisa em Psicologia da Infância (GPPIN), Pesquisadora
Associada do Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e Subjetividade-Educação sediado
pela Fundação Carlos Chagas (CIERS-Ed FCC). E-mail: [email protected].
12794
Introdução
Os estudos em representações sociais têm favorecido a busca por recortes
metodológicos em pesquisa levando em consideração a noção de transparência do discurso
que, conforme Jodelet (2005), já chamava atenção para a confiabilidade dos dados coletados.
Essa preocupação põe em foco a necessidade de se considerar que a complexidade do
fenômeno produzido em um contexto não deve ser ignorada. Daí ser relevante a análise da
relação do objeto de representação com as práticas e com os mecanismos de emergência de
significações e funcionamento.
A evidência de um comportamento discursivo que deixa ver o antagonismo entre o
que se diz e o que se pensa, também remete ao conceito de zona muda cunhado por Abric
(2003), no contexto da Teoria do Núcleo Central, referenciada como a abordagem estrutural
da Teoria das Representações Sociais. Nesta perspectiva certos elementos normativos do
núcleo central não estão dormentes, mas sim encobertos. São esses que constituem a zona
muda, a face encoberta e não confessável das representações. Ela constitui as partes não
legítimas da representação, jamais verbalizadas em situações normais de coleta de dados, o
que torna necessário reduzir a pressão normativa nessas situações, para facilitar a sua
verbalização.
Os trabalhos de Flament (1999), citados por Abric (2003), mostram que, frente a um
questionário, as respostas dos sujeitos são largamente determinadas por influências
normativas, configurando respostas cuja referência pró-normativa opera no sentido de
favorecer uma tendência a respostas formuladas para serem bem vistas a partir de uma
pressão normativa estabelecida pelo próprio sujeito e por seu grupo de referência.
Ao levar em consideração os argumentos em torno da transparência do discurso
(JODELET, 2005) e da zona muda (ABRIC, 2003), o presente estudo apoiou-se na hipótese
do espaço como objeto de representações sociais compreendendo-o como forma de acessar
redes de significados subjacentes aos contextos educacionais tais como a Educação Infantil
(SILVEIRA, 2013), bem como estratégia metodológica para se analisar as funções identitária,
justificadora (ABRIC, 1998) e de resistência (BAUER, 1997) das representações sociais
compartilhadas pelas profissionais que atuavam no berçário. O mesmo esforço coloca em
diálogo os estudos em representações sociais, na sua perspectiva ontogenética (DUVEEN,
2001; CASTORINA, 2010) e a Teoria histórico-cultural (VIGOTSKI, 2010).
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Neste propósito o espaço também foi considerado objetivação de representações
sociais cujos significados orientam a constituição de universos de socialização destinados às
crianças (DE LAUWE, 1991) e, neste sentido, pode ser considerado um artefato cultural que
compõe a vivência (VIGOTSKI, 2010) do ser humano em desenvolvimento.
O esforço ora empreendido pode ser mais bem caracterizado como exercício de
articulações teórico-metodológicas em torno das quais colaboram os estudos em
representações sociais, em especial seu recorte ontogenético, a teoria Histórico Cultural e
estudos sobre espaço e lugar na perspectiva psicossocial, conforme proposto por Jodelet
(2001, 2002).
Como pano de fundo apresenta duas pesquisas com metodologias entrecruzadas e seus
resultados em contexto da Educação Infantil.
Espaço, universo de socialização e vivência: conceitos convergentes no diálogo com as
representações sociais
Espaço, segundo Jodelet (2002), é definido através da ideia de matriz, porque
incorpora a mediação entre natureza e cultura, definindo oportunidades e limitações para a
ação do sujeito.
Espaço como matriz é aquilo que religa uns aos outros, possibilitando a existência
humana apoiada em elementos sociais e naturais. Essa concepção revela que o espaço é, ao
mesmo tempo, uma estrutura subordinada e subordinante, que se materializa em objetos,
lugares e práticas sociais enraizadas nas relações e nos modelos culturais de uma época.
Ainda, o espaço pode ser considerado uma matriz porque possui o poder de gerar, através de
suas transformações, novos modos de vida e de relações.
Assim, o espaço pode ser concebido como algo provido de significado tornando-se
assim lugar. Segundo Jodelet (2002), é um elemento sócio-físico que será organizado,
ocupado e transformado pelo ser humano através de um filtro de ideias, crenças, valores e
sentimentos partilhados no interior de um grupo de pertença.
A concepção, organização e mesmo a transformação do espaço se dá na relação que o
ser humano estabelece entre si ou consigo mesmo e baseia-se tanto em conhecimentos
objetivos, quanto em relações sócio-afetivas para ele significativas.
Em seu trabalho, Jodelet (2002) parte do entendimento sobre representações sócioespaciais e memória dos lugares para compreender o sentido atribuído, pelo grupo, ao espaço.
12796
A expressão representações sócio-espaciais configura-se como uma variação da
expressão representações sociais do espaço e, nesse sentido, o espaço, em sua materialidade,
pode ser visto como um objeto de representação passível de ser associado a elementos de
objetivação de outras representações.
Na perspectiva sócio-espacial, destaca-se o papel da memória na elaboração da
identidade e das identificações urbanas. Segundo essa abordagem, o ambiente construído teria
um papel importante na construção da identidade pessoal e social.
Jodelet (2002), citando Proshansky (1976), chama a atenção para a expressão
identidade dos lugares ao se referir à questão do passado ambiental do sujeito, como um
conjunto de memórias, concepções, interpretações, ideias e sentimentos que, na relação com a
identidade do lugar, podem trazer à tona elementos de bem ou mal-estar ao indivíduo que, por
sua vez, leva-o a se identificar ou não com o lugar.
A identidade do lugar carrega elementos emblemáticos que conferem significados à
memória pessoal e coletiva, bem como desvela conteúdos identitários dos usuários, agindo
sob seu modo de vida e de pensar.
Para a autora, ao focalizar o espaço como objeto de representação, é ainda necessário
pensar no seu caráter de representante da ordem social, daí ser importante observar as suas
formas de organização e ocupação uma vez que as mesmas baseiam-se nas representações
construídas pelos sujeitos sociais que, por sua vez, estariam relacionadas com as formas
materiais e com as regulações sociais do espaço. Neste sentido, pode-se dizer que, até certo
ponto, quando frente a situações onde a organização do lugar é carregada de interditos, os
usuários têm suas ações reguladas pela representação daquele que o organizou.
Ao pensar a perspectiva ontogenética das representações sociais, Castorina (2010)
analisa as contribuições de Duveen sobre o desenvolvimento como processo social e destaca
que os adultos criam as condições de inserção da criança na sociedade a partir de suas
representações. Sobre esse aspecto, Castorina e Kaplan (2003) indicam que a criança só tem
acesso aos conhecimentos na medida em que participa da vida grupal e institucional,
conforme lhe é permitido. Isso significa que, ao mesmo tempo em que a criança sofre ações
normativas em seu contexto, ela também tenta conhecê-lo, de modo que as ideias das
crianças, principalmente sobre conhecimentos sociais, se relacionam com o que as instituições
fazem com elas.
12797
Esta perspectiva, de certo modo, dialoga com o conceito de universo de socialização
de Chombart de Lauwe (1991) e vivência de Vigotski (2006).
Chombart de Lauwe (1991) denominou universos de socialização,
A maneira de perceber e de pensar a criança influi sobre suas condições de vida,
sobre seu estatuto e sobre os comportamentos dos adultos em relação a ela. Em uma
dada sociedade, as ideias e as imagens relativas à criança, por mais variadas que
sejam, organizam-se em representações coletivas, que formam um sistema em níveis
múltiplos. Uma linguagem “sobre” criança é criada assim como uma linguagem
“para” a criança, já que imagens ideais e modelos lhe são propostos. (CHOMBART
DE LAUWE, 1991, p.1).
No entanto, é preciso ressaltar que as crenças e valores relacionados à infância,
presentes e partilhados nos contextos educacionais, por meio dos processos comunicacionais,
das práticas sociais e espaciais, acabam por ordenar o cotidiano das crianças, ao mesmo
tempo em que se tornam matéria prima para a criação de hipóteses pelas mesmas, sobre, por
exemplo, as normativas vinculadas na instituição.
Deste modo, pode-se dizer que, de um lado, os conteúdos representacionais
funcionam como orientações-guias para adultos no exercício de significação sobre a infância
e consequente organização de universos de socialização destinados às crianças em torno das
quais constroem suas identidades sociais – a despeito de processos de resistência à mudança
(BAUER, 1997) – e anunciam referenciais identitários para os pequenos; de outro, crianças
criam hipóteses sobre o mundo com base nas representações sociais partilhadas no seu grupo
de pertencimento podendo, no exercício de sua atividade criadora, propor novas formas de
interpretação da realidade cujos sentidos evidenciam potencial gerador de novas
representações sociais.
Sobre a perspectiva da criança e seu potencial gerador de representações sociais,
considera-se a contribuição de Vigotski (2006) sobre o conceito de vivência – a unidade
dinâmica da consciência que torna indivisível a personalidade do seu entorno.
Deste modo, vivência é anunciada como unidade regente que envolve a
personalidade e o meio, entre elementos pessoais e ambientais.
A vivência deve ser entendida como a relação interior da criança como ser humano,
com um ou outro momento da realidade. Cada vivência é pessoal, revela o que
significa o momento dado do meio para a personalidade. A vivência determina de
que modo influi sobre o desenvolvimento da criança um ou outro aspecto do meio.
(VIGOTSKI, 2006, p.6)
12798
A análise sobre o termo vivência permite a afirmação de que: a própria criança é parte
do seu entorno social (VIGOTSKI, 2006, p.5), e, por consequência, é parte constituinte e
constituída, subordinante e subordinada do que se entende por espaço.
Vivência revela, ao mesmo tempo, a relação do meio com o indivíduo, como este o
acessa e ainda deixa ver as peculiaridades do próprio desenvolvimento uma vez que todas as
propriedades que se formaram ao longo do desenvolvimento participam da relação do
indivíduo com o meio em determinado momento.
Assim, a título de uma breve síntese, anuncia-se que representações sociais partilhadas
por adultos, orientam práticas sociais que delineiam universos de socialização específicos
destinados às crianças e objetivadas em espaços específicos. Os mesmos são por elas
vivenciados em processo que se realiza a partir de unidade na qual se encontram
indissociáveis a personalidade e seu entorno.
Pesquisas entrecruzadas no contexto da Educação Infantil
Entre os anos de 2011 e 2013 o Grupo de Pesquisa em Psicologia da Infância – GPPIN
– desenvolveu dois subprojetos de pesquisa inseridos no projeto guarda-chuva intitulado: O
potencial narrativo dos espaços da infância: estudo das significações e das práticas
socioeducativas destinadas às crianças. Os mesmos foram delineados em torno dos resultados
das atividades de extensão conhecida como Rede de Apoio à Educação Infantil: interfaces
com a Psicologia, Pedagogia e Arquitetura.
O processo de reorganização espacial de um berçário da rede pública de educação de
Cuiabá-MT havia sido iniciado desde 2009 por meio das ações do estágio básico em
contextos socioeducativos do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso,
que consistia em inserir, no âmbito da formação em serviço, brinquedos experimentais
associados ao exercício de observação da relação dos bebês com o espaço juntamente com as
profissionais que atuavam no berçário.
As intervenções que envolviam planejamento junto à equipe das profissionais que
atuavam no berçário foram consideradas momentos emblemáticos facilitadores da emergência
de significados fortemente partilhados e negociados pelo grupo sobre a docência na Educação
Infantil. Significados orientadores de práticas educativas que estavam sendo objetivados tanto
na organização, quanto na reorganização do espaço, por meio da escolha dos brinquedos, dos
12799
lugares para instalação dos mesmos bem como do delineamento dos espaços privilegiados
para permanência das profissionais.
Deste modo, a abordagem investigativa do tipo etnográfica mostrou-se o recorte
metodológico mais adequado.
O arranjo investigativo se deu por meio dos estudos de Silveira (2013) – Berçário
como lugar: significações segundo profissionais da Educação Infantil das unidades de
atendimento à criança de até três anos no município de Cuiabá e de Alves (2013) – Bebês por
entre vivências, afordâncias e territorialidades infantil: de como o berçário se transforma em
lugar.
Com relação ao recorte metodológico considerou-se o fato de ambos os estudos
procederem à coleta de informações em duas fases – antes e depois da reorganização espacial:
situação 1 e situação 2.
Foto 1 – situação I do berçário em estudo.
Fonte: Iury Lara. (Junho de 2012)
Foto 2 – situação II do berçário em estudo.
Fonte: Iury Lara. (Agosto de 2012)
As organizações espaciais configuradas na situação 1 e na situação 2 foram
compreendidas como objetivação de representações sociais sobre Educação Infantil como
espaço de guarda – situação 1 – e como espaço educativo – situação 2.
12800
Na primeira situação, o conteúdo da representação social emergia de práticas
profissionais ancoradas na memória social que anunciavam a ênfase nos cuidados como única
prioridade do serviço prestado à população. Já no segundo caso, considerou-se a interferência
dos discursos referenciados no universo reificado, relativos à Pedagogia da Educação Infantil
(CERISARA, 2002), que atuaram como elemento de contradição presente no processo de
formação de professores, seja na graduação, na pós-graduação e nos cursos de formação em
serviço.
[...] a construção de um trabalho junto às crianças até seis anos de idade que, apesar
de ser formalmente estruturado, pretende garantir a elas viver plenamente a sua
infância sem imposição de práticas ritualísticas inflexíveis, tais como se cristalizam
nas rotinas domésticas, escolares e hospitalares. O que se reivindica é o espaço para
a vida, para a vivência dos afetos – alegrias e tristezas–, para as relações entre
coetâneos e não coetâneos, para os conflitos e encontros, para a ampliação do
repertório vivencial e cultural das crianças a partir de um compromisso dos adultos
baseado na responsabilidade de organizar o estar das crianças em instituições
educativas que lhes permitam construir sentimentos de respeito, troca,
compreensão, alegria, apoio, amor, confiança, solidariedade, entre outros; enfim,
que ajudem a acreditar em si mesmas e no seu direito de viver de forma digna e
prazerosa (CERISARA, 2002: p.108-109).
As representações sociais sobre Educação Infantil orientaram a organização dos
diferentes cenários que propunham universos de socialização distintos aos bebês e suas
educadoras. Por sua vez, foi possível identificar os contornos das vivências dos bebês em
ambas as organizações espaciais.
Para a análise desta realidade o estudo de Silveira (2013) adotou, como técnica de
coleta de informações, a observação participante e entrevistas semiestruturadas de 12
profissionais que atuavam diretamente no berçário.
A recolha das informações se deu, tanto na situação 1, quanto na situação 2,
considerando roteiro de entrevista elaborado de forma a reduzir a pressão normativa,
propondo uma situação imaginária de orientação a uma profissional novata no ambiente de
trabalho – berçário. As práticas observadas foram analisadas compreensivamente e as
respostas às perguntas pela técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 1995), respectivamente.
Por sua vez, o estudo de Alves (2013) utilizou registro fílmico em situação de
brincadeira livre, seguido de análise episódica, tendo como amostra 30 bebês.
Por episódio entendeu-se ser uma configuração interacional recortada (PEDROSA,
1989). Os mesmos foram selecionados conforme o desfecho da cena apresentada pelos bebês,
bem como foi considerada a qualidade da adesão e engajamento na atividade, seja isolado ou
12801
partilhado entre os parceiros que a compunham. Ao todo foram analisados 12 episódios. Para
efeitos deste trabalho será discutido o episódio 10, aqui denominado Centro de atividades e a
inserção do adulto na cena lúdica pela criança.
Dos resultados entrecruzados dos estudos
As observações referentes à situação 1 revelaram que a forma como o espaço e a
rotina eram organizados mostram que as representações das profissionais sobre o trabalho
com bebês na Educação Infantil ancoram-se fortemente em significados vinculados
prioritariamente ao cuidado, anunciando o berçário como espaço de guarda e a profissional
como espécie de mãe substituta. Tais evidências coincidem com o estudo de Ramos (2012)
que, ao analisar as representações sociais de acadêmicos de Pedagogia da UFMT, campus
Cuiabá sobre ser professora de bebês, identificou que a mesma apresenta-se difusa em meio a
três imagens: 1 – mãe substituta, 2 – professora e 3 – babá, evidenciando maior adesão à
primeira e à terceira do que à segunda.
Após a reorganização do berçário a movimentação dos bebês e profissionais sofreu
algumas alterações. Se na situação 1, havia a emergência de maior trocas entre bebês; na
situação 2, as trocas diminuíram a favor da exploração individual dos brinquedos agora
disponíveis em número suficiente. Destaca-se que os bebês começaram a vivenciar a
possibilidade de escolha do brinquedo, aspecto negado na situação 1 pela precariedade ou
mesmo inexistência desses objetos.
Inicialmente as profissionais do berçário passaram a inserir-se nas brincadeiras dos
bebês encorajando-os. Porém, um mês após a reorganização do espaço, observou-se o recuo
desta prática a favor das práticas anteriores.
Notas do estudo 1- no âmbito dos discursos das profissionais
Os dados da entrevista do Estudo I foram submetidos à análise de conteúdo semântica.
As respostas de cada item do instrumento foram agrupadas e categorizadas, resultando nas
tabelas 1 a 6.
12802
Tabela 1 - Categorizações da primeira questão da entrevista do Estudo I
1.Quais as principais preocupações ou o foco de atenção da profissional que trabalha em um espaço
como esse- situação 1 e situação2?
Situação I
% Situação II
%
Espaço como perigo
Espaço como perigo
Preocupação com acidentes
63
Preocupação com acidentes;
15
Preocupação com mordidas
37
Preocupação com mordidas;
25
Preocupação com os brinquedos
25
Olhar pedagógico
Planejamento
20
Material para trabalhar
15
Fonte: Dados submetidos à análise de conteúdo semântica
As respostas evidenciadas para a primeira questão (tabela 1), apresentadas tanto na
situação I, quanto na situação II, revelam que a atenção das profissionais está dirigida, em
primeiro plano, para a integridade física da criança. Tal critério persiste na situação II e sugere
que a principal ação educativa no berçário tem por objetivo garantir a segurança da criança.
Por sua vez, a reorganização do berçário (tabela 2) parece ter provocado a emergência
de um discurso dirigido às questões educacionais propriamente ditas cuja base se organiza em
torno dos materiais pedagógicos inseridos, anunciados como possibilidade de intervenção.
Tabela 2 – Categorizações da segunda questão da entrevista do Estudo I
2.O que a profissional pode falar sobre ela mesma a partir desta cena- situação 1 e situação 2?
Situação I
%
Situação II
%
Preocupada
12
Satisfação
38
Desestimulada
34
Facilidade em trabalhar
15
Cansada
36
Melhores condições de trabalho
31
Responsabilidade
6
Atenção
8
Dificuldades em trabalhar
12
Prática de cuidados
8
Rotina
5
Prática de cuidados
5
Fonte: Dados submetidos à análise de conteúdo semântica
Com relação ao potencial identitário do espaço destaca-se a diferença estabelecida
entre a representação de si enquanto profissional da Educação Infantil a partir da relação com
o espaço nas situações 1 e 2.
Neste sentido, observa-se que o espaço retratado na situação 1 anuncia conteúdos
identitários vinculados ao desconforto das profissionais frente às condições de trabalho. Ainda
é possível observar que, embora a relação das profissionais com o espaço reorganizado revele
uma significação vinculada ao desenvolvimento da profissionalidade, a ênfase nas práticas de
cuidados ainda aparece em detrimento ao discurso sobre o binômio cuidar e educar, como
revela um dos sujeitos da pesquisa: “Mudou, porque... Nós como profissionais, a gente
12803
melhorou, em relação ao planejamento, eu me vejo uma profissional melhor. Agora melhorou
mais o pedagógico, porque antes era mais o cuidar, mesmo” (Suj.2).
Tabela 3 – Categorizações da terceira questão da entrevista do Estudo 2
3.Como o trabalhador desse setor descreveria a si próprio como profissional?
Situação I
%
Situação II
Somente cuidados
15
Melhor profissional
Babá
62
Somente cuidados
Segunda mãe
8
Babá
Desvalorizada
15
Cuidar e educar
Fonte: Dados submetidos à análise de conteúdo semântica
%
38
38
8
16
O exercício de nomear-se como profissional sugerido pela questão acima (tabela 3)
evidencia a rotinização de conteúdos associados aos cuidados como prática social dos
profissionais que atuam com bebês. Este aspecto parece contribuir para a emergência da
imagem das profissionais como babás. Não obstante, nota-se que, na situação 2, não houve
nomeação de outro ator social e que a ênfase no cuidar persiste apesar da existência de
referências sobre o binômio cuidar e educar.
As perguntas a seguir estão relacionadas somente à situação 2 (reorganização do
berçário)
Tabela 4 – Categorizações da quarta questão da entrevista da Situação 2
4.Agora imagine que você está recebendo uma nova colega nessa situação. Como
você vai orientá-la?
%
Categoria
Orientação referente a cuidados e rotina
46
Orientação referente à prática pedagógica
42
Atenção aos perigos do espaço
6
Atenção aos conflitos entre os bebês
6
Fonte: Dados submetidos à análise de conteúdo semântica
Em exercício de síntese (tabela 4) sobre os principais pressupostos do trabalho com
bebês no contexto da Educação Infantil, considerando uma situação fictícia, observou-se que
a maioria das respostas faz referência à rotina, cuidados e integridade física dos bebês.
Destaca-se a emergência de discursos anunciando a prática pedagógica.
Esta relação entre práticas de cuidado e práticas pedagógicas coloca em questão a
forma pela qual cada uma é compreendida e ainda a forma pela qual tais dimensões se
relacionam:
12804
Tabela 5 – Categorizações da quinta questão da entrevista da Situação 2
O que mudou?
O que não mudou?
Categoria
%
Categoria
Melhor desempenho profissional
9
Rotina
Melhores condições de trabalho
41
Práticas de cuidado
Crianças mais calmas
33
Falta de comprometimento
Nada mudou
17
Fonte: Dados submetidos à análise de conteúdo semântica
%
65
18
17
A questão (tabela 5) que buscou analisar possível impacto do processo de
reorganização espacial e questões decorrentes, envolvendo as principais práticas, destacam a
melhoria das condições de trabalho e a reação dos bebês – mais calmos e choram menos –
diante da nova organização espacial. No entanto deixam ver uma tendência em negar as novas
possiblidades evidenciadas tanto nas respostas que compuseram a categoria nada mudou,
quanto na baixa recorrência das respostas sobre desempenho profissional anunciando pouco
impacto nas práticas profissionais propriamente ditas. De certa forma as respostas presentes
na categoria - falta de comprometimento - vinculam-se à tendência a não adesão às possíveis
mudanças nas práticas educativas do berçário.
Neste cenário foi possível perceber duas questões:
1. A pouca familiaridade dos profissionais com os discursos sobre o binômio cuidar e educar
quando comparados à rotinização dos discursos sobre o cuidar;
2. A existência de atitudes aparentemente resistentes com relação às novas possibilidades de
trabalho anunciadas pela reorganização do berçário.
Neste particular, a hipótese de não adesão por parte de alguns profissionais à proposta não
pode ser descartada, sendo útil a sua vinculação com a função de resistência das
representações sociais, conforme anunciada por Bauer (1997): como mantenedora da
autonomia de um grupo, agindo de forma a assimilar ideias novas às já existentes,
neutralizando assim a ameaça que uma nova ideia representa para esse grupo.
Tabela 6 – Categorizações da sexta questão da entrevista da Situação 2
6.De que forma isso afeta o entendimento que você tem da sua
profissão?
Categoria
%
Não afeta
26
Melhorou o desempenho profissional
10
Valorização da profissão
40
Reconhecimento
8
Imagens associadas:
Professora
8
Educadora
8
Fonte: Dados submetidos à análise de conteúdo semântica
12805
A análise sobre o impacto (tabela 6) da reorganização espacial na dimensão
profissional revela a dupla tendência do grupo em anunciar a negação das possíveis
transformações propostas pelas intervenções no berçário em contraposição ao discurso que
revela à valorização da profissão, associando-a a imagem de professora e educadora em
contraposição à imagem de babá fortemente marcada nas respostas às questões iniciais.
Tenho que cuidar e educar, só que na situação 1, eu me vejo mais no cuidar. Porque
às vezes a gente quer fazer alguma atividade, e a gente já fica preocupada, que a
criança pode cair, se machucar. [...] Eu pesquisava na internet, e eu via tudo isso,
mas eu falava: como eu vou colocar no planejamento uma coisa que não existe? [...]
Agora eu me vejo mais como educadora, até para os pais, falam: puxa vida! E nós
explicamos que com os brinquedos, vão melhorar nossa prática pedagógica, porque
vamos trabalhar a estimulação. Então nós falamos que aqueles brinquedos, eram
para a gente trabalhar o que a gente tinha colocado no planejamento para os pais,
então por um lado, isso nos ajudou como profissionais. (suj1).
Porque você tá vendo que as crianças estão ali, de longe você tá vendo pelo espelho
o que eles estão fazendo. Não está tão assim... preocupante. Ficou mais fácil porque
pelo espelho você vê tudo. Ficou mais fácil pra trabalhar. [...] A barra ajudou, o
espelho ajuda, e eles criam autonomia, sem contar que deu vida. Porque tudo que dá
vida, tudo que dá incentivo você vê alguma coisa em troca. Basicamente é isso, é
nisso que eu falo que mudou, mas continua a mesma, mudou a reação das crianças,
mas o cuidado e a atenção são redobrados, entendeu? (suj2).
A gente não precisa nem fazer que eles mesmos já fazem, a gente vê eles brincando
e eles já fazem coisas diferentes. Estão melhor, estão mais calmas, você vê que não
teve tanta mordida... Estão mais calmas. (suj3).
Olha, no espaço dois, como está nesse desenho, acho que melhorou bastante, a
questão das brigas, das mordidas, porque tem coisas, objetos atrativos. Só que por
um lado, eu já vejo preocupação, nesse daqui (centro de atividades), esse daqui, às
vezes eu tiro.(suj.1).
Em síntese, o estudo 1 propiciou a identificação de associações que tencionam a
construção da profissionalidade no trabalho com bebês em contextos de Educação Infantil.
Estas podem ser assim anunciadas:
1. Rotina, cuidado e integridade física são pressupostos identitário das profissionais que
assumem práticas objetivadas na imagem de babá- olha e guarda o bebê;
2. Práticas pedagógicas, vivências envolvendo bebê-espaço-profissional revelam novos
significados ainda pouco familiarizados. Estes delineiam situações que equilibram aventura
e segurança propiciadas pela mediação do adulto e atividade dos bebês. Esta possibilidade,
que se identifica, ainda em processo inicial, é objetivada nas imagens de educadora e
professora, mas parecem se contrapor com a dificuldade do manejo do risco mediante a
atividade exploradora do bebê.
12806
A título de hipótese entende-se que significados atribuídos ao binômio cuidar e educar,
embora apareçam no discurso, ainda que de forma tímida, estão pouco traduzidos na
concretude das práticas desenvolvidas no berçário.
Neste sentido, o estudo 2 contribui para a evidência de processos que anunciam a
construção do novo, considerando as vivências envolvendo bebê-espaço-profissional do
berçário.
Notas do segundo estudo: mais próximo da perspectiva do bebê ou de como nasce o
entendimento sobre o binômio cuidar e educar
Episódio 10 - Centro de atividades e a inserção do adulto na cena lúdica pela criança.
Descrição 1: nota de campo 29/08/2011.
A bebê Lud estava no chão, próxima ao centro de atividades, ela observava uma
berçarista, esta auxiliava o bebê En subir no centro de atividades. A bebê Lud
permaneceu um bom tempo observando, até que a berçarista saiu do centro de
atividades.
Nesse instante, a bebê Lud, continuou a observar os movimentos dos bebês En e
Ing. Logo os bebês se dispersaram, e a bebê Lud ficou sozinha próxima ao centro,
por vezes, ela ensaiou a possibilidade de subir, mas logo desistiu.
Passado algum tempo, a bebê Lud continuou a observar o centro de atividades,
alguns bebês se aproximam e logo saíam daquele local. Houve um momento que
uma berçarista percebeu a bebê Lud e seus movimentos de ensaio para subir, no
entanto, sem completar a rampa do centro. Nesse instante a berçarista se posicionou
frente a bebê Lud e com um sorriso a encorajou a subir, Lud se movimentou em
direção a berçarista e fez a trajeto de subir e descer a rampa do centro de atividades.
Não obstante as informações evidenciarem, no primeiro estudo, a forte tendência das
práticas educacionais do berçário ancoradas na representação da Educação Infantil como
espaço de guarda, com ênfase nas atividades de cuidado, o episódio acima descrito revela a
vivência caracterizada pela negociação de sentidos entre o profissional e o bebê na medida em
que o bebê Lud anunciou, por meio de uma sequência de movimentos e olhares, uma
necessidade premente de apoio, encorajamento e segurança.
A unidade bebê–espaço reorganizado–profissional do berçário configurou um cenário
no qual vivências se complementaram na direção das ações educativas aparentemente negadas
pela própria equipe de profissionais. Deste modo, pode-se perceber a emergência, no âmbito
da prática, do significado atribuído ao binômio cuidar e educar vivenciado na sua
integralidade, fazendo emergir um episódio no qual, complementarmente, bebê explora o
espaço com aventura e com segurança e a profissional assume a faceta identitária que lhe
confere o papel social de tutora privilegiada na cena educativa.
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Neste cenário evidencia-se outra rede de significados ancorada na representação social
da Educação Infantil identificada pela Pedagogia da Educação Infantil (CERISARA, 2002),
que destaca a importância da ludicidade como atividade guia (PRESTES, 2012), geradora de
neoformações no desenvolvimento psicológico da criança.
Considerações finais
Ao tecer as considerações deste texto destacam-se quatro categorias interpretativas: 1ª
o espaço como elemento de mediação do diálogo entre pesquisadores e profissionais da
Educação Infantil no exercício de construção da transparência do discurso; 2ª a dupla
condição do espaço tomado ora como objetivação de representações sociais, ora como objeto
de representação; 3ª a manifestação das funções identitárias e de resistência na relação com as
representações sociais sobre o berçário; 4ª a possibilidade de transformação das
representações sociais, revelada por meio da vivência estabelecida entre os bebês, o espaço e
as profissionais do berçário.
Com relação à primeira categoria observou-se que o diálogo em torno do berçário se
constituiu como um exercício que revelava, em um primeiro momento, a responsabilidade das
políticas públicas pela cena instaurada, sobretudo com relação à situação 1. Acredita-se que
este aspecto tenha contribuído para a diminuição da pressão normativa, justificando as
referências relativas às práticas educativas adotadas. Já no aspecto que considerou o espaço
como objetivação e objeto de representação social, destaca-se que, ao analisarem as fotos
referentes às situações 1 e 2, as profissionais acessaram prontamente significados diferentes
sobre o trabalho na Educação Infantil, embora a adesão estivesse direcionada aos significados
mais rotinizados que associam a Educação Infantil ao sentido de guarda. Tal fato revela que o
registro imagético das diferentes organizações espaciais pode ser considerado como indutor
de significações úteis ao estudo das famílias de representações sociais.
Ainda com relação aos discursos decorrentes das diferentes organizações espaciais,
destaca-se a evidência de que, ao falarem do espaço, as profissionais também evidenciaram a
dimensão identitária das representações sociais – valorização do profissional, melhor
condição de trabalho e a ancoragem nos significados associados a babá e a profissional. Sobre
este aspecto foi possível observar movimentos característicos daquilo que Bauer (1997)
anunciou como função de resistência das representações sociais.
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Alguns elementos podem ser considerados no sentido de compreender a necessidade
de resistir às mudanças tais como: o entendimento de que as mudanças sugeridas fossem
imposições, embora a escolha pela adesão ao projeto tenha considerado o desejo da equipe; e
a presença de profissionais com diferentes perfis, considerando formação, tempo de serviço,
grau de identificação e comprometimento com o trabalho, bem como a existência de
entendimentos divergentes com relação à necessidade de mudança da abordagem educacional.
Assim pode-se dizer que o espaço reorganizado do berçário objetivou dois
paradigmas orientadores da Educação Infantil. Aspecto que suscitou novo processo de
negociação de significados no interior do grupo de pertencimento.
O fato da ideia de mudança da organização espacial do berçário ter sido apresentada
como uma escolha e não como uma imposição à equipe pode ter contribuído para a
emergência de uma adesão mais periférica às novas práticas instauradas que paulatinamente
perde força frente à rotinização das práticas anteriores.
No entanto, as oportunidades de exploração do espaço que emergem nas vivências
infantis, observadas a partir da perspectiva ontogenética das representações sociais,
evidenciam outro tipo de cenário favorável às transformações das práticas e das
representações sociais. Sem contestar o pressuposto da segurança física do bebê como
principal organizador das representações sociais sobre o trabalho na Educação Infantil e
orientador das práticas das profissionais do berçário, a vivência em torno da unidade bebêbrinquedo desafia o adulto a se colocar como aquele que apoia a ação do bebê, ao mesmo
tempo em que procura anular os potenciais perigos daquela atividade. Nesta prática,
mobilizada pela atenção ao cuidado, emerge o sentido, ainda que ao nível intuitivo, do que
propõe o binômio – cuidar e educar.
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