Acesso, Uso e Remessa de Material Genético Humano: indicativos de regulamentação no Brasil
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MESA REDONDA
Visão panorâmica do Ministério da Saúde:
principais entraves das atividades relacionadas ao tema
Assistência Médica
Dr. Juan Llerena
Departamento de Genética Médica –
Instituto Fernandes Figueira/FIOCRUZ
Serei bastante sintético e não entrarei em questões técnicas do ponto de vista da genética
médica propriamente dita. Porém, trarei alguns subsídios para que possamos, antecipadamente, ver
por onde encaminhar a questão da genética médica.
A primeira questão que gostaria de colocar – vou colocar-me aqui como médico,
naturalmente trazendo a minha vocação – é que hoje as doenças genéticas são vistas do ponto de
vista da promoção à saúde, isso é muito importante. Estou sentado num ambulatório de genética
médica, uma família me procura baseada numa referência e ali tenho essa missão voltada à
promoção da saúde.
Esse processo envolve atividades voltadas para a saúde. Uma série de atividades que vão
além da minha organização hospitalar, são extra-muros.
Nesse processo há um natural progresso a criar empatias, em função, como vocês todos
sabem, do enorme impacto que essas doenças trazem não só à família, mas no contexto da
sociedade.
Vamos guardar em mente a questão da promoção da saúde. Isso é muito importante.
Hoje há duas modalidades do ponto de vista de promoção à saúde.
Uma, realizada na grande maioria de centros que se propõem a lidar com as doenças
genéticas, é o evento já acontecido. Não há uma busca ativa a esses indivíduos. O recrutamento é
passivo, vem a você. Ele pode vir ou por um Sistema Único de Saúde organizado ou por um sistema
de referência, como é o nosso caso no Instituto Fernandes Figueira; ele é formado por especialistas
na área, então obviamente são referenciadas essas questões do Sistema Único de Saúde e assim por
diante.
Esse enfoque, que eu denomino de retrospectivo, é onde o beneficiário são o indivíduo e a
família. Não há nenhuma ambição maior do que isso. A promoção à saúde será enfocada num único
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caso. Que, do ponto de vista de organização e gestão, é muito custosa, não tem uma ação
propriamente sanitarista, é uma questão muito assistencial, pontual. Estamos discutindo riscos de
recorrências, porque o evento já aconteceu. É uma atividade totalmente isolada, intramural,
hospitalar, tem alta complexidade do ponto de vista de saúde e o custo é alto.
Deve-se fazer a atividade do diagnóstico, prognóstico, orientação de planejamento familiar
e, cada vez mais, o tratamento.
Daremos o enfoque do que seria o prospectivo, a busca ativa. Provavelmente Helena falará
um pouco mais. São, de certa maneira, programas que vêm de cima para baixo. Programas
propostos num coletivo, dentro do Ministério da Saúde, que saem procurando doenças ou
indivíduos em risco para uma determinada doença. É nesse aspecto que precisamos ter também um
olhar diferenciado. Porque aqui estamos atuando na população. O evento não aconteceu ainda, daí o
risco de ocorrência. É uma atividade bastante sanitarista, integrada, extra-muros, não está centrada
numa atividade hospitalar e o custo é baixo, com uma extensão muito ampla.
Essas duas modalidade vêm sendo praticadas no Brasil. Historicamente, a modalidade
retrospectiva é onde começou, de certa forma, a genética médica no mundo. No meu ponto de vista
são e foram as doenças genéticas um dos grandes propulsores de toda essa discussão, a qual veio
dos países que conseguiram controlar as causas mais importantes que afligem a população; e fica-se
com um ônus de um grupo de doenças muito complexas cuja resolutividade é ainda pequena. E
cada vez poderemos chegar a realmente resolver esses problemas, mas temos muito chão ainda pela
frente.
Quando começamos a trabalhar com um indivíduo que nos procura, num modelo
retrospectivo, já não se trabalha com o indivíduo porque ele tem um pai e uma mãe. A visão do
médico geneticista é não trabalhar com o indivíduo porque aquele diagnóstico obrigatoriamente terá
repercussão na família. Já é outra lógica. Então, precisaremos enfocar no caso índice, porém
abordando uma família, mesmo na modalidade retrospectiva.
Esta era uma árvore genealógica. Vejam o seu tamanho envolvendo uma determinada
patologia em que (há) existem princípios bioéticos para que se possa, a partir daquele caso índice, a
partir de uma relação ética, entrar em contato com todos os seus (esses) familiares para o estudo
genético. Quem nos procurou foi este indivíduo; a partir dele vejam o que surge. É uma questão que
precisa ser resolvida.
Veremos a questão numérica. Há algum tempo vimos antecipando as questões do ponto de
vista de diagnóstico. Só para exemplo, nesse período de 1999 a 2003 fiz uma conta rápida de
quantas amostras de DNA estão num instituto aqui vizinho, 233 amostras de DNA. Elas foram
coletadas a partir deste modelo retrospectivo. Eu diria que o meu contrato é com aquela família.
Enquanto não existia uma uniformidade de condutas que viesse da ANVISA ou de um órgão gestor
como a FIOCRUZ, tive que obviamente criar um contrato de trabalho e aperfeiçoar a forma de lidar
com essa família. Um dos princípios básicos do aconselhamento genético é “a decisão não é do
profissional”. O profissional tem a função e a finalidade de informar exatamente o que há do estado
da arte daquela problemática e as intervenções devem respeitar, não só culturalmente e moralmente,
as decisões dadas pela família. A partir daí, seguir como referência. A partir disso, há 233 amostras
que vieram por esse modelo.
Ao investigar os indivíduos afetados, temos: pai, mãe, irmão, avó e, em alguns casos,
controles normais a partir desse contrato de trabalho. Aí trago a discussão do termo de
consentimento. Aquele termo de consentimento pode não ter um valor jurídico perante a lei, mas
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tem valor ético ante aquela família que estou trabalhando. É naquele momento que deixaremos
claro qual é o meu compromisso e a minha responsabilidade com aquela amostra que estou
coletando. O total de 437 amostras vindo por esse referencial.
Nesse período, ao exercitar essa relação com as famílias, tive que criar algumas condutas, as
quais sigo e participo às famílias. Há muitos anos, bem antes de, conforme a Resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Pesquisa (CONEP), ter isso somente nas pesquisas, já usávamos algumas
vezes na prática médica quando era preciso criar esse contrato junto às famílias, saber claramente
qual a finalidade e para que aquele tipo de investigação. Qual é o meu compromisso com aquela
família? Digo que ficarei com o domínio daquele material por 5 anos. Ele fica em meu nome por
esse período, eu como coordenador. Ele tem uma finalidade diagnóstica, exceto se estiver explícito
naquele contrato que a família me autoriza para esse fim. Não tenho, e cada vez mais não
praticamos, a idéia do paternalismo, achar que tem que haver uma decisão sobre isso. Temos que
deixar a família decidir, assinar e assumir essa responsabilidade. Esse é o contrato de trabalho.
Há uma série de condutas, o que é natural não só da profissão do médico como da profissão
do pesquisador. Tudo realmente é um consenso: anonimato; confidencialidade. O que Sérgio
colocou é essencial porque ele deixou claramente quais são os caminhos com que a genética médica
certamente poderá beneficiar-se. E não só isso, sempre sai um resultado à família, ela fica com um
relatório médico. Esse relatório deixa claro qual foi a origem do material, o resultado e as
implicações daquele resultado.
Nesse termo de consentimento, há algum tempo pedimos autorização para publicar e
fotografar. Mostrar que aquela raridade tem que ser respeitada como raridade em todas as suas
esferas. Estamos lidando com situações biológicas extremamente raras e privilegiadas. Essa
complexidade é fundamental que eles compreendam.
Hoje recebemos uma série de referências dos SUS. Por que não trazer parceiros dentro
dessas responsabilidades? Respeitar a profissão do médico no posto de saúde e se você dinamizar
essa relação certamente estará elevando a qualidade de serviços do próprio Sistema Único de Saúde,
que, no meu ponto de vista, é por onde conseguiremos solucionar vários problemas do Brasil
relacionados com a genética médica.
E não só isso. Como fica a responsabilidade do acompanhamento médico? Ele é minha
responsabilidade, por escrito. Assumo os meus riscos, como a família também assume os seus. Isso
do ponto de vista dessa modalidade retrospectiva individual de uma família. É o que venho fazendo
e o grupo todo que vem trabalhando junto ao departamento.
Historicamente a genética médica no Brasil veio da área das Ciências Biológicas e,
paulatinamente, vem-se especializando dentro da área médica. É uma história natural esperada
dentro do processo da genética médica, uma vez que se tem que tratar com doenças e isso é função
do médico. Obviamente começa a ter uma organização corporativista porque precisamos lutar pela
classe. De qualquer maneira, tem-se já uma organização com relação à modalidade retrospectiva
daquele caso individual e assim por diante.
Aí vem o Estado que, paralelo a isso, também começa a organizar-se. É muito bem vista
essa organização porque começa a trazer modalidades de trabalho essenciais do ponto de vista de
saúde pública, a triagem neonatal. Hoje temos um campo, chamado campo 34 na declaração de
nascidos, onde se assinala se a criança tem algum defeito congênito ou não. É um esboço de ter um
programa de vigilância epidemiológica em termos de defeitos congênitos. Vem-se estudando
bastante essa questão do campo 34. O programa de triagem neonatal formalmente entrou em
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funcionamento em 2001. São espetaculares os resultados diante de um cenário tão difícil que o
Brasil tem do ponto de vista de saúde. São excepcionais os resultados; mostram que os caminhos,
quando pensados coletivamente, têm uma resolutividade. Agora estamos passando para a fase do
tratamento, que é essencial. Poucos países do mundo permitem que a legislação faça um benefício
tão grande a essas famílias como os tratamentos hoje pagos pelo Estado. São tratamentos de
doenças órfãs porém subsidiados pelo Estado. Isso é muito importante. Cada vez mais esse cenário
vai aumentar em termos de reposição enzimática, onde se reduz a morbidade, reduz o impacto da
doença e assim por diante. A partir de julho estaremos aumentando o teor de ácido fólico na farinha
para que se reduzam os defeitos congênitos relacionados principalmente aos defeitos do tubo neural
(espinha bífida, para os leigos).
Drª Dafne Horovitz é uma médica que trabalha comigo há muito tempo. Ela fez uma tese no
Instituto de Medicina Social em que propôs uma logística com relação à genética médica, uma rede.
É muito extenso para que eu possa trabalhar, mas mostrarei um dado. Este aqui foi um
levantamento que ela fez e que mostra 61 serviços existentes relacionados à genética médica: ou são
ambulatórios; ou são ambulatórios com laboratórios; ou são laboratórios; ou só fazem ensino.
Claramente, como a colega da ANVISA mostrou, há uma desproporção muito importante entre
regiões do Brasil que se concentra no Sudeste e no Sul.
Agora vamos para os dados oficiais. Vejam que interessante. Os dados oficiais declarados
como serviços de genética existentes são muito parecidos com os que ela mostra. O que vem
mostrar que essa questão que eu trouxe numa unidade aqui está acontecendo ao longo do Brasil. Há
vários lugares com o mesmo tipo de problemática surgindo.
Com relação aos hospitais universitários, estes são os números por Estado, onde a etapa é
tentar aperfeiçoar a problemática do Norte e do Nordeste através de hospitais universitários.
Isso tudo vem a indicar a necessidade de criar-se determinadas normas, nem que sejam
operacionais, muito particulares para determinados serviços. Não deixar cada um decidir por si; aí
haveria um risco maior de as infrações ocorrerem e problemas relacionados ao acesso. Nem toquei
com relação ao material de DNA que viaja, que é uma prática. O que acontece? Hoje,
individualmente as pessoas viram que precisamos cooperar. Vamos colaborar com todo o grupo.
Estivemos nesta semana num congresso em Belém do Pará. Já existem 7 consórcios
moleculares visando ao estudo dos defeitos congênitos ou doenças metabólicas e assim por diante.
Só com esse ensaio de poder tentar melhorar a aplicação de recursos e dinamizar o processo. Mas,
certamente, envolve acesso a material genético.
Era só isso, obrigado.
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