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O PEQUENO HANS SOB INTERVENÇÃO PRECOCE1
Maria Cecília Pereira da Silva 2(SEDES, SBPSP, UNIFESP)
Magaly Miranda Marconato Callia3 (SEDES, SBPSP)
Mariângela Mendes de Almeida4 (SEDES, SBPSP, UNIFESP)
Resumo
Neste trabalho procuramos acompanhar as intervenções realizadas por Freud junto a Hans e seus pais, apontando como
já se instalavam aí os primórdios de um modelo de Intervenção nas Relações Iniciais Pais-Crianças. Constata-se então,
como, desde o início da psicanálise, a abordagem do desenvolvimento infantil em suas interfaces tanto com a saúde
quanto com a psicopatologia, conecta-se com um olhar para os vínculos pais-criança no contexto familiar, promovendo
a possibilidade de agilizar intervenções terapêuticas e estabelecer redes de sentido a partir da compreensão e do diálogo
entre elementos do mundo interno da criança e aspectos constitutivos da parentalidade.
Palavras Chaves: Pequeno Hans, relações pais-filhos, intervenção precoce, técnica em psicanálise de crianças.
Freud e o Pequeno Hans: percursos iniciais de uma Intervenção
Neste ensaio de 1909, Freud, traz o feliz exemplo do tratamento psicanalítico de uma
criança, relacionando-o às suas teorias sobre a sexualidade de 1905, complexo de Édipo, rivalidade
fraterna, angústia de castração, curiosidade infantil, impulsos eróticos pré-genitais e, mais
especificamente, o aparecimento de uma fobia e da sua lenta transformação e resolução permitida
pelo trabalho de análise. Trabalho de análise? Tratamento psicanalítico? Alguns leitores já aí
polemizariam. Freud viu Hans apenas uma vez, mas o analisou indiretamente através de sua família,
particularmente seu pai e sua mãe.
A leitura desse trabalho nos revela o percurso global de Freud, o estudioso, o teórico e o
terapeuta. É surpreendente seu caráter investigativo. Uma apreensão mais detalhada do texto nos
revelará bem mais o Freud terapeuta do que o Freud teórico5, embora se perceba que em nível
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Trabalho a ser apresentado no XVIII Encontro Latinoamericano || Pensamento de D.W. Winnicott, 2009.
Psicanalista, Membro Efetivo, Analista de Criança e Adolescente e Docente da SBPSP. Doutora em Psicologia
Clínica e Mestre em Psicologia da Educação pela PUCSP. Membro do Departamento de Psicanálise de Criança e
Professora convidada do Curso de Intervenção Precoce do Instituto Sedes Sapientiae. Pós-doutoranda em Psicologia
Clínica pela PUCSP. Coordenadora do Grupo Pais-bebê do Centro de Atendimento Psicanalítico da SBPSP.
Colaboradora do Setor de Saúde Mental do Depto. de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
E-mail: [email protected]
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Psicanalista, membro filiado à SBPSP, docente do Departamento de Psicanálise da Criança do Instituto Sedes
Sapientiae .Aluna Associadado do curso pré clínico de psicoterapia psicanalítica com crianças adolescentes e família da
Tavistock Clinic Mestre em Psicologia Social pela Universidade de Londres (LSE). E-mail: [email protected]
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Psicóloga e Psicoterapeuta, com Mestrado e especialização pela Tavistock Clinic (Associada Clínica de 1988 a 1993)
e University of East London. Membro do Depto. de Psicanálise de Criança do Instituto Sedes Sapientiae, docente do
Curso de Introdução à Intervenção Precoce na Relação Pais-Bebê. Psicanalista em formação pela SBPSP. Participante
do Setor de Saúde Mental do Depto. de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
E-mail: [email protected]
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Franco Borgogno (2004), por exemplo, sublinhou o quanto Freud foi terapêutico com Hans, ele valorizou
mais o encontro do que as teorias que tentava provar.
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manifesto, ele tenta provar de modo evidente a neurose infantil a qual supunha estar escondida e
reprimida nos fenômenos neuróticos adultos.
Freud tem evidências de que Hans naquele momento sofria de uma ansiedade aguda ligada à
castração, esperada neste período de desenvolvimento da criança, mas também considerava como
importante os ciúmes da irmã, o impacto da cena presenciada no parto e tantas outras constatações
ligadas ao ambiente, ou seja, dava importância às questões pulsionais pré-genitais e genitais, mas
também indiretamente incluía a questão ambiental. De qualquer maneira ele percebe que todas essas
ansiedades colaboraram para o aparecimento de uma fobia. No tratamento de Hans, Freud, sugere a
seus pais que o observem e o interpretem. Poderíamos nos perguntar: Seria este o caso, se o enfoque
fosse outro, por exemplo, consultas terapêuticas?
Queremos aqui refletir sobre o quanto este atendimento de Freud há 100 anos atrás poderia
servir para contextualizar e dialogar com o atendimento em intervenção precoce por meio de
consultas terapêuticas segundo as idéias de Winnicott (1965a e 1971) e Lebovici (1993). Este
enfoque de consultas terapêuticas é um atendimento breve indicado nos casos de bebês e crianças
pequenas, que, ao mesmo tempo, leva em conta tanto os aspectos internos presentes nos indivíduos
que são parte da constelação pais-crianças, quanto os aspectos que caracterizam o holding
(Winnicott, 1965b) e a capacidade de continência oferecida pelo entorno familiar.
Para isso, sigamos inicialmente, de forma bastante sintética, os passos e investigações de
Freud, Hans e seus pais, vistos hoje, retrospectivamente, como estruturas inicias essenciais para
futuros desenvolvimentos em Psicanálise de Crianças.
Retrospectiva do caso Hans
Freud, neste trabalho, constrói uma narrativa da história de vida de Hans, técnica bastante
atual na psicanálise contemporânea. Destaca-se a qualidade da descrição que o pai faz do sintoma
de seu pequeno filho, de seus medos, de seus jogos lúdicos, de seus sonhos e de suas associações, o
que muito se assemelha às prescrições de Esther Bick (1948) anos depois. Freud realiza uma única
consulta com a presença do pai e da criança, uma verdadeira consulta terapêutica, com um sucesso
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terapêutico impar. Posteriormente, o tratamento se realiza indiretamente através da família de Hans,
particularmente seu pai e sua mãe, e tudo se passa através do pai, valorizando a parentalidade ou a
participação do cuidador. Com a troca de correspondências, o pai se torna mais lúdico, recupera o
infantil dentro dele e constrói uma nova representação de seu filho. O pequeno Hans surpreende a
todos com sua vivacidade e perspicácia, e toda sua colaboração para compreender seu inconsciente
e suas “bobagens”. Esse menininho ensina psicanálise para todos nós, especialmente quando ele diz
que ele “pode pensar” como algo diferente de fazer e é uma forma de falar de si mesmo para um
psicanalista. (Freud, 1909, p.81). Podemos ver a marca da moral cristã e dos costumes da época
com relação à repressão da masturbação, à atitude dos pais ao deixar o filho dormindo com eles até
a chegada de sua irmãzinha quando ele tinha três anos e meio e a suposição de que as crianças não
são capazes de compreender as teorias sexuais sobre a origem dos bebês.
Freud é solicitado para este “atendimento” pelos pais de Hans quando ele tinha quase 5
anos. Já havia atendido em análise a mãe de Hans e segundo algumas referências, seu pai, que
embora não sendo da área, também freqüentava semanalmente reuniões analíticas, das quais
provavelmente o próprio Freud participava. O motivo da consulta de Hans era seu medo de cavalos,
o que deu origem ao título: A análise de uma fobia em um menino de cinco anos. O nascimento de
sua irmãzinha, Hanna parece ter tido uma participação muito especial para a composição e
entendimento deste caso.
Freud em várias passagens observa e descreve um pouco do contexto familiar de Hans,
mostrando seu vínculo com a mãe e com o pai e o vínculo do casal, ressaltando suas fantasias em
relação aos cavalos, à sexualidade da mãe, bem como o sentimento de desconfiança e de quase
traição em relação a seu pai frente à explicação que este lhe deu quando nasceu sua irmãzinha.
Poderíamos pensar que a resposta que seu pai lhe deu foi vivida como uma experiência muito
intrusiva, ou seja: a fantasia da cegonha pode ter sido irreal demais àquela situação. Hans parece ter
se traumatizado com a cena que presenciara no parto da irmã.
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O pai de Hans, ao contrário de se colocar disponível ao impacto e curiosidade de seu filho,
acreditou que este assimilaria sua explicação demasiadamente fantástica da cegonha para aquela
ocasião. O que o relato nos mostra é que Hans, pouco convencido com aquela história, seguiu em
frente e foi buscar explicação com sua mãe. Através da posterior descrição dos fatos, Freud nos faz
perceber que a incrível curiosidade sexual daquela criança irá percorrer todo um caminho em busca
de algum sentido. O próprio sintoma de Hans expressa a necessidade de esclarecimentos e de
comunicação, ligada às questões de sua filiação, de onde vêm os bebês, diferença sexual, ansiedade
de castração, ternura e amor. Os relatos do pai de Hans apontam para uma urgência de uma
intervenção diante do sofrimento da criança: demanda dos pais que pede resolução. Mas a
preocupação de Freud é muito mais com o significado do que com a cura e ele mostra como “um
fantasma inquieto não pode descansar” enquanto não for compreendido. (Freud, 1909, p.129)
Intervenção nas Relações Iniciais: Raízes em Hans, nossa herança transgeracional
Considerando o atendimento psicanalítico de crianças pequenas, poderíamos pensar que a
modalidade de Intervenção nas Relações Iniciais encontra algumas de suas raízes no atendimento
do caso Hans pelo Dr. Freud, principalmente no que diz respeito aos seguintes aspectos:
a) o setting6 ampliado incluindo a presença dos pais no tratamento e no espaço analítico,
b) o interesse pelos relatos, histórias, sonhos e a observação das manifestações infantis,
brincadeiras, condutas, tentativas de compreensão, das fantasias infantis e seus conteúdos latentes;
c) o estímulo ao diálogo parental, reflexão sobre os sentimentos da criança no contexto familiar,
conexão dos conflitos do cotidiano com as representações lúdicas da criança
d) a formação de um campo de continência criança-pais-profissional na investigação e acolhimento
das angústias infantis,
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Segundo Winnicott (1954) Freud toma situação de meternagem inical como algo natural e de acordo com o seu ponto
de vista, “essa situação apareceu na sua criação de um setting para seu trabalho sem que ele tivesse muita consciência
do que estava fazendo. Freud foi capaz de se analisar como uma pessoa total e independente e interessou-se pelas
ansiedades que fazem parte das relações interpessoais.” (p. 467) E em seguida afirma: “Gostaria agora de esclarecer o
modo pelo qual artificialmente divido o trabalho de Freud em duas partes. Em primeiro lugar, há á técnica psicanalítica
da forma como gradualmente se desenvolveu e que é ensinada aos estudantes. O material apresentado pelo paciente
deve ser entendido e interpretado. E, em segundo lugar, há o setting no qual este trabalho é levado a cabo.(p. 468)
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e) a investigação em torno de um sintoma que se manifesta no cotidiano dos vínculos familiares,
f) a brevidade do procedimento terapêutico,.
g) a qualidade das intervenções de Freud,.
h) a importância de que as crianças tenham acesso à verdade e que se favoreça a comunicação7.
i) identificação de fenômenos transgeracionais.
j) o trabalho sobre a construção da parentalidade.
Intervenções finais: Do Hans de ontem aos bebês de hoje
Percebemos, a partir dos itens relacionados anteriormente, como a flexibilidade do setting
com a inclusão da esfera parental em suas manifestações e desdobramentos relacionais, nos permite
correlacionar o trabalho de Freud com Hans à proposta de Intervenção Precoce através de Consultas
Terapêuticas no atendimento conjunto de pais-bebês/crianças (Winnicott / Lebovici).
O caso Hans, primeira criança acompanhada em psicanálise, hoje com 100 anos, é capaz de
nos fazer visualizar as várias possibilidades de “setting” disponíveis no que diz respeito ao
atendimento psicanalítico de crianças. Nesta visão, trata-se de um atendimento pioneiro no que diz
respeito à técnica.
Hans pôde ser atendido de uma maneira que nos faz lembrar inovações atuais, como é
justamente o caso das consultas terapêuticas e dos desdobramentos clínicos da observação de bebês.
Nestas propostas, a inclusão dos pais é, não só potencialmente facilitadora, quanto eixo
indispensável do tratamento. Freud, indiretamente nos ensina o quanto lhe foi valioso apreender a
dinâmica familiar de seu pequeno paciente e, como ocorre na técnica com crianças, não pôde se
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Winnicott (1963) em Comunicação e Falta de comunicação levando ao estudo de certos opostos salienta as seguintes
idéias: 1) há lugar para a idéia de que o relacionamento e a comunicação significativas são silenciosas, e que nas fases
iniciais do desenvolvimento do ser humano, a comunicação silenciosa se relaciona com o aspecto subjetivo dos objetos,
que se liga ao conceito de realidade psíquica de Freud e do inconsciente que não pode nunca se tornar consciente. 2) no
desenvolvimento do bebê, a comunicação se origina do silêncio. 3) o bebê se comunica através de seu desamparo e
dependência. 4) existe comunicação, ou não, dependendo do fato de a mãe ser ou não capaz de se identificar com o
bebê. A mãe comunica-se com o seu bebê através do conhecimento do que ele necessita, antes que a necessidade seja
expressa através de um gesto. 5) na comunicação silenciosa o bebê não ouve ou registra a comunicação, mas apensas os
efeitos da confiabilidade do meio ambiente. 6) a comunicação silenciosa pode ser vista como um sofisticado jogo de
esconde-esconde em que é uma alegria estar escondido, mas um desastre não ser achado.
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abster de lidar com a dinâmica dos vínculos primários, realizando, assim, uma intervenção no
ambiente.
Hoje, um século depois do caso Hans, com o progresso da Psicanálise, podemos através da
Intervenção Precoce atender bebês de 0 a 3 anos, e é claro que, para tanto, temos que incluir a
família, fazendo uso da expressão de Winnicott “O bebê sozinho não existe” e aproveitando a dica
de Bowlby, ”Quanto mais cedo interviermos, melhor” (1979).
A suposição básica a se sustentar aqui, é que não somente podemos como devemos ver o
sofrimento psíquico da criança como algo relacional passível de ser tratado precocemente. E para
tanto, faz-se necessário uma flexibilidade do setting e uma adequação da técnica psicanalítica com
criança.
Mazet (apud Gutfreind, 2008) apontou Freud como um precursor na valorização dos
cuidadores de uma criança. É difícil aprofundar ou manter a profilaxia e a terapêutica de crianças
sem cuidar de quem realmente cuida. Atender crianças atualmente (e como vimos aqui desde Hans)
é atender também seus pais e promover a construção da parentalidade.
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(revisão técnica da tradução). São Paulo: Casa do Psicólogo.
WINNICOTT D.W (1954) Aspectos clínicos e metapsicológicos da regressão do setting psicanalítico. In: Textos
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Schuch Ortiz. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983.
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WINNICOTT, D.W. (1971) Introdução. In: Consultas Terapêuticas em Psiquiatria Infantil. Rio de Janeiro: Imago,
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