CC 7 – Ferrovias, modernização e movimento operário na Bahia Coordenador: Francisco Antônio Zorzo FERROVIAS E INDÚSTRIAS NA BAHIA : 1850-1920 ** SANTOS, Rogerio Fatima dos * O propósito desta comunicação é discutir, de forma preliminar, alguns aspectos das condições de implantação das ferrovias na Bahia. Pretendemos também identificar a existência ou não de nexos entre o processo acima citado e aquele que possibilitou um primeiro momento da industrialização baiana. Os marcos adotados para efeito da análise tomam como referência a ruptura do tráfico internacional de escravos para o Brasil (1850) e o período de transformações ocorridas na República no pós I Grande Guerra . Preliminares do tema A historiografia que se debruça sobre o processo de industrialização _ aqui entendida como gênese e consolidação do capitalismo - , tende a dar ênfase ao papel das ferrovias neste processo . Hobsbawm afirma que: “... a economia industrial em seus primórdios descobriu – graças largamente à pressão do lucro da acumulação de capital – o Marx chamou de sua “suprema realização” : a estrada de ferro” . i Desta forma a expansão das ferrovias naqueles países, enquanto meio de transportes de mercadorias e passageiros, se torna, sobretudo a partir de meados do século XIX, na face mais dinâmica do capitalismo, quer em sua dimensão econômica, quer em sua expressão simbólica. Nos países de industrialização originária, o desenvolvimento ferroviário amplia a escala de acumulação/reprodução do capital, incorporando, em sua instalação, uma grande massa de mão-de-obra assalariada, além de contribuir, de forma decisiva, para as inovações tecnológicas. Neste sentido podemos afirmar que as ferrovias, cuja implantação 2 se dá dentro de parâmetros fundamentalmente capitalistas, representam , elas próprias uma “Revolução” no modo de produção burguês. Além disso, ao exigir para seu funcionamento pleno, um suporte dos setores siderúrgico e metalúrgico, as ferrovias têm o papel de estabelecer o efeito multiplicador e modernizador da cadeia produtiva. Por fim, do ponto de vista simbólico, os trilhos , as máquinas e estações ferroviárias, ao transformarem as regiões onde estão inseridos , irão transformar-se também nos ícones da ordem e do progresso burgueses. Por último, mas não menos importante, vale lembrar que a expansão ferroviária torna-se decisiva no processo de valorização e “mundialização” do capital , seja pelo fato de que a implantação das malhas ferroviárias acelera a incorporação de novas regiões à circulação internacional de mercadorias, seja pelo fato de que a construção de ferrovias se transforme em uma imensa e assaz lucrativa oportunidade de inversão de capitais . E isto se dá em um período atravessado por um momento de expansão capitalista sem precedentes (1840-1873), seguido por uma Grande Depressão (1873-1896). Acompanhando o raciocínio de Beaudii , percebemos que a crise capitalista de fins do século XIX trazem em seu bojo um processo sem precedentes de centralização e concentração de capitais, caracterizado também por uma profunda transformação espacial e tecnológica das bases de acumulação. A inversão de capitais em áreas periféricas torna-se uma saída estratégica , tendo em vista o nível da competição entre os oligopólios. Para ilustrar, e acompanhando Rosa Luxemburg iii , percebemos que a rede de estradas de ferro passa, na Europa entre 1840 e 1910 , de 2.925 quilômetros para 333.848 quilômetros. Na América como um todo, no mesmo período, a expansão ferroviária salta de 4.754 quilômetros para 526.382 quilômetros .Estes números por si mesmos são eloqüentes na confirmação do exposto anteriormente. Nos países de capitalismo tardioiv, o processo de construção de ferrovias, ao nosso ver, se configura de forma diferente daquela ocorrida na Europa e nos Estados Unidos. Nesta regiões acreditamos que a expansão ferroviária se dá sob a égide de investimentos estrangeiros, geralmente de caráter especulativo. Veremos agora como estas reflexões preliminares se articulam à nossa análise sobre as transformações ocorridas no Brasil, e mais especificamente na Bahia, neste período. 3 Ferrovias e indústrias no Brasil: a locomotiva paulista. No Brasil , historiadores que analisam as transformações ocorridas no país a partir da segunda metade do sec. XIX, tendem a avaliar de maneira por vezes enfática, o papel dos empreendimentos ferroviários nestas transformações. Costav atribui papel decisivo às ferrovias na modernização da economia cafeeira. Ainda nesta linha , Saes afirma o seguinte: “Acreditamos que a empresa ferroviária é um dos elementos pra se compreender a diversificação da economia de São Paulo, cujo resultado mais expressivo é o desenvolvimento da indústria “. vi Se por um lado a afirmação acima identifica a implantação de ferrovias com as transformações mais gerais ocorridas na economia ,e que possibilitaram, no limite, o desenvolvimento industrial em São Paulo, tal processo , a nosso juízo , não pode ser generalizado para a totalidade da formação social brasileira. Discutiremos a seguir as relações entre ferrovias e modernização no contexto paulista. A implantação das ferrovias no Brasil se consolida , enquanto política de governo, com a Lei 641, de 26 de junho de 1852, no bojo das transformações advindas desde a Independência e a subsequente preocupação da elite imperial na construção da integração/unidade do Estado Nacional . Em São Paulo a implantação das ferrovias se dá em um amplo contexto de transformações. Por um lado, crise/superação da estrutura escravista, marcada pela supressão do tráfico internacional de escravos (1850) e ao aprofundamento da política provincial de imigração européia para as lavouras paulistas. Por outro lado, assiste-se neste momento a uma expansão da economia cafeeira com os preços do café em alta crescente no mercado internacional a partir de 1869. Além disso ,no início do sec. XX segundo nos informa Aurelianovii, São Paulo assiste ao desenvolvimento de uma agricultura comercial de alimentos, estimulada pela política aduaneira estadual de defesa da produção local. Tal forma de produção se torna possível devido ao aprofundamento da divisão social do trabalho , que impulsiona as relações capitalistas de produção no interior da economia cafeeira. 4 Este leque de transformações fazem de São Paulo área prioritária para inversões estrangeiras, sobretudo britânicas, e possibilitam internamente a constituição do grande capital cafeeiro viii, co-responsável pela expansão ferroviária no território paulista. Desta forma a simbiose entre o grande capital cafeeiro e o capital financeiro inglês , estimulados pelo Estado, tornam viáveis a expansão ferroviária , do setor portuário – escoadouro natural em uma economia agrário-exportadora em ascensão – e como decorrência de todas estas mudanças, a urbanização acentuada da cidade de São Paulo, epicentro econômico e cada vez mais, político, na passagem da Monarquia para a República. Quanto ao desenvolvimento industrial, embora no caso paulista ele se originasse a partir da expansão agrário-mercantil , ainda na Primeira República a fração industrial ixda burguesia paulista passa a lutar pelos seus interesses específicos, culminando com a criação do Centro das Indústrias de São Paulo em 1928. Ferrovias e Indústrias na Bahia Era outro o quadro da economia e sociedade baianas no período que medeia a Abolição do Tráfico e as três primeiras décadas republicanas. O cerne da economia baiana desde o período colonial repousou na produção açucareira , com base na mão-de-obra escrava. Até meados do século XIX, esta era a atividade – articulada ao capital mercantil do tráfico negreiro - que proporcionava prestígio social à elite e dinamismo econômico à Província. A crise da economia açucareira, a partir da segunda metade do século XIX não pode ser explicada apenas pela desorganização da mão-de-obra provocada pela Lei de Abolição do Tráfico. A tendência à queda dos preços internacionais do açúcar, motivadas quer seja pela concorrência cubana na produção de açúcar de cana, quer seja pelo protecionismo alfandegário europeu – que procurava estimular na Europa o consumo de açúcar de beterraba , produzido localmente – também contribuem de forma decisiva para a crise mais geral da economia baiana. Acrescente-se a este fatores a epidemia de cólera , acentuando a redução dos planteis de mancípios, além das secas de 1857 e 1888 que se abateram também sobre o Recôncavo, e teremos um quadro mais completo da economia baiana . 5 Por outro lado, e de maneira aparentemente paradoxal , é durante a crise do setor agrário-mercantil-escravista que assistimos à implantação das ferrovias na Bahia e ao desenvolvimento do setor têxtil industrial. Examinemos em que condições e quais os limites que perpassam este processo. Do ponto de vista da integração territorial no período monárquico, a articulação ferrovias-hidrovias-transporte marítimo adquiria expressão de relevo. Além disso, o fim do tráfico negreiro, em 1850, iria propiciar maiores condições econômicas que subsidiassem a “modernização” brasileira, através da liberação de capitais antes investidos no tráfico, e também pela inversões inglesas, já que agora existia uma maior “boa vontade” britânica em relação ao Brasil. Vale ressaltar que, contraditoriamente, o projeto integrador se dá em uma estrutura marcada ainda pelo predomínio de uma economia agrário-exportadora e de relações escravistas de produção, que limitavam as possibilidades industrializantes e da formação de um mercado interno que desse suporte à acumulação industrial. Apesar destes fatores, o projeto modernizador procurava aproximar a economia brasileira de suas congêneres européias e norte-americana , atraindo investimentos sobretudo britânicos, para tal empreitada. A legislação em vigor garantia , entre outros privilégios, a isenção de impostos sobre importação de materiais para construção de estrada de ferro e garantias de juros de 5% a 7% sobre o capital investido. Tal garantia, assegurada pelo governo Imperial e os governos Provinciais era fundamental para estimular os investidores, sobretudo aqueles que representavam o capital financeiro inglês. A partir daí assiste-se, no Brasil a uma verdadeira “corrida” ferroviária, onde as ferrovias desempenhariam papel de relevo na integração com os vários complexos agrário-exportadores do país . Na Bahia, os capitais destinados ao financiamento das ferrovias foram originários basicamente de investidores ingleses e do governo imperial, secundado pelas províncias, uma vez que o capital mercantil provincial – haja vista o seu caráter intrínseco de volatilidade -, naquele momento de crise açucareira, dirigia-se para atividades do tráfico interprovincial de escravos, dos negócios ligados ao setor fumageiro, bem como à indústria têxtil, que por sinal alcança expressivo desenvolvimento entre os anos da Guerra do Paraguai e o início da Primeira Guerra Mundial . 6 O primeiro empreendimento ferroviário instalado na Província da Bahia é a Estrada de Ferro Bahia ao São Francisco, cuja concessão é feita em 1853 a empresários locais e transferida à britânica “Bahia and Sao Francisco Railway Company ” no ano de 1855. De acordo com a concessão inicial, a ferrovia deveria ligar a capital e centro mercantil da Província da Bahia à região do rio São Francisco na região de Juazeiro. Seu trecho inicial de 123 Kms, entre Salvador e Alagoinhas , foi concluído em 1863. Conforme nos relata Zorzox, ao final da Monarquia existiam uma extensão de pouco mais de 1.400 de ferrovias construídas. No entanto, o sonho de que as ferrovias pudessem se constituir em vanguardas na alavancagem da acumulação industrial nordestina se desvanecia no decorrer do final do século XIX e início do século XX. O que poderia proporcionar uma otimização da economia regional , ou seja a articulação ferrovias/indústrias, não ocorre. Uma das possibilidades que aventamos é a de que as ferrovias enquanto projeto e implementação, dependiam em grande parte do aporte de uma tecnologia no momento indisponível no país, ou seja, de um parque siderúrgico e metalúrgico que lhe desse suporte, o não ocorreu. Por outro lado, a constituição de um núcleo de trabalhadores assalariados a partir da construção, operação e manutenção das ferrovias não estimula a expansão de um mercado interno que sustentasse uma possível diversificação industrial, como veremos mais abaixo. Outrossim , as ferrovias implantadas atendiam no mais das vezes o papel de “corredores de exportação” de produtos agrícolas, o que lhes conferia um papel semelhantes ao de enclavexi , não contribuindo para uma maior integração e diversificação da economia baiana. Aduz-se a estes o fato de que os traçados ferroviários nem sempre atendiam a decisões de ordem sócio-econômica, mas por vezes correspondiam a medidas de caráter político-clientelista , atendendo a regiões que não possuíam interesses mais condizentes com as demandas econômicas da Bahia. Por fim, a garantia de juros, cláusula pétrea das concessões feitas sobretudo na época monárquica, não estimulava o capital forâneo a maiores investimentos no setor. Os déficit operacionais constantes destas empresas aliados `verdadeira sangria no Erário, provocada pelo pelas garantias de juros anteriormente descritas, levarão ao processo de encampação da maioria das empresas ferroviárias pelo Estado – e seu ulterior arrendamento 7 a particulares - , a partir dos governos republicanos . A estatização do setor ferroviário levará o setor ao seu apogeu e crise , ocorridos entre o pós Segunda Guerra e 1964xii. Quanto aos limites da industrialização baiana neste período vários fatores podem ser aventados. Em primeiro lugar , e aqui nos reportamos basicamente à indústria têxtil, o surto industrial na Província esbarra em uma conjuntura política nacional ditada pelos interesses agrário-exportadores, tanto no período da Monarquia quanto na Primeira República, bem como em limites impostos pela própria divisão internacional do trabalho nas economias capitalistas. Embora a indústria têxtil baiana estivesse colocada como a maior do Brasil em boa parte da segunda metade do século XIX e início deste século, as suas bases eram frágeis. Segundo nos relata Pamponet xiii , as primeiras fábricas de tecidos surgiram na Bahia ainda na década de 30 do sec. XIX , baseadas em capitais oriundos do setor agrárioescravista-mercantil em crise. Para este autor as razões que possibilitaram a instalação desta fábricas foram , além da existência de fontes de energia e matéria-prima a custo baixo, a implantação de uma política tarifária - ainda que oscilante - exercida pela Governo da Província e que estimulava a produção de sacos para mercadorias de exportação bem como tecidos grosseiros destinados às roupas de escravos e trabalhadores livres . Até por volta de 1870, a produção têxtil baiana será a principal do Brasil , abastecendo tanto o Nordeste quanto províncias do Sudeste, sobretudo Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. No entanto a produção têxtil baiana, no período após a Guerra do Paraguai, atravessa um período de crise, pode ser entendido a partir de algumas questões. Em primeiro lugar, a depressão mundial dos anos entre 1872-1896, ao provocar uma queda nos preços internacionais do algodão e a crise da indústria têxtil européia, estimulava a implantação de novas indústrias têxteis em outras partes do Brasil, sobremaneira em São Paulo , alimentada pela atuação do grande capital cafeeiro. Desta forma estas novas condições irão acentuar a concorrência interna no plano nacional, no que se refere ao ramo têxtil, afetando diretamente as indústrias baianas. No que tange ao mercado baiano, a desorganização da lavoura canavieira, a partir da crise escravista e da crise internacional do açúcar irão afetar de forma intensa a circulação e a produção de têxteis. Por um lado , a produção de sacaria para embalar produtos de 8 exportação, sobretudo o açúcar, se vê afetada pela redução expressiva na exportações entre 1860 e 1888. Por outro lado, a produção de tecidos grosseiros para escravos e trabalhadores livres, assiste a uma redução de consumo, uma vez que , no caso dos planteis escravos há substituição das roupas produzidas nas indústrias por aquelas produzidas em teares manuais nos próprios engenhos, embora segundo Barickmanxiv, não tivesse ocorrido uma redução global significativa do número de escravos no Recôncavo em decorrência do tráfico interprovincial . Quanto aos trabalhadores livres, a nossa hipótese é a de que o número e a capacidade de consumo desta fração dos trabalhadores, na região de instalação das indústrias têxteis, não compensava a perda de boa parte do mercado escravo. A estas razões podemos acrescentar a inexistência de uma política mais definida de proteção à produção industrial local. Esta última razão se explica pelos caráter do liberalismo vigente na Província, de vezo essencialmente agrário, o que prejudicava o desenvolvimento industrial. A implantação da República não irá alterar essencialmente este quadro. Tendemos a concordar com Ferreira Filho : “ As quatro primeiras décadas da República, que assistiram à emergência da ordem industrial no Rio de Janeiro e em São Paulo , também testemunharam em Salvador a permanência do poder senhorial de ricos fazendeiros e comerciantes ainda fiéis à produção monocultora ainda voltada para o mercado externo”xv A expansão industrial nos primeiros momentos da República, alavancada pelo Encilhamento (1891), não teve suporte suficiente para um aprofundamento no processo de industrialização baiana. As crises das economias capitalistas em 1895/96 e 1913 geram uma diminuição na exportação de produtos agrícolas brasileiros. Tais crises se refletem nas atividade industriais e comerciais como um todo . Os anos correspondentes à I Guerra Mundial apresentam um quadro complexo. De um lado, o fim da importação de tecidos provoca, em um primeiro momento (1914) uma expansão do mercado para as indústrias têxteis baianas. Por outro lado, a impossibilidade de se importar produtos químicos e combustíveis, essenciais no processo produtivo, contribuem para uma redução da oferta e da taxa média de lucro . A década de 1920 para a indústria baiana irá revelar as debilidades estruturais do setor. Ao se vincular a uma agricultura algodoeira calcada em um processo produtivo arcaico e um sistema de transportes regional deficiente, o setor industrial passa a depender cada vez mais da importação de matérias-primas, o que onera os custos da produção e 9 deprime as taxas de lucro médio , na medida em que se trata de um mercado altamente competitivo e formado por uma fração social de baixo poder aquisitivo. Além disto a obsolescência do maquinário usado na indústria têxtil baiana, originada pelas oscilações econômicas do primeiro lustro dos anos 20, tende a reduzir a produtividade e competitividade do setor, frente ao avanço de indústrias mais modernas , localizadas no Sudeste e no Sul do país. Conclusões A partir da Grande Depressão de 1929 e das transformações ocorridas no caráter de classe do Estado “et pour cause”, da economia brasileiros nos anos 30, a indústria baiana conhecerá uma profunda estagnação, fruto da diacronia entre o seu dinamismo e o da economia do Sudeste. Acreditamos que esta disparidade origina-se seja no que tange a absorção de novas tecnologias, seja naquilo que diz respeito à modernização das relações trabalhistas, seja na própria alteração da composição das classes dominantes a nível nacional, processo este que como vimos, tem sua gênese ainda na primeira metade do século XIX.xvi A criação da SUDENE, em 1959 será uma tentativa de diminuição destas disparidades . Mas estas tentativas dar-se-ão em outro patamar do processo de acumulação, que foge ao escopo do trabalho. Vale dizer, à guisa de conclusão, que a inexistência de linkages entre o processo de desenvolvimento ferroviário e o take off industrial baiano, não pode ser buscado apenas em uma possível conspiração internacional do capital financeiro. Apesar do caráter subordinado e tardio do desenvolvimento do capitalismo brasileiro também, podemos notar e de forma decisiva, o papel histórico desempenhado pelas classes e frações das classes dominantes baianas, que procuraram a preservação no tempo de uma formas arcaicas de reprodução do capital. Para tanto persistiram na manutenção de um pacto de dominação cuja reificação não oferecia grandes riscos, mas, por isto mesmo, não oferecia a possibilidade de ruptura com a dependência estrutural da antiga Província e agora Estado da Bahia. 10 NOTAS i Hobsbawm, 1977: 53. ii Beaud, 1994: 195 a 199. iii Luxemburg, 1983: 366. iv Mello, 1982: 98. v Costa,1966: 173 a 178. vi Saes, 1996: 177. vii Aureliano, 1981: 25 a 29 viii Perissinotto, 1994: 91 a 93. ix Idem, ibdem: 127 a 153 x Zorzo, 2001: 75. xi Cardoso e Falletto, 1970 .139. xii Zuza , 2000 : 112 a 157 xiii Pamponet , 1975 : 75 xiv Barickman , 1998-99: 177 a 201. xv Ferreira Filho , 1994 : 30 xvi Pedrão , 1996 : 317 a 324 BIBLIOGRAFIA AURELIANO, Liana Maria . No limiar da industrialização. São Paulo: Brasiliense, 1981. BARICKMAN, B. J. Até a véspera: o trabalho escravo e a produção do açúcar nos Engenhos do Recôncavo Baiano (1850-1881) . Afro-Ásia, 21-22 (1998-1999) pp. 177-238. BEAUD, Michel. História do Capitalismo – de 1500 aos nossos dias. São Paulo : Brasiliense, 1987. CARDOSO, F. H. & FALLETTO, Enzo. Dependência e Desenvolvimento na América Latina – Ensaios de Interpretação Sociológica. Rio de Janeiro :Zahar 1970. COSTA, Emília Vioti . Da Colônia à Senzala. SãoPaulo: DIFEL, 1966. 11 FERREIRA F.º, Alberto Heráclito. Salvador das Mulheres: condição feminina e cotidiano na Belle Époque imperfeita. Salvador, UFBa: 1994 (dissertação de Mestrado). HOBSBAWM, Eric J. A Era do Capital: 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. LUXEMBURG, Rosa . A acumulação de capital. 3 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. MELLO, João Manuel Cardoso. O capitalismo tardio . São Paulo; Brasiliense, 1982. PAMPONET, J. L. Evolução de uma empresa no contexto da industrialização Brasileira: a Companhia Empório Industrial do Norte: 1891-1973. Salvador: UFBa, 1975 . (Dissertação de Mestrado) PEDRÃO, Fernando. “O Recôncavo baiano na Origem da Indústria de Transformação no Brasil” In SZMRECSÁNYI, Tamás & LAPA, José Roberto do Amaral org. História Econômica da Independência e do Império. SãoPaulo: Hucitec/FAPESP, 1996, pp. 307-324. PERISSINOTTO, Renato M. Classes dominantes e hegemonia na República Velha. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1994 SAES, Flávio Azevedo Marques. “Estradas de Ferro e Diversificação da Atividade Econômica na Expansão Cafeeira em São Paulo, 1870-1900. In SZMRECSÁNYI, Tamás & LAPA, José Roberto do Amaral. op. cit. pp. 177-196. ZORZO, Francisco Antônio. Ferrovia e Rede urbana na Bahia: Doze Cidades Conectadas Pela Ferrovia no Sul do Recôncavo e Sudoeste Baiano. Feira de Santana: UEFS, 2001 ZUZA, José Vieira Camelo F.º . A implantação e consolidação das estradas de ferro no Nordeste Brasileiro. Campinas: IE/UNICAMP, 2000. ( Tese de Doutorado) • Rogerio Fatima dos Santos- Professor de História Econômica do DCHF/UEFS. Especialista em Ciência Política (UFMG). – [email protected] ** Este trabalho é dedicado ao professor Victor Meyer, iniciador do Projeto de Pesquisa “ Auge e Declínio dos Ferroviários na Bahia (1858-1964): o caso de Alagoinhas”, e que não se encontra mais entre nós. Atualmente o referido Projeto é Coordenado ela Profª Dr.ª Elizete da Silva, do CPEX/DCHF/UEFS 12 A MODERNIZAÇÃO DOS TRANSPORTES E O IMPACTO DA IMPLANTAÇÃO DA FERROVIA NA REDE URBANA BAIANA (18601930) Francisco Antônio Zorzo Prof. Adjunto da Universidade Estadual de Feira de Santana Introdução A presente comunicação trata do processo de formação da rede ferroviária na Bahia, no intervalo entre a década de 1860 e a década de 1930. O processo de implantação das ferrovias pode ser encarado como um movimento de modernização tecnológica no campo dos transportes e comunicações, que esteve associado à expansão da rede urbana e ao desenvolvimento regional. O recorte temporal abordado na comunicação tem o limite inicial de 1860, data em que ocorreu a inauguração do trecho ferroviário ligando Salvador a Aratu através da Bahia and S. Francisco Railway, a primeira obra desse tipo em solo baiano, e o limite de 1930, data que corresponde ao final da Primeira República e que, de certo modo, corresponde ao final da fase de implantação da malha ferroviária do país e no estado, data a partir da qual a malha consolidou-se e, salvo um ou outro investimento novo, passou a ter obras de caráter complementar, interligação e/ou prolongamentos. Em 1930, alguns dos principais impactos da implantação da ferrovia já haviam acontecido e daí para a frente emergiu uma outra política pública, a do rodoviarismo, baseado na opção de fazer o transporte terrestre por estradas de rodagem e veículos do tipo automóvel e caminhão. Quanto ao objeto teórico do presente estudo, convém ressaltar sua complexidade. As mútuas imbricações entre o desenvolvimento da rede de cidades e a rede transportes e comunicações são bastante complexas, além de que cada das redes tem inter-relacionamento com outras variáveis próprias ou combinadas. Por dar alguns exemplos disso, basta dizer que as política urbana e dos transportes podem ter dinâmica bastante independente. Já o desenvolvimento produtivo regional tende a englobar em seus efeitos tanto a rede urbana como a rede de transporte. De todo modo, o estabelecimento da empresas ferroviárias na Bahia não supõe um período de transformações radicais na história da Bahia. Não se tratou de um fato que tivesse uma amplitude sócio-econômica tal que alterasse a vibração dos acontecimentos. Seria recair num truísmo ideológico, às vezes repetido na literatura 13 sobre a ferrovia no país, considerar que a ferrovia era um caminho necessário e seguro para o desenvolvimento. Por muitas que fossem suas conseqüências, de nenhuma maneira fez tábua rasa do passado, nem rompeu totalmente com as tradições. Dadas as dimensões das empresas, muito mais conservou em termos institucionais do que destruiu ou aportou em novidades. Para dar um encaminhamento mais compreensível da relação entre a implantação das ferrovias e a expansão da rede urbana, na presente comunicação optou-se por colocar em primeiro lugar, um histórico da construção do conjunto das estradas de ferro na Bahia, depois em segundo, fazer um estudo comparativo da formação de uma rede de cidades sob o agenciamento da ferrovia e, por fim, em terceiro, avaliar os efeitos da modernização dos transportes na articulação da rede urbana, selecionando para tal dois impactos considerados fundamentais, o crescimento das cidades e do comércio. A História da Construção das Principais Ferrovias Baianas Fazendo-se um panorama retrospectivo e tomando-se a data de 1930 como referência, constata-se que naquela altura eram em número reduzido as principais estradas de ferro construídas na Bahia. Por ordem de aparecimento construiram-se as seguintes ferrovias: Estrada de Ferro da Bahia ao S. Francisco, Estrada de Ferro Central da Bahia, Estrada de Ferro de Nazaré, Estrada de Ferro de S. Amaro, Estrada de Ferro de Bahia a Minas, Estrada de Sergipe (junto com o Ramal de Alagoinhas a Timbó) e, por último a Estrada de Ferro de Ilhéus a Conquista. Na Tabela 1, relativa ao ano de 1920 constam dez estradas, porém várias delas foram reagrupadas, como é o caso da estrada que seguia de Salvador a Juazeiro que agregou tanto a Bahia and S. Francisco Railway (Salvador-Alagoinhas) qaunto a Estrada de Ferro de São Francisco(Alagoinhas-Juazeiro). Tabela 1 - Viação Férrea da Bahia entre 1860 e 1920 (em extensão métrica em tráfego) Nome da Estrada 1860 1870 1880 1890 1. E. F. da Bahia ao S. 37.000 123.340 123.340 123.340 1900 123.340 1910 123.340 1920 123.340 Francisco 2. E. F. Central da Bahia - - 45.000 316.600 316.600 316.600 323.225 3. E. F. S. Amaro - - - 35.940 43.940 47.300 88.350 4. E. F. Nazareth* - - 34.000 34.000 99.000 185.650 21.662 5. E. F. do S. Francisco - - 110.581 321.993 452.310 452.310 580.770 6. E. F. Bahia e Minas - - - 142.400 142.400 142.400 142.400 7. E. F. Timbó a Propriá e - - - 82.580 82.580 82.580 142.893 8. R. Timbó 14 9. E. F. Centro Oeste da - - - - 27.780 51.863 51.863 - - - - 32.000 82.840 Bahia 10. E. F. Ilhéus a Conquista - Total (m) 37.000 123.340 312.921 1.056.853 1.287.950 1.434.043 1.757.343 Fonte: Dados retirados do Diario Official da Bahia. Edição do Centenário da Independencia (1923). P. 140. * Nota: O ramal da Estrada de Ferro de S. Miguel a Areia está incluído na E. F. Nazareth. Observando-se a tabela com o nome e a extensão das estradas de ferro, decada por década desde 1860, e analisando-se o seu processo de expansão e localização, algumas coisas que saltam aos olhos devem ser referidas. As quatro primeiras a terem inauguração até os anos 1880, estrada Bahia ao S. Francisco Railway, a E. F. Central da Bahia, a de E. F. de Santo Amaro e a de E. F. de Nazaré, partiam de vilas e cidades do Recôncavo, que concentravam a aplicação de recursos no moderno sistema de transporte e estavam associadas aos interesses políticos que tradicionalmente dominavam a província. Segue-se outra implicação: que na rede urbana da Bahia, as forças que deram a primazia urbana e portuária de Salvador foram perfeitamente reajustadas e mantidas pelo modelo primário-exportador que se revelava pelo sistema ferroviário interligado com a navegação. A extensão construída e em tráfego de 1.757 km alcançada no intervalo de 1860 a 1920 (portanto 60 anos) totaliza uma média estadual de cerca de 30 quilômetros ao ano de construção, uma média muito restrita. Para se ter uma idéia, a E. F. de Nazaré que começou a ser construída em 1871 e alcançou seu ponto final em Jequié muitos anos depois, em 1927, percorrendo os 260 km que separava os extremos em 56 anos, mais de meio século (com uma média individual de 4,6 quilômetros ao ano). A baixa performance da construção da rede ferroviária na Bahia, cujo resultado, em geral, reproduz o que ocorreu em território nacional e nordestino, merece alguns comentários. As primeiras obras ferroviárias foram feitas de modo insuficientemente refletido, com grandes gastos e falta de planejamento. As empresas eram em geral deficitárias e onerosíssimas, deficitárias do ponto de vista de terem despezas maiores que arrecadações e onerosíssimas do ponto de vista dos investimentos e dos gastos financeiros. O negócio ferroviário que contava com a iniciativa privada era garantido pelo governo da nação ou da província e saía muito caro aos cofres públicos. Seria necessário uma avaliação caso a caso para matizar tais comentários, porém o interesse finaceiro altamente especulativo foi um germe sempre presente no ferroviarismo baiano. A especulação se dava por parte de diversos agentes, o concessionário da linha, o empreiteiro da construção, os negociantes de importação de equipamentos, os acionistas e diretores. Apesar disso e contraditoriamente, em relação aos resultados meramente econômicos da implantação das empresas ferroviárias que em geram foram problemáticos, a ferrovia produziu um efeito social significativo e 15 tornou-se importante para as regiões a que serviram. A ferrovia configurou um agenciamento moderno do território, atuando em larga escala, captando os fluxos produtivos e englobando diversas entidades que atuavam no campo dos transportes, do comércio, das comunicações, da economia e da política. Nesse sentido, para finalizar uma vista geral das estradas de ferro do Estado da Bahia, poder-se-ia fornecer uma primeira avaliação do impacto das ferrovias na rede urbana da Bahia, ao conferir a população urbana das dez cidades baianas com mais de 10 mil habitantes em 1940:xvi Salvador com 290.443 habitantes; Ilhéus, 19.751 hab.; Itabuna, 15.712 hab.; Feira de Santana, 14.131 hab.; Nazaré, 13.268 hab; SantoAmaro, 10.929 hab; Juazeiro, 10.831 hab.; Cachoeira, 10.374 hab. Uma conclusão importante: absolutamente todas essas destacadas cidades eram servidas por ferrovias. Formação de Rede Urbana durante a Implantação a Rede Ferroviária Cabe aqui fazer uma avaliação dos efeitos produzidos na rede urbana baiana a partir do processo de expansão das estradas de ferro. Para não perder a objetividade do estudo e não incidir nas generalizações triviais, é conveniente escolher uma das estradas de ferro e acompanhar o desenrolar dos desdobramentos de maneira mais detalhada. O caso da Estrada de Ferro de Nazaré presta-se plenamente aos propósitos em pauta. A estrada que partia de Nazaré, um porto fluvial do Jaguaripe, na borda Sul do Recôncavo, em direção de Jequié, em pleno sertão baiano, foi uma empresa que teve dentre o conjunto de vias baianas um papel de destaque. Ela foi uma empresa de bons resultados econômicos capitaneada em suas iniciativas inaugurais por um grupo de homens da própria região de atendimento e que se erigiu com capitais reunidos na província da Bahia (diferentemente de outras empresas que foram formadas com capital estrangeiro e nacional). Numa primeira fase, até o ano de 1906, ela era uma empresa privada, depois passou ao domínio público quando foi encampada pelo Governo do Estado da Bahia. A EFN cruzou três vales, os dos rios Jaguaripe, Jequiriçá e de Contas, em um percurso cuja construção levou seis décadas. Seu eixo passou por doze cidades que sofreram fortes influências da ferrovia, sendo algumas originadas diretamente de estações férreas. Recapitulando-se o percurso da cosntrução da ferrovia por períodos, entre 1871 e 1892, o traçado da linha férrea de Nazaré foi conduzido pela borda sul do Recôncavo, na direção Leste-Oeste, seguindo o vale do Jaguaripe até vencê-lo e atingir Amargosa em 1892. Depois de atingir Amargosa, o traçado foi dirigido ao Sul e Sudoeste, percorrendo quase todo o vale hidrográfico do Jequiriçá e chegando a Jaguaquara em 1914. Na década de 1920, venceu a Serra do Pelado e chegou ao vale do rio de Contas, entrando em Jequié no ano de 1927. Quando se verifica a relação entre a data de formação de municípios com a cronologia da construção da linha ferroviária, podem ser retirados alguns resultados muito valiosos para as questões aqui tratadas. Primeiro, constata-se que somente duas localidades, Nazaré e Areia, eram autônomas no momento de início de 16 construção, nos anos 1870, enquanto que, no final do período por volta de 1930, a região continha mais dez municípios autônomos, Santo Antônio, São Miguel, Amargosa, Laje, Mutuípe, Jequiriçá, Santa Inês, Itaquara, Jaguaquara, Jequié. Há uma associação evidente entre a formação político-administrativa das localidades e o desenvolvimento da linha ferroviária. Derivado dessa associação, cabe dizer que sete das dez localidades referidas, que correspondiam à maioria das localidades da rede, emanciparam-se somente após a inauguração da estação da ferrovia. Quando se toma o conjunto regional dos doze municípios na altura de 1930, conclui-se que Jequié passava por um crescimento invejável. Considerando-se que a ferrovia inaugurou sua estação de Jequié em 1927, pode-se dizer, sem muita margem de erro, que a chegada da ferrovia oportunizou o crescimento e urbanização de Jequié. No período entre 1920 e 1940, a população passou passou por um crescimento extraordinário de 34.751 a 84.237 habitantes. A ferrovia foi, desde o início da sua construção, um presságio da modernidade para a região, o que atiçava construções territoriais para aqueles que tinham as posses dos meios de produção. O empreendimento ferroviário agenciou a enorme disposição comercial que ocorria em Jequié naquela época. No período de 1870 a 1930, a primeira posição dentro da hierarquia deslocou-se de um extremo ao outro, no conjunto das cidades conectadas pela ferrovia, de Nazaré a Jequié. Se, em 1870, Nazaré era a grande capital regional que polarizava o Sertão de Baixo e implantava a estrada de ferro, em 1930, esta polarização estava deslocada para o outro extremo, Jequié. Tabela 2- Arrecadação da Estrada de Ferro de Nazaré por Estação em 1915 e 1937 (Em contos de Reis e Percentual) Estação 1915 1937 Receita Percentual Receita Percentual (Contos) % (Contos) % 1. Nazaré 277,0 24,9 1.865,4 27,7 2. Onha 1,4 0,1 2,7 0,0 3. Rio Fundo 4,7 0,4 28,8 0,4 4. Taitinga 2,3 0,2 7,1 0,1 5. Santo Antônio 68,6 6,2 155,4 2,3 6. Santana 2,1 0,2 6,6 0,1 7. Vargem Grande 7,8 0,7 26,2 0,4 8. Serra 1,3 0,1 - - 9. São Miguel 26,8 2,4 51,9 0,8 10. Entroncamento - - - - 11. Eng. Pontes 2,0 0,2 4,2 0,1 12. Laje 32,4 2,9 91,9 1,4 13. Mutuípe 40,0 3,6 102,7 1,5 14. Barra 0,2 0,0 - - 15. Jequiriçá 40,6 3,6 76,0 1,1 17 16. Areia 98,1 8,8 109,2 1,6 17. Genipapo 4,0 0,4 12,9 0,2 18. Eng. Franca 3,5 0,3 21,2 0,3 19. José Marcelino 77,8 7,0 359,4 5,3 20. Eng. Átila - - 4,7 0,1 21. Itaquara 34,6 3,1 189,6 2,8 22. Jaguaquara 203,6 18,3 482,6 7,2 23. Casca 2,3 0,2 24,6 0,4 24. Caatingas - 0,8 0,0 25. Santa Rosa - 101,8 1,51 26. Jequié - 27. Corta Mão 7,2 2.289,0 34,0 0,6 7,4 0,1 28. S. Francisco 1,4 0,1 4,4 0,1 29. Amargosa 174,1 15,6 340,7 5,1 Fora da Linha 0,2 0,0 357,0 5,4 Total 1.114,0 100% 6.724,0 100% Fontes: 1. Seabra, J. J. Exposição Apresentada pelo Dr. J. J. Seabra ao Passar a 29 de Março de 1916 o Governo da Bahia ao seu Sucessor o Dr. Antônio Moniz de Aragão. Bahia: Imprensa Oficial do Estado. 1916. P. 59. 2. Borge, Manoel Coelho (Eng.). Relatório dos Serviços da Estrada de Ferro de Nazaré. Nazaré (?): Tipografia da EFN. 1939. 169 p. O desenvolvimento urbano da zona atendida pela empresa ferroviária dependeu da sua composição com os setores agrário e comercial. A relação de forças entre a empresa ferroviária e os comerciantes atuantes na zona mudou acentuadamente entre 1860 e 1930. Do lado do grupo de comerciantes a mudança se refletiu na pauta de exportações. Em 1860, o declínio do açucar já era evidente. Em 1890 o café teve a oportunidade de ser o principal produto de exportação baiano, cultivado especialmente na região da estrada de ferro em estudo, principalmente nas chamadas “Matas de Nazaré”. Foi a época do florescimento de Santo Antônio de Jesus, de Amargosa e Areia. Da década de 1920 em diante, o cacau firmou-se como o maior produto de exportação da Bahia. Produziu-se cacau abundantemente na chamada “Zona do Cacau”, nas proximidades do polo IlhéusItabuna. Jequié, também pertencente à Zona do Cacau, desenvolveu-se muito nesse período. Quer dizer, houve evidente mudanças na dinâmica da comercialização urbana em função do tipo das culturas agrícolas locais, do patamar de produção e da colocação dos produtos nos respectivos mercados. Os comerciantes se deslocaram, na medida do possível, atraídos para estes pontos economicamente privilegiados, proporcionando um empurrão para a concentração da população nos mesmos. Intensa foi a competição entre os comerciantes do mercado regional para deter uma parte do fluxo produtivo. A tabela adjunta indica as captações do tráfego relativas às estações da ferrovia. Observando-se os dados do movimento financeiro de cada estação, em 1915 e 1937, constata-se que as cidades mais arrecadadoras são exatamente as cidades das extremidades. A estação de Nazaré se destacava fortemente na arrecadação como ponto de entrada dos produtos importados pela região de influência da estrada e as estações das extremidades como pontos de coleta de produtos do sertão destinados à exportação. Os dados de 1915 indicam que as 18 extremidades se destacavam na arrecadação, sendo que as estações de Nazaré e Jaguaquara, cada uma delas obtinha, respecivamente, 24,9% e 18,3% do total auferido. Na data de 1915, a rede ainda estava em processo de prolongamento, mas, em 1937, os dados são bem representativos de uma situação definitiva pois neste ano a ferrovia já havia alcançado uma situação de estabilidade uma década depois chegar ao limite em direção ao interior. Segundo os dados de 1937, que permitem avaliar melhor o pulso do empreendimento, verifica-se novamente que as estações das extremidades eram as mais rentosas, sendo que Nazaré e Jequié juntas faziam mais da metade da arrecadação do total das 29 estações. Em 1937, deve-se ressaltar, a estação de Jequié, com 34% do total arrecadado, ultrapassava os 27,7% relativos à estação de Nazaré. Isso vem mostrar definitivamente que a estrada de ferro forçava um efeito comercial e urbanizador de fim-de-linha. Urbanizador no sentido dos efeitos excitados pela comercialização e pelo beneficiamento urbano dos produtos agrícolas regionais que eram movimentados pela ferrovia. Articulação da Rede Urbano-regional sob o Impulso da Ferrovia: Considerações Finais O estabelecimento da empresas ferroviárias na Bahia não supõe, de modo algum, um período de transformações radicais na história da Bahia. Foi, na verdade, fruto de uma modernização conservadora ou, ainda, confinada a um setor limitado das atividades sociais e a determinadas localidades e regiões de atendimento. A rede ferroviária instalou-se sobre a rede urbana virtualmente configurada e proporcionou, em um grau que deve ser avaliado com muito cuidado, um impacto expansivo. Enquanto dispositivos territoriais, as cidades e a ferrovia produziram em conjunto efeitos conjuntos, um puxando o outro. Em princípio, o dispositivo urbano e o ferroviário estavam abertos a conectarem-se entre si, havendo inclusive um efeito de encavalgamento entre os dispositivos. As interrelações entre os dois dispositivos territoriais podem ser pensadas através da noção de conectividade. As cidades sofreram o impacto de uma conexão em fluxo, quer dizer, agenciamento de localização e movimento. Enquanto as cidades foram territorializadas pela ferrovia através das estações férreas, elas foram desterritorializadas pelas linhas de transporte. As cidades e suas estações ferroviárias serviram para a desterritorialização dos fluxos produtivos regionais. Com essas idéias como referência, chega-se a algumas considerações a respeito dos efeitos conjuntos da expansão da ferrovia e da rede urbana. Primeiramente, o estudo permite perceber que as estradas de ferro proporcionaram uma apropriação territorial por um dispositivo polifuncional que veio englobar diversos poderes e atividades. A ferrovia era implementada em conjunto com o telégrafo, ela se ajustava aos movimentos populacionais e à política de imigração, fornecia serviços de oficina mecânida e disponibilizava serviços técnicos para a região em que se instalava, atendia ao comércio de importação e exportação, englobando diversas funções em paralelo com a urbanização que se agitava ao redor de suas estações. 19 Em segundo lugar, no tocante ao desenvolvimento dos municípios atingidos pela rede ferroviária, os efeitos não foram homogêneos, pois promoveram novas formas de desigualdade na distribuição e fixação de recursos. Cada região e cidade, a depender do produto gerado passou por uma dinâmica própria. Para exemplificar, no cenário baiano, entre 1860 e 1930, as ferrovias atenderam empreendimentos muito variados, no caso da Estrada de Ferro de Nazaré e da Estrada de Ferro de Ilhéus à Conquista, ela serviu ao surto emergente do cacau, enquanto que a Estrada de Ferro de Santo Amaro teve uma inserção muito diferente, relacionada à produção do açúcar. Bibliografia Matoso M. Queirós, Katia. Bahia, Século XIX - Una Provincia no Império. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira. 1992. Marx, Murillo. Cidade no Brasil. Terra de Quem? São Paulo: Edusp/Nobel. 1991. Mello e Silva, Sílvio Bandeira, Leão, Sonia de Oliveira & Nentwig Silva, Bárbara-Cristine. O Subsistema Urbano-Regional de Feira de Santana. Recife: SUDENE. 1985. Idem. Urbanização e Metropolização no Estado da Bahia - Evolução e Dinámica. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA. 1989. Poppino, Rollie E. Feira de Santana. Salvador: Ed. Itapuã. 1968. Raffestin. Claude. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ed. Ática. 1993. Santos, Milton. A Rede Urbana do Recôncavo. Comunicação ao IV Colóquio Internacional Luso-Brasileiro. Salvador. 1959. Simões, Lindinalva. As Estradas de Ferro do Recôncavo. Salvador: UFBA. Dissertação de Mestrado. 1970. Topik, Steven. A Presença do Estado na Economia Política do Brasil de 1889 a 1939. Rio de Janeiro: Ed. Record. 1987. Cap. 4 – O Sistema Ferroviário. P. 111-150. Zorzo, Francisco Antônio. Ferrovia e Rede Urbana na Bahia. Feira de Santana: UEFS. 2001. 20 MOVIMENTO SINDICAL BAIANO: DA REPÚBLICA VELHA AOS TEMPOS ATUAIS João Rocha Sobrinho Especialização em Economia do Trabalho e Sindicalismo Departamento de Ciências Humanas e Filosofia Pesquisador do Núcleo de Estudo da Contemporaneidade (NUC) / G-MARX Universidade Estadual de Feira de Santana ANTECEDENTES Esta comunicação foi inspirada a partir do projeto “Auge e Declínio da Ferrovia Baiana 1858-1964: o caso de Alagoinhas” de autoria do brilhante revolucionário e colega Professor e Dr. Victor Meyer (in memoriam). Preocupado em compreender e analisar quais obstáculos contribuíram para inviabilizar que o círculo virtuoso do crescimento capitalista impulsionado pela instalação da ferrovia em São Paulo não se reproduziu aqui, já que foram instaladas na mesma época. A estrada de ferro Salvador/Juazeiro teve sua construção iniciada em 1858, quando ainda vigia relações escravistas de produção, a mão-de-obra utilizada foi predominantemente escrava ou livre? Também visa resgatar a memória do movimento operário ferroviário e sua contribuição para a formação da classe trabalhadora baiana, montando um memorial em Alagoinhas. Durante a segunda metade do século XIX e particularmente no período da Guerra do Paraguai, havia muitas reclamações dos senhores de engenho pela falta de mão-de-obra para tocar a produção. Como foi arregimentada a força de trabalho e se foi oferecida alguma vantagem especial para atrair mão de obra? É importante frisar que tanto no período colonial quanto no imperial os(as) negros(as) e afrodescendentes apesar de todas as suas formas de resistências eram considerados como mera força de trabalho e mercadoria e não tratados como seres humanos. Apesar de construir igrejas e escolas para os seus senhores, não podiam frequentá-las. Mesmo com o advento da Lei Áurea e da Proclamação da República (cujo o “povo assistiu bestializado” segundo o líder republicano Aristides Lobo) além de não ter existido nenhuma legislação de transição de mais trezentos anos de relações escravistas para as relações capitalistas de produção, ou seja, o assalariamento, não houve nenhum 21 processo de alfabetização de adultos em massa, para promover a inserção social dos(as) exescravos(as) e descendentes. Para piorar a situação destes(as) excluídos(as) continuou vigindo a Lei de Terras de 1850, cujo aquisição de um lote deveria ser comprada, não sendo realizada uma reforma agrária que garantisse terra e condições técnicas. Isto fez com que os ex-cativos(as) e descendentes desigualmente concorresse com quem não foi escravizado e pior ainda com os(as) imigrantes, cuja a vinda foi estimulada de diferentes formas tanto pelos cafeicultores quanto pelos próprios governantes. Somente em 1931, de forma populista o governo Vargas decretou a Lei dos 2/3, onde as empresas poderiam contratar no máximo 1/3 de estrangeiros. Na prática, visava muito mais perseguir os militantes e líderes anarcosindicalistas, comunistas e socialistas do que beneficiar excluídos do mercado de trabalho. Entre 1877 e 1896 o mundo capitalista foi abalado em suas bases devido o processo de superprodução, caindo os preços, ampliando as falências, emergindo uma grande recessão econômica. Como o Brasil dependia de suas exportações, a crise também afetou a economia local, forçando o processo de substituição de importações. Isto contribuiu para o alavancamento da industrialização brasileira e também do movimento sindical. Segundo(Fontes.1982), com a abolição da escravidão e da proclamação da República entre 1890 e 1900 intensificou o movimento grevista no Centro-Sul. Entre as principais categorias grevistas em São Paulo destacaram-se: ferroviários, transportes urbanos, doqueiros, químicos, chapeleiros, gráficos, construção civil, têxteis, alimentação, bebidas, metalúrgicos, calçados e carpinteiros. Tratando-se do caso baiano, o autor aponta a carência de fontes e de trabalhos escritos. Durante a República Velha a imprensa raramente observou o movimento grevista como um problema social, mas como desajuste na relação capital/trabalho, obra de minorias agitadoras ou como “caso de polícia”. Ainda segundo Fontes, entre 1888 e 1930 só houve espaço na imprensa quando incomodou a vida econômico-social do Estado. Também afirma que as greves aqui na Bahia acompanhou geralmente o movimento de ascenso e descenso do Centro-Sul. Em 1894, foi criado o Centro Operário Baiano influenciado pelos seabristasxvi tendo um caráter assistencialista e colaboracionista. Após 1910 passou a ter influência dos socialistas. Contudo, tendo a Bahia a sua economia baseada na agricultura tradicional, 22 intermediação comercial e um incipiente setor produtivo tornavam muito difícil seus trabalhadores terem uma visão mais classistaxvi. As categorias com maior poder de pressão eram: ferroviários, marítimos, portuários, doqueiros, transportes urbanos, pedreiros, carpinteiros, fumageiros e os operários das indústrias têxteis, todos os segmentos, com fraca formação política. MOVIMENTO SINDICAL NA PRIMEIRA REPÚBLICA Conforme (Pinheiro. 1975: p 10), a historiografia nacional ou negou a existência social do operariado ou porque tentou apreciá-lo isoladamente como se fosse “uma excrescência curiosa”. Somente após meados da década de 1970 tratou-se mais sistematicamente de elaborar uma revisão historiográfica entendendo não ser possível compreender a história global do país, sem o conveniente estudo da classe operária. Sobre a Bahia a dissertação de mestrado de José Raimundo Fontes “Manifestações Operárias na Bahia, o Movimento Grevista 1888-1930” e a sua tese de doutoramento “A Bahia de Todos os Trabalhadores: classe operária, sindicato e política (1930-1947)” é leitura obrigatória para quem quer aprofundar sobre o movimento sindical baiano. Em 1881, os trabalhadores da Cia Transportes Marítimos alvarengas e Cocheiros paralisaram as atividades por melhores condições de trabalho e por melhores salários. A greve só terminou com a prisão de todos os líderes. Entre 1889 e 1896 ocorreram 21 greves em Salvador e 10 no interior. Entre 1888 e 1930 ocorreram 117 greves. Com a abolição da escravatura e transformação da força de trabalho em mercadoria, impulsionou o assalariamento, maiores conflitos de classes, maior consciência política e uma lenta caminhada da condição de classe em si para a de classe para sixvi. Devido a exiguidade de espaço e tempo urge priorizar discutir as greves dos ferroviários e a greve geral de 1919, por politicamente as mais importantes. Em 1891, entre 19 e 25 de julho aconteceram a paralisação dos ferroviários em Cachoeira na Central da Bahia, e em agosto na Bahia/São Francisco interrompendo as vias férreas por melhores salários. Em 1909, três grandes greves entre 14-17 de outubro, 3-17 de novembro e entre 27 de novembro a 17 de dezembro envolvendo como negociadores: ferroviários, patronato, Associação Comercial da Bahia, o advogado Cosme de Farias, o Cônego José Alfredo de 23 Araújo, o governador Araújo Pinho e autoridades federais; novamente em 1927 envolvendo autoridades locais, estaduais e federais para encontrar saídas para a greve dos ferroviários. Tanto nas greves de 1909, quanto na de 1927 os trabalhadores de hoje, teriam muito que aprender no ponto de vista tático-estratégico no processo de condução de uma greve. Os ferroviários, mesmo enfrentando o risco de demissão, prisão e até a morte no confronto com dirigentes patronais e a polícia, implementaram todos os meios para evitar que os patrões colocassem as locomotivas de Salvador em operação, até mesmo levando-as para Alagoinhas algumas horas antes de deflagrarem a greve. Naquele momento havia uma disputa entre a administração privada das ferrovias arrendada aos franceses e ingleses que visavam só lucro em detrimento da função social do transporte. Isto possibilitou que os representantes da Associação Comercial da Bahia apoiassem o movimento paredista. Representando a Igreja, o Cônego José Alfredo Araújo defendendo os interesses dos seus paroquianos, foi personagem destacada durante o processo grevista de 1909. Logo, juntou várias instituições importantes contra o capital estrangeiro, defendendo uma administração pública da ferrovia, viabilizada por Getúlio Vargas. A Greve Geral de 1919 foi a principal na República Velha na Bahia sendo ponto chave na direção à consecução do respeito à organização do proletariado. Em 31 de maio 1919 o Jornal O Imparcial publicou um artigo do sindicato dos pedreiros e carpinteiros e demais categorias conclamando a classe trabalhadora a descobrir os caminhos para libertarse da miséria e do jugo patronal, participando no Sindicato de uma palestra com Agripino Nazareth. No dia 02, após o almoço, os pedreiros e carpinteiros iniciaram a greve com um arrastão pela cidade do Salvador. Em 03 de junho, um boletim defendendo a Greve Geral circula conclamando todos à luta “contra os opressores que escravizam a humanidade”. No final do dia, calculava-se 1200 grevistas. Com os grevistas aglomerados defrontes ao Palácio da Aclamação, o governador Antônio Muniz disse da janela aos trabalhadores “reafirmando o seu apoio decidido à causa do proletariado, sendo aclamado com entusiasmo pelos presentes”. Por traz deste suposto apoio político, tratava-se de um conflito oligárquico que envolviam os seabristas no poder desde 1912, contrários ao grupo da Associação Comercial da Bahia e parte da oligarquia que apoiava Rui Barbosa. Este idílio com o operariado acabaria logo na greve dos trabalhadores têxteis pelo descumprimento do acordo da Greve Geral, quando o 24 governador Antônio Muniz pôs a polícia contra os grevistas para não se desgastar com parcela da classe dominante. Mesmo considerando que a maior liderança da Greve Geral de 1919, Agripino Nazareth, afirmara que a greve ocorrera dentro da lei e da ordem o que “deixa transparecer uma certa colaboração de classe”, contudo, politicamente foi um avanço incomensurável comparado com os movimentos anteriores. Houve uma organização democrática do Comitê Central de Greve que foi sendo ampliado à medida que novas categorias aderiam ao movimento. Foi garantido o coletivismo e solidariedade das categorias mais organizadas, colaborando com as mais fracas, foi elaborada uma pauta abrangente e pela primeira vez reivindicou-se o reconhecimento sindical diante do patronato. Entre 1917 e 1921 uma verdadeira vaga grevista tomou conta do Brasil. O impacto da Iª Grande Guerra Mundial causou problemas diferenciados nos Estados brasileiros. A Bahia por exemplo, que exportava muito fumo e cacau para a Alemanha foi muito prejudicada. Se por um lado a crise econômica mundial provocou aumento do desemprego, da miséria, fome e saques os processos revolucionários na Rússia, Alemanha, Hungria e na Itália contribuiu politicamente para alavancar o movimento operário mundialmente. Em julho de 1919 realizou-se o Congresso Operário Baiano. Conforme(Fontes.1987: p.35-37), analisa formação do as quatro tendências principais na sindicalismo baiano: socialismo reformista durante a década de 1870; socialismo transformador entre 1901-1908; trabalhismo colaboracionista que impulsionou a formação do Centro Operário e do Partido operário na década de 1890; os anarcosindicalistas em 1920 e os comunistas em 1925. A partir de 1921 inicia uma recuperação da economia e ao mesmo tempo instala-se uma grande repressão aos movimentos sociais, quando praticamente foi instituído o Estado de Sítio entre 1922 e 1927 no Brasil. A derrota do movimento espartaquista na Alemanha, da comuna húngara e do isolamento russo deixa o movimento operário internacional na defensiva. Em janeiro de 1921 vários líderes sindicais são presos, inclusive Agripino Nazareth que fora deportado em 1918 como anarquista por protestar contra o governo, do Rio de Janeiro para a Bahia, agora é deportado novamente para o Rio de Janeiro. Em 1927, a greve dos Ferroviários contra as péssimas condições de trabalho, baixos salários e não aplicação do novo quadro de salários prometido e aprovado pelo ministro da 25 viação para 01 de maio de 1927 e não foi cumprido pela direção da empresa. Foi iniciada em 09 de maio em Aracaju, ampliada no dia seguinte para Salvador e para as cidades do interior baiano parando totalmente em 11 de maio. Depois de negociado um acordo, parte dos trabalhadores se negaram retornar ao trabalho porque uma reivindicação chave a demissão do superintendente Edmond Oliveira que não aplicara o reajuste e ainda não repassara os recursos descontados nos salários dos ferroviários para a caixa previdenciária. Em 17 de maio a Central da Bahia mandou fechar os portões da Ponte D. Pedro II em Cachoeira, a fim de evitar contatos dos grevistas com a população. Esta arrombou-o, ocorrendo um acidente fatal e os grevistas culparam a direção da empresa. Neste mesmo dia, a direção do Centro Automobilístico chamou uma reunião conjunta com os líderes dos ferroviários propondo uma greve geral em solidariedade, não aceita pelos últimos. Neste aspecto, pode-se observar que a luta além de restringir-se aos interesses corporativos, não havia uma visão política ampla para perceber que se houvesse uma greve geral em solidariedade poderia ter sido um xeque-mate na intransigência patronal. Neste momento e ou naquela reunião faltou alguém com o perfil de um Agripino Nazareth para sensibilizar as lideranças ferroviárias que uma vitória o quanto antes beneficiaria não só a categoria, mas toda a sociedade baiana. Em 23 de maio de 1927, circula em A Tarde uma nota dos ferroviários demonstrando ter tido o apoio de toda a sociedade desde o início da greve contra a prepotência do superintendente que vem causando prejuízo aos trabalhadores e à União,” quem deveria sair, ele ou os 6000 ferroviários”? Contudo, a direção da empresa atendendo todas as reivindicações e deixando esta para que o próprio superintendente resolvesse pessoalmente sair ou não somente os ferroviários de Aracaju tentaram resistir, mas sem possibilidades concretas. O brilhante trabalho de J. R. Fontes mesmo diante de tanta carência de fontes conseguiu arrolar as 115 greves na medida do possível distribuindo-as como resultado: 20 foram vitoriosas; 22 parcialmente vitoriosas; 06 apenas promessas; 6 derrotas e 51 não averiguadas. Quanto ao caráter do movimento grevista da Primeira República ele classificou em quatro blocos: sendo 76 greves por questões salariais; 18 contra más condições de trabalho; 10 por solidariedade e 01 política. Ainda tentou agrupar do ponto de vista macro em 94 greves por questões econômicas e 11 políticas salientando que qualquer 26 greve mesmo que tenha um caráter eminentemente economicista, no desenrolar do conflito trabalho/capital não deixa de ter algum ganho ou aspecto político. O incipiente desenvolvimento industrial baiano era fruto da fraqueza da burguesia local, cujo Estado foi dominado por grupos oligárquicos tradicionais com interesses conflitantes mas que agiam de forma intransigente e repressiva às vezes tolerante pontualmente em face das ações do operariado desde que lhes beneficiassem em alguma coisa. Quanto aos trabalhadores, para além da carência educacional da grande maioria, também pesou a fraqueza político-ideológica, teórica e prática das lideranças operárias na Bahia, dificultando tratar as necessidades históricas, ficando mais presos nas questões imediatas e ou economicistas e não agindo no sentido de acumular forças para superar o modo de produção capitalista. SISTEMA CORPORATIVISTA DE VARGAS O governo Vargas conseguiu montar um pacto que englobava desde os trabalhadores à oligarquia rural dominante, visando beneficiar a burguesia industrial nascente. Entre 1889 e 1930 as questões sociais e trabalhistas foram tratadas como caso de polícia. Já no primeiro governo, Getúlio Vargas (1930/1945), ele na medida do possível espelhou-se no que havia feito Bismarck, juntando as poucas leis sociais esparsas e foi montando a primeira legislação trabalhista e social brasileira entre 1930/1943. Contudo, esta legislação foi extremamente nefasta à autonomia e liberdade sindical dos trabalhadores, destruindo os sindicatos autônomos e fortalecendo os sindicatos oficiais, como órgãos assistencialistas e colaboradores de classe. Em primeiro lugar, visando beneficiar a oligarquia agro-exportadora, o governo excluiu desta legislação todos os trabalhadores rurais. Assim por volta de 70% da população brasileira que morava no campo, deixou de usufruir as novas leis. Em segundo lugar, só usufruiria daquela legislação, os trabalhadores filiados aos sindicatos submissos e reconhecidos pelo Governo. Dessa forma, o governo conseguiu depois de algum tempo enfrentando muita resistência, mas com forte repressão destruir o anarco - sindicalismo. As principais leis tais como: jornada de 8 horas, férias, criação da justiça trabalhista, administração tripartite das caixas de pensão e aposentadorias, carteira de trabalho, estatuto padrão para formação do sindicato oficial impondo a estrutura sindical 27 verticalizadaxvi e salário mínimo só foram implementadas, de fato, onde os trabalhadores estiveram mais fortemente organizados, caso contrário, elas não saíram do papel. Ainda hoje, existe uma polêmica se a lei do salário mínimo foi mais benéfica aos empresários ou aos trabalhadores. Pois, a maioria das categorias que não tiveram organização sindical forte, o patronato sequer tomou conhecimento dela. E aqueles mais organizados encontravam fortes resistências dos patrões, que afirmavam que já cumpriam a lei salarial do governo. Diante da campanha dos anarco-sindicalistas para que os trabalhadores não se filiassem aos sindicatos pelegosxvi, o governo criou o Imposto Sindical, obrigando todos os trabalhadores assalariados do país à contribuírem com um dia de trabalho no mês de abril de cada ano. Deste valor, 60% ficava para o sindicato; 20% para o Ministério do Trabalho; 15% para as federações e 5% para as confederações. Além disso, era terminantemente proibido qualquer tipo de organização horizontal entre as diversas categorias de trabalhadores e até mesmo as patronais, devido a verticalizaçào. Logo, isto dificultou uma melhor organização da classe trabalhadora, facilitou a formação de um sindicalismo cupulista e com pouco enraizamento nos locais de trabalho. No período entre 1945 à 1964, pode–se dizer que houve um pequeno lapso de democracia no Brasil. Findada a Segunda Guerra Mundial e iniciado o processo de redemocratização em todo o mundo, no Brasil não poderia ser diferente, Getúlio Vargas foi deposto da presidência. O General Eurico Gaspar Dutra foi eleito presidente democraticamente. O líder comunista Luís Carlos Prestes foi eleito senador da República e várias outras lideranças do campo de esquerda eleitas em cargos proporcionais. Porém com o início da guerra fria, em 1947, sem nenhum motivo interno, o governo Dutra orientou a cassação de todos os parlamentares esquerdistas, pôs o Partido Comunista na ilegalidade e reprimiu duramente todas as atividades sindicais. Getúlio Vargas se candidatou à sucessão de Dutra e foi votado massivamente. Com suas propostas de construção de um capitalismo nacional, independente dos países imperialistas, atraiu os comunistas para apoiar seu governo. Contudo, já não conseguia montar um pacto que lhe desse a governabilidade de 1930. Diante desta grande dificuldade, acusações diversas de corrupção no governo, fortes pressões externas, quanto 28 ao seu modelo econômico, Vargas acabou suicidando-se em 22/08/54 afirmando não ter podido resistir às ‘poderosas forças ocultas’, conforme sua carta testamento. Cientistas sociais conservadores que concordavam com a política populista do governo contribuíram para disseminar a idéia de que Getulio Vargas foi “o pai dos pobres”, porém os progressistas foram confirmando que na prática ele conseguiu ser muito mais “a mãe dos ricos”. Com uma legislação que excluiu todos os trabalhadores rurais e informais além dos desempregados das novas conquistas sociais, beneficiando apenas aqueles que estavam incluídos no mercado formal de trabalho com Carteira assinada o que beneficiou as oligarquias rurais dispensando-as de cumprir a legislação trabalhista e ajudando duplamente a burguesia industrial nascente, não só garantindo-lhe todos os recursos financeiros com polpudos subsídios, mas ainda impôs uma estrutura sindical oficial cerceando inteiramente a autonomia e liberdade do movimento sindical dos trabalhadores. Para conseguir derrotar os líderes sindicais mais politizados de formação anarquista, socialista e comunista, o governo não só condicionou que as categorias de trabalhadores somente usufruiria da legislação trabalhista e previdenciária se estivessem filiadas aos sindicatos reconhecidos legalmente pelo Ministério do Trabalho, como também perseguiu de várias formas, prendeu, torturou, assassinou e expulsou muitos líderes deles do País. O governo Vargas impôs uma democracia relativa, pois quem não estava incluído no mercado formal de trabalho, ou seja, não fazia parte “da cidadania regulada”6 na prática eram considerados como pré-cidadãos, pois não poderiam usufruir da legislação trabalhista, previdenciária e a Justiça do Trabalho. Estes excluídos foram se organizando muito lentamente, acumulando forças, mesmo lutando contra forte repressão. Cerca de 30 anos depois, estava enfrentando o governo, reivindicando a extensão da legislação trabalhista e da seguridade social ao campo. As ligas camponesas no nordeste representaram o maior enfrentamento no campo lutando pela questão da terra, enquanto os trabalhadores urbanos lutavam pelas reformas de base. A classe dominante em vez de atendê-las, preferiu o rompimento da democracia relativa arquitetando o golpe militar. 29 O governo militar, a partir de 1964, cerceou drasticamente a construção da cidadania no Brasil de diversas formas: com a prisão dos principais ativistas e lideranças estudantis, sindicais, políticas e populares e a retirada deles dos grandes centros urbanos; censurando a liberdade de imprensa e de expressão; implementando a educação tecnicista norte-americana eliminando nos cursos médios todas as disciplinas que estimulassem o pensamento sócio-político-filosófico. A partir de 1968, aprovou num congresso submisso, um regime de exceção dando plenos poderes aos ditadores de plantão, cassando vários parlamentares de esquerda que protestaram abertamente. AUGE E DESCENSO DO NOVO SINDICALISMO. A luta pela recuperação das perdas salariais em função do perverso imposto inflacionário e da política governamental de arrocho salarial que penalizava os trabalhadores, a luta contra as perseguições políticas e o cerceamento da liberdade de expressão e de reunião, que facilitava a malversação dos recursos públicos sem nenhuma denúncia, canalizava todos os esforços para o processo de redemocratização do país. O trabalho de conscientização dos trabalhadores pelos sindicalistas de oposição e partidos políticos de esquerda (na ilegalidade) pela urgente necessidade duma Assembléia Nacional Constituinte, livre e soberana e eleições diretas em todos os níveis– municipal, estadual, federal e para a presidência da República–começou a ganhar espaço no cotidiano dos brasileiros. A prova disto, foi a fragorosa derrota do governo nas eleições proporcionais de 1974. A equipe econômica do governo, além de praticar um tremendo arrocho salarial, camuflava os verdadeiros índices inflacionários, tentando mostrar índices menores para prestar contas ao FMI, penalizando mais ainda os trabalhadores, com reajustes salariais inferiores à inflação real. Em 31-07-1977, o Jornal Folha de São Paulo publicou a matéria com o título “para o BIRD não é válido o índice de inflação de 1973”, afirmando que o “governo brasileiro divulgou índices de inflação em 1973 e 1974 que não foram verdadeiros segundo o Banco Mundial”, o governo divulgou 11,9% quando na realidade foi de 22,6% (CHAIA. 1992: p). O índice calculado pelo Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio Econômicas – DIEESE (órgão sustentado pelos sindicatos dos trabalhadores fundado em 1955) foi 22.68% enquanto a Fundação Instituto de Pesquisas 30 (FIPE) da Universidade de São Paulo ficou em 13,96% acompanhado de perto o índice da Fundação Getúlio Vargas 13,7%. Neste momento abre espaço e notoriedade na imprensa brasileira e internacional para o DIEESE e seu diretor técnico, Walter Barelli, quando afirmava que o reajuste necessário teria que ser 33,5% e não os 18,7% que anunciara o governo para repor as perdas salariais de 1974. Também defendia a livre-negociação e o fim da intervenção estatal nas relações capital/trabalho.Os índices fraudados pelo governo em 73/74, acumularam perdas para a classe trabalhadora em torno de 33,4%. A luta dos trabalhadores contra as fraudes e a intervenção estatal beneficiando o patronato; por uma melhor distribuição de renda; por eleições gerais e uma Assembléia Nacional Constituinte livre e soberana, fortaleceu o sindicalismo. Os trabalhadores tentaram de diversas formas organizar instâncias horizontais de representação, visando maior agilidade em todo o Brasil. ENTOES (Encontro Nacional de Trabalhadores em Oposição a Estrutura Sindical e Oficial), ANAMPOS (Articulação Nacional do Movimento Sindical e Popular em 1980), CONCLAT (1ª. Conferência Nacional da Classe Trabalhadora em 1981, I Congresso Nacional da Classe Trabalhadora – CONCLAT – em 1983. Ocorreram dois CONCLATs, um em São Bernardo do Campo que criou a CUT – Central Única dos Trabalhadores – e outro em Praia Grande que criou a coordenação nacional da classe trabalhadora – CONCLAT – que mais tarde deu origem a C.G.T. Com o advento do chamado Novo Sindicalismo7, que inicia em 1977, o sindicalismo cupulista e burocrático vai perdendo espaço para o de massa priorizando a organização por local de trabalho. Naturalmente que numa conjuntura que propiciava crescimento econômico em torno de 10% ao ano, durante o denominado milagre econômico brasileiro, conjugado com um brutal arrocho salarial e dez anos de repressão ao movimento operário e popular, a pressão estava prestes a explodir e as oposições sindicais mobilizaram os trabalhadores para recuperarem as perdas salariais de 1973-74 fraudadas pelo governo. Se os dados da O.N.U. em 1997, sobre o tempo de escolaridade média do brasileiro, não passava de 3,4 anos, naturalmente que no final dos 70 e anos 80, a situação era muito pior. Esta precariedade educacional do trabalhador somada à repressão política 31 limitou que ele tivesse uma visão mais ampla das suas necessidades, e estivesse suficientemente esclarecido para lutar por elas. Os trabalhadores foram descobrindo, que organizar e realizar grandes greves, visando recuperar poder aquisitivo, era insuficiente já que o governo decretava pacotes econômicos, que acabavam neutralizando grande parte das conquistas alcançadas. Não restava outra saída, lutar contra aquele governo, que sempre fazia política macroeconômica beneficiando o capital em detrimento dos seus interesses. Esta compreensão, facilitou a luta pelo processo de redemocratização do País. Enquanto o sindicalismo passava por uma grande crise na Europa central na década de 80, no Brasil alcançava o seu apogeu, realizando grandes mobilizações, centenas de greves em prol de melhores condições de trabalho e de cidadania, também visando derrubar a ditadura e restabelecer as plenas liberdade democráticas. Apesar deste avanço organizativo do sindicalismo brasileiro, a luta pela redemocratização, a construção das centrais sindicais, e a construção de um partido político dos trabalhadores, não conseguiram recuperar a participação tripartite no Ministério do Trabalho, que deveria ser o órgão fiscalizador no cumprimento da Legislação Trabalhista e das convenções e ou acordos coletivos de trabalho e muito pouco se fez, para romper os interesses corporativos das respectivas categorias e lutar por interesses mais gerais da sociedade. Em 1985, foi feita uma pesquisa de opinião, sobre as instituições que o povo brasileiro mais confiava, ficando a Igreja Católica em primeiro lugar, o Sindicato em segundo e muito distante, outras entidades. A enorme representatividade da Igreja Católica e do Sindicato impulsionou a classe dominante veicular em toda a mídia, durante muito tempo, uma campanha de desqualificação contra os padres progressistas alegando que estavam ligados às práticas comunistas e subversivas e contra o sindicalismo que fazia a greve pela greve, com caráter político, dando prejuízos à nação. Depois de intenso bombardeio propagandístico contra as práticas da CUT, a maioria do povo acabou introjetando o discurso da classe dominante de que as greves além de dar prejuízo à pátria, ainda levava ao desespero milhares de famílias, por terem seus “chefes” demitidos. Já outra pesquisa realizada dez anos depois, em 1995, a representatividade do sindicalismo caiu de segundo para quinto lugar. 32 A herança do sindicato corporativo, onde apenas durante um mês do ano podia fazer uma campanha salarial e poderia mobilizar os trabalhadores por melhores salários, sendo terminantemente proibida tentar unir interesses duma categoria em campanha com outra, dificultou que as lideranças dos trabalhadores tivessem uma visão classista lutando em prol dos interesses coletivos e não apenas das suas respectivas categorias . Apesar de todo o avanço político, organizativo e mobilizante que os líderes sindicais impuseram na década de 80, não conseguiram superar totalmente o corporativismo intrínseco ao sindicato oficial. Com isto, os dirigentes sindicais das categorias mais fortes organizadas não perceberam a importância de algumas reivindicações mais universalizantes particularmente quanto ao setor de saúde e de educação para toda a sociedade acabando encontrando apenas saídas corporativas, conquistando plano de saúde privado e auxilio educação apenas para as suas categorias. Como havia uma carência enorme no sistema de seguridade social, estes dirigentes reivindicaram e conquistaram dos patrões assistência médico-odontológica e auxílio à educação para as categorias e seus respectivos familiares. Para o patronato, o que ele economizou com o absenteísmo e controle de faltas ao trabalho, facilitou absorver o gasto, ou melhor, o investimento na saúde dos trabalhadores repassando seus custos para os preços. Os demais que morressem nas filas... Com a crise dos anos 90, desemprego estrutural crescente, menor arrecadação da previdência, com o governo dizendo não ter recursos necessários para sustentar a seguridade social garantida constitucionalmente, os trabalhadores estão sendo os mais prejudicados. Pois quem pode “comprar” tem saúde e quem não pode, morre nas filas e ou salas de espera dos hospitais e quanto à educação a saída foi a maquiada aceleração para os filhos dos pobres, ensino privado para os dos ricos. Com todo o poder de barganha do movimento sindical acumulado até o final dos anos 80, ele não conseguiu fugir muito do economicismo8, talvez pela corrosividade do poder aquisitivo dos salários pelo imposto inflacionário e os subseqüentes “pacotes econômicos” do governo, arrochando os salários, além da repressão política. Se durante a ditadura militar cassava-se uma diretoria ou os principais diretores, durante a Nova República do governo José Sarney, não mais intervia diretamente nos sindicatos, mas os 33 empresários demitiam os principais grevistas e até mesmo vários dirigentes sindicais, contrariando a Constituição, como arma para acabar com as greves. Do ponto de vista político, inegavelmente houve um avanço organizativo considerável se comparado com sindicalismo cupulista praticado durante o populismo. Contudo, o movimento sindical não foi capaz de investir o necessário na formação política de quadros e em trabalhadores de base enquanto a economia esteve crescendo, com a sua desaceleração e inclusive forte redução na recessão 90/92, caindo o nível de emprego, a índices inferiores a 1979, enfraqueceu a luta coletiva e cada categoria, partiu isoladamente, para o salve-se quem puder. Internacionalmente o esgotamento do Padrão de Desenvolvimento Norteamericano, ou do Fordismo forçando a queda nas taxas de produtividade e dos investimentos, acirraram a concorrência inter-capitalista, jogando a economia internacional numa grande recessão. Tanto M. Teatcher na Inglaterra, quanto R. Reagan nos E.U.A., implementaram as políticas neoliberais, cortando “gastos” sociais, desregulamentando e precarizando as relações de trabalho e defendendo o Estado Mínimo, delegando ao “deus mercado” resolver todos os problemas da sociedade. Também na Europa continental, a social-democracia viu-se derrotada em vários países não pela esquerda, mas pelos conservadores. Com o desmoronamento da U.R.S.S., e o fim do temor da guerra fria, as políticas liberais que endeusavam o livre-mercado, que ficaram soterradas sob os escombros da 2ª Guerra mundial, se viram hegemonizando no mundo tal qual um vendaval, produzindo sérios danos sociais à classe trabalhadora, principalmente a da América-Latina, do Reino Unido e dos EUA. No caso brasileiro, que apesar de ter alcançado o 8º. PIB mundial na década de 70, nunca chegou implementar o padrão fordista, mantendo um certo Estado de Bem-estar Social, para uma restrita parcela da população, chegou ao final dos anos 80 com uma enorme dívida social e por isto nas eleições presidenciais, com uma enorme polarização esquerda/direita. Com toda a força do poder econômico, uso da máquina governamental e da mídia em prol da candidatura Collor de Mello, o candidato de esquerda, o operário Luís Inácio Lula da Silva foi derrotado com menos de 1% dos votos no 2º turno das eleições presidenciais. 34 As grandes empresas pressionaram muito o governo Collor, para não só liberar seus capitais confiscados, mas também restabelecer integral ou parcialmente algumas alíquotas. Quando avaliaram, que o presidente Collor, não cederia as pressões, algumas empresas de São Paulo liberaram seus trabalhadores no horário de trabalho, para manifestarem pelo impeachment até derrubá-lo. Porém, a propaganda da mídia burguesa enfatizou este fato muito mais como uma conquista dos “caras pintadas”. O presidente Fernando Henrique Cardoso descumpriu o acordo que Itamar Franco fizera com os petroleiros9, e estes foram à greve e o governo federal usou todo o poder da mídia para jogar a população contra eles, as forças armadas, tanques de guerras, e demissões de dirigentes sindicais para derrotar a greve e os Movimentos Sociais, tal qual M. Thatcher derrotou os mineiros britânicos para implementar as políticas neoliberais. 10 Durante a década de 1990, o processo de modernização conservadora , foi implementado no Brasil em geral, e em particular no pólo petroquímico de Camaçari na Bahia. Produzindo 55% dos petroquímicos básicos no Brasil, tinha nos anos 80 cerca de 18.000 empregos diretos. Com novas formas de gestão, informatização e um pouco de automação; fusões de empresas e uma terceirização selvagem, sem negociar nada com o movimentosindical, reduziu-se apenas a 6.000 trabalhadores diretos. Cerca de 6.000 pais de família perderam seus postos de trabalho, que foram eliminados para sempre. Cerca de 6.000 postos foram terceirizados em condições precárias. Aumentou-se muito a produtividade, intensificou o ritmo de trabalho e, ao contrário de aumentar, diminuíram os salários reais. Com este quadro produzido pela globalização da economia, reestruturação produtiva e pelas políticas neoliberais, uma nova agenda se impôs ao sindicalismo brasileiro. Contudo, sem este se livrar da herança corporativa da era Vargas e lutar pelas questões gerais da classe trabalhadora brasileira como o direito ao emprego, não só dos empregados, mas principalmente dos desempregados e dos marginalizados, que apesar de poderem votar, não podem usufruir de nenhuma cidadania. Pois, para combater a exclusão social urge conscientizar os(as) trabalhadores(as) à lutarem por políticas públicas que garantam um processo de maior inserção/reinserção social. O Brasil alcançou o 8º. PIB mundial nos anos 70 e 80, mas não implementou o padrão fordista e nem o Welfare State para a maioria de seu povo. Num momento de crise econômica, desemprego massivo, cerca de 35 milhões de pessoas à beira da fome, da marginalidade, e o sistema de seguridade social, não as socorre, segundo o governo por falta de recursos. Paradoxalmente, o presidente FHC, liberou 20 bilhões de reais para salvar bancos falidos por má administração. Enquanto deixou dezenas de brasileiros morrerem nas filas dos hospitais , por não existirem recursos suficientes para a saúde. 35 Recentemente o movimento operário e os popular e partidos progressistas parecem ter começado a romper o estado de sonambulismo iniciado com a queda do muro de Berlim e a decomposição da URSS e timidamente estão iniciando a elaboração de um novo projeto tático-estratégico, que deve ser ampliado para toda a sociedade. Qual o tipo de Estado e ou relações sociais almeja a construir? CONCLUSÃO Talvez, uma proposta aprovada no 1º Congresso Unificado dos Trabalhadores do Ramo Químico e Petroleiro da Bahia pode ser uma alternativa: “Hoje, com o crescimento hegemônico do neoliberalismo, não devemos flexibilizar nossos princípios e valores socialistas, mas defendê-los com coragem, conscientizando as massas marginalizadas vítimas da mais nova fase do capitalismo, que está eliminando nossos direitos sociais tão imprescindíveis à cidadania. Acreditamos que retomar as saídas Gramscianas poderá ser um bom caminho para mobilizar a militância, desenvolvermos idéias visando começar a elaborar um projeto tático-estratégico sobre o tipo de Estado que queremos para a sociedade brasileira à curto e a longo prazo, o tipo de socialismo que estamos sonhando e quais os nossos passos para chegarmos até ele11. Ao nível internacional, nacional e local, observa-se novas formas de articulação e movimentos sociais que estão se organizando contra as políticas nefastas do neoliberalismo, a exemplo do I e II Forum Social Mundial realizados em Porto alegre e também o III que ocorrerá em 2003, além dos contra os órgãos internacionais que impõem as políticas do livre mercado ampliando a concentração de renda e mais ainda a miséria social. 36 “ECOS DA RESISTÊNCIA”: O MOVIMENTO DOS FERROVIÁRIOS DE ALAGOINHAS EM 1909. SOUZA, Robério Santos SILVA, Elizete da “Alagoinhas mais uma vez se constituía numa verdadeira fortaleza do movimento. Era o centro mais mobilizado e organizado[...]” (FONTES, 1982, p. 135) INTRODUÇÃO A presente comunicação, está inserida no conjunto de reflexões preliminares do Projeto de Pesquisa: Auge e Declínio dos Ferroviários na Bahia: o caso de Alagoinhas(1858-1964), de autoria do saudoso professor Victor Augusto Meyer(in memoriam), do Departamento de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Estadual de Feira de Santana. O estudo em questão, compõe a linha de pesquisa da História Social do Trabalho, campo de investigação bastante profícuo. Os estudos no campo da História Social do Trabalho na Bahia, principalmente enfocando os movimentos coletivos dos operários, são ainda bastantes incipientes, sobretudo, quando nos deparamos com amplo leque de pesquisas centradas no eixo de São Paulo e Rio de Janeiro. A despeito desta afirmativa, Cláudio Batalha(2000,156) ao tentar propor uma discussão acerca da produção históriográfica sobre a classe operária no contexto brasileiro, afirma que mesmo assim, é possível perceber algumas mudanças na trajetória desta 37 produção no Brasil, e que estas vicissitudes apontam para perspectivas e tendências menos polarizadas nas regiões do sudeste, quando comenta que: A produção dos últimos tem demonstrado que o repensar do tratamento da história operária passa por uma série de caminhos e por novas preocupações. Um deles é o aprofundamento dos estudos regionais, fugindo do paradigmas de São Paulo e do Rio de Janeiro, como propôs Sílvia Pertesen(1994). Outro seria da continuidade aos estudos por setor de produção e por categorias de trabalhadores, como vem ocorrendo em uma série de dissertações e teses recentes(SILVA, 1995). Conforme ainda destaca Batalha, na atualidade novos desafios são impostos às tendências da produção historiográfica da classe operária, dentre eles a necessidade tanto novas fontes quanto de ampliação de novas perspectivas e interpretações de fontes já cristalizadas(como por exemplo jornais). Desta maneira, o historiador marxista Eric Hobsbawm(1987, 26-7), corroborando com Batalha, salienta, no que se refere as transformações de percepção em relação a história operária, que [...] Como todos os ramos da história, a história operária ampliou enormemente tanto seu campo de ação quanto seu método, em parte através de uma extensão de seu âmbito, a partir de uma história mais restrita de ordem política, ideológica, ou mesmo econômica, para uma história social em seu sentido mais amplo; em parte através da consequente necessidade de explorar fontes inteiramente novas por meios de técnicas apropriadas e em geral através do contato com as ciências sociais das quais se apropriou livremente. [...] Neste sentido, a presente comunicação, compondo um estudo mais amplo sobre os trabalhadores das ferrovias na Bahia, tem como pretensão precípua abordar alguns fatores 38 econômicos e sociais, que impulsionaram a gênese do movimento grevista dos ferroviários em Alagoinhas, no período de 1909 atentando-se, sobretudo, para os possíveis desdobramentos do evento em questão, partindo das informações do Jornal local O Município e de bibliografia especializada. Para tanto, serão consideradas do ponto de vista teórico para a compreensão do estudo, as concepções do historiador inglês E. P. Thompson, quanto às categorias analíticas de classe social, consciência de classe e experiência. RESISTÊNCIA E LUTA: O MOVIMENTO DOS FERROVIÁRIOS DE 1909 As estradas de ferro foram implantadas em Alagoinhas por volta de 1863. A partir deste momento aquela cidade passaria, gradativamente, a ser reconhecida como ferroviária, agregando muitos trabalhadores ferroviários de vários âmbitos do Brasil e de países da Europa. Os ferroviários foram representantes de um dos setores mais expressivos da classe operária brasileira. Protagonista de várias agitações no cenário baiano, o movimento dos ferroviários do final da primeira década do século XX é considerado por estudiosos do tema como marco do movimento operário na Bahia. Em um dos pioneiros trabalhos sobre as greves baianas, o historiador José Raimundo Fontes(1982, 109), afirma que “a primeira grande mobilização grevista da Bahia foi registrada em fins de 1909 e envolveu os trabalhadores das principais ferrovias, chegando a paralisar, praticamente, o tráfego de trem em todo o Estado”. Prossegue ressaltando o caráter e o alcance do movimento de 1909: O movimento foi deflagrado contra a Companhia Geral da Bahia, que detinha a concessão dos serviços das três mais importantes ferrovias[Bahia São Francisco, Central da Bahia, Ferrovia Nazaré] do Estado, com o objetivo de reivindicar melhores condições de trabalho e aumento de salários. Não obstante, no seu desenvolvimento, a greve ganhou uma perspectiva bem mais abrangente e envolveu a população de quase todas as cidades do interior do Estado que eram servidas pelas ferrovias da região”. (FONTES, 1982, p. 109). 39 Neste ano ocorreram ao todo três greves de ferroviários, nos meses de outubro, novembro e dezembro, muito embora proponha-me aqui comentar, especificamente, as duas primeiras. Sobre a greve de outubro, o noticiário do O Município- periódico da cidade de Feira de Santana- traz a seguinte informação sobre este evento: O povo já não supporta a duresa e crueldade dos titulares empavezados, que vivem a sua custa, e só procuram deprimil-o levanta-se e vem rebater seus direitos conspurcados. Hontem era o povo levantando-se contra a ousadia de estrangeiros da Light que queria depremir. Hoje são operários da Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco, que exigem dos arrendatária da mesma a justa remuneração do seu trabalho. Amanhã, este mesmo povo se levantará contra os deturpadores de seus direitos civis e políticos. E não vem longe esse dia, não![...] (jornal O Município, 1909, nº 67) Neste trecho, pode-se perceber as bases das reivindicações dos trabalhadores em 1909. Diante do contexto de exploração, não remuneração e condições precárias de trabalho estes ferroviários, articularam entre si interesses em comum e paralisaram suas atividades, praticamente em toda a Bahia. A notícia deste jornal evidencia mais ainda o contexto de espoliação da força de trabalho e as reações dos trabalhadores quando, ao referir-se aos ferroviários diz que: Elle já não podendo supportar, ergue(-se de) sua inercia e co(mbate) enraivecido,(...) contra os us(urpadores) do seus suor...os em(pregados) da Estrada de (Ferro) Bahia do São Francisco se levantam a pedir augmento em seus vencimentos e horas regulamentares de trabalho, 40 apresentaram bazes que, depois de convencidos e acceitas pelos directores foram registradas por notorio publico. (jornal O Município, 1909, nº 67) Devido ao não cumprimento dos acordos estabelecidos e assumidos pela Empresa Arrendatária com os grevistas, em novembro de 1909 o povo baiano fora novamente informado de uma nova greve na Estrada de Ferro São Francisco- na qual Alagoinhas funcionava na função de estação principal e entroncamento- não obstante, desta vez com o apoio de outros companheiros ferroviários da Estrada de Ferro Central- em que ligava várias cidades, como Cachoeira, Feira de Santana etc. Em outubro, o número 69 do jornal O Município destacava tal mensagem: De novo arrebentou a greve nas estradas de ferro arrendadas a firma Allencar, Argolo & C., sendo desta vez acompanhada pacificamente pelo pessoal do ramal de Cachoeira a esta cidade.(Feira de Santana). Motivou semelhante resolução, a falta de cumprimento do contracto lavrado e assignado por ocasião da greve anterior. [...](jornal O Município, 1909, nº 69). A despeito das motivações para o novo levante ter sido a falta de cumprimento dos acordos salariais entre Empresa e funcionários como destaca o jornal, Fontes(1982, p. 119) acrescenta que o estopim para a eclosão da ação paredista foi a repressão, suspensão e demissão dos líderes da greve anterior. Neste sentido, informa-nos que “a intenção da diretoria da Companhia Ferroviária em reprimir os trabalhadores ficara patente com uma nota pública que fizera circular” em que procurava “jogar os trabalhadores contra a população denunciando-os de não cumprirem com suas obrigações e de faltarem com seus deveres e compromissos que haviam assumido, exigindo novos tratamentos”. Ainda nesta matéria, pode-se ter valiosas informações sobre o caráter do grau de sociabilidade e os valores que orientavam e teciam as relações entre os trabalhadores ferroviários de diferentes ramais. Os ferroviários retornariam a compor as manchetes do noticiário de número 69 do O Município: 41 Pessoal da estrada de ferro central, solidário {com} companheiros {da} estrada de ferro arrendadas Argollo, Alencar e companhia declarou greve hoje manhã, destruindo pequeno trecho, trilhos[...] faltando cumprim(mento do) contracto realisado pouco dias, apezar de Alencar Lima telegraphado greve anterior pessoal entre outros termos, nos seguintes: “ creiam que serie o mais justo defensor dos seus interesses, não consentindo que esse merecem pela sua dedicação honestidade e amor {ao} trabalho fique sem a partilha de quasquer vantagens que dignamente possam ser concedidas[...] (jornal O Município, 1909, nº 69)xvi Verifica-se aqui, aspectos de valores, como a solidariedade e cumplicidade, forjando a identidade de classe entre operários. De um lado tínhamos trabalhadores da Estrada de Ferro Central, suspendendo suas atividades em apoio aos companheiros de trabalho da Estrada de Ferro Bahia ao São Francisco. Como destaca Fontes(1982, p. 68): Mesmo a prática comum de arrendamento a empresas privadas não excluía a interferência do estado e da União bem mantinha o esquema monopolista, uma vez que o arrendamento controlava quase sempre os principais ramais. Desta forma, os ferroviários, via de regra, mesmo lotados em diferentes ferrovias ou ramais, enfrentavam o mesmo patrão. Isto, sem qualquer dúvida, reforçava, para não dizer obrigava, à solidariedade no interior da categoria ao menos para deflagração de greves. O conceito de classe social e experiência elaboradas pelo o historiador inglês E. P. Thompson, é extremamente relevantes para pensarmos e entendermos estas questões. Segundo Thompson(1987, p. 10): [...] A classe acontece quando alguns homens, como resultados experiência comuns(herdadas ou compartilhadas, sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e 42 contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõem) dos seus. [...] Compreende-se, também, que é importante ressaltar que nos cenários de conflitos entre patrões e empregados, as diversas formas de resistências operárias(greves, motins, piquetes etc) sempre foram alvo de reações e repressões por parte dos representantes do capital, seja agindo diretamente no cotidiano de trabalhador(suspensões, multas, demissões) ou utilizando da ordem pública para viabilizar os seus intentos, como por exemplo o uso da força pelos policiais, representantes da ordem. Na greve de novembro de 1909 pode-se perceber este tipo de reação das classes dominantes, que incomodadas com a sublevação dos ferroviários, utiliza-se da força pública para reprimir e silenciar os trabalhadores, tudo em nome da “ordem”. Este aspecto fica sugerido nas entrelinhas da seguinte informação do jornal O Município. Segundo telegrama vindo da capital, a greve em Alagoinhas e outros ramaes, está tomando um caracter violento a ter sido preciso intervenção publica. Neste ramal apenas foi inutilisado uma agulha no kilometro 42, já tendo a autoridade policial feiro espontaneamente corpo delicto, sendo avaliado o prejuizo em 300$000. Desejamos que tudo possa terminar do modo mais pacífico possível[...]. (jornal O Município, 1909, nº 69). Por fim, cabe destacar que a greve na região de Alagoinhas naquele ano, teve forte apoio da população e do comércio local. Segundo o jornal O Município, nesta mesma matéria, ambos- o povo e os comerciantes- estavam solidários ao movimento grevista, apoiando irrestritamente, os trabalhadores das ferrovias: “ante procedimento [e] injustiça [dos] arrendatarios, população e commercio são solidarios com o pessoal. Imprensa local participa mesmo sentimento”. (jornal O Município, 1909, nº 69). Podemos pontuar como razões para a adesão do povo e dos representantes do comércio ao movimento, a insatisfação com os serviços da empresa ferroviária, sobretudo, atrasos de trens e aumento das tarifas de embarque e transportes de cargas. 43 Fontes(1982, p. 135), novamente traz-nos contribuições significativas a respeito da participação não só popular, mas também das diversas representações políticas e personalidades locais neste evento, acrescentando ademais a atuação efetiva e decisiva de um membro clerical nos motins e piquetes de greve. Desta forma, afirma: “[...] praticamente todas as personalidade e entidades existentes na cidade se manifestavam em apoio irrestrito ao movimento. Como articulador e comandante das ações, despontava mais uma vez a figura forte e dominadora do cônego Alfredo Araújo”. Convém destacar esta questão, a fim de que possamos apontar para algumas possibilidades de análises acerca deste movimento grevista de 1909. Que motivos conduziram Alfredo Araújo à subverter determinados posturas conservadoras da Igreja Católica para apoiar os movimentos de greves? Seriam os vínculos familiares? Políticos e/ou católicos? Investigar as filiações e ações deste personagem religioso infiltrado nas frentes grevistas dos ferroviários parece-nos um percurso muito interessante. CONCLUSÃO As reflexões aqui apresentadas, fazem parte na verdade, de uma incursão inicial nas fontes do Jornal O Município do acervo do Museu Casa do Sertão, aliadas uma tentativa de interpretação histórica. Estes documentos, associados a uma arcabouço bibliográfico especializado, possibilita-nos perceber que os principais fatores que orientaram a eclosão da greve dos ferroviários foram os parcos salários pagos pela empresa ferroviária e as altas horas de trabalho. Muito embora, podemos verificar também, que estavam sendo forjados, naquelas lutas do início do primeiro quartil do século XX na Bahia, indícios do que poríamos denominar de uma identidade de classe trabalhadora em gestação. Observamos, naquele momento, ferroviários de outras estradas de ferro suspendendo suas atividades em solidariedade aos companheiros de trabalho da estrada Bahia ao São Francisco, o que evidencia outros aspectos, que ultrapassam e superam o sentido estritamente econômico das suas reivindicações. Deve-se ressaltar também, os mecanismos de coesão, por um lado, e repressão, corporificados nos requintes de violência das forças públicas, acionados pelos 44 representantes do capital. Não obstante, os trabalhadores continuaram resistindo, realizando motins, piquetes, inviabilizando máquinas das oficinas e ocupando trens de cargas. Foram os “ecos da resistência” do operariado baiano à exploração dantesca do capital. Este trabalho, ao mesmo tempo em que aponta a resistência dos ferroviários, reflete os conflitos mas amplos entre capital e trabalho na Bahia, em especial na região de Alagoinhas. PALAVRAS-CHAVE: ferroviários, resistência, greves, Alagoinhas. NOTAS 1- Este texto foi encaminhado, na forma de telegrama, para a redação do Jornal de Notícias, a fim de que fosse também publicado pelo mesmo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BATALHA, Cláudio H. A Historiografia da Classe Operária no Brasil: trajetórias e tendências. In. FREITAS, Marcos Cezar(org). Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo: Contexto, 2000. FONTES, José Raimundo. Manifestações Operárias na Bahia: o movimento grevista(1888-1930). Dissertação de Mestrado. Salvador: UFBA, 1982. HOBSBAWM, Eric J. Mundos do Trabalho: novos estudos sobre História Operária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa: a árvore da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.(a) THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa: a força dos trabalhadores. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. FONTES IMPRESSAS Jornal: O Município de 1909. Acervo: Museu Casa do Sertão/UEFS. SOUZA, Robério Santos Pesquisador do Núcleo de Estudos da Contemporaneidade/PROBIC/UEFS Graduando do Curso de História da UEFS 45 e-mail: [email protected] SILVA, Elizete da Professora Doutora da UEFS/UFBA Orientadora/e-mail: [email protected]