SEXUALIDADE FEMININA: ABORDAGEM NEUROPSICOLÓGICA COGNITIVA DAS RELAÇÕES ENTRE O CORPO SEXUAL E A MENTE ERÓTICA I - INTRODUÇÃO “...a força feminina vem da fragilidade de sua graça e leveza corporais.” (Chauí, 1985, p.85) O problema No ocidente, a tradição filosófico-religiosa de divisão entre alma e corpo, reforçada pelo racionalismo cartesiano, impôs uma separação em termos do conhecimento produzido sobre um ou outro domínio. Assim, na nossa sociedade, o corpo é visto como pertencendo ao domínio do conhecimento objetivo e, portanto, objeto de estudo das ciências biomédicas, enquanto que a alma, a mente e/ou psiquismo são relegados à ordem da subjetividade e vistos como objeto da filosofia, religião, psicologia e psicanálise. Mas essa dicotomia não é apenas analítica, ela implica também uma valorização diferenciada desses dois domínios, sendo que o domínio do corpo é, sem dúvida, o mais valorizado nesse momento histórico. É a materialidade do corpo que configura sua realidade, sua verdade. Como conseqüência, tudo aquilo que não pode ser materializado, quantificado, isolado e universalizado é tido como subjetivo e abstrato, não se constituindo numa realidade de fato. 10 Na área das ciências humanas, inúmeros trabalhos, especialmente aqueles de cunho mais antropológico e histórico, têm demonstrado que cada sociedade ou grupo social apresenta formas bastante específicas de conceber e de se relacionar com o corpo. A constatação desta variabilidade de concepções e tratamentos dispensados ao corpo permite relativizar os parâmetros de pensar e agir (a ele atribuídos) por um determinado grupo social, muitas vezes considerados como universais e/ou corretos. É importante salientar, que a difusão do saber médico, verificada sobretudo no século XX, contribuiu de maneira decisiva para a naturalização e universalização ocidental da definição de corpo. Além disso, também a perspectiva social está imbricada na vivência corporal de gênero e no construir-se homem ou mulher. Assim, não desprezando a influência social, prioriza-se o campo das representações mentais sexuais da mulher ou os aspectos cognitivos da sexualidade feminina. A materialidade (um corpo sexualizado) estará submetida à subjetividade erótica, e vice-versa. Essa subjetividade de caráter corporal erótico só se manifesta quando o corpo escapa do determinismo biológico sexual, quando não mais corresponde ao seu “destino natural”. Mas, o que seria um “destino natural” para o corpo sexualizado? Considerando-se que o tema aqui tratado inclui uma substância material (corpo) e uma substância abstrata (mente), propõe-se dois diferentes destinos para o corpo sexualizado: um corporal/fisiológico no qual avalia-se o sexo em seus atributos estruturais e funcionais, e outro, mental/cognitivo no qual se avalia o teor erótico das representações sexuais. Entende-se que a sexualidade é construída, e, portanto, recebe influências da natureza e do meio ambiente, como também sofre influência do momento sóciohistórico, estando contextualizada na história da humanidade. Além disso, pode-se pensar a sexualidade como manifestação da energia bio-psíquica que se torna visível por meio de imagens mentais ou se evidencia em comportamentos externos, principalmente os que expressam as experiências mais básicas e universais da humanidade, as sexuais. Tais imagens ou representações mentais mobilizam, impressionam e fascinam com sua forte carga energética. No decorrer das duas últimas décadas, o desenvolvimento de novas técnicas para observar o cérebro, visando conhecer sua estrutura e função, tornou o trabalho em neurociência cognitiva 11 especialmente frutífero, permitindo associar determinadas áreas e funções cerebrais. determinados comportamentos a O ser humano pode conhecer o mundo e nele agir, graças a um funcionamento coordenado dos recursos cognitivos e às múltiplas conexões que o cérebro tece, não só entre os dois hemisférios, mas também no interior de cada hemisfério, desenhando uma complexa rede neural. Na relação do indivíduo com seu corpo e deste com as representações mentais que o significam, ao ocorrerem mudanças nas informações sensoriais os processos cognitivos se modificam, uma vez que um novo padrão de imagem instala-se, gerando conflitos psíquicos. Nas representações mentais (pensamentos, imaginação, sonhos, dentre outros processos) encontra-se o desejo sexual, e na atividade sexual mobilizase toda a potência corporal, onde as vivências sensório-motoras interagem com os padrões neurais. Deste modo os estudiosos: “distinguem e diferenciam entre necessidade (física, biológica), prazer (físico, psíquico) e desejo (imaginação, simbolização), esse alargamento fez com que o sexo deixasse de ser encarado apenas como função natural de reprodução da espécie, como fonte de prazer ou desprazer (...) para ser encarado como um todo, dando sentidos inesperados e ignorados a gestos, palavras, afetos, sonhos, humor, erros, esquecimentos, tristezas, atividades sociais (...) que, à primeira vista, nada têm de sexual.” (Chauí, 1984, p.11) Quando atuando sincronicamente, as representações mentais eróticas e a atividade sexual mobilizam a necessidade e o desejo, utilizando toda a potência mental e corporal. Neste processo de problematização destacam-se as seguintes questões: 1º) Existe relação entre a atividade sexual corporal e a mente erótica, na sexualidade feminina? 2º) A atividade sexual corporal prescinde de representações mentais eróticas sexuais? 3º) As representações mentais eróticas sexuais prescindem da atividade sexual corporal? 4º) A sexualidade feminina é constituída pela atividade sexual corporal e pelas representações eróticas sexuais? 12 5º) A sexualidade feminina pode ser desprovida de atividade sexual corporal? 6º) A sexualidade feminina pode ser desprovida de representações mentais eróticas sexuais? Na investigação da relação corpo-mente na sexualidade feminina define-se como objeto de investigação: As relações estabelecidas entre o corpo sexual e a mente erótica na sexualidade feminina. As hipóteses levantadas estão relacionadas a seguir: - Existe relação entre a atividade sexual corporal e a mente erótica, na sexualidade feminina. - O corpo não necessita de representações mentais eróticas sexuais para o exercício da atividade sexual. - A mente necessita da atividade sexual corporal para alimentar suas representações mentais eróticas sexuais. - A sexualidade feminina integra a atividade sexual corporal às representações eróticas sexuais. Como objetivo geral pretende-se estabelecer as relações entre o corpo sexual e a mente erótica sexual na sexualidade feminina através das representações mentais e vivências emocionais das mulheres. Dentre os objetivos específicos pretende-se: - Identificar na sexualidade feminina a existência de uma mente assexuada. - Identificar na sexualidade feminina a existência de uma mente mística. - Identificar na sexualidade feminina a existência de uma mente erotizada sexualmente. - Estabelecer ligações entre a vivência sexual corporal com as mentes erótica assexuada, erótica mística e erótica sexual. Apresenta-se como justificativa do trabalho a importância do estudo da sexualidade, que envolve, dentre outras questões, a identidade de gênero e a 13 orientação sexual que é em grande parte inata, resultado da exposição a hormônios pré-natais e de influências genéticas sobre o cérebro e sobre o sistema nervoso. A natureza, entendida aqui como o pré-determinismo genético, inato, é sem dúvida uma força incontestável na formação do ser como homem ou mulher; em contrapartida, a educação pode influenciar o grau de masculinidade ou feminilidade de uma pessoa, mas não o determina. As teorias científicas vêm discutindo a primazia, ora do meio, ora da natureza, e neste debate, todas as áreas envolvidas lucram com pesquisas mais aprofundadas e avanços tecnológicos. As informações sensoriais que possibilitam a formação de representações mentais sexuais, recebem influências da natureza e do meio ambiente, uma multideterminação que pode gerar conflitos psíquicos. Assim, os distúrbios da sexualidade apresentam etiologia múltipla, por vezes desconhecida, tendo como principais sintomas o generalizado desinteresse pela relação sexual, a insatisfação permanente, seja na fase de excitação, clímax e/ou manutenção da energia sexual. Neste estudo, pressupõe-se a desconexão corporal sexual/mental representacional, como complexo agente de distúrbios da sexualidade. A psicologia, a psiquiatria e a neurologia têm um papel fundamental na investigação do desenvolvimento e dos distúrbios da sexualidade, todavia, este trabalho privilegia o enfoque da neuropsicologia cognitiva, no que se refere às representações mentais. Para o desenvolvimento dessa temática engendra-se os conceitos de “mente assexuada” e de “mente mística”, atribuídos predominantemente às mulheres, a fim de se entender sua sexualidade. O cérebro evoluiu para o ser humano sentir prazer na ligação sexual, devido a uma interação complexa e elaborada de hormônios e neurotransmissores. A ocorrência de mentes assexuadas e de mentes místicas - que criam imagens mentais dissociadas e/ou destituídas de qualquer significado sexual, constitui um profícuo campo para novas pesquisas. A delimitação do problema não resulta de uma afirmação prévia e individual, formulada pelo pesquisador e para a qual recolhe dados comprobatórios. O problema afigura-se como um obstáculo, percebido pelos sujeitos de modo parcial e fragmentado, e analisado assistematicamente. A identificação do problema e sua delimitação pressupõem uma imersão do pesquisador na vida e no contexto, no 14 passado e nas circunstância presentes que condicionam o problema. Pressupõem, também, uma partilha prática nas experiências e percepções que os sujeitos possuem desses problemas, para descobrir os fenômenos além de suas aparências imediatas. A delimitação é feita, pois, em campo, onde a questão inicial é explicitada, revista e reorientada à partir do contexto e das informações das pessoas ou grupos envolvidos na pesquisa. Outro aspecto considerado é a lacuna entre o conhecimento dos eventos neurais e o da imagem mental, cujos mecanismos de surgimento deseja-se entender. O tamanho dessa lacuna e a maior ou menor probabilidade de diminuí-la no futuro é um tema polêmico e um vasto campo de conhecimento. Utiliza-se neste estudo níveis diferentes de descrição, um para a mente e outro para o cérebro. Essa separação não resulta de dualismo, constitui-se apenas um rigor metodológico, portanto, não se pressupõe a existência de duas substâncias independentes, uma mental e a outra biológica. Ao descrever eventos neurais com vocabulário próprio tenta-se compreender como esses eventos contribuem para a constituição da mente. Por outro lado, a tentativa de descrever processos eróticos e sexuais femininos utilizando-se vocabulário neuropsicológico visa compreender como esses processos influenciam a constituição da mente. Apesar de não desprezar a influência social e cultural, a ênfase será dada ao campo das representações mentais sexuais da mulher. A materialidade (corpo) estará submetida à subjetividade (mente) devido ao caráter singular da investigação, de um ser cognoscente, que representa e que se expressa. O desenvolvimento teórico se restringe a estudos voltados para o conhecimento da sexualidade feminina, não havendo um estudo comparativo com a sexualidade masculina. Para melhor compreensão do problema faz-se necessário a definição de alguns termos que serão utilizados neste trabalho: Sexualidade: Condição ou estado caracterizado por conjunto de fenônemos internos, por cognições específicas, por sensações, por reações fisiológicas e por comportamento expressivo intrínsecos à vivência sexual do indivídulo. 15 Sexo: Conformação fisiológica que distingue o macho da fêmea. Conjunto de órgãos reprodutores da vida. Conjunto das pessoas que têm a mesma conformação física. Erótico: Na literatura grega o Eros é o magnetismo que une todo o universo e que se encontra no amor humano. Ao longo do tempo o termo deslocou-se para seu sentido moderno: lascivo, lúbrico, voluptuoso, referente ao amor. Corpo sexual: é um corpo potencialmente preparado para a atividade sexual. Corpo erótico: corpo mitológico, sutil, da imaginação. Pressupõe uma mente que o erotiza. Mente erótica: é aquela capaz de estabelecer ligação, manifestada através do desejo de união com pessoas, como também com outras dimensões (eterna, imortal, mística). Mente erótica sexual: é aquela através do desejo de união sexual. capaz de estabelecer ligação, manifestada Apresenta representações mentais eróticas constituídas de imagens sexuais. Mente Assexuada: é aquela em que as representações mentais eróticas são dissociadas e/ou destituídas de qualquer significado sexual. O corpo sofre as conseqüências dessa mente, através de inapetência ou bloqueios. Mente Mística: é aquela capaz de estabelecer ligação com outras dimensões eterna, imortal, mística -, quer tenham um cunho religioso ou não. Suas representações mentais erotizadas estabelecem desejo de ligação com o Todo, de forma metafísica ou transcendente. As fantasias são dissociadas e/ou destituídas de qualquer significado sexual corporal. Procura, pela contemplação espiritual, atingir o estado extático de união direta com a divindade. Considerações neuropsicológicas A neuropsicologia cognitiva dedica-se a compreender como excitações neurais concretas e efêmeras transformam-se em abstratas e permanentes representações mentais e dão origem e configuram o pensamento, a linguagem e o sonho. A função cognitiva ou mental tem como finalidade analisar, armazenar, categorizar, evocar e 16 transmitir informações captadas do mundo externo, através dos órgãos sensoriais, e, do mundo interno, através das memórias filo e ontogenéticas. Essa função pressupõe a ativação de estruturas físicas altamente excitáveis, os neurônios. O conhecimento neuropsicológico cognitivo estrutura-se tanto à partir de conceitos científicos, quanto de conceitos filosóficos, principalmente relacionados à epistemologia ou teoria do conhecimento, à fenomenologia e à filosofia da mente. Utiliza também conceitos neurológicos, relacionados com a embriologia, a anatomia e a fisiologia do sistema nervoso, assim como conceitos psicológicos, relacionados à neurolingüística e às psicologias do desenvolvimento, comparativa, cognitiva, clínica, experimental. Na produção científica da neuropsicologia cognitiva, noções filosóficas (espaço, tempo, mente, etc), psicológicas (representação mental, consciência, emoção, percepção) e neurológicas (cérebro, padrão neural, sistema sensorial) transitam livremente. O presente trabalho dará ênfase aos conceitos neurológicos e psicológicos relacionados à sexualidade feminina. No primeiro capítulo problematiza-se a temática, seguindo-se o segundo capítulo com as considerações filosóficas em que serão tratados os temas corpo e mente, controle dos corpos, a divisão cartesiana e alguns aspectos da teoria da afetividade humana de Espinosa. No terceiro capítulo, aborda-se as representações mentais através de sua relação com o mundo, numa perspectiva comportamental e neurocientífica. O capítulo quatro refere-se ao desejo, seguindo-se a fisiologia do comportamento sexual, a história dos hormônios, desenvolvimento físicopsico-sexual, emoções e “marcadores somáticos”. Já no capítulo seis é desenvolvida a temática da sexualidade feminina em seus aspectos histórico, político e social. O capítulo sete aborda as mentes assexuada, erótica sexual e mística. encontra-se A metodologia no capítulo oito, onde serão apresentados os dados coletados na pesquisa, instrumentos utilizados e os resultados obtidos. Logo após é apresentado o estudo de caso. Uma vez que, na abordagem utilizada, a literatura sobre o tema ainda é muito incipiente, não se permite uma palavra última nos aspectos cognitivos da sexualidade feminina e finaliza-se o estudo com uma breve conclusão. 17 II – CONSIDERAÇÕES FILOSÓFICAS “O que será que me dá Que me queima por dentro, será que me dá Que me perturba o sono, será que me dá Que todos os tremores me vêm agitar Que todos os ardores me vêm atiçar Que todos os suores me vêm encharcar Que todos os meus nervos estão a rogar Que todos os meus órgãos estão a clamar E uma aflição medonha me faz implorar O que não tem vergonha, nem nunca terá O que não tem governo, nem nunca terá O que não tem juízo..” (Chico Buarque, 1976) 2.1. Corpo e Mente A mitologia grega vincula a constituição humana à Natureza. Esta seria responsável por gerar, fazer nascer o ser humano do interior de si própria, e a idéia da natureza humana estaria perfeitamente integrada à ordem da natureza e dependente dos desígnios divinos. Para os antigos gregos, contemporâneos de Heráclito, e até alguns séculos depois, em tudo que existe, em cada ser, há uma natureza, uma physis, uma essência que se mantém e que, ao mesmo tempo, produz uma identidade, uma irmandade entre todos os seres. O universo e tudo o que é manifesto seriam um; o mesmo princípio regeria o crescimento qualitativo de todos os seres, processo marcado, portanto, por uma interligação permanente entre todos os elementos. O conceito de natureza, ou physis, era compreendido pelos antigos gregos, especialmente na formulação aristotélica, como aquilo que tem o princípio do movimento em si mesmo, um princípio imanente e que atua para um fim (telos), que não é outro senão a própria natureza. O conceito de physis está vinculado à representação do cosmo, do universo e de todos os seres, e contrasta, naquele período, com o conceito de techné, como representação de tudo que é criado pelo ser humano, que possui um elemento racional, parte do processo civilizatório, e que, por 18 isso, é um princípio externo da gênesis. Neste sentido, técnica “é um princípio de movimento que reside numa outra coisa, enquanto a natureza é um princípio que reside na própria coisa” (Aristóteles, in Chauí, 1996). A definição de natureza inclui a idéia de um princípio e de uma causa de movimento, assim como de repouso, internos às próprias coisas, nelas residentes sem mediações e não por mero acidente. O estudo da physis vincula-se à teologia, na medida em que se desdobra na direção de um motor primeiro e de uma causa final, operando-se assim uma passagem da física para a metafísica. Já a matéria, substrato da mudança, é aquilo que contém a forma em potência, porém, por si mesma, está privada de forma, é informe, e esta privação é justamente o que a leva a desejar forma. Aristóteles (384-322 a.C) considera que há assimilação entre o cosmo e a vida humana, e que esta se modifica mas não é rompida. Filho de um médico, e considerado o fundador do que mais tarde se chamará biologia, Aristóteles (in Chauí, 1996) assimila a vida adulta ao funcionamento dos astros: a vida adulta não seria como a vida de um embrião para o qual existe um fim a atingir, ou seja, a forma adulta. Da mesma maneira, para os astros, não haveria uma forma ou um lugar natural a alcançar. Dito de outro modo, tanto para o adulto quanto para os astros não haveria uma potência a atualizar. Suas existências são, portanto, pensadas em termos de “atos” e não de um movimento intermediário entre um início e um fim, mesmo sabendo-se que o homem é constituído de matéria e que esta pode resistir à perfeição. A morte e a doença são “acidentes”, pois, segundo Aristóteles, o homem não contém em si mesmo a forma cadáver ou a forma doente em direção às quais ele deve caminhar. Ao contrário, a doença e a morte são aqui consideradas acidentais, enquanto que o essencial é o caminho em direção à perfeição. Apesar da assimilação entre os seres vivos e o cosmo, Aristóteles considera que a alma é a “forma” do corpo, o seu princípio dinâmico. A alma é, portanto, ligada ao corpo. Este, por sua vez, é composto de alma e matéria. Pode-se suspeitar que a alma se opõe muito mais à matéria do que ao corpo. Mas, mesmo assim, a matéria não existe sem a forma e esta não existe em estado puro. Se para Platão, uma mesma alma podia vagar, passando de um corpo a outro, para Aristóteles, ao contrário, uma alma não existe sem um corpo e não se identifica a qualquer corpo. 19 Ao mesmo tempo, Aristóteles confirma a importância do fogo para a vida do universo e dos corpos nele existentes. O corpo dos seres é assim constituído por um calor, um fogo vital: segundo Aristóteles, através do calor, “do cozinhar”, tem-se a vida, o ato. O frio, ao contrário, significa a perda do poder vital. Um esperma frio, por exemplo, perdeu a capacidade de fecundar. O calor é um elemento de universal importância para a digestão dos alimentos, a germinação dos grãos, a obtenção do metal através do mineral e toda a geração da vida. Corpo e natureza aparecem novamente assimilados a partir de um mesmo ativador da vida: o calor. Mas é preciso considerar que, para Aristóteles, é a alma e não o alimento que regula o desenvolvimento do corpo, o que o distancia das concepções energéticas predominantes na época moderna. Segundo ele, é a alma e não o fogo que determina os limites e as proporções do crescimento dos seres. A nutrição, por exemplo, se realiza graças à faculdade nutritiva da alma a qual, por meio do calor vital, transforma os alimentos e o sangue para construir um determinado corpo. Nesse processo, a respiração é considerada um elemento destinado a resfriar e a moderar o calor vital. A medicina e a filosofia antigas estão repletas de concepções como estas - calor e frio, fogo e água -, que caracterizam tanto a vida física dos corpos, quanto a do cosmo. Mesmo vários séculos após Hipócrates, as faculdades naturais continuarão a ocupar um lugar de destaque no pensamento da Antigüidade. Com Galeno, nascido em Pérgamo (atual Turquia) em 129 d.C., médico do imperador romano Marco Aurélio, e cuja obra foi de grande importância até o período do Renascimento, a saúde do corpo era concebida em termos de equilíbrio entre as suas diferentes partes. Nesse caso, cada parte do corpo segue o seu próprio funcionamento, tal como ocorre com cada astro. E aqui caberia a questão: se cada astro possui um movimento específico, assim como cada parte do corpo funciona de um modo particular, como ficariam as partes de um mesmo corpo no seu conjunto? Para Galeno, os diferentes funcionamentos de cada parte do corpo não impedem a manutenção da vida pois, graças ao Criador, existiria uma relação harmoniosa entre elas. Há portanto, a garantia de uma entidade divina onisciente. Galeno, cujas concepções anatômicas e fisiológicas vão atravessar os séculos, estava entre os que pensavam o corpo como uma espécie de máquina criada pela providência 20 divina, vivendo numa natureza que possuía, tal como o humano, uma espécie de alma. Tanto para Aristóteles (in Chauí, 1996) como para Galeno, o ser vivo e a natureza são concebidos à partir de um mesmo modelo. Nesse sentido, uma série de correspondências integra tanto os homens quanto os elementos naturais. Entretanto, se, com Aristóteles, o ser vivo, dotado de seu próprio princípio, ganha uma certa autonomia perante a natureza, com Galeno esta autonomia parece ser reduzida. Durante o período medieval, o pensamento de Galeno permaneceu uma referência essencial, sobretudo para o Ocidente, onde a providência divina tendeu a ser compreendida em termos cristãos. Todavia, embora a natureza seja assimilada à obra de Deus, o cristianismo procede a uma distinção entre homem e natureza, em certa medida considerada inovadora: para o cristianismo, o homem é destinado a se tornar independente da natureza na medida em que ele deve caminhar em direção a Deus. Assim, a natureza não é eterna e o homem não é um ser na natureza mas um ser diante dela. Parece ser mais adequado fazer a separação entre o homem e a natureza, dotando o primeiro de uma alma eterna e que transcende à própria natureza. O homem torna-se assim um ser que possui uma relativa independência em relação ao cosmo. Pois ele possui dentro dele a verdade, ou seja, ele é munido de uma alma. Seguindo este raciocínio, é através da alma, e não do corpo, que o homem pode ver Deus. Por conseguinte, na medida em que o corpo dificulta esta visão, ele tende a ser execrado, considerado um obstáculo à descoberta da verdade e à salvação. Enquanto a alma é pensada em termos positivos e dotada de imortalidade, o corpo permanece mortal, aquilo que impede o homem de conquistar uma contemplação serena da vida. Considerado seu duplo vergonhoso, o corpo padece e está fadado a padecer, pois, diferentemente da alma, está submetido aos ciclos naturais, às flutuações do desejo, aos perigos da corrupção. Afirma-se uma concepção, que atravessará os séculos, na qual o humano tem um destino original em relação à natureza, graças a sua alma imortal: homem e natureza, alma e corpo, se afirmam como termos opostos. As concepções sobre o corpo elaboradas durante o período medieval não resultaram unicamente de uma ruptura com os modelos da Antigüidade Clássica. Paradoxal é o movimento da história, posto que ele acolhe, simultaneamente, rupturas 21 e continuidade, a partir das quais os modelos corporais, os valores e as utilizações do corpo se transformam mas também guardam o registro de sensibilidades vindas de épocas diferentes. 2.2. O controle dos corpos A separação entre as concepções de corpo da Antigüidade Clássica e aquelas presentes no período medieval (começo do século V até meados do século XV) não são totalmente antagônicas. Nos dois períodos, por exemplo, as mulheres são consideradas seres passivos, submetidas ao destino da fecundidade. Na sociedade romana, a mulher era considerada passiva por definição. A moral dos gregos antigos resultava de uma sociedade essencialmente viril, na qual, a mulher, ser passivo por natureza e por estatuto, assim como o escravo, deveria se manter sob a proteção e a dominação de um homem. A oposição passivo/ativo designava, em grande medida, o sistema de valores de várias culturas da Antigüidade: ser passivo revelava o caráter servil, destituído de honra. Assim, certas percepções do corpo existentes nessas culturas, prepararam terreno para as concepções cristãs do corpo presentes durante o período medieval. Foucault (1984), em seus trabalhos orientados em direção a uma “genealogia do sujeito” (que é ao mesmo tempo, uma genealogia do sujeito moral e do sujeito do desejo), especialmente aqueles que analisam a sociedade grega, sublinha que, nas relações amorosas ou sexuais entre os homens da Grécia antiga, o problema consistia em não se admitir o fato de um jovem (futuro cidadão livre) se comportar como passivo, tal como mulheres e escravos. O sexo entre os homens não era considerado antinatural, tornando-se problemático apenas se o futuro cidadão tivesse uma atitude passiva. Posteriormente o foco da problemática mudou. Segundo Foucault (1984), o código de comportamento sexual baseado na valorização da monogamia, da fidelidade e da procriação, não representa uma prerrogativa do cristianismo. Pois que este código se afirma com a desintegração das cidades-estados gregas, com o desenvolvimento da burocracia imperial e com a influência progressiva da classe média provinciana, sendo aceito e reforçado pelo cristianismo emergente. 22 Ao mesmo tempo, existem muitas diferenças entre as duas épocas no que tange ao modo de conceber e de produzir “as técnicas de si”, conforme expressão de Foucault(1984). Houve uma lenta passagem de uma era, em que a alimentação era a prioridade para bem administrar o corpo, para a segunda, em que o destaque era dado às práticas sexuais. No que concerne ao ato sexual, o significado da ereção masculina também não permanece o mesmo: para o grego do século IV, a ereção era o signo da atividade. Posteriormente, com santo Agostinho, para os cristãos a ereção deixa de ser algo voluntário tornando-se signo de passividade – uma punição do pecado original. O cristianismo não apenas reforça a relação entre a sexualidade e a monogamia, a fidelidade e a procriação, como uma crescente aproximação entre o desejo sexual e a obrigação com a verdade. A castidade para um monge era mais do que controlar seus impulsos sexuais perante um jovem belo, cedendo passivamente a seus desejos. Ser casto exige, doravante, também o controle do pensamento, não se permitindo que neste apareçam idéias “impuras” - controle sobre o corpo e controle da mente, luta corporal e espiritual contra a “impureza”. As exigências foram ampliadas, a sexualidade vê sua importância acrescida de preocupações outrora inexistentes. Por conseguinte, o conhecimento e o controle do corpo vão exigir, mais do que nunca, o conhecimento e o controle dos prazeres sexuais. Evidentemente a austeridade sexual havia sido um luxo de uma elite minoritária na Grécia antiga, assim como seria, na Idade Média, um refinamento filosófico e religioso de uma restrita casta. A partir daí foram forjados códigos de comportamento, normas e, em particular, “verdades” que com o cristianismo forneceram uma justificativa transcendente às normas sexuais, transformando aquilo que era uma forma de comportamento minoritária numa atitude cotidiana, normal e geral. Com o cristianismo e sua concepção de fim de mundo a austeridade diante do corpo tornouse mais exigente e importante e a encarnação passou a ser pensada em termos de humilhação perante Deus; a alma ganhou uma materialidade e uma corporalidade por vezes desconcertante. O corpo torna-se um “espaço” suspeito, prisão da alma e sede dos desejos sexuais. 23 Quando se tratava da mulher a abominação do corpo e do sexo atingia seu apogeu; o período da menstruação feminina, por exemplo, era atravessado por tabus: os leprosos eram tidos como filhos daqueles que mantiveram relações sexuais quando a mulher estava menstruada. A lepra, grande terror do período medieval, era não apenas doença do corpo, mas um mal da alma, considerada como um castigo de Deus. Diversas doenças eram interpretadas a partir de uma relação entre o corpo e o mundo sagrado, sendo consideradas como frutos do pecado. Eram castigos divinos, aplicados aos que satisfaziam primeiro as necessidades naturais do próprio corpo. E, assim sendo, a interferência médica foi diversas vezes questionada, a doença e a morte ainda possuíam razões que não competia ao homem interrogar. 2.3. A divisão cartesiana A partir de Descartes, século XVII, que influenciou decisivamente as ciências e as humanidades no mundo ocidental, tem-se um conjunto de idéias acerca do corpo, do cérebro e da mente. A noção dualista que separa a mente do corpo tem variantes modernas: mente e cérebro estão relacionados, mas apenas no sentido de a mente ser o programa de software que corre numa parte do hardware chamado cérebro. A afirmação de Descartes “penso, logo existo” considerada literalmente, sugere que o pensar e a consciência do pensar são os verdadeiros substratos do existir. A função cognitiva do pensar, como uma atividade separada do corpo, celebra a separação da mente, a “coisa pensante” (res cogitans), do corpo não pensante, o qual tem extensão e partes mecânicas (res extensa). Especificamente, a separação das operações mais refinadas da mente para um lado, e da estrutura e do funcionamento do organismo biológico, para o outro. A divisão cartesiana pode estar subjacente ao modo de pensar de neurocientistas, assim como, na base das modernas teorias neuropsicológicas cognitivistas que afirmam que a mente pode ser explicada em termos de fenômenos cerebrais neurais, deixando de lado o resto do organismo e o meio ambiente físico e social – e por conseguinte excluindo o fato de que parte do próprio meio ambiente é também um produto das ações anteriores do organismo. 24 Para Damásio (1998), a idéia de uma “mente desencarnada” parece ter moldado a forma peculiar como a medicina ocidental aborda o estudo e o tratamento das doenças. A divisão cartesiana domina tanto a investigação como a prática médica. Como resultado, as conseqüências psicológicas das doenças do corpo, são normalmente ignoradas ou só levadas em conta em momento posterior. Os efeitos dos conflitos psicológicos no corpo são ainda mais negligenciados. Descartes contribuiu para a alteração do rumo da medicina ajudando-a a abandonar a abordagem orgânica da mente-no-corpo que predominou desde Hipócrates até o Renascimento. Este estudo prioriza a perspectiva postulada por Damásio (1998): “...que a compreensão cabal da mente humana requer a adoção de uma perspectiva do organismo; que não só a mente tem de passar de um cogitum não físico para o domínio do tecido biológico, como deve também ser relacionada com todo o organismo que possui cérebro e corpo integrados e que se encontra plenamente interativo com um meio ambiente físico e social.” (p.282) A mente “incorporada” não renuncia a seus níveis mais refinados de funcionamento, aqueles que constituem sua alma e seu espírito. O que se passa é que a alma e o espírito, em toda a sua dignidade e dimensão humana, são estados complexos e únicos de um organismo, sendo indispensável que os seres humanos possam recordar a própria complexidade, fragilidade, finitude e singularidade que os caracterizam. Damásio (1998) afirma ser tarefa díficil “...tirar o espírito do seu pedestal em algum lugar não localizável e colocá-lo num lugar bem mais exato, preservando ao mesmo tempo sua dignidade e sua importância; reconhecer sua origem humilde e sua vulnerabilidade e ainda assim continuar a recorrer à sua orientação e conselho.” (1998, p.283) Changeux (1991) admite que na discussão corpo-alma a tese da imaterialidade da alma desaparece progressivamente das obras consagradas às ciências do cérebro. Luria (1999) sugere que se compreenda as conseqüências dos distúrbios corporais do homem não apenas como “síndromes orgânicas” mas também como infortúnios humanos. A explicação de qualquer condição humana está tão complexamente interpretada em diferentes níveis, que não pode ser alcançada considerando-se apenas segmentos isolados da vida "in vitro". 25 Na discussão corpo-alma postula-se que corpo e o cérebro são públicos, expostos, externos e objetivos e a mente é privada, oculta, interna e subjetiva. Suposições teóricas sobre a base neural da mente são então fundamentadas no pensamento evolucionista e na hipótese de Damásio (2000, p.61), do marcador somático, baseadas em concepções de evolução, regulação homeostática e organismo. Descartes, após ter procurado demonstrar que a alma e o corpo são duas substâncias finitas realmente distintas – a primeira sendo completamente definida pelo pensamento e a segunda, pela extensão - , sustenta que, embora elas não possuam nada de comum entre si, estão intimamente unidas no homem, interagindo por intermédio da glândula pineal. Espinosa (1989), criticando tal idéia, sustenta que essa interação causal entre realidades heterogêneas, responsável pelo movimento voluntário, quando a alma comanda o corpo, e pelos sentimentos, quando o corpo afeta a alma, é incompreensível. Para o referido autor, esta interação tem como conseqüências tanto o fato de o corpo “informado” pela alma não ser passível de uma abordagem em termos exclusivamente físicos quanto o fato de a alma humana conter um núcleo de percepções sensíveis, dentre as quais se incluem as paixões, irredutívelmente obscuras e confusas. Tais conseqüências oferecem uma resistência ao conhecimento racional do homem colocando-o em xeque. A presença dessas zonas de incompreensibilidade contraria a primeira regra do método de Descartes, segundo a qual deve-se evitar a precipitação e a prevenção e só afirmar como verdadeiro aquilo que percebe-se clara e distintamente. 2.4. Relação corpo e mente na teoria da afetividade humana Espinosa (in Gleizer, 2005), em um de seus primeiros trabalhos, o Tratado da reforma do entendimento, narra sua experiência de desilusão com a busca dos bens mundanos (honras, riquezas e prazeres) quando tomados como fins últimos da existência humana e lança o projeto de encontrar “um bem supremo, comunicável e pelo qual a alma seja afetada de uma alegria eterna, contínua e suprema” (Ibid:7). Este bem supremo, consiste, para Espinosa (Ibid), no “conhecimento da união que a 26 alma tem com a Natureza inteira, isto é, com Deus” (Ibid:7). É esse projeto de busca da beatitude pelo conhecimento – no qual o verdadeiro contentamento e a autêntica liberdade nascem do ato de intelecção-, que une o ser humano a si mesmo, a Deus e às coisas. A identificação entre Deus e a Natureza, assinalada na citação do Tratado e demonstrada na primeira parte da Ética, por si só já indica que o Deus de Espinosa em nada se confunde com o Deus transcendente, pessoal e criador da tradição judaicocristã. Seu Deus é imanente à Natureza e o conhecimento da união do homem com Ele nada mais é, do que o conhecimento intelectual que se tem de si mesmo como parte da Natureza, parte integralmente submetida, como todas as outras, às leis causais necessárias que regem o comportamento das causas naturais. Neste espaço teórico dominado pelas idéias de imanência e necessidade a exigência racionalista de inteligibidade integral do real será colocada à serviço da intuição fundamental da unidade da Natureza e levada às últimas conseqüências. Ora, a universalidade da necessidade causal é incompatível com a crença no livre-arbítrio. É esta crença em uma vontade livre, capaz de transcender incondicionalmente à ordem preexistente, que permite que o homem acredite ter a faculdade de subtrair-se às leis comuns da Natureza e possa imaginar-se como dotado de um poder absoluto sobre suas ações e paixões. Para Espinosa (Ibid), essa crença não passa de uma ilusão espontânea do conhecimento imaginativo característico da consciência imediata de cada um. Com efeito, os homens crêem que são livres porque “são conscientes de suas volições e apetites e ignoram as causas que os dispõem a querer e a apetecer” (Ibid:9) . Assim, um desejo cujo múltiplo condicionamento causal é ignorado, é apreendido como um desejo incondicionado, o sujeito considerando-se assim como sua causa primeira e única. A imaginação constata a presença irrecusável de um efeito mas a ignorância das verdadeiras causas introduz uma falsa interpretação do mesmo, engendrando a ilusão do livre-arbítrio. Para Gleizer (2005) o desejo, a alegria, a tristeza, o amor, o ódio e toda a gama de afetos que colorem a existência humana têm causas determinadas e efeitos necessários tão dignos de conhecimento quanto qualquer outra causa natural. Só o conhecimento verdadeiro das causas dos mecanismos afetivos aos quais os humanos 27 estão submetidos permite elaborar uma técnica realista para moderar as paixões e reduzir os efeitos naturalmente obsessivos, ambivalentes e alienantes que explicam a experiência de desilusão. Só a potência do conhecimento racional – enraizada no mesmo princípio desejante que se manifesta na vida passional, e, por isso mesmo dotada de uma dimensão afetiva que lhe é peculiar – permite transformar gradualmente a vida do indivíduo e conduzi-lo a gozar dos afetos ativos que constituem o núcleo afetivo da experiência da beatitude: o contentamento interior e o amor intelectual por Deus. Espinosa (1989) demonstra que a alma humana não é uma substância pensante finita, mas um “modo” finito do pensamento infinito, determinado exclusivamente pelas leis lógicas e psicológicas que regem este atributo. Ou seja, a alma humana é uma idéia, a saber, idéia do corpo humano. Este, por suas vez, é um modo finito da extensão infinita, isto é, uma porção finita de matéria submetida às leis do movimento e do repouso que regem o mundo físico. E a união da alma e do corpo não é mistura incompreensível de duas substâncias metafisicamente independentes, mas a dupla expressão de uma única realidade, de uma única modificação da substância absoluta, pois, segundo a tese do paralelismo, a alma e o corpo são “uma só e mesma coisa expressa de duas maneiras diferentes” no pensamento e na extensão. Ao demonstrar que a alma é a idéia do corpo, Espinosa (1989) subverte a tese cartesiana, segundo a qual o conhecimento do espírito precede o do corpo, pois conhecer verdadeiramente a alma é conhecê-la exatamente como sendo a idéia do corpo. Além disso, o conhecimento distinto da alma deve acompanhar o conhecimento distinto do corpo. Com efeito, ao introduzir a tese do “pan-psiquismo”, segundo a qual “todos os seres são animados em diversos graus”, Espinosa (Ibid:9) afirma que “para determinar em que a alma humana difere das outras e as supera, precisa-se conhecer a natureza do seu objeto, isto é, o corpo humano”, visto que em virtude do paralelismo sua complexidade será proporcional à de seu objeto. Por isso encontra-se na Ética de Espinosa um esboço de física, entendida como a “ciência geral dos corpos”, referentes à fisiologia do corpo humano em particular. O corpo humano segundo a física de Espinosa, é um “indivíduo” extremamente 28 complexo, sendo composto de vários corpos, cada um dos quais também composto. Graças a essa complexidade ele é apto a afetar e ser afetado de diversas maneiras pelos corpos exteriores, sendo capaz de reter essas afecções, isto é, as modificações nele causadas por essas interações. A expressão mental da composição corporal exigida pelo paralelismo implica a exclusão da tese clássica da simplicidade da alma, pois a idéia que constitui a alma humana será, necessariamente, composta de várias idéias. Assim a alma é apta a perceber um grande número de coisas, numa aptidão proporcional à de seu corpo a afetar e ser afetado pelos outros corpos, pois suas percepções serão constituídas a partir das idéias das afecções do corpo. Ora, embora a alma e o corpo sejam totalidades compostas eles não são meros agregados mas totalidades estruturadas e auto-reguladas. O todo não se reduz à mera justaposição das partes mas define-se por uma lei que organiza as relações entre elas, uma estrutura que confere unidade e individualidade ao todo. Assim, o que define a individualidade de um corpo (seja ele humano ou não) é a relação constante segundo a qual suas partes comunicam seus movimentos entre si, de tal forma, que qualquer variação nos seus componentes que não destrua esta relação preserva a identidade indivídual. Assim, um indivíduo composto pode sofrer múltiplas variações, afetar e ser afetado de várias maneiras pelos corpos exteriores, conservando sua individualidade através das trocas com o meio circundante. Ora, um indivíduo é uma totalidade em relação às suas partes, mas é ele mesmo uma parte em relação a totalidades mais abrangentes, num processo que remonta ao infinito. A concepção espinosiana do indivíduo, compatibilizando a variabilidade com a permanência, permite conceber a “Natureza inteira como um único indivíduo, cujas partes, isto é, todos os corpos, variam de infinitas maneiras, sem mudança do indivíduo total.” (Gleizer, 2005:9). A alma tampouco é um mero agregado de idéias. Paralelamente ao que ocorre com o corpo ela também se define por uma lei que organiza seus componentes, a “lei que funda a unidade da consciência sendo a réplica da lei que funda a unidade corporal” (Gleizer, 2005:10). E assim como o corpo é uma totalidade contida em totalidades mais abrangentes também a alma é uma totalidade mental contida em um sistema de representações mais abrangente, constituindo junto com as outras idéias o que Espinosa (Ibid) chama de entendimento infinito de Deus, e tudo o que se segue 29 necessariamente dessa essência (totalidade dos objetos e acontecimentos por ela engendrados). Damásio (2004), descrevendo as estranhas sensações experimentadas pelos indivíduos antes das crises epilépticas, fenômenos chamados de auras, afirma que estes doentes descrevem vivências corporais perturbadoras, como uma subida de estranhíssimas sensações seguidas de perda da consciência. Para o autor, “retirar a presença do corpo é como retirar o chão em que a mente caminha. A interrupção radical do fluxo das representações do corpo que suportam os nossos sentimentos acarreta uma interrupção radical dos pensamentos que formamos sobre objetos e situações e, inevitavelmente também, a interrupção radical da continuidade daquilo que percebemos como nossa existência”. (Ibid, 203) Na Ética, Espinosa (1989) explica a gênese dos conteúdos cognitivos da alma humana a partir das idéias das afecções do corpo. Para ele, toda a vida afetiva e ética do homem depende da natureza do seu conhecimento, sendo que, o primeiro “gênero do conhecimento” denominado de opinião ou imaginação, inclui a percepção sensível e a imaginação propriamente dita, isto é, a representação das coisas exteriores como presentes a partir das idéias de suas imagens formadas no corpo humano. Estas imagens são afecções do próprio corpo, efeitos resultantes de sua interação com os corpos exteriores. Em virtude disso elas dependem tanto da natureza dos corpos que nos afetam quanto da natureza e da situação do corpo (por exemplo, da natureza dos órgãos sensoriais e da posição espaço-temporal de cada um). Porém essas naturezas não são conhecidas verdadeiramente pela imaginação, pois elas são aí percebidas apenas a partir da maneira como afetam o corpo, isto é, tal como aparecem para cada um. Espinosa afirma que as idéias imaginativas indicam muito mais o estado do corpo humano do que a natureza dos corpos exteriores. Gleizer (2005) exemplifica: quando se percebe o sol como um pequeno disco próximo da Terra, essa percepção indica a maneira como o órgão visual é de fato afetado pelo sol, mas não representa a sua verdadeira dimensão nem sua verdadeira distância. Assim, quem jamais foi levado a questionar a validade das informações obtidas pelos sentidos crê naturalmente que o sol é tal como aparece. Por isso, com a imaginação é produzida uma inversão cognitiva da ordem da Natureza, na qual o efeito é tomado pela causa, as partes pelo todo e os 30 estados subjetivos sendo projetados como propriedades objetivas das coisas. Ora, conhecer verdadeiramente é conhecer pelas causas. Logo, a imaginação, mesmo sendo dotada de uma positividade ao indicar o estado atual do corpo, não satisfaz as condições do conhecimento verdadeiro e é a única causa da falsidade. Gleizer (2005) destaca, ainda, dois aspectos importantes do conhecimento imaginativo: primeiro, a sua natureza espontaneamente alucinatória. Com efeito, dado que as imagens registradas no corpo persistem mesmo quando suas causas exteriores não mais existem, sempre que qualquer uma delas for reativada por causas internas ao corpo sua idéia afirmará a existência de seu objeto exterior, presentificando assim o objeto ausente. O segundo aspecto refere-se à ordem e concatenação das imagens corporais, ordem que é fruto dos encontros com os corpos exteriores. Ora, estes encontros dependem da posição espaço-temporal do indivíduo e são determinados por uma série infinita de causas finitas que escapam necessariamente aos limites de seu conhecimento. Por isso essa concatenação aparece como contingente e fortuita. É ela, variável individualmente, que é reproduzida pelas idéias imaginativas, estabelecendo o que Espinosa (Ibid) denomina de “ordem de memória”, e que ele opõe à “ordem do intelecto” pela qual a mente adequadamente, percebe as coisas e que é a mesma em todos os homens. Vê-se, assim, que a imaginação é marcada pela diversidade e parcialidade das perspectivas individuais. O segundo e o terceiro “gêneros respectivamente de razão e ciência intuitiva, do conhecimento”, denominados são constituídos apenas por idéias adequadas, isto é, idéias completas, intrinsecamente verdadeiras e dotadas de uma certeza matemática apreendida de imediato pela mente. As idéias adequadas da razão são idéias das propriedades comuns das coisas, seja de todas as coisas, seja de um subconjunto delas. Por exemplo, o movimento é uma propriedade comum de todos os corpos. O conhecimento de suas leis gerais permite descrever o comportamento dos corpos. Assim, com a razão, atinge-se um conhecimento universal e necessário. Por fim, com as idéias adequadas da ciência intuitiva, o conhecimento verdadeiro alcança a singularidade dos objetos, pois com essas idéias as essências singulares das coisas são inferidas a partir da idéia adequada da essência de certos atributos de Deus. 31 III - AS REPRESENTAÇÕES MENTAIS “Ah! Se ao te conhecer dei pra sonhar fiz tantos desvarios rompi com o mundo, queimei meus navios. Se na bagunça do teu coração Meu sangue errou de veia e se perdeu ... Como se nos amamos feito dois pagãos Teus seios ainda estão na minhas mãos Me explica com que cara eu devo sair Não! Acho que estás te fazendo de tonta Te dei meus olhos para tomares conta Agora conta como eu devo partir.” (Chico Buarque) 3.1. Perspectiva comportamental Catania (1999) apresenta a partir da perspectiva comportamental, o conceito representação como sendo, “a transformação dos estímulos que ocorrem no momento em que um organismo responde a eles, ou mais tarde (p.ex. no lembrar). Em algumas concepções de representações, elas são cópias; em outras elas têm relações arbitrárias com estímulos, como quando uma letra apresentada visualmente é representada por seu som. A última é mais similar a receitas do que a fotocópias e tem dimensões comportamentais” (p.420). A representação mental está relacionada à resposta ocasionada por um estímulo que já não está presente talvez diretamente, ou talvez pela mediação de outro comportamento com relação àquele estímulo. Por exemplo, o lembrar geralmente é discutido em termos de uma metáfora de armazenamento que ocorre quando o estímulo é apresentado, e a recuperação, quando ele é lembrado. Posteriormente muitas críticas foram travadas à essa visão mecanicista das representações mentais. Essa perspectiva evoca a metáfora do cérebro como um 32 computador. Considera-se uma metáfora inadequada, pois o cérebro de fato executa “computações”, mas sua organização e seu funcionamento têm pouca semelhança com a noção comum do que é um computador. 3.2. Perspectiva neuropsicológica cognitiva A psicologia, ao abranger os processos cognitivos após o apogeu da era do comportamentalismo na qual o behaviorismo reinou absoluto, passa a se dedicar ao estudo daquilo que não é manifesto do comportamento humano, ou seja, ao tratamento das informações e às representações mentais. Desde o século XIX, Wilhelm Wundt e sucessores vêem tentando levantar o véu que encobre o não manifesto do comportamento dos homens. Estes cientistas acreditavam que a introspecção através da linguagem poderia ser um eficaz método de pesquisa no desvendamento dos conteúdos mentais e de seus, até então, desconhecidos substratos neurais. Entretanto como a linguagem era considerada um instrumento de pesquisa falho e pouco confiável para os padrões científicos da época (anos 1920/1960), os pesquisadores dos Estados Unidos da América do Norte optaram pelo estudo do comportamento explícito ou manifesto, através do behaviorismo. Se o behaviorismo satisfaz as necessidades metodológicas de uma psicologia superficial e simplista que tem como principal objeto de estudo o arco reflexo e os comportamentos sensório/motores, ele se mostra totalmente ineficiente quando se trata de elaborar questionamentos e de fornecer respostas para problemas que envolvem as complexas funções representacionais, como as lingüísticas, imagéticas e oníricas. Porém com o aparecimento da cibernética, da análise dos sistemas e da teoria da informação, por volta dos anos 50, uma nova abordagem psicológica surge. Utilizando como metáfora dos processos mentais os modelos computacionais, os psicólogos acreditaram, por analogia, serem capazes de dominar os processos cognitivos superiores dos homens. Estabelecendo uma forte relação entre o comportamento explícito e manifesto e os implícitos e não manifestos, entre as “ações” sensório/motoras e as “re-present-ações” mentais, eles dedicaram-se a avaliar o comportamento dos primeiros através dos segundos. Utilizando estratégias 33 hipotético/dedutivas e instrumentos de medição como os testes, neuropsicólogos cognitivistas passaram a avaliar e a comparar os tempos de reação, os números de respostas e os erros e os acertos de inúmeros indivíduos. Desta forma, criou-se um substancial acervo de dados a respeito da atenção, da memória, do pensamento, da imaginação e do raciocínio, funções cognitivas até então consideradas como impossíveis de serem científicamente avaliadas. Como a moderna tecnologia de imagem cerebral nem sempre pode ser utilizada devido ao seu elevado custo e mão de obra especializada, o método de pesquisa comparativo é o mais utilizado nas pesquisas cognitivas com seres humanos. Comparando idades, sensório/motores, gêneros, cognitivos culturas, comportamentos, representacionais, afetivo/emocionais e sociais, pode-se e, comprometimentos mais recentemente, obter resultados bastante interessantes a respeito de como surgem e se processam nos homens as suas funções cognitivas superiores. Joffily (2005) afirma que a neuropsicologia cognitiva revela-se como campo interdisciplinar, através da pesquisa teórica e prática abordando tanto os aspectos modulares inatos do comportamento humano - as ações e sensações intencionais primordiais -, quanto os complexos processos representacionais, tais como: pensamento, imaginação, sonho, linguagem. Para a autora a representação se apresenta como elemento constitutivo de um modelo teórico que se atualiza ao longo do tempo, como também a função mnêmica e sua temporalidade constitutiva. Em seu aspecto clínico, as pesquisas neuropsicológicas cognitivas visam obter dados para estabelecer diagnósticos e a reabilitação de indivíduos ou de grupos de pacientes sob as seguintes condições: a) quando manifestam prejuízos ou modificações cognitivas ou comportamentais devido a lesões primárias ou secundárias do sistema nervoso central; b) quando os seus potenciais adaptativos não são suficientes para adequá-los ao manejo da vida prática, acadêmica, profissional, familiar ou social; ou c) quando problemas bioquímicos ou elétricos do cérebro provocam modificações ou prejuízos cognitivos, comportamentais ou afetivos. 34 A pesquisa neuropsicológica cognitiva visa, portanto, fornecer dados objetivos e formular hipóteses sobre o funcionamento cognitivo humano. 3.3. Perspectiva neurocientífica Para Jeannerod (1983) o córtex não é simplesmente uma estação suplementar de tratamento da informação exterior: este tratamento dá origem somente a uma imagem do objeto, e não à uma representação deste objeto. A imagem está ligada diretamente aos dados sensíveis que constituem o objeto enquanto que o objeto e a representação só estabelecem uma relação em nível simbólico. Entre imagem e representação existe um abismo semelhante ao que separa a consciência do objeto do próprio objeto. Portanto, toda imagem formada pelos sentidos é fugaz e impermanente, enquanto que a representação, formada pelos símbolos associados às informações sensoriais, é estática e permanente. Damásio (p.404) emprega o termo representação como sinônimo de imagem mental ou de padrão neural: “minha imagem mental de um rosto específico é uma representação, assim como os padrões neurais que surgem durante o processamento perceptivo-motor desse rosto, em diversas regiões do cérebro – visuais, sômatosensitivas e motoras.” (Ibid:404) Este conceito de representação é convencional e claro, significa simplesmente “padrão que é consistentemente relacionado a algo”, quer se refira a uma imagem mental ou a um conjunto coerente de atividades neurais em uma região cerebral específica. O problema com o termo representação não é a ambigüidade, já que todos podem deduzir o que ele significa, mas a implicação de que de algum modo a imagem mental ou o padrão neural representa com algum grau de fidelidade, na mente e no cérebro, o objeto ao qual a representação se refere, como se a estrutura do objeto fosse reproduzida na representação. Utilizando a palavra representação, não é isso que o autor sugere. Ele afirma não ter idéia do quanto os padrões neurais e as imagens mentais são fiéis em relação aos objetos aos quais se referem. Seja qual for o grau de fidelidade os padrões neurais e as imagens mentais correspondentes são criações do cérebro tanto quanto produtos da realidade externa que levaram à sua criação. Damásio afirma: 35 “Quando você e eu olhamos para um objeto exterior a nós, cada um forma imagens comparáveis em seu cérebro. Sabemos disso muito bem, pois você e eu podemos descrever o objeto de maneiras muito semelhantes, nos mínimos detalhes. Mas isso não quer dizer que as imagens que vemos sejam a cópia do objeto lá fora, qualquer que seja sua aparência. Em termos absolutos, não conhecemos essa aparência.” (Ibid:405) A imagem que o indivíduo vê se baseia em mudanças que ocorreram em seu organismo – incluindo a parte do organismo chamada cérebro – quando a estrutura física do objeto interagiu com o corpo. Os mecanismos sinalizadores de toda estrutura corporal – pele, músculo, retina etc – ajudam a construir padrões neurais que mapeiam a interação do organismo com o objeto. Os padrões neurais são construídos segundo as convenções próprias do cérebro e são obtidos transitoriamente nas diversas regiões sensoriais e motoras do cérebro que são apropriadas ao processamento de sinais provenientes de regiões corporais específicas: pele, músculo ou retina. A construção desses padrões neurais ou mapas baseia-se na seleção momentânea de neurônios e circuitos mobilizados pela interação. Em outras palavras, os tijolos da construção existem no cérebro, estão disponíveis para serem manipulados e montados. A parte do padrão que permanece na memória é construída segundo os mesmo princípios. Portanto as imagens que cada um vê em sua mente não são cópias do objeto específico, mas imagens das interações entre cada um e o objeto que mobilizou o seu organismo, construídas na forma de padrão neural, segundo a estrutura do organismo. O objeto é real, as interações são reais e as imagens são tão reais quanto uma coisa pode ser. Entretanto, a estrutura e as propriedades da imagem que se vê são construções do cérebro inspiradas por um objeto. Não há um retrato do objeto que seja transferido do objeto para a retina e desta para o cérebro. Há, isto sim, um conjunto de correspondências entre características físicas do objeto e modos de reação do organismo, segundo os quais, uma imagem gerada internamente é construída. Como do ponto de vista biológico os indivíduos são suficientemente semelhantes para construir uma imagem bastante semelhante de uma mesma coisa, pode-se aceitar sem hesitação a idéia convencional de que forma-se a imagem de uma coisa específica, mas isso não parece mais sustentável pelas neurociências. 36 3.4. O cérebro e a representação do mundo “Os homens julgam as coisas segundo disposição do cérebro” – Espinosa (1989), Ética I Para Changeux (1985) um dos fatores evolutivos que conduziram ao Homo sapiens foi o alargamento da capacidade de adaptação do encéfalo ao meio ambiente, acompanhado de um evidente aumento das aptidões para criar objetos mentais e combiná-los entre si. O pensamento desenvolve e enriquece a comunicação entre os indivíduos. Os laços sociais intensificam-se e durante o período que se segue ao nascimento deixam no cérebro de cada indivíduo uma marca original e indelével. À evolução genética sobrepõe-se uma variabilidade individual – epigenética – da organização dos neurônios e respectivas sinapses. A singularidade dos neurônios fraciona, retalha a heterogeneidade dos genes e imprime em cada encéfalo humano aspectos característicos do meio ambiente onde se desenvolveu. Existem processos de caráter interno que não se manifestam por uma conduta aberta para o mundo exterior, tais como as sensações ou percepções, a elaboração de imagens de memória ou de conceitos e o encadeamento de objetos mentais em “pensamento”. A gênese de um objeto mental agitará eventualmente um elevado número de populações topologicamente dispersas de neurônios, cujas designações funcionais ou singularidades se distribuem de maneira variável. Os cérebros de gêmeos univitelinos têm poucas probabilidades de serem exatamente idênticos. Os objetos mentais acumulam-se, portanto, de indivíduo para indivíduo, e também de um momento para o outro, no mesmo indivíduo, a partir de populações semelhantes de neurônios mas que diferem em certos pormenores. Deste modo as realizações comportamentais jamais poderão ser exatamente idênticas. A capacidade fundamental do encéfalo dos vertebrados superiores e, em especial do Homem, é a de construir “representações”, tanto na seqüência de uma interação com o meio ambiente como, espontaneamente, por focalização “interna” da atenção. Essas representações são escalonadas por mobilização de neurônios cuja 37 distribuição ao nível das diversas áreas corticais determinará o caráter figurativo e abstrato. O objeto mental, por definição, é uma ocorrência transitória. Dinâmico e fugaz, a sua “duração de vida” situa-se nos domínios de tempo da ordem de fração de segundo. A “singularidade” dos neurônios que o constituem, pelo contrário, é muito estável e elabora-se, durante o desenvolvimento, com base tanto em mecanismos de expressões genéticas internas, como em regulações que se sucedem a uma cascata de interações recíprocas com o ambiente. O componente epigenético das singularidades neuronais constitui assim, por si só, uma “representação”. Segundo Slobin (1980), a palavra representação deriva do vocábulo latino representaere, fazer-se presente. Usada originalmente num sentido teológico ela se aplicava ao belo, qualidade considerada um reflexo de algo absoluto e inatingível, a beleza divina. À partir do século XVI a aplicação deste conceito se amplia e ele passa a definir uma função cognitiva, a faculdade de representar. Desde então, a representação torna-se um fundamento metafísico do pensamento, isto é, o pensamento passa a ser entendido como um conjunto de representações. Assim, a representação torna-se um conceito central na psicologia cognitiva. A natureza das representações é múltipla, e segundo Dortier (2003), elas têm um caráter sensorial - visual, tátil, auditivo e olfativo-, assim como um caráter simbólico/abstrato - sinais e conceitos-, sendo as representações conjuntos estruturados de objetos mentais que revelam um determinado conhecimento do mundo e de suas contingências. Vê-se em Damásio (2003) que a filosofia, por si só, não dispõe de recursos suficientes para explicar a transformação de estímulos sensoriais corporais em representações mentais. Para este autor, a explicação estaria em dois dispositivos cerebrais projetados para administrar a vida do organismo e manter o equilíbrio químico interno, indispensáveis à sobrevivência. Estes dispositivos não seriam entidades hipotéticas ou abstratas, mas instrumentos reguladores da função vital, instalados no cerne do cérebro, mais exatamente no tronco encefálico e no hipotálamo. Estes instrumentos seriam os monitores da constante alteração dos estados orgânicos, isto é, o cérebro seria dotado de mecanismos naturais que representariam as estruturas e o estado de todo o organismo. Desta forma, o problema central da 38 Neuropsicologia Cognitiva - como um “eu biológico” transforma-se em um “eu psicológico” - resolve-se através destes dispositivos reguladores cerebrais. Assim, as estruturas planejadas para mapear o organismo e os objetos exteriores seriam as mesmas utilizadas para estruturar as novas representações, como as que constituem os processos cognitivos superiores. Estas “representações de segunda ordem”, seriam meras ocorrências neurais que aconteceriam no tálamo e no córtex do giro cíngulo. Damásio (in representacionais, Jeannerod, 2003:444), distingue dois diferentes níveis um mais elevado, e em geral consciente, representando as intenções, os desejos e as crenças. O segundo, mais elementar e automático, envolvendo a seqüência de movimentos corporais e rotações mentais necessários à execução de determinadas ações ou representações de ação. 39 IV – DESEJO E EMOÇÃO “Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar Então ela se fez bonita como a muito tempo não queria ousar ...E cheios de ternura e graça foram para a praça E começaram a se abraçar ...E foi tanta felicidade que toda a cidade se iluminou E foram tantos beijos loucos tantos gritos roucos Como não se ouvia mais.” (Chico Buarque) 4.1. O desejo Desejo é um termo empregado em filosofia, psicanálise e psicologia para designar, ao mesmo tempo, a propensão, o anseio, a necessidade, a cobiça ou o apetite, isto é, qualquer forma de movimento em direção a um objeto cuja atração espiritual ou sexual é sentida pela alma e pelo corpo. Considera-se não ser o desejo necessariamente irracional, podendo ser muitas vezes um ato deliberado, que tem como objeto algo que está no âmbito do poder de deliberação. Em rigor aquilo a que se chama “eleição” ou “preferência” é “um desejo deliberado”. Na Antiguidade, o desejo era referido como uma paixão da alma. Quando se acentuava o caráter racional da alma, contudo, qualquer das suas “paixões” poderia parecer como um obstáculo para a razão. O desejo pode ser conceituado como um estado afetivo provocado pela atualização de uma força que determina um movimento de um corpo, sob a ação de uma necessidade ou de uma representação. Segundo Cuvillier (in Santos, 1960), uma tendência tornada consciente de si mesma é acompanhada da representação de seu objeto. Por outro lado, a vontade seria a “forma de atividade, reflexiva e plenamente consciente, implicando representação do fim e deliberação.” (Ibid:433). Tais conceitos não se confundem com a motivação, um conjunto das causas (móveis ou motivos) que 40 concorrem para determinar a conduta humana. São Tomás (in Chauí, 1996) nega que a “concupiscência” ou desejo esteja unicamente no apetite sensitivo. Isto não quer dizer que se estenda sem limites por todas as formas do apetite. O desejo pode ser sensível ou racional e aspira a um bem que não se possui, contudo, não se deve confundir o desejo com o amor ou a deleitação, assim, a bondade ou maldade do desejo dependem do objeto considerado. Alguns autores modernos tratam o desejo como uma das chamadas “paixões da alma”. Para Descartes (in Mora, 1982:45), “a paixão do desejo é uma agitação da alma causada pelos espíritos que a dispõem a querer para o porvir coisas que se representam como convenientes para ela”. Também em Locke (Ibid:63): “a ansiedade que um homem encontra em si por causa da ausência de algo cujo gozo presente leva consigo a idéia de deleite é aquilo a que chamamos de desejo, o qual é maior ou menor consoante essa ansiedade seja mais ou menos veemente.” Espinosa (Ibid: 39) não estabelece nenhuma distinção entre apetite e desejo: “o desejo é o apetite acompanhado da consciência de si mesmo”. Para Di Giorgi (1990) o verbo latino desiderare, em português desejar, e desejo, vem da palavra sidus, sideris, que quer dizer “astro”, “estrela”. Na linguagem dos advinhos o ato de contemplar os astros chama-se considerare, de onde surgiu o português considerar. Levar em consideração é, no fundo, observar os astros, ver o conjunto dos astros, e, a partir daí tirar uma conclusão sobre os eventos futuros, considerare. E assim, “Quando alguém estava desesperado, quando aquilo que ele queria não tinha mais, e lhe diziam: “Vai ver os astros para ver o que acontece, ele dizia: _ “Não adianta, eu estou perdido”. Isso era desiderare, “desistir dos astros”. (Ibid:133). O referido autor afirma que isso é que é desejar, desejar é ter a certeza da ausência, por não ter o que se quer, se deseja. Então, desejar na sua origem quer dizer: desistir de olhar os astros, desistir de especular sobre o futuro, reconhecer, que não se tem o que se quer. A partir daí, a atitude que cabe é a de desejar; o desejo pois é o desejo da ausência, daquilo que não se tem. O desejo sexual é um impulso subjetivo que gera comportamentos de um indivíduo em relação a outro, visando obter como resposta uma sensação de prazer e satisfação sexual. É um fenômeno de grande complexidade cuja manifestação ocorre 41 pela interação de estímulos biológicos, psicológicos e/ou sociais. Recebe várias denominações como libido, apetite, excitação, pulsão, ânsia, luxúria, paixão, etc. O desejo sexual traduzido em motivação corresponde a um estado interno que resulta de uma necessidade e incita o comportamento, usualmente dirigido à satisfação da necessidade ativadora. Segundo Abdo e Galiglia (2000), o desejo é estimulado por fatores internos e externos. Os primeiros referem-se à fantasias, sonhos, pensamentos, vivências, personalidade, afeto, amor, etc. Já os fatores externos dizem respeito à linguagem corporal, aspectos culturais, sociais, sensoriais (olhar, odor, música, visão de um corpo atraente, carícias). A partir daí o indivíduo tende a buscar ou criar ativamente circunstâncias que possam resultar em uma satisfação erótica e/ou sexual, seja na masturbação, no relacionamento com um parceiro ou com variações do objeto sexual. Na manifestação do desejo atuam os hormônios sexuais, entre eles, a testosterona, hormônio masculino secretado tanto pelos testículos e ovários como pelas glândulas supra-renais que ativam os circuitos cerebrais responsáveis pelo prazer e comportamento sexual de homens e mulheres. Também são fundamentais o hormônio feminino estradiol e os neurotransmissores como a dopamina e a serotonina. O desejo pode desencadear a excitação quando os organismos do homem e da mulher reagem de forma similar: o sistema nervoso envia impulsos que processam várias alterações tais como o aumento da pressão sangüínea, a aceleração da pulsação e da respiração, o aumento do fluxo de sangue nos órgãos genitais, o aumento da sensibilidade da pele, a ereção peniana nos homens e a intensa lubrificação vaginal nas mulheres. A duração dessas reações difere entre os indivíduos, mas tende a ser prolongada entre as mulheres. A excitação varia segundo a intensidade do desejo e a eficácia das carícias. A estimulação contínua das zonas erógenas é importante para manter e aumentar o estado de excitação. Após a fase de excitação sexual, se a estimulação continua, o ato sexual pode resultar no orgasmo e depois o organismo retorna ao estado anterior à excitação. 42 4.2. A memória e o desejo Damásio (2005:101): “Ao longo dos anos tenho ouvido várias vezes dizer que talvez seja possível utilizar o corpo para explicar a alegria, a tristeza e o medo, mas que o corpo nada pode explicar no que diz respeito ao desejo, ao amor ou ao orgulho. Fico perplexo perante essa relutância, e sempre que a afirmação é feita diretamente respondo da mesma maneira: por que não? Deixe-me tentar.” O referido autor propõe ao leitor uma experiência mental: considere a ocasião, espero que recente, em que viu uma mulher ou um homem que lhe despertou, uns escassos segundos um desejo ardente, o eterno pecado da luxúria. E pede a seguir, que tente reconstruir aquilo que se passou em termos fisiológicos, no seu próprio organismo. Ora, o objeto causador desse despertar aprazível provavelmente se apresentou não no todo mas em partes. Talvez aquilo que primeiro tenha chamado a atenção tenha sido a forma de um tornozelo, a maneira como este se relacionava com um sapato e como continuava no resto do corpo, mais imaginado do que visto, coberto por uma saia. Ou talvez tenha sido o desenho de uma nuca ou da sua relação com uma camisa. Ou talvez não tenha sido mesmo uma parte de um corpo, mas sim o movimento de um corpo inteiro no espaço, a energia e decisão que animavam esse corpo. Qualquer que tenha sido a apresentação o sistema neural dos apetites entrou em ação e as respostas apropriadas foram selecionadas. De que foram feitas essas respostas? Bem, foram feitas de preparações e simulações. O sistema dos apetites promoveu um número de modificações corporais, algumas sutis e outras não, que fazem parte da rotina que conduz finalmente à consumação do apetite. Ocorreram rápidas alterações químicas no seu meio interno, mudanças de ritmo cardíaco e respiração compatíveis com um desejo ainda mal definido, redistribuições do fluxo sanguíneo e preparações musculares para toda uma série de movimentos que poderiam vir a ser utilizados mas que provavelmente não foram. O jogo de tensões do sistema muscular foi reorganizado e de fato surgiram tensões onde não haviam apenas poucos momentos antes e noutras zonas do sistema muscular apareceram também 43 relaxamentos que não estavam presentes. Além de tudo isso a imaginação começou a trabalhar mais intensamente tornando agora os seus desejos um pouco mais claros. A curiosa maquinaria da recompensa, quimicamente e neurofisiologicamente falando, entrou em alerta completo e o corpo começou a exibir alguns dos comportamentos que normalmente associamos aos estados de prazer. Perturbadoras manifestações sem dúvida, todas elas mapeáveis nas regiões do cérebro que se preocupam com o corpo e com a cognição. Em suma, pensar na meta do apetite causou emoções agradáveis e os correspondentes sentimentos agradáveis. O desejo tinha se instalado. Assim, a articulação sutil de apetites, emoções e sentimentos é bem evidente. Se a meta do apetite fosse permissível e consumável a satisfação do apetite causaria a emoção de alegria e faria com que o sentimento de desejo desse lugar aos sentimentos de prazer e exultação. Se, por um lado, o atingir da meta fosse impedido, o sentimento final seria o de frustração, raiva ou cólera. No caso de o processo ficar suspenso durante algum tempo na região deliciosa dos sonhos que sonhamos acordados, tudo acabaria em calma. Ora, será possível que a fome e a sede sejam assim tão diferentes do desejo sexual? Mais simples, sem dúvida, mas não realmente diferentes em matéria de mecanismo. Essa é a razão, sem dúvida, por que fome, sede e desejo sexual podem se misturar tão facilmente e por vezes compensar-se mutuamente. A distinção principal entre esses estados tem a ver com a memória, com a maneira como a recordação e o arranjo permanente das experiências pessoais têm um papel predominante na ocorrência do desejo, mais do que geralmente têm em relação à fome ou à sede (mas é evidente que esse comentário não se aplica aos gastrônomos, ou aos conhecedores de vinhos ou àqueles para quem a fome resulta de uma tragédia social). Seja como for, o objeto do desejo e as memórias pessoais que dizem respeito a esse objeto interagem mútua e abundantemente. As ocasiões passadas de desejo, as aspirações passadas, os prazeres passados, reais ou imaginários, todos eles contribuem para que o desejo se projete de forma particular na mente. Damásio (2004) questiona a possibilidade de descrever o amor romântico e as ligações afetivas em termos biológicos, admitindo ser isso possível, desde que a elucidação dos mecanismos fundamentais não seja levada ao ponto de explicar 44 desnecessária e trivialmente as experiências pessoais. Assim, é possível separar a atividade sexual da paixão, graças ao estudo de dois hormônios que o corpo fabrica continuamente, peptideosocitocina e vasopressina, que influenciam a atividade sexual e as ligações afetivas de certas espécies de roedores como os prairie voles. Quando se bloqueia a ocitocina na fêmea antes do encontro sexual, o comportamento sexual mantém-se, mas não se estabelece nenhuma ligação afetiva com o macho. Numa palavra, sim ao sexo, não à fidelidade. O bloqueio da vasopressina no macho antes do encontro sexual tem uma conseqüência comparável. O encontro sexual acontece normalmente, mas o macho, que habitualmente é fiel à fêmea, não se preocupa com ela e não protege os filhotes. A atividade sexual e as ligações afetivas descritas não são exatamente aquilo a que chamamos amor romântico, mas nem por isso deixam de fazer parte de sua genealogia. Damásio (2004) em sua pesquisa com seres humanos verifica como as ligações afetivas são vivenciadas e constata que “ ... a atividade sísmica da emoção aparecia sempre antes de cada participante indicar com o movimento do dedo que o sentimento da emoção estava começando. Esse resultado mostrava inequivocamente que a emoção vem primeiro e o sentimento dela depois”(Ibid:109). Informa ainda que um outro resultado tem a ver com o estudo das regiões do córtex cerebral que se relacionam com o pensamento e a imaginação, especificamente os córtices do lobo frontal no nível do pólo frontal e das regiões laterais. Não tendo formulado nenhuma hipótese quanto à forma como diferentes modos de pensar acompanham diferentes sentimentos, na condição experimental identifica desativações muito significativas do córtex pré-frontal, enquanto na condição experimental de felicidade, nota a ativação das mesmas regiões. Em certa medida esses resultados sugerem que os circuitos dessas regiões estavam menos ou mais ativos, respectivamente, durante a tristeza e a felicidade, um resultado que está bem de acordo com a idéia de que a fluência das idéias está reduzida na tristeza e aumenta durante a felicidade. Estudos de Dolan (in Damásio, 2004) relacionados ao prazer de comer chocolate, aos desvarios do amor, aos sentimentos de culpa e à excitação erótica mostram que as regiões cerebrais identificadas pelas experiências, como o córtex da ínsula e o córtex da região cingular, manifestam alterações significativas. Destaca-se 45 ainda que tanto o córtex do cingulo como o córtex da ínsula, estão significativamente ativos durante a excitação erótica, e o córtex órbito-frontal e os núcleos da base estão também envolvidos no processo. Nota curiosa no que diz respeito ao sexo dos participantes: nos homens, há igualmente um recrutamento notável do hipotálamo, que não se nota de todo nas mulheres. 4.3. A emoção Damásio (1999) em o “Erro de Descartes” aventa a possibilidade de que a parte da mente denominada self seja biologicamente alicerçada em um conjunto de padrões neurais inconscientes que representam a parte do organismo chamada corpo. Em seu livro “O mistério da consciência” (2000:51) apresenta a consciência imbricada no corpo: “a consciência começa quando os cérebros adquirem o poder de contar uma história sem palavras, a história de que existe vida pulsando incessantemente em um organismo, e que os estados do organismo vivo, dentro das fronteiras do corpo, estão continuamente sendo alterados por encontros com objetos ou eventos em seu meio ou também por pensamentos e ajustes internos do processo da vida.” Cannon (in LeDoux, 1996) em princípios do século XX escreve sobre uma função biológica que ele denominou homeostase e que define como “as reações fisiológicas coordenadas que mantêm constante a maioria dos estados do corpo [...] e que são características do organismo vivo” (Ibid:31). A gestão da vida apresenta em meios diversos, problemas diferentes para organismos diferentes. Organismos simples em meios propícios podem requerer pouco conhecimento e nenhum planejamento para que reajam adequadamente e mantenham a vida. Talvez sejam precisos alguns poucos mecanismos sensitivos, um conjunto de disposições para reagir conforme o que for percebido e algum meio de executar a reação selecionada como adequada. Em contrapartida, organismos complexos situados em meios complexos requerem além de vastos repertórios de conhecimentos, a possibilidade de construir combinações inéditas de reações 46 possíveis, a capacidade de planejamento prévio para evitar situações desvantajosas e propiciar as favoráveis. O mecanismo necessário para executar tarefas tão exigentes é complexo e demanda um sistema nervoso central, um vasto conjunto de disposições em grande parte inatas fornecidas pelo genoma, embora algumas possam ser modificadas pelo aprendizado e adquiridas pela experiência. O controle das emoções é parte desse conjunto de disposições que necessitam de vários tipos de sensores que devem ser capazes de detectar diversos sinais dos meios interno e externo. A gestão da vida requer um modo de reagir que se baseia não só em ações executadas por músculos mas também em imagens capazes de representar estados internos do organismo, ações e relações. Damásio (1999) cria o conceito de “marcador-somático” afirmando que quando surge um mau resultado associado a uma dada opção de resposta, por mais fugaz que seja, o indivíduo sente uma sensação visceral desagradável. Como a sensação é corporal Damásio atribui ao fenômeno o termo técnico de estado somático (em grego, soma quer dizer corpo); e, porque o estado marca uma imagem, ele o denomina marcador. Utilizando o termo somático em uma acepção mais genérica, como aquilo que pertence ao corpo, ele inclui tanto as sensações viscerais como as não viscerais, quando se refere aos marcadores-somáticos. A função do marcador-somático é fazer convergir a atenção para qualquer resultado negativo a que a ação pode conduzir, atuando como um sinal de alarme automático, que previne um resultado desfavorável. O sinal pode fazer com que se rejeite imediatamente o rumo de ação negativo e se busque outras alternativas. O alarme automático protege de prejuízos futuros sem mais hesitações e permite depois escolher entre um número menor de alternativas. A análise custos/benefícios e a capacidade dedutiva adequada ainda têm o seu lugar mas só depois desse processo automático reduzir drasticamente o número de opções. Os marcadores-somáticos podem não ser suficientes para a tomada de decisão humana normal, dado que, em muitos casos, é necessário um processo subsequente de raciocínio e de seleção final, mas aumentam a precisão e a eficiência do processo de decisão e sua ausência a reduzem. 47 Damásio (1999) postula que “os marcadores-somáticos são um caso especial do uso de sentimentos gerados a partir de emoções secundárias. Essas emoções e sentimentos foram ligados, pela aprendizagem, a resultados futuros previstos de determinados cenários. Quando um marcador somático negativo é justaposto a um determinado resultado futuro, a combinação funciona como uma campainha de alarme. Quando, ao contrário, é justaposto um marcador-somático positivo, o resultado é um incentivo”. (Ibid:206) Os marcadores-somáticos podem funcionar de forma velada, isto é, utilizando o circuito emocional denominado “como se”. Este é capaz de gerar simulações baseadas em experiências passadas, projetando-as para o futuro, consciência. Assim, torna-se evidente a sem surgir na simbiose entre os chamados processos cognitivos e os processos emocionais. 4.4. Expressão emocional Ramachandran (2002), observou que pacientes estimulados no septo – um aglomerado de células localizado perto da frente do tálamo, na região central do cérebro, afirmam experimentar intenso prazer, “como milhares de orgasmos num só”. Constatou também pela observação clínica que o lobo frontal esquerdo parece estar envolvido na sensação de “coisas boas”. Quando Michael Persinger (in Ramachandran, 2002:55), psicólogo canadense, usou o “estimulador magnético transcraniano”, optou em estimular partes dos seus lobos temporais, percebendo assim que tinha pela primeira vez em sua vida “sentido” Deus. O resultado da experiência não surpreendeu Ramachandran (2002) que já suspeitava que os lobos temporais, especialmente o esquerdo, estão de algum modo implicados em experiências religiosas, sendo comum que pacientes com ataques epilépticos originários desta parte do cérebro tenham intensas experiências espirituais durante os ataques e mesmo durante os períodos intermediários se tornam preocupados com problemas religiosos e morais. Considerando as crenças religiosas como resultado combinado de desejo mágico e de um anseio de imortalidade, torna-se 48 difícil explicar os arroubos de intenso êxtase religioso experimentados por pacientes com ataque no lobo temporal, assim como, a alegação de que Deus fala diretamente com eles. Muitos pacientes relatam que uma “luz divina ilumina todas as coisas” ou que uma “verdade suprema está completamente além do alcance de mentes de pessoas comuns que estão mergulhadas demais na rotina diária para notar a grandeza de tudo isso.” (Ibid:226). Cabe a discussão: divino ou neurológico? Em 1935, o anatomista James Papez (in Ramachandran, 2002), observou que pacientes que morriam de hidrofobia muitas vezes experimentavam ataques de extrema fúria e terror nas horas anteriores à morte. Ele sabia que a doença era transmitida por mordidas de cães e deduziu que algo na saliva dos cães – o vírus da raiva – passava pelos nervos periféricos da vítima, localizados perto da mordida, subindo pela medula espinhal até o cérebro. Ao dissecar cérebros de vítimas Papez descobriu que o vírus havia se dirigido para um aglomerado de células nervosas (ou núcleos conectados por longos tratos de fibra em forma de C), localizados numa estrutura profunda, interna, do cérebro. Um século antes o famoso neurologista francês Pierre Paul Broca havia denominado esta estrutura de sistema límbico. Como os pacientes de hidrofobia sofriam violentos acessos emocionais, Papez deduziu que estas estruturas límbicas deveriam estar intimamente envolvidas no comportamento emocional humano. LeDoux (1998) define o sistema límbico como um circuito neural que recebe informações de todos os sistemas sensoriais – visão, tato, audição, paladar e olfato. Este último está ligado diretamente ao sistema límbico através da amígdala (estrutura em forma de amêndoa que serve de portal de entrada para o sistema límbico). Este fato não surpreende, dado que nos mamíferos inferiores, o olfato está intimamente ligado às emoções, ao comportamento territorial, à agressividade e à sexualidade. Papez (in LeDoux, 1998) observou, que o sistema límbico é aparelhado principalmente para a experiência e a expressão de emoções. A experiência de emoções é mediada por conexões de ida e volta com os lobos frontais e grande parte da riqueza da vida emocional interior provavelmente depende dessas interações. A expressão externa emocional, por outro lado, exige a participação do hipotálamo, um pequeno e denso aglomerado de células e um centro de controle com três grandes 49 saídas. Pela primeira saída, os núcleos hipotalâmicos enviam sinais hormonais e neurais à glândula pituitária freqüentemente descrita como o “regente da orquestra” endócrina. Os hormônios liberados através deste sistema influenciam quase todas as partes do corpo humano. Pela segunda saída o hipotálamo envia comandos ao sistema nervoso autônomo que controla várias funções vegetativas e corporais, inclusive a produção de lágrimas, saliva e suor e o controle da pressão sangüínea, do ritmo cardíaco, da temperatura do corpo, respiração, função da bexiga, defecação, etc. Assim, o hipotálamo pode ser considerado, então, o “cérebro” desse sistema nervoso arcaico, ancilar. A terceira saída dirige comportamentos reais como os de lutar, fugir, alimentar-se e o comportamento sexual. Em resumo, o hipotálamo é o “centro da sobrevivência” do corpo preparando-o para emergências extremas e para a transmissão dos seus genes. Ramachandran (2002) afirma que grande parte do conhecimento sobre as funções do sistema límbico vem de pacientes que têm ataques epilépticos com origem nesta parte do cérebro podendo estes ser acessos gerais e focais. Quando eles se originam no sistema límbico os sintomas são impressionantemente emocionais. Nestes casos os pacientes declaram que seus “sentimentos estão em fogo”, que vão de intenso êxtase a um profundo desespero, que experimentam uma sensação de desgraça iminente e até acessos de extrema raiva ou terror. Mulheres às vezes sentem orgasmo durante os ataques, embora, por alguma razão desconhecida, os homens nunca sintam orgasmo em tais situações. Entretanto o que mais impressiona ao autor é o fato de os pacientes terem experiências espirituais profundamente comoventes, inclusive uma sensação de presença divina e a impressão de que estão em comunicação direta com Deus. significado cósmico. Tudo em torno deles está impregnado Eles podem dizer: de “Finalmente compreendo tudo. Este é o momento porque tenho esperado em toda a minha vida. De repente, tudo tem sentido.” Ou “Finalmente tenho a introvisão da verdadeira natureza do cosmos.” (Ibid:53) Esta sensação de iluminação, esta absoluta convicção de que a Verdade finalmente foi revelada, deriva mais de estruturas límbicas envolvidas com emoções do que das partes pensantes e racionais do cérebro. Ramachandran (2002) afirma que breves tempestades no lobo temporal podem 50 alterar permanentemente a personalidade do indivíduo, de forma que, mesmo entre os acessos ele é diferente de outras pessoas. Não se compreende ainda por que isso acontece mas é como se as repetidas rajadas elétricas no cérebro (a passagem freqüente de maciças descargas de impulsos nervosos dentro do sistema límbico) “facilitassem” permanentemente certas vias ou pudessem até abrir novos canais, como a água de uma tempestade pode descer por uma colina, abrindo novos regatos, sulcos e passagens ao longo da encosta. Esse processo chamado “ignição” pode alterar permanentemente – e às vezes enriquecer – a vida emocional interior do paciente. Essas mudanças dão origem ao que alguns neurologistas chamam de “personalidade do lobo temporal” (Ibid:230). Os pacientes têm emoções intensificadas e vêem significado cósmico em acontecimentos banais. Afirma-se que eles tendem a ser destituídos de humor, cheios de altivez e empáfia, mantendo diários cuidadosos onde registram fatos cotidianos em detalhes meticulosos (uma hipergrafia), sendo muitas vezes desconcertantes característica chamada quando conversam, argumentadores, pedantes, egocêntricos e obsessivamente preocupados com problemas filosóficos e teológicos. Ramachandran (2002) enfatiza ainda que nem todo paciente de epilepsia do lobo temporal se torna obcecado por religião uma vez que existem muitas conexões neurais paralelas entre o córtex temporal e a amígdala e dependendo de quais as conexões estabelecidas, os pacientes podem desenvolver outras obsessões como: escrever, desenhar, discutir, mas raramente se ocupam com a atividade sexual. 51 V - A FISIOLOGIA DO COMPORTAMENTO SEXUAL “Seu corpo com amor ou não .” (Cazuza) 5.1. Motivação sexual e o comportamento Embora as pessoas não possam viver muito tempo sem alimento elas podem facilmente sobreviver sem sexo. Se o fizessem, no entanto, a raça humana deixaria de existir. Usualmente os psicólogos classificam a motivação sexual como um impulso fisiológico básico pois tem raízes na biologia e é finalmente dirigido a um propósito físico – a união entre um óvulo e um espermatozóide. Naturalmente o impulso sexual não pode ser entendido como resultado simplesmente da necessidade de reprodução. A motivação sexual humana é complexa. Os mecanismos hormonais e cerebrais podem “ligar” o impulso, o mesmo podendo fazer um parceiro atrativo, um incentivo. As experiências influenciam os tipos específicos de incentivos que as pessoas julgam sexualmente despertadores. As cognições e emoções desempenham um papel significante na sexualidade humana. Pensamentos de culpa, por exemplo, produzem ansiedade que interfere na resposta sexual. Por outro lado as fantasias e imagens eróticas explícitas tendem a aumentar a motivação sexual tanto nos homens quanto nas mulheres. Apresenta-se a seguir a resposta sexual humana e descreve-se algumas influências importantes, fisiológicas e ambientais, sobre o comportamento sexual. Quando Alfred Kinsey publicou seus estudos pioneiros de entrevistas sobre sexualidade, por volta do final dos anos de 1940, sabia-se muito pouco a respeito dos costumes sexuais na América. O trabalho de Kinsey descrevendo “quem fazia o que 52 com quem” foi uma tentativa ambiciosa de entender as práticas sexuais da média das pessoas. A pesquisa de Kinsey mostrou que muitas atividades como a masturbação e o coito pré e extraconjugal, que as religiões e as leis com freqüência proibiam, eram disseminadas. No início da década de 1950 o ginecologista William Masters e sua colega Virginia Johnson foram os primeiros cientistas a tentar estudar o comportamento sexual humano em grande escala, dentro do laboratório. Suas constatações trouxeram enormes benefícios práticos para pessoas com problemas sexuais. Inicialmente Marters e Johnson pagavam prostitutas para se empenharem em atos sexuais (principalmente masturbação) enquanto suas respostas fisiológicas eram registradas. Mais tarde os dois pesquisadores estudaram centenas de pessoas comuns durante relações sexuais com sexos opostos e outras atividades. Foram feitas mensurações físicas simultâneas nos indivíduos, antes, durante e depois do orgasmo. Embora os impulsos sexuais possam ser satisfeitos de diversas maneiras o corpo humano exibe um padrão coerente de reações físicas, quando sexualmente despertado. Masters e Johnson discerniram quatro estágios: excitação, platô, orgasmo e resolução. A atividade aumenta as taxas de respostas fisiológicas que variam logo após a estimulação sexual. Durante a fase de excitação as pessoas respiram mais rapidamente. Os tecidos dos órgãos genitais e os mamilos dos seios se enchem de sangue. Estas e outras mudanças fisiológicas aprontam o corpo para o ato sexual. Segue-se a fase do platô em que os músculos continuam a se contrair e freqüentemente o sangue se junta à superfície do corpo. Os homens usualmente apresentam um padrão único, sua excitação se acumula e atinge um ponto máximo, nivela e assim permanece por extensões variáveis de tempo. As mulheres mostram diversas respostas: podem sentir a fase de nivelamento como os homens, acumular excitação diretamente para o orgasmo ou permanecer no estágio do platô até a resolução do orgasmo. A sensação conhecida como orgasmo, ou clímax, dura vários segundos. Durante esta fase os machos liberam o esperma. O orgasmo parece desempenhar o mesmo papel físico para as mulheres e para os homens, traz alívio às áreas inchadas pelo sangue e músculo contraídos, que do contrário poderiam causar desconforto. Os momentos de clímax dos homens são fisiologicamente semelhantes. De acordo com Masters e Johnson, as mulheres sentem um tipo de orgasmo que pode 53 variar muito em duração e intensidade. Elas podem ter diversos orgasmos durante o mesmo ciclo de resposta sexual ao passo que os homens estão limitados a um. O último estágio do ciclo de resposta sexual é a resolução. Durante esta fase o corpo retorna a seu estado normal quando a congestão do sangue é aliviada e os músculos contraídos relaxam. Em 1976 o Relatório Hite sobre a sexualidade feminina reuniu 3.000 mulheres norte-americanas, dos 14 anos 78 anos de idade, que descreveram com suas próprias palavras os mais íntimos sentimentos sobre o sexo. Em vez de basear-se em análises estatísticas. Hite (1976) ilustra cada afirmação com dezenas de fiéis citações tiradas das respostas dos questionários. A pesquisa abarcou temas sobre coito, estímulo clitorial, lesbianismo, escravidão sexual, revolução sexual, mulheres mais velhas e a busca de uma nova sexualidade feminina. 5.2. Os mecanismos fisiológicos que regulam o comportamento sexual Bear (2002) afirma que o comportamento sexual depende do desenvolvimento físico – processo de duração longa - começando no momento da fecundação. Na concepção o sexo genético do embrião é determinado por um único par de cromossomos, os cromossomos do sexo. As mães dão a seus filhos nascituros um cromossomo X. Se o pai contribui com um segundo cromossomo X o bebê recémconcebido, ou embrião, desenvolve-se como uma fêmea genética. Se o pai contribui com um cromossomo Y o embrião desenvolve-se como um macho genético. O sexo genético é apenas o primeiro passo em uma longa cadeia. Inicialmente a criança que ainda não nasceu é capaz de desenvolver gônadas masculinas e femininas, ou glândulas do sexo – os testículos ou os ovários. As gônadas são parte do sistema endócrino. O padrão de cromossomos XY estrutura o desenvolvimento dos testículos. Depois de formadas as gônadas começam a produzir hormônios do sexo, substâncias químicas que viajam através do corpo para afetar o desenvolvimento e o comportamento sexuais. Em seguida estes hormônios assumem o papel principal de controlar a diferenciação sexual. Os hormônios do sexo são produzidos em quantidade relativamente grandes, 54 em certos estágios importantes do desenvolvimento sexual: pouco depois da concepção, próximo ao nascimento e na maturidade sexual, ou puberdade. Na puberdade as glândulas supra-renais também entram em cena. Assim como as gônadas as supra-renais secretam apreciáveis quantidades de hormônios do sexo. Tanto os machos como as fêmeas fabricam hormônios do sexo “feminino”, inclusive estrogênios e progestinas, e hormônios do sexo masculino, os andrógenos. Os machos produzem uma quantidade relativamente grande de andrógenos enquanto as fêmeas, quantidades relativamente grandes de estrogênio e progestinas. andrógenos, particularmente a testosterona, Os que é secretada principalmente pelos testículos, parecem ser os hormônios mais influentes, logo cedo, na vida do bebê que ainda não nasceu. Se os andrógenos estiverem presentes eles estruturam o desenvolvimento dos órgãos genitais masculinos, ou órgãos reprodutores, e a supressão dos órgãos genitais femininos. Na ausência de andrógenos o feto desenvolve órgãos genitais femininos sendo inibidos os masculinos. Os andrógenos influenciam não somente os órgãos reprodutores como também o cérebro e o comportamento sexual subsequente. A presença logo cedo de andrógenos, mesmo em pequenas quantidades, parece alterar os circuitos neurais no hipotálamo, masculinizando-os ou desfeminilizando-os. Os andrógenos produzem este efeito somente durante um período sensível, pouco antes, ou depois do nascimento. Subsequentemente, um cérebro masculinizado dá respostas sexuais masculinas (como montar e enfiar). Bear (2002) afirma que o hipotálamo controla o comportamento sexual dominando a hipófise, a principal glândula do sistema endódrino. A hipófise por sua vez estimula as gônadas e/ou as supra-renais para secretarem hormônio do sexo. No hipotálamo células sensoriais especiais respondem à mudança de níveis de hormônio do sexo, excitando tipos variados de funcionamento sexual. Quando certos segmentos hipotalâmicos são diretamente estimulados por injeções de testosterona, por exemplo, tanto os ratos fêmeas como machos mostram respostas masculinas, como montar. Injeções de testosterona em outro lado hipotalâmico produzem comportamento feminino relacionado ao sexo, ou seja, entre os ratos, construção de ninho e recuperação de filhotes. As injeções de estrogênio em locais específicos do cérebro 55 podem iniciar o ciclo reprodutor feminino no macho e na fêmea. Aparentemente o potencial neural para o comportamento sexual feminino e masculino permanece intacto em certos animais incluindo talvez os seres humanos. Tanto os hormônios ditos femininos como os masculinos podem produzir nos organismos complexos respostas masculinas e femininas. Outras estruturas do cérebro além do hipotálamo encontramse envolvidas em comportamento típico do sexo conforme os pesquisadores buscam entender continuamente. Para Bear (2002) os hormônios do sexo relativamente abundantes nas proximidades do nascimento tornam-se escassos até a puberdade. Depois, aproximadamente aos onze anos de idade, grandes quantidades de hormônios do sexo começam a circular no corpo humano. Eles estimulam o desenvolvimento de características sexuais secundárias que tipificam os corpos amadurecidos, como o crescimento dos seios nas mulheres e a muda vocal nos homens. À medida que sobese na escala evolutiva os vínculos entre acasalamento e reprodução se afrouxam. Os hormônios são menos importantes para atividades sexuais em animais superiores embora permaneçam influentes. 5.3. Uma breve historia dos hormônios A palavra hormônio vem do grego horman que significa incitar, estimular, instigar. É isso que um hormônio faz. Ele incita, instiga, embora às vezes o que ele instigue seja uma sensação de tranqüilidade, um convite para o repouso. Pela definição clássica “um hormônio é uma substância secretada por um tecido que viaja pelo sangue ou por outro fluido corporal para outro tecido, onde ele incitará o tecido encontrado a passar para um novo estado de atividade”. (Angier, 2000:195) Por exemplo, um folículo ovariano irrompe e libera uma descarga de progesterona e sinaliza para que o endométrio fique mais espesso. Inicialmente acreditava-se que os hormônios se diferenciavam dos neurotransmissores, substâncias químicas como a norepinefrina e acetilcolina que permitem a comunicação entre as células do cérebro. Entretanto essa distinção foi sendo desfeita à medida que os pesquisadores descobriam que os hormônios, tal qual 56 os neurotransmissores, podem alterar a textura e a disposição das células cerebrais, tornando mais provável que elas disparem. As células cerebrais se comunicam por impulsos elétricos, portanto, embora não seja muito adequado denominar um estrogêneo de neurotransmissor, pode-se incluí-lo, juntamente com os neurotransmissores, como membros da grande família química de neuromoduladores ou moduladores cerebrais. Essa reclassificação influencia a maneira como o ser humano pensa sobre seus pensamentos, sensações e emoções, colocando o corpo em sincronia com a mente. Segundo Angier (2000) a família hormonal de substâncias químicas é enorme e inclui bioatores conhecidos como os hormônios sexuais – os estrógenos e os andrógenos – e hormônios do estresse, sentinelas particulares hipersensíveis que aconselham a entrar em pânico independentemente se a visita é amiga ou inimiga. Essa família inclui um exército de técnicos de bastidores que informam quando se precisa de sal, alimento ou água, e inclui componentes que não se costuma classificar como hormônios, como a serotonina. Para a referida autora, recentemente houve um renascimento hormonal, um fascínio renovado por esses mensageiros químicos e o que eles podem fazer, dizer e resolver para os indivíduos. Hoje é moda atribuir supostas características masculinas tais como a tendência à bravata, à arrogância e a arrotar em público à testosterona. As piadas com os hormônios também não poupam as mulheres atribuindo-lhes comportamentos ligados a fofocas, compras indiscriminadas, nervosismo e emotividade exagerada. Angier (2000) esclarece que entre os elementos químicos que irão caracterizar uma mulher estão alguns hormônios: estrogênio, progesterona, testosterona, ocitocina e serotonina. Os hormônios sexuais também denominados de hormônios esteróides sexuais são compostos de quatro anéis de átomos de carbono dispostos de modo que tocam uns aos outros como azulejos de mosaico. Esses anéis dão estabilidade ao hormônio: não se dissolvem facilmente e portanto não vão se desfazer no sangue ou no cérebro. Os anéis de esteróides aceitam modificações, novos caracteres podem ser acrescentados a cada lado, sendo que cada um altera o significado e o poder do esteróide. A testosterona e o estrogênio são surpreendentemente semelhantes mas 57 diferem o bastante em seus complementos menores para comunicar mensagens bastante distintas para um tecido-alvo. Existem centenas, talvez milhares de variedades de hormônios esteróides e semelhantes a esteróides na natureza. A soja e o inhame, por exemplo, são fitoestrógenos, têm hormônios esteróides e uma dieta que os inclua pode ajudar a mitigar alguns sintomas da menopausa. O cerne estrutural dos hormônios sexuais é composto de gordura, diferente dos hormônios pépticos, como a ocitocina e a serotonina cuja composição estrutural é de proteína. Por definição um hormônio esteróide é um desenvolvimento da onipresente molécula de colesterol que é um esteróide em termos de estrutura mas sem enfeites não sendo portanto, por si mesmo, um veículo de comunicação. Nos vertebrados todos os hormônios esteróides são compostos de colesterol, um componente essencial da membrana plasmática, capa gordurosa e protetora que existe em torno de todas as células. Pelo menos metade da membrana celular média consiste em colesterol e, nos neurônios, muito mais da metade. Sem colesterol as células cairiam aos pedaços e não seria possível fabricar novas. As células da pele, do intestino e do sistema imunológico que morrem aos milhões todos os dias não seriam repostas. O termo hormônio só foi cunhado em 1905 e o primeiro hormônio foi isolado apenas na década de 1920 mas já se sabia indiretamente dos hormônios esteróides há milênios, graças à natureza externa de uma determinada fábrica de hormônios: os testículos. Os machos, inclusive os machos humanos, foram os infelizes contemplados com as primeiras experiências da endocrinologia. Animais selvagens eram castrados para que seu comportamento se tornasse mais dócil e a carne mais saborosa. Os homens eram castrados para se tornarem confiáveis, para proteger as consortes dos reis e como punição por crimes sexuais. O papel dos testículos no desenvolvimento e nas mudanças da puberdade também já era conhecido há séculos. Assim o corpo masculino deu origem às pesquisas sobre hormônios, mas foi o corpo feminino que as levou à maturidade. Na década de 1920 os cientistas começaram a fazer experiências com extratos de urina de grávidas à procura de compostos interessantes. Eles testaram a urina no aparelho genital de ratos e descobriram que havia nela algo que causava um efeito drástico no útero e na vagina das ratas. A camada endometrial do útero das ratas ficava mais espessa enquanto o revestimento vaginal tornava-se 58 cornificado – que significa que as células cresceram em formatos que lembram espigas de milho. Os químicos orgânicos procuraram a origem dessas transformações e em 1929 isolaram o primeiro hormônio do mundo, a estrona. A estrona é um estrogênio, a família de hormônios denominados hormônios femininos, embora ambos os sexos o possuam. Existem pelo menos sessenta formas de estrogênio no corpo, em qualquer corpo, mas três delas são dominantes: estrona, estradiol e estriol. Os nomes dependem do número de grupos hidroxila, pares de átomos de hidrogênio e oxigênio existentes em cada hormônio. A estrona tem um, o estradiol, dois, e o estriol, três grupos hidroxila. O estradiol, principal estrogênio do período reprodutivo é produzido nos ovários. O estriol é gerado pela placenta e em menor quantidade pelo fígado, sendo o principal estrogênio da gravidez. O corpo produz e consome estrogênio como um todo. Atualmente sabe-se que o papel do estrogênio não está restrito à procriação. O corpo produz estrogênio em todos os lugares e se alimenta dele em todos os lugares: os ossos produzem e se alimentam, os vasos sanguíneos produzem e consomem, o cérebro produz e só agora se começa a entender as formas pelas quais ele reage ao estrogênio. Angier (2000) destaca que o estrogênio se comunica com o corpo por meio de um receptor de estrogênio, uma proteína que o reconhece e o cerca e depois muda de forma. Em sua forma alterada o receptor ativa alterações genéticas dentro da célula ativando alguns genes e desativando outros. As alterações das atividades genéticas por sua vez alteram o estado da célula e finalmente, o órgão do qual a célula faz parte. Sabe-se que um determinado órgão é sensível ao estrogênio se suas células contiverem receptores de estrogênio e ao que tudo indica as mulheres são peculiarmente sensíveis ao estrogênio. Em tecidos diferentes receptores (alfa e beta) de estrogênio fazem coisas distintas acionando no fígado um conjunto de genes diferentes do que acionam no osso, nos seios, no pâncreas. Apesar de ser septuagenário o estrogênio para os cientistas continua a ser difícil de entender e no que diz respeito a sua influência no comportamento e na sexualidade sabe-se que ele não os controla tão decisivamente. 59 5.4. Hormônios e Comportamento O estrogênio e o desejo A fêmea humana e as de alguns outros primatas podem copular quando bem entendem, estejam ou não ovulando. Não há relação entre o funcionamento reprodutivo e a função hormonal. O estrogênio não controla os nervos e os músculos que as impelem a erguer o traseiro para cima e dispor os genitais de maneira correta. As fêmeas primatas não precisam estar aptas a ficar prenhes para fazer sexo, estão libertas da tirania dos hormônios. Entretanto, a fêmea primata tem ciclos. Seu sangue transporta estrogênio de um lugar para outro inclusive para as partes do cérebro onde moram o desejo e a emoção, no sistema límbico, hipotálamo e amígdala. Libertandose da rigidez do controle hormonal a fêmea primata pode aplicar o esteróide sexual sutilmente para integrar, modular e interpretar uma infinidade de sinais sensórios e psicológicos. Segundo Kim Wallen (in Angier, 2000:210) “entre os primatas, todos os efeitos dos hormônios sobre o comportamento sexual ficaram concentrados nos mecanismos psicológicos, não nos físicos. [...] A separação do físico e do psicológico permite que os primatas utilizem o sexo em diferentes contextos, por motivos econômicos ou políticos.” Ou por motivos emocionais. Quando se pensa em motivação, desejo e comportamento, concede-se ao neocórtex a maior parte do mérito. A capacidade humana de autocontrole está entre os principais pontos fortes da espécie, fonte de adaptabilidade e satisfação. Segundo Goldberg (2002) a função executiva seria a dimensão da personalidade que exerce a vontade, a escolha, o autocontrole. Muito pouco da conduta humana é efetivamente automática pois a “função executiva” atua verificando, orientando, identificando erros e corrigindo-os. As alterações da puberdade são em grande parte hormonais; as modificações do cenário químico instigam o desejo. Porém o conhecimento de neurobiologia ainda é incipiente, e, segundo Angier (2002:212) “... nosso conhecimento de Neurobiologia é primitivo, pré-simiesco. Não entendemos como o estrogênio ou qualquer outra substância agem no cérebro estimulando o desejo, criando uma fantasia ou abafando o 60 impulso.” Os desejos e as emoções podem ser fugazes mas também duradouros. Caprichos se transformam em obsessões. No cérebro os hormônios esteróides geralmente trabalham com um ou mais dos neuropeptídeos, sinergicamente, sobre os circuitos neurais que servem ao intuito e ao comportamento integrando psique e corpo. Uma emoção é uma informação, sinal de uma necessidade, de uma interrupção temporária na homeostase. É a forma pela qual o organismo encoraja ou inibe comportamentos. Os seres humanos são criaturas longevas que agem de acordo com o pressuposto implícito de que terão muitas oportunidades para se reproduzir podendo se dar ao luxo de ignorar os caprichos e impulsos de Eros, por meses, anos, décadas e por toda vida, se as condições do momento não forem melhores, dentre outras causas. “Uma das conseqüências da longevidade é uma vida emocional rica e uma sexualidade complexa.” (Ibid:214) O estrogênio pode acentuar a percepção sensória fazendo com que as mulheres percebam coisas que de outro modo passariam despercebidas. Pesquisas revelam que os sentidos da visão e do olfato ficam mais acentuados durante a ovulação. O estrogênio age mediante diversos intermediários no cérebro, muitos neuropeptídeos e neurotransmissores. Ele age por meio do fator de crescimento nervoso e por meio da serotonina, de opiáceos naturais e pela ocitocina. Pode-se encará-lo como um congregador ou facilitador. Ele não tem uma determinada emoção em mente mas permite a expressão das emoções. São consideráveis as dificuldades de correlacionar o estrogênio ao comportamento humano e também não há correlação entre os níveis de estrogênio e a capacidade de excitação física, tendência dos genitais a ficarem inchados e lubrificados em resposta a um estímulo sexual. Há uma constância mulheres na demonstração de excitação fisiológica nas independentemente da fase do ciclo. Contudo a excitação fisiológica pouco revela sobre motivação e apetites sexuais expressivos, uma vez que algumas mulheres ficam lubrificadas durante um estupro. Laan (in Angier, 2000:215) demonstrou “que os genitais femininos ficam substancialmente irrigados de sangue quando da exposição a material pornográfico, que as próprias mulheres descreveram mais tarde como idiotas, vulgares e sem qualquer apelo erótico”. O cérebro do inicio da adolescência é um cérebro em expansão com grande 61 maleabilidade. À medida que evolui em direção à maturidade e é fustigado pela produção das glândulas supra-renais e pela das gônadas o cérebro tenta se definir sexual e socialmente. Enquanto desafiam a mente púbere os hormônios alteram o corpo. A grande quantidade de estrogênio no organismo de uma menina ajuda a acumular a gordura corporal nos seios, quadris, coxas e nádegas, subcutâneamente. Por causa do estrogênio e dos hormônios auxiliares as mulheres têm mais gordura corporal que os homens, em média cerca de 27% de gordura contra 15% no homem. Assim ganham peso mais facilmente que os meninos e ainda estão sujeitas a um controle total, isto é, à idéia de que se pode dominar e disciplinar o corpo se houver um esforço constante. A mensagem do autocontrole é amplificada pelo cérebro pubescente ávido para obter ferramentas para controlar e mitigar a si mesmo e descobrir o que funciona, como reunir poder pessoal e sexual. A fixação pela aparência é o caminho mais rápido para o poder, uma vez que, ao que tudo indica, um corpo controlado e um rosto lindo garantem que a mulher será poderosa. Testosterona e a agressividade Atualmente costuma-se atribuir supostas características masculinas, tais como agressividade, arrogância, bravata, à testosterona. Assim o homem utiliza os hormônios que parecem ser a maneira “clara e quantificável’ para fazer a distinção macho/fêmea, concorrente/cooperador, domesticado/selvagem. A testosterona é associada a todos os traços abrangidos pelo termo agressividade, tais como: dominar, atacar, vociferar, brigar. Recentemente descobriuse que a testosterona não é um hormônio exclusivamente masculino, as fêmeas também o têm, só que muito menos. Nas mulheres os níveis médios de testosterona na circulação sanguínea são de 20 a 70 nanogramas (os hormônios são medidos em nanogramas ou picogramas - bilionésimos ou trilionésimos de um grama), enquanto entre os homens a quantidade está na faixa dos 400 a 700 nanogramas, 10 vezes a quantidade encontrada nas mulheres. Quase toda essa abundância vem das células dos testículos. Biologicamente a testosterona é muito menos poderosa do que o estradiol. Há indícios de que ela age em dois estágios no cérebro, o organizacional e o ativacional. A organização tem início na fase fetal quando os testículos do feto 62 masculino começam a liberar testosterona que, supostamente, molda o cérebro de forma especificamente masculina. Na adolescência ocorre a ativação, os níveis de testosterona do jovem se elevam e ativam os padrões especificamente masculinos que foram estabelecidos no útero. Não se conhece ainda a importância das flutuações de testosterona entre os homens. O nível sobe e desce ao longo de cada dia, todos os dias, chegando ao auge pela manhã, baixando no fim da tarde e se elevando de novo à noite, antes da hora de dormir. Não se sabe se a testosterona é importante para o comportamento masculino, os homens a possuem em quantidade elevada e provavelmente a empregam para fins comportamentais. Segundo Angier (2000) um hormônio não causa um comportamento, o que os hormônios causam ao cérebro ou à personalidade ainda é objeto de estudo incipiente. A capacidade de se comportar de forma agressiva ou dominadora dispensa um comportamento hormonal. O que os hormônios fazem é simplesmente aumentar a probabilidade de que, sem levar em conta outros fatores, um dado comportamento ocorra. Comportamentos e emoções podem alterar o meio hormonal e as ligações entre os hormônios. O cérebro é maleável, as sinapses que ligam uma célula cerebral a outras, nascem e morrem, e depois nascem de novo. Assim como não existe um único hormônio da agressividade não existe um único local de agressividade no cérebro. Saver (in Angier, 2000:), da área de neuropsiquiatria, relaciona 38 diferentes partes dos cérebros a diversos comportamentos que podem ser chamados de agressivos. Retirando-se a amígdala de macacos resus de modo geral eles se tornam mais dóceis e tranqüilos, mas nem sempre: macacos que eram submissos antes da retirada da amígdala se tornaram agressivos. Acredita-se que a amígdala tem um papel no aprendizado e na memória, podendo se supor que o observado nessa experiência tenha sido apenas que, sem a amígdala, os macacos agressivos se esquecem de ser agressivos, e os dóceis se esquecem de ser bonzinhos. Alguns pacientes humanos que sofrem de ferimentos na cabeça e de doenças cerebrais mostram comportamentos agressivos, impulsivos e violentos, mas nunca segundo um padrão que permita aos cientistas estabelecerem “uma seqüência primária de reações de agressividade imitável”. Nesses casos, quando o cérebro se torna 63 desconhecido para si mesmo é comum que ele decaia numa postura mais primitiva, menos reprimida. Acredita-se que o cérebro é feminino se não houver instrução ao contrário, tornando-se masculino pela exposição a androgênios e que estes estimulam, medeiam ou se harmonizam com o comportamento agressivo. Entretanto de acordo com alguns modelos neurais a agressividade é em si um “tipo de humor padrão”, um rítmo, ao qual o cérebro retorna harmoniosamente. O cérebro humano é envolto em muitas “camadas de fita isolante e inibidora”(p.277) para reprimi-lo e torná-lo menos agressivo. Em 1848 Phineas Gage sofreu um ferimento em que um pilão de ferro perfurou sua cabeça pelo olho esquerdo até o alto do crânio. Seu comportamento mudou tendo ele passado de abstêmio, trabalhador e religioso para impulsivo e sacrílego, não conseguindo Recentemente, permanecer em um emprego, por atos irresponsáveis. através de tecnologia de mapeamento de imagem e versões computadorizadas do crânio de Gage os cientistas reconstruíram o ferimento cerebral, apontando com precisão o lobo frontral orbitomedial como o local de maior dano e levantaram a hipótese de que ali está localizado um foco do controle dos impulsos – a zona temperada do cérebro ou seu centro moral. Entretanto existem outros locais de repressão em outros lobos. Doenças mentais como a esquizofrenias e as fobias se manifestam na forma de perturbações de controle – em todos os casos os pacientes podem insultar, atacar, vociferar. Assim, Angier (2000) afirma que ainda não se entende a endocrinologia, a anatomia, ou sequer a neuroquímica da agressividade. Recentemente o neurotransmissor serotonina foi elevado ao primeiro plano de pesquisas sobre a agressividade. Segundo o modelo simples uma “baixa de serotonina” expõe o indivíduo ao risco de um comportamento impulsivo, agressivo. O mesmo modelo também afirma que uma baixa concentração de serotonina acarreta o risco de depressão. A depressão costuma ser considerada uma doença feminina, entre as mulheres a taxa de ocorrência é duas a três vezes maior que entre os homens. Agressividade e depressão parecem ser dois fenômenos diferentes e opostos mas na realidade pode-se considerar a depressão como uma agressividade voltada para si mesmo. Um deprimido pode parecer anestesiado para quem o observa mas nunca está anestesiado em relação a si 64 mesmo. 5.5. Sexo e sistema nervoso Vê-se em Bear (2002) que a relação entre sexo e sistema nervoso é um dos tópicos mais incertos nas neurociências. Muitos adultos acham que sabem muito sobre sexo mas muitas questões que poderiam parecer simples e diretas podem ser surpreendentemente complexas e ambíguas como é o caso da definição de gênero, por exemplo. O assunto sexo e sistema nervoso também é complicado pelas sutilezas dos mecanismos biológicos e culturais que determinam o comportamento sexual. Particularmente em humanos as diferenças anatômicas entre o sistema nervoso de homens e mulheres não são imediatamente aparentes da mesma forma que muitos comportamentos humanos não são exclusivamente femininos ou masculinos. Onde existem pequenas diferenças no sistema nervoso entre os sexos não está claro qual objetivo adaptativo elas devem ter não se conhecendo a base neurobiológica para as diferenças cognitivas intersexuais. Para o referido autor o imperativo biológico essencial – a procriação – demanda comportamentos específicos para cada sexo pelo menos para o acasalamento e para a geração da prole. Para a maioria das estruturas sexuais evidentes (como os músculos e neurônios que controlam o pênis ou os aferentes sensoriais da inervação do clitóris) a identificação de alguns sistemas periféricos e da medula espinhal envolvidos com isso é mais fácil. O papel poderoso dos hormônios sexuais no desenvolvimento sexual e no comportamento também está claro. Mas os aspectos mais complexos do comportamento sexual e dos circuitos neurais que permitem sua atuação ainda são totalmente misteriosos. Para Bear (2002) o papel dos hormônios no desenvolvimento e comportamento sexuais já são claros para a neurociência, no que Angier (2000) discorda claramente quando relacionados ao comportamento: “Queremos explicar nós mesmos para nós mesmos, e os hormônios parecem ser uma maneira clara e quantificável de fazer isso, de distinguir macho e fêmea, concorrente e cooperador, domesticado e selvagem. Somos classificadores incorrigíveis.” (Ibid:194). Ela afirma estar em voga falar a 65 respeito dos hormônios do amor, hormônios maternos e até de hormônios do crime, porém a super determinação sobre o comportamento é difícil de aceitar em se tratando de seres humanos. 5.6. Dimorfismo sexual Para Bear (2002) poucas estruturas neurais dimórficas estão relacionadas com suas funções sexuais de maneira óbvia. Uma estrutura que está relacionada com isso é um agrupamento de neurônios motores espinhais que enervam os músculos bulbocavernosos (BC) adjacentes à base do pênis. Esses músculos têm um papel na ereção peniana e auxiliam na micção. Mulheres e homens possuem um músculo (BC). Nas mulheres ele circunda a abertura da vagina e serve para constringi-la levemente. O grupo de neurônios motores que controla os músculos BC em humanos é chamado de Onuf e está localizado na região sacral da medula espinhal. O núcleo de Onuf é moderadamente dimórfico ( há mais neurônios motores no homem do que na mulher) porque o músculo BC masculino é maior do que o feminino. Os dimorfismos sexuais mais evidentes no encéfalo de mamíferos estão agrupados em torno do terceiro ventrículo, na área pré-óptica do hipotálamo anterior. Essa região segundo Bear (2002) parece ter um papel nos comportamentos reprodutivos. Nos ratos a lesão da área pré-óptica interrompe o ciclo estral em fêmeas e, em machos, reduz a freqüência de cópulas. Nessa área o núcleo sexualmente dimórfico (NSD) é cinco a oito vezes maior nos machos do que nas fêmeas. Na área pré-óptica humana existem quatro grupos de neurônios chamados de núcleos intersticiais do hipotálamo anterior (INAH). O INAH1 parece ser o análogo humano do NSD de ratos. Mas a evidência de que esses núcleos estejam envolvidos no comportamento sexual é basicamente indireta. Assim destaca-se alguns indícios que vêem sendo pesquisados, como: o corpo caloso é menor nas mulheres, o esplênio (porção posterior do corpo caloso) é especialmente maior e mais bulboso em mulheres adultas. O feixe de axônios que interconecta os hemisférios, a comissura anterior é cerca de 12% maior em mulheres (e em homens homossexuais) do que em homens heterossexuais. O corpo caloso não tem nenhum papel óbvio mediando 66 especificamente comportamentos relacionados com o sexo mas ele é importante para uma variedade de funções cognitivas que envolvem a atividade coordenada entre os hemisférios, sugerindo que as funções do encéfalo feminino podem ser menos lateralizadas. Bear (2002) propõe: “A moral da história é que homens e mulheres têm quase o mesmo desempenho em quase todas as tarefas cognitivas. Ainda é um desafio para os pesquisadores do futuro estimar as pequenas diferenças cognitivas nas tarefas verbais e espaciais em termos de hormônio, neuroanatomia e experiências prévias da vida” (Ibid:57-8). 5.7. Anatomia e comportamento O ovário O ovário segundo Angier (2000) funciona como uma ponte fisiológica e figurativa entre êxtase e sexualidade, anatomia e comportamento. Em sua maioria os órgãos internos se movimentam ligeiramente. O ovário é inerte e cinza, tem o tamanho e o formato de uma amêndoa, é cheio de cicatrizes e buracos pois cada ciclo ovulatório deixa para traz uma mancha branca, onde um folículo de um óvulo teve o seu conteúdo retirado. É um casulo fixo de óvulos, é cinza porque é o único órgão da cavidade pélvica que não é coberto pelo peritônio porque tem que ceder os óvulos com freqüência e além deles os hormônios que alimentam o ciclo reprodutivo e o corpo. A referida autora observa que crianças muito pequenas são mais sexuais do que as em idade escolar e tal fato é considerado como reflexo da fisiologia e da troca intermitente entre as gônadas e a região do cérebro que as supervisiona. Até as crianças chegarem aos três ou quatros anos, uma estrutura do hipotálamo denominada gerador de impulsos do hormônio liberador de gonadotropina secreta diminutas rajadas de hormônios reprodutivos. A cada 90 minutos, mais ou menos, vem outro lampejo de hormônios. Os ovários de uma menina respondem à mensagem secretando pequenas quantidades de hormônios ovarianos como resposta. Por enquanto nada suficiente para crescer seios e ovular, contudo, a menininha é brincalhona e ligeiramente erótica. Seu corpo, todos os corpos a fascinam. Uma menina com 3 ou 4 anos atiça o próprio 67 corpo e os corpos dos adultos, explorando a vagina, o clitóris, o ânus, qualquer buraco ou protuberância que encontre. Por volta dos 6, 7 anos, o gerador de impulsos do cérebro pára deixando de secretar sinais hormonais. Os ovários entram em hibernação. Por isso e pelo cultivo das expectativas sociais a menina ficará mais facilmente constrangida com as funções do corpo, tornando-se uma criatura assexual e agonadal. Por volta dos 10 anos as glândulas supra-renais amadurecem e liberam adrenalina e pequenas doses de hormônios sexuais. O corpo de uma menina de 10 anos é pré-pubere mas seu cérebro está recarregado, erótico de novo. A partir daí o rítmo, o desejo, e o alvoroço só vão aumentar. O corpo seguirá o caminho apontado pela mente e se tornará sexualizado. Aos 12 anos aproximadamente, o gerador de impulsos do hipotálamo recomeça a secretar hormônios novamente. Não se sabe o que o fez se calar antes do jardim de infância, nem tampouco o motivo de seu retorno à atividade. Qualquer que seja o disparador, o hipotálamo reativado é muito mais forte agora do que em sua primeva aparição. Também os ovários estão mais fortes sendo a fonte primordial dos hormônios sexuais que sexualizam o corpo. Antes de estarem prontos a emitir um óvulo viável os ovários já estão aptos em gastar os hormônios sexuais. Estes promovem o crescimento dos pelos pubianos, a concentração de gordura nos seios e nos quadris, o alargamento da pelve e finalmente, o fluxo do sangue menstrual. Tomando como ponto de partida o dia padrão “1” do ciclo ovulatório percebe-se que o dia 1 é o primeiro dia da menstruação, uma época de tranqüilidade para os ovários. Ele não liberam óvulos e geram muito poucos – se é que geram – hormônios sexuais. “Tranqüilidade na parte de baixo significa agitação na parte de cima, no gerador de impulso do hipotálamo.” (Angier, 2000:66) Com evidências de escassez da produção hormonal dos ovários o impulso fica mais rápido, o hipotálamo envia seu mensageiro o hormônio cerebral GnRH até a glândula pituitária. Esta expele sua própria parcela de hormônios que enviam sinais às cápsulas, conjunto de folículos, pequenos novelos, cada um contendo um óvulo imaturo. Todos os meses cerca de 20 folículos e seus oócitos são convocados pelo cérebro e começam a se expandir e a amadurecer. Por volta do dia 10 um dos folículos é “escolhido” e somente o seu óvulo 68 frutificará por completo, chegando à ovulação. Não se sabe como a seleção é realizada, podendo o folículo vencedor ser simplesmente o que cresceu mais rápido. Os outros folículos param de inchar e começam a murchar levando seus óvulos rejeitados com eles. O último sinal para a ovulação também vem do cérebro, mais ou menos nos dias 12 a 14, com um jorro de hormônio luteinizante da glândula pituitária, a elevação hormonal fazendo o folículo se abrir e o óvulo deslizar para fora. Na ausência de gravidez o folículo atrai a atenção dos macrófagos, células do sistema imunológico que limpam do corpo “aqueles que estão mortos ou moribundos”, formando um tecido fibroso sobre a cavidade. O ciclo ovulatório é uma questão fisiológica ocorrendo mais ou menos por conta própria. Contudo não é algo aparte ao corpo. Os ovários sem o peritônio e mantendo um contato freqüente com o cérebro e com o corpo são bastante “receptivos” às mulheres uma vez que estas configuram o ambiente onde os órgãos vivem. Assim, sob circunstâncias normais, os macrófagos são atraídos para um folículo pós-ovulatório. Durante as enfermidades a população de macrófagos e outras células imunológicas do corpo aumenta acentuadamente e algumas delas podem se agregar no ovário rompendo a maturação dos folículos e até engolfando alguns que estejam em processo de dilatação. O clitóris A origem da palavra ainda não está clara, ela existe em todas as línguas européias modernas e vem do grego mas ainda não se sabe de onde os gregos a tiraram. Quase todas as raízes sugeridas trazem conotações libidinosas. Uma fonte do século II indica que a palavra é uma derivação do verbo kleiteriazein que significa estimular lascivamente, buscar prazer. Alguns etimologistas afirmam que clitóris deriva da palavra em grego para chave enquanto outros a associam à sua raiz, que significa estar predisposto. Em línguas não européias a palavra para clitóris pode se referir à aparência e não à função. Os primeiros anatomistas referiam-se ao clitóris como um “órgão obsceno de prazer bárbaro” (Angier, 2000:77). Em 1724, Mandeville assegurava que “todas as nossas descobertas recentes em anatomia não revelam outra função para o clitóris além de despertar o desejo feminino por meio de suas freqüentes ereções”. (Ibid:77). 69 Os primeiros anatomistas podem ter dado valor ao clitóris mas isso não significa que o órgão foi motivo de muitas pesquisas. O fato de que as meninas não aprendem os detalhes de anatomia sexual da mesma forma que os meninos, resulta, segundo Nancy Friday, “numa clitoridectomia mental” (Ibid:79). Em termos embrionários o clitóris é homólogo ao pênis, surge da mesma região do genital fetal em que surge a haste do pênis, acabando aí as comparações. Não há uretra no clitóris, ele não tem utilidade prática. É um feixe de nervos, oito mil fibras nervosas, a maior concentração no corpo incluindo pontas dos dedos, dos lábios e língua, o dobro do número encontrado no pênis. Tudo isso para proporcionar prazer às mulheres, um órgão sexual com função definida – dar prazer. Seu desenvolvimento no feto está completo por volta da 27ª semana de gestação, aproximadamente aos 6 meses, quando já tem a aparência que terá quando a menina nascer. É uma estrutura cilíndrica dividida em 3 partes – base, haste e coroa. A parte mais facilmente visível, ao se abrir a vulva, é a glande do clitóris situada sob a capota triangular, um capuz formado pela junção dos pequenos lábios. Glande significa “massa ou corpo pequeno e arredondado” ou “tecido capaz de entumescer e enrijecer”. A glande do clitóris transpõe a haste, o corpo, que é parcialmente visível e depois se estende por baixo do tecido muscular da vulva até a articulação onde as placas do osso pubiano se encontram, a sínfise pubiana. A haste é cercada por uma cápsula de tecido fibroelástico, é a carne do clitóris. Está unida a dois pilares gêmeos ou raízes que fazem um arco subcutâneo e ficam oblíquos em direção à vagina. Levando-se em conta a sua configuração em grande parte velada é difícil medir o clitóris sendo mais fácil senti-lo do que vê-lo. A glande do clitóris é, segundo Angier (2000:75) “o pavio de Eros, o local onde as 8.000 mil fibras nervosas se agitam em um verdadeiro pequeno cérebro”. A haste tem relativamente poucos nervos mas tem milhares de vasos sanguíneos, o que permite que ela entumesça com o estímulo e empurre a glande mais para cima. Dois feixes de tecido erétil denominados bulbos do vestíbulo, que ajudam a impelir o sangue até a glande, facilitam ainda mais a grande expansão clitoridiana. Quando cheio de sangue o clitóris chega a atingir o dobro de seu tamanho ficando inchado e esponjoso, mas não rígido. 70 Não sendo especialmente sensível ao estrogênio o clitóris não se atrofiará após a menopausa, ao contrário da vagina, não havendo diferença se a mulher está tomando pílulas anticoncepcionais ou fazendo terapia de reposição hormonal. 71 VI - A SEXUALIDADE FEMININA “Amo tanto e de tanto amar, acho que ela é bonita Tem um olho sempre a boiar e outro que agita Tem um olho que não está, meus olhares evita Outro olho a me arregalar sua pepita. ... É na soma do seu olhar que eu vou me conhecer inteiro. Se nasci para enfrentar o mar ou o faroleiro? Amo tanto e de tanto amar, acho que ela acredita Tem um olho a pestanejar e outros me frita Suas pernas vão me enroscar num balé esquisito Seus dois olhos vão se encontrar no infinito Amo tanto e de tanto amar ...” (Chico Buarque) 6.1. Padrões sociais e sexualidade Embora o impulso sexual humano seja inato os comportamentos que o satisfazem são ativamente moldados por experiências dentro de uma determinada cultura. Na maioria das sociedades uma mistura de leis, convenções e tabus regula a conduta sexual dizendo às pessoas não apenas que práticas sexuais são aceitáveis, mas também, quando, onde, como, sob que circunstâncias e com quem a sexualidade pode ser expressa. As culturas exibem enormes diferenças nas práticas sexuais que são aprovadas e condenadas. Em Mangaia nas ilhas centrais da Polinésia as mulheres mais velhas ensinam aos meninos à respeito de técnicas sexuais e proporcionam sessões práticas. Entre nativos da Nova Guiné e em algumas tribos americanas os amantes passam horas enfeitando-se e despiolhando-se mutuamente como estimulação para relações sexuais. Dentro de uma única sociedade vários subgrupos muitas vezes aderem à costumes sexuais específicos. Na década de 1940 Alfred Kinsey e seus colegas constataram que as pessoas de pouca instrução, grupos de baixa renda, tendiam a ver qualquer atividade sexual, além do coito, como coisa desagradável e pervertida. 72 Beauvoir (1970) assinala que para os antigos o fato de a mulher ter ovários e um útero promove as condições singulares que a encerraram na sua subjetividade - ela pensa com suas glândulas. Contudo a anatomia do homem comporta hormônios e testículos sendo esse fato “esquecido”. O corpo masculino é encarado como um instrumento de relação direta e normal com o mundo que acredita apreender na sua objetividade ao passo que se considera o corpo da mulher sobrecarregado por tudo que o especifica: um obstáculo, uma prisão. Aristóteles (Ibid, 16) afirma que “a fêmea é fêmea em virtude de certa carência de qualidades. ... Devemos considerar o caráter das mulheres como sofrendo de certa deficiência natural”. E Sto. Tomás (Ibid:16), depois dele decreta que a mulher é um homem incompleto, um ser “ocasional”. É o que simboliza a história do Gênese em que Eva aparece como extraída segundo Bossuet (Ibid:17), de um “osso supranumerário” de Adão. As mulheres seriam mulheres em virtude de sua estrutura fisiológica e por mais longe que se remonte na história sempre estiveram subordinadas ao homem: sua dependência não é conseqüência de um evento ou de uma evolução, ela não “aconteceu”. A divisão dos sexos é, com efeito, um dado biológico e não um momento da história humana. No século XVI a fim de manter a mulher casada sob tutela apela-se para a autoridade de Santo Agostinho(Ibid:17) que declara que “a mulher é um animal que não é nem firme nem estável”. Somente a partir do século XVIII há um esforço para se demonstrar que a mulher é, como o homem, um ser humano. No século XIX a querela do feminismo torna-se novamente uma briga de sectários. Uma das conseqüências da Revolução Industrial é a participação da mulher no mercado produtor: nesse momento as reivindicações feministas saem do terreno teórico e encontram fundamentos econômicos. A fim de provar a inferioridade da mulher os antifeministas apelaram não somente para a religião, a filosofia e a teologia, como no passado, mas ainda para a ciência: biologia, psicologia experimental, etc. Beauvoir (Ibid:57) pondera “uma sociedade não é uma espécie: nela, a espécie realiza-se como existência; transcende-se para o mundo e para o futuro; seus costumes não se deduzem da biologia; os indivíduos nunca são abandonados à sua natureza; obedecem a essa segunda natureza que é o costume e na qual se refletem os desejos e os temores que 73 traduzem sua atitude ontológica. Não é enquanto corpo, é enquanto corpos submetidos a tabus, a leis, que o sujeito toma consciência de si mesmo e se realiza; é em nome de certos valores que ele se valoriza.... trata-se de saber o que a humanidade fez da fêmea humana”. Na sociedade encontra-se por toda parte, no cinema, nos livros, na educação, na postura dos homens, no olhar das meninas: - o homem é o motor sexual da espécie, a mulher vai sempre a reboque. É “masculino” o espírito polígamo de fecundar o maior número de fêmeas que puder e passar adiante os seus genes e é “feminina”, a tendência monogâmica de escolher o melhor parceiro possível para gerar a prole de melhor qualidade e depois segurar o seu macho no ninho de modo a melhor proteger a si mesma e a seus filhos. Essas premissas têm feito muito sentido e garantido há séculos uma determinada relação de força entre os sexos. Entretanto uma série de descobertas sobre a sexualidade feminina questiona convicções há muito estabelecidas como a idéia de que os homens gostam mais de sexo do que as mulheres ou de que os hormônios masculinos são uma benção enquanto que os femininos são uma desgraça! Novas evidências sobre o clitóris e pesquisas de comportamento animal provaram que a mulher nasceu, sim, para ter prazer no sexo e que sua propagada vocação para a monogamia não passa de uma imposição cultural sem nada a ver com sua programação natural. Para Fischer (1995) “A concepção de que só os homens são polígamos é o maior mito da sexualidade”. A referida autora estudou o comportamento sexual de homens e mulheres em 62 sociedades ao redor do planeta e concluiu que nelas o adultério é tão comum quanto o casamento. É claro que muitas mulheres e (homens também) optam por ser fiéis. Mas isso é uma escolha, não uma imposição biológica. Ela mostra a face cultural de muitos axiomas tidos como naturais sugerindo que a superação dos mitos vai guindar as mulheres, neste século, à condição de exercer papéis, inclusive sexuais, equivalentes aos dos homens – ou até de maior destaque. Depois da Idade Média os machos humanos passam a preferir táticas mais sutis para garantir que os seus genes – e não os dos outros – se propaguem. Criaram teorias científicas para convencê-las de que ter mais de um parceiro não seria natural. Nos anos 60 as feministas saíram gritando que homens e mulheres são iguais e 74 portanto elas têm tanto direito ao prazer quanto eles. A tese feminista acerta na conclusão mas erra no argumento: homens e mulheres não são totalmente iguais. De fato são totalmente diferentes na forma como lidam com sexo e desejo. Só que essas diferenças não proclamam a supremacia masculina. Ao contrário: a mulher tem mecanismos de prazer até mais sofisticados que os dos homens. Fischer (1995) afirma que a sexualidade da mulher tem foco amplo incluindo romance, lençóis bonitos. A do homem é concentrada no orgasmo sendo o desejo dos homens mais constante e o das mulheres, mais intenso. O que desmonta a tese de que a busca do prazer seja assunto exclusivamente masculino. Se fosse assim como explicar que são as mulheres e não os homens que têm um órgão exclusivamente planejado para o deleite sexual? A pesquisa sobre o orgasmo feminino também sofreu com muitos anos de confusão e conclusões apressadas. O pensador grego Galeno defendia no século II a tese de que as mulheres precisam ter orgasmo para engravidar. Essa idéia que permaneceu viva até o século XVIII poderia servir para valorizar o prazer feminino: quem quisesse ter filho teria que proporcionar o clímax à parceira. Mas na prática não foi bem assim. As mulheres continuaram a ter filhos sem sentir prazer e aquelas que tinham a desventura de engravidar após um estupro eram acusadas de devassidão – a gravidez funcionava como um sinal de que elas haviam gostado de ser violentadas. Muitas foram condenadas à morte por causa disso. Apesar do engano fatal de Galeno atualmente há evidências de que o orgasmo se não é necessário para engravidar pode facilitar a fecundação. Indício disso é a movimentação do colo do útero durante o êxtase que “sugaria” o sêmen depositado na vagina para dentro de si. Os mecanismos do orgasmo feminino são tão complicados que os médicos ainda estão longe de entendê-los. Exemplo: ninguém consegue arrumar uma boa explicação para o fato de haver orgasmos clitorianos e vaginais. A idéia difundida de que o êxtase atingido a partir da estimulação direta do clitóris seria imaturo comparado ao obtido com a penetração não se mantém atualmente. Todavia as mulheres garantem que há uma diferença apesar de não ter sido identificado ainda nenhum motivo orgânico para isso. O orgasmo feminino é um reflexo do corpo e se manifesta por contrações 75 vaginais sendo o resultado de uma combinação complexa de estímulos. Sônia Penteado(2005) , ginecologista da Universidade de São Paulo, diz que “Podem ser visuais, imaginários, clitorianos, táteis...”. Algumas vezes o desejo sexual se reduz por motivos orgânicos como um tumor na hipófise que passa a produzir em excesso a prolactina, hormônio inibidor. Mas esse tipo de problema é raríssimo. Poucas mulheres são fisicamente incapazes de ter orgasmo. Tal incapacidade, em geral, é fruto de condições psicológicas como traumas decorrentes de um abuso sexual, de uma educação rígida ou de opressão social e religiosa. Acredita-se que 14% das mulheres são incapazes de ter orgasmo – 6% delas têm algum problema mas já experimentaram essa sensação e 8% jamais vão saber do que se trata. Mas se as mulheres estão sujeitas a obstáculos emocionais que atrapalham o sexo, seu complexo mecanismo de prazer é de fazer inveja a qualquer homem. A mente feminina tanto pode bloquear o prazer quanto produzi-lo. “Há caso de mulheres que chegam ao orgasmo só com o pensamento”, Penteado (Ibid:2005). As mulheres no que se refere à fantasia sexual tendem a ser melhores que os homens na hora de manifestar seu desejo. Essa sutileza psicológica feminina impede soluções fisiológicas simples àquelas que sofrem de distúrbios sexuais. Na maioria dos casos a dificuldade das mulheres não está na excitação mas na fase anterior: o desejo, algo puramente emocional: “por isso não há grande vantagem em criar um viagra pra mulher”, Penteado (Ibid:2005). É que o medicamento atua na irrigação sanguínea e não no desejo. Na menopausa quando a eficiência da circulação pélvica cai bastante muitas mulheres não perdem a capacidade de sentir prazer, o que indica o quanto a mente é importante na libido feminina. 6.2. Mudanças históricas na sexualidade feminina À partir da segunda metade do século XX ocorreram grandes mudanças, em decorrência da revolução sexual que se iniciou muitos anos antes de atropelar os costumes tradicionais. Os partidários da liberdade sexual, da pílula e do aborto legal nas décadas de 1960 e 1970, embora não soubessem, foram os herdeiros das mudanças de atitudes e práticas que tiveram início um século antes, ocasião em que 76 as mulheres “vitorianas” eram caracterizadas como os “anjos da lar”, “santas”, espíritos etéreos desprovidos de necessidades sexuais. Esta visão foi promovida não apenas pelos romances do século XIX caracterizados por noivas inocentes e esposas virtuosas mas também pelos tratados médicos que proclamaram a ausência da sexualidade feminina. Segundo Yalom (2002) o médico britânico William Acton estava convencido de que “muitas das melhores mães, esposas e donas de casa sabiam muito pouco sobre a satisfação sexual. O amor pela casa, pelos filhos e as tarefas domésticas eram suas únicas paixões” (Ibid:11). Ele não foi o único médico a definir as boas mulheres pela falta de desejo sexual. Nas décadas de 1870 e 1880 como o debate em torno da questão da mulher tornou-se mais ativo em ambos os lados do Atlântico uma nova versão da sexualidade feminina começou a desconstruir a versão anterior. Muitos pensadores admitiram que, em se tratando de desejo sexual elas não eram tão diferentes dos homens. Dr. George H. Napheys insistiu: “É uma noção falsa e contrária à natureza dizer que a paixão em uma mulher seja depreciativa ao seu sexo”. (in Yalom, 2002:15). Nesse momento o conhecimento anatômico passa a ser considerado a chave para satisfação sexual feminina; a genitália feminina é descrita anatomicamente dando-se uma atenção especial ao clitóris e reconhece-se sua importância na excitação da mulher. A anatomia clitoriana e a do tecido erétil da vagina passam a ser descritas minuciosamente como sendo as partes que induzem ao excitamento sexual e que levam as mulheres ao orgasmo. O que as mulheres pensavam de si mesmas diante de todos esses pronunciamentos? Elas se apresentavam tão frias na cama como alguns médicos vitorianos preconizavam? Ou concordavam intencionalmente com a imagem alternativa da paixão feminina? É praticamente impossível responder a essas perguntas uma vez que nem as esposas e nem as mulheres solteiras deixaram registros pessoais sobre seus desejos e preferências sexuais. As convenções daqueles tempos impediam que tais intimidades fossem para o papel. Ainda assim existem umas poucas fontes que fornecem alguns vislumbres da percepção do mundo sexual íntimo das mulheres. Existem os relatos de mulheres casadas dentro do Movimento de Temperança 77 das Mulheres Cristãs atestando o apetite erótico dos maridos e a própria indiferença delas em relação ao clamor daquela sexualidade. Talvez elas evitassem as relações sexuais como uma maneira de impedir uma outra gravidez ou talvez tivessem temor do despotismo dos maridos. Seguindo manuais puritanos que aconselhavam camas separadas para os cônjuges e total abstinência durante a gravidez e a amamentação, algumas mulheres conseguiam, apelando para a desculpa de condições corporais específicas e explícitas como a amamentação, cansaço e outras, exercer algum controle sobre uma “sexualidade” indesejada, não erótica, que não podia ser subjetivada, uma “sexualidade” que, por não compartilhar do seu erotismo lhes era totalmente estranha. 6.3. Pesquisas atuais sobre a sexualidade feminina no Brasil Segundo Muraro (1996:326), a pesquisa de campo realizada no Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco com 1269 homens e mulheres e divulgada em seu livro “Sexualidade da mulher brasileira: corpo e classe social no Brasil” infere algumas pistas sobre a sexualidade feminina: 1) Esta aparece menos centrada sobre os órgãos genitais do que a do homem. Aparece mais difusa sobre o corpo e a dos homens é mais centrada no pênis. 2) A maioria das mulheres de todas as classes sociais acha que o homem tem uma melhor vida: os homens têm mais acesso à identidade (eles tomam as próprias decisões), à liberdade (fazem o que querem), à mobilidade (podem ir para onde quiserem) e ao gozo (o homem goza mais). E quanto à dupla jornada, ele trabalha menos e ganha mais. 3) A mulher castrada é fabricada pela repressão social, as mulheres ficam submetidas a uma desvalorização. 4) A menina, quando criança, tem o seu sexo mais reprimido do que o do menino. Para ela e também para o menino, o sexo “bom”, mais gozoso, o que recebe menos sanções, é o do menino. 5) Não há inveja do homem e sim um ressentimento pelas menores possibilidades que têm de se realizar como seres humanos inteiros. 78 6) “o socius age como fator de repressão sobre os recalques psíquicos”. Em outras palavras, cada um erotiza o que pode. O homem dominado “descarrega” a sua dominação sobre a mulher. Os dominadores, não necessitando de exercer uma sobredeterminação na mulher, permitem que esta comece a emergir nessas camadas sociais, porém ainda muito idealizada como possuidora de um prazer corpóreo e de uma sexualidade específica “boa”. Nas outras classes, a camponesa se define como mãe e reprodutora porque as suas condições de vida não podem lhe deixar um outro caminho, a operária vive mais o seu erotismo na fantasia porque a sua condição não lhe permite outra coisa. O socius abre e fecha a saída do desejo conforme lhe interessa. 7) É na classe média que se nota o desejo de uma relação pessoal homem/mulher ligada ao gozo sexual. É aí onde o prazer se aproxima mais do amor e as mulheres se negam a satisfazer o desejo masculino de maneira indiscriminada. Nas outras classes o desejo do prazer vem mais fortemente dissociado como também a dominação do homem sobre a mulher é mais forte. 8) O fato de a mulher tender ou desejar gozar mais com o corpo inteiro lhe possibilita ser mais seletiva em relação à sexualidade. Ela sente falta, sim, das relações sexuais, mas pelo visto não se escraviza a elas. Ela deseja erotizar uma relação que leve em conta o corpo e o psiquismo como zonas erógenas. Na segunda metade do século XX surgem na classe média as primeiras lutas das mulheres. Nos países avançados acontece nesta classe a primeira rebelião contra o papel tradicional alocado à mulher (a boa mãe é frígida). Aparecem as descobertas sobre o funcionamento fisiológico da sexualidade feminina a partir dos anos sessenta (orgasmos múltiplos, o ponto G, o corpo expandido, etc). Na relação tradicional a mulher é preparada desde que nasce a continuar dependente da figura da mãe, fabricada pela sociedade e através dela a continuar dependente do homem, a ser má simbolizadora, etc. A única saída que lhe seria dada além da reprodutiva biológica, é a psicológica de reprodução da figura da própria mãe. 79 VII - MENTE ERÓTICA “Não é isso então amar o que ainda não está à mão nem se tem, o querer que, para o futuro, seja isso que se tem conservado consigo e presente?... Esse então, como qualquer outro que deseja, deseja o que não está à mão nem consigo, o que não tem, o que não é ele próprio e o de que é carente; tais são mais ou menos as coisas de que há desejo e amor, não é?” (Socrátes, O Banquete) 7.1. Desenvolvimento físico e psicossexual A sexualidade é complexa, passa pela constituição do corpo erótico, distinto do corpo biológico. O corpo erótico é o ápice de uma série de apoios afetivos que permitem à sexualidade psíquica se desenvolver até a maturidade gonádica (adolescência), investindo sucessivamente os diferentes órgãos do corpo que marcam o limite entre o próprio corpo e o exterior. Ao mesmo tempo que o corpo é transformado no contato com a sexualidade psíquica, a própria sexualidade se transforma, se personaliza e se erotiza. O apoio afetivo não visa tanto à constituição da sexualidade enquanto tal, pois esta é antes herdeira das relações com os pais, da educação e do contato social. Esse apoio visa primeiramente o corpo, à transformação do corpo, ao uso do corpo: “o corpo do desejo, o corpo do prazer, o corpo erógeno, que vem duplicar o corpo funcional da assimilação e da eliminação, o corpo da homeostase”. (o corpo biológico). (Dejour, 1988:96) Os programas endócrino e comportamental se atualizam na puberdade independentemente da sexualidade psíquica inacabada. O corpo dessa sexualidade é então um corpo animal, um corpo reflexo, um corpo ritmado somente pelos ciclos endocrinometabólicos. Funciona corretamente ainda que de modo compulsivo e automático, sob o primado da conservação da espécie. Ao inverso, quando a sexualidade psíquica é evoluída ela contra investe aquela 80 sexualidade automática e o corpo erótico vai significar o corpo “visceral”. Essa significação ocorre com certa dificuldade pois o contra investimento da sexualidade “visceral” pela sexualidade psíquica é delicado e a embricação nem sempre é sólida. O indivíduo pode identificar-se ao corpo erótico em detrimento do desempenho automático do corpo “visceral” deixando o corpo “visceral” atuar em proveito do corpo erótico. A sexualidade psíquica apesar de nem sempre assegurar a ocorrência de orgasmo não aprisiona o sujeito aos rítmos biológicos naturais, desencadeando o desejo que impõe o seu rítmo, distinto daquele da sexualidade “visceral”. Dejours (1988) indica que a surpreendente independência do homem em relação à sua sexualidade endócrina configura a domesticação do corpo sob o primado do erotismo. Ela não somente lhe permite resistir aos impulsos instintivos mas também o autoriza a ter relações sexuais e orgasmos fora da fecundidade, até a velhice. Tal primado leva a um enriquecimento considerável da vida sexual madura em relação à sexualidade “animal”. O orgasmo culminando o ato sexual supõe a realização de um ciclo que partindo da vida mental se esgota num reflexo neurovegetativo. Esquematicamente pode-se dizer que na origem do ato sexual existe uma montagem fantasiosa, pensamentos e idéias – representações mentais - que vão em direção ao esquema sensório-motor até desfalecer no orgasmo. Para Dejours (1988:97) o “... orgasmo opera como dissolução do pensamento latente em excitação. A partir daí, concebe-se facilmente que este processo seja vivido perigosamente pelo sujeito cujo corpo erótico não é suficientemente estável, isto é, cujos apoios são frágeis, pois com o orgasmo corre o risco de uma desconstrução da sexualidade psíquica que o Ego teme ver explodir quando emerge com violência um corpo biológico mal intrincado. O resultado do ato sexual então é a angústia, que o sujeito procura evitar tornando-se justamente incapaz de orgasmo, impotente, frígida ou abstinente.” O desenvolvimento sexual da criança é a soma das representações sucessivas que a criança forma da relação triangular (criança, mãe e pai). desenvolvimento de uma relação percebida primeiramente As fases do como binária e posteriormente como ternária marcam a maneira pela qual a sexualidade psíquica 81 coloniza pouco a pouco o corpo fisiológico para fazer dele um lugar de prazer sexual e não mais, somente, o instrumento funcional de suas regulações fisiológicas. Cada fase do desenvolvimento neurofisiológico da criança, determinada por um programa pré-ordenado, abre novas possibilidades de jogos eróticos. E esses jogos liberam progressivamente a criança do imperativo fisiológico permitindo o controle do prazer obtido sem recursos estereotipados que habitualmente acalmam a excitação proveniente da necessidade fisiológica. (“A gente não quer só comer. ... a gente quer comer e quer fazer amor... a gente quer prazer para aliviar a dor.” - Arnaldo Antunes). O apoio da sexualidade sobre as grandes funções orgânicas diz respeito ao apoio do corpo erótico sobre o funcionamento das funções biológicas. O corpo erótico é ao mesmo tempo a testemunha da constituição da sexualidade psíquica e o fundamento dessa sexualidade, sendo ponto de partida e finalidade da sexualidade psíquica. A definição de erotismo segundo Maulnier (in Coutinho, 1978:9) “implica em contatos das almas através dos corpos. Procura-se, através do amor, as respostas a todas as formas de angústia intelectual. Assim, o erotismo transborda sobre o universo metafísico. Consciente ou inconsciente, é algo além da satisfação carnal. Constitui-se, mesmo, em um apelo ao espírito através dos corpos e não, simplesmente, um apelo do corpo ao corpo, com o aviltamento de espírito. O espírito está sempre presente.” Para Coutinho (Ibid,1978) o erotismo abrange terreno bem vasto e tão variado quanto a própria natureza humana assumindo formas particulares em épocas e lugares diversos. Desde os cartões postais e baralhos obscenos até certas passagens da Bíblia – o mais sagrado dos livros cristãos – encontramos imensa variedade de apelos ao “homo eroticus” assim como nas obras de arte de todos os povos, através dos tempos. Desnos (in Coutinho, 1978:9) pergunta qual o homem que preocupado com o infinito, no tempo e no espaço, não constituiu uma espécie de “erótica” sua, particular, nos redutos de sua alma. Qual o homem, pergunta-se, que “preocupado com a poesia, inquieto entre os mistérios contingentes ou longínquos, não aprecia retirar-se a esse reduto do espírito, onde o amor é ao mesmo tempo puro e licencioso no absoluto?”. 82 A vida humana é uma guerra eterna entre Eros e Tanatos. Vida e morte. Afirmação e negação. Violette Morin (in Coutinho, 1978:10) afirma ser o “Deus Eros quem oferece maiores possibilidades, quem pode salvar ou matar, quem melhor pode engendrar a tragédia ou a felicidade, quem pode enfim restituir às relações humanas toda a sua complexidade maravilhosa.” Segundo Marcuse(1972:33) se o ser humano estivesse entregue aos seus instintos básicos estes seriam incompatíveis com toda associação e preservação duradoura: “destruiriam até aquilo a que se unem ou em que se conjugam. ... O Eros incontrolado é tão funesto quanto a sua réplica fatal, o instinto de morte”. Sua força destrutiva deriva do fato dos instintos lutarem por uma gratificação que a cultura não pode consentir: a gratificação como tal e como um fim em si mesma a qualquer momento. Para Freud (1930) o indivíduo pode chegar à compreensão traumática de que uma plena e indolor gratificação de suas necessidades é impossível. E após essa experiência de desapontamento um novo princípio de funcionamento mental ganha ascendência, o princípio de realidade, quando o homem aprende a renunciar ao prazer momentâneo, incerto e destrutivo, substituindo-o pelo prazer adiado, restringido, mas “garantido”. Com o estabelecimento do princípio de realidade o ser humano que sob o princípio de prazer dificilmente pouco mais seria do que um feixe de impulsos animais converte-se num ego organizado. Esforça-se por obter “o que é útil” e o que pode ser obtido sem prejuízo para si próprio e para o seu meio vital. Sob o principio de realidade o ser humano desenvolve a função da razão: aprende a “examinar” a realidade, a distinguir entre bom e mau, verdadeiro e falso, útil e prejudicial. O homem adquire as faculdades de atenção, memória, e discernimento. Torna-se um sujeito consciente, pensante, equipado para a racionalidade que lhe é imposta de fora. Seja qual for a liberdade existente no domínio da consciência desenvolvida e no mundo que ela criou, não passa de uma liberdade derivativa, comprometida, conseguida à custa da plena satisfação de necessidades. O princípio de realidade restringe a função cognitiva da memória - sua vinculação à passada experiência de felicidade que instiga o desejo de sua recriação consciente. À medida que a cognição cede lugar à recognição as imagens e impulsos proibidos da infância começam a 83 contar a verdade que a razão nega. A regressão assume uma função progressiva. O passado redescoberto produz e apresenta padrões críticos que são tabus para o presente. Além disso a restauração da memória é acompanhada pela recuperação do conteúdo cognitivo da fantasia. O peso dessas descobertas deve finalmente despedaçar a estrutura em que foram feitas e confinadas. 7.2. A mente erótica sexual Segundo Moore (1999) o sexo é algo mais do que meramente físico pois leva o indivíduo para um mundo de intensas paixões, toques sensuais, fantasias excitantes, muitos significados e emoções sutis. Estimula a imaginação com fantasias, devaneios e lembranças. Mesmo o sexo sem amor, vazio ou manipulador, tem grandes repercussões na alma e mesmo experiências sexuais ruins deixam impressões permanentes e perturbadoras. Blake (in Moore, 1999) define o corpo como a alma manifestada pelos sentidos. Essa visão oferece dois desafios: como ver a alma quando olhar para o corpo e como usar os sentidos como principal meio de conhecer a alma. Geralmente pensa-se o corpo em termos puramente físicos e a alma abstratamente. Com freqüência busca-se definições de alma como se o intelecto pudesse abarcá-la integralmente. O autor convida a pensar na alma como algo a ser descoberto através do tato, do olfato, da audição, do paladar e da visão. As sensações podem ser vistas como uma forma particular de imaginação baseada na percepção física contudo determinada pela fantasia. O ser humano é um conjunto de intenções, emoções, sonhos, desejos, medos, um passado, uma cultura, e uma vida interior de pensamento e fantasia – uma alma. Considera-se a mente erótica uma entidade cognitiva que experimenta a realidade de modo global, totalizante e estável. A mente erótica “captura” o mundo externo criando representações e estas através de novas ações modificam o mundo externo determinando novos padrões cognitivos sexuais. Quando um corpo preparado biologicamente para o sexo é acompanhado por uma mente capaz de estabelecer representações dotadas de significados eróticos, observa-se a criação de imagens 84 mentais dotadas de significado erótico-sexual. A mente erótica sexual abarca uma série de fenômenos corporais e representacionais tendo seu potencial erótico vinculado ao deus Eros, força primordial, cujo principal função é a de unir o que está separado. 7.3. Mente assexuada Etimológicamente a palavra sexo deriva da palavra latina secare que significa cortar, dividir. Na visão psicológica o corpo sexualizado é uma entidade parcial, impermanente, que experimenta a realidade de forma limitada e efêmera enquanto que a mente erótica é uma entidade cognitiva e desta forma experimenta a realidade de modo global, totalizante e estável. Na “mente assexuada” as representações mentais não apresentam imagens erotizadas sexualmente. As fantasias são dissociadas e/ou destituídas de qualquer significado sexual. O corpo sofre as conseqüências dessa mente através de inapetência ou bloqueios sexuais. O corpo preparado biologicamente para o sexo torna-se entretanto incapaz de usufruir do prazer sexual uma vez que o desejo fica comprometido com significados negativos ou desvirtuados. Um estudo publicado em outubro de 2004 na revista inglesa New Scientist aponta que 1% das pessoas sexualmente ativas declarou não ter vontade ou não gostar de sexo. Há casos em que a inapetência sexual se explica por problemas físicos ou psicológicos existindo aqueles no entanto que não apresentam nenhum tipo de distúrbio catalogado pelos médicos. Uma hipótese para explicar esse tipo de comportamento assexuado é que o centro cerebral da libido por alguma razão, provavelmente genética, não chega a ser ativado. O modo como a sexualidade foi tratada ao longo da história variou muito. Nos conventos da Idade Média as freiras tinham o costume de se privar do banho só para que não tivessem um contato mais intimo com o próprio corpo. Na Idade Moderna a década de 1960 foi marcada pela exaltação do amor livre. Nos Estados Unidos de hoje é cada vez maior o número de jovens que fazem questão de preservar a virgindade até 85 o casamento como por exemplo os integrantes do movimento “A-pride” (orgulho de ser assexuado). Diz a sexóloga Regina Navarro Lins (2005:76): “Não ter vontade de fazer sexo é completamente antinatural”. O desejo sexual é um imperativo biológico. 7.4. A mente mística A “mente mística” cria representações mentais erotizadas porém relacionadas ao “estado espiritual de união com o divino, com o sobrenatural” (Aurélio). Caracteriza-se por experiências do indivíduo com a divindade sendo o desejo voltado para a possibilidade de união total. Nestes casos as fantasias são dissociadas e/ou destituídas de qualquer significado sexual corporal. O sujeito prescinde dos prazeres sexuais corporais (parcializados) em busca de um prazer mais abstrato, abrangente e definitivo. Segundo Trevisol (2000:35) na configuração do desejo do místico “ser mistério e viver diante do Outro-Mistério significa desejar e deixar-se atrair pelo Objeto de desejo”. Desejar implica a saída do limite e o sonho de poder ser ilimitado aspirando a algo ilimitado que não seja o próprio eu nem outra alteridade limitada. O místico pode desejar verdadeiramente e sem desilusão porque se aventurou no conhecimento das aspirações mais profundas do próprio coração. enfrentado face a face o mistério de si mesmo abandona a uma perene condição Tendo pode acolher o Outro que não o de vazio; à partir do momento em que a sua Presença satisfaz aquele desejo também o renova e intensifica em ardor. Ainda em Trevisol (2000:38) “O desejo místico é tão intenso e real exatamente porque o objeto da sua aspiração é uma Pessoa. [...] O místico sabe que a condição para possuir Deus é a de não desejar nada que não seja somente Ele, porque uma vez encontrado não terá outro desejo senão aquele de louvá-lo infinitamente até “desfazer-se e morrer por ele mil vezes [...] padecer grandes sofrimentos [...] tem [...] desejo [...] de que todos conheçam a Deus”. É claro então que para o místico não é tão importante o desejo em si mesmo, senão pelo Objeto que o mantém vivo, tanto que O perder significa não poder mais 86 desejar e não desejar mais é como morrer. Esta é a razão pela qual o Rosto do Outro é essencial para a vida do místico: a “visibilidade” do objeto é fonte do despertar constante do seu desejo. Assim quanto mais O experimenta tanto mais O deseja de tal modo que viver é desejar e desejar é possuir já aquilo que ama. O fruto dessa dinâmica é a crescente confiança que desemboca na entrega total ao Mistério. A vida do místico parece então caracterizada pela polaridade destas duas forças: por um lado o desejo do infinito do Absoluto do Outro Ilimitado, da união com o Eterno; por outro a participação em uma realidade imediata no mundo, no próprio eu e no contato com o outro-criatura. E é próprio do mistério do ser humano encontrar-se constantemente entre essas duas forças opostas que na verdade se pertencem reciprocamente Clément e Kakar (1997) afirmam que não é o sexo real que faz a sexualidade e sim a fantasia de cada um: “Os místicos passam pela íntegra das fantasias femininas e masculinas, seu pertencimento sexuado eles o enganam, ou contornam, ou atravessam sem esforço e se encontram do outro lado do seu gênero nativo”. (Ibid:18) Se os místicos empregam metáforas ostensivamente sexuais elas o são para nós não para eles. Para esses seres singulares não há mais diferença entre macho e fêmea, entre corpo e alma, entre sexo e espírito, entre real e irreal. Tenta-se cozer o misticismo pelo pensamento; talvez assim ele se torne mais próprio para ser partilhado. Contudo o imenso “narcisismo do êxtase” não se deixa partilhar, é muito “cru”. Clément (in Clément e Kakar, 1997) apresenta o caso clínico de Madelaine, jovem internada no final do século XIX em hospital psiquiátrico, aos cuidados do Dr. Janet, por apresentar delírios místicos. Ela afirma: “Compreendi que não poderia jamais encontrar sobre a terra o meu ideal, uma afeição recíproca; entendi que o prazer que sentia perto desse rapaz era mal, e que todos os prazeres e afetos eram perigosos, eu deveria ter desconfiado quando senti prazer...” (Ibid:32) Prazer era igual a perigo. Mais tarde Madeleine admitirá retrospectivamente uma sensualidade transbordante; ela era uma glutona, adorava a música. Irá privar-se de guloseimas, beberá água, comerá pão e nunca mais ouvirá música. Todos os prazeres lhe dão medo: o álcool, por exemplo, sente que o apreciaria demais. Pois “estes prazeres, para mim, o senhor sabe...” (Ibid:32). 87 Clément (in Clément e Kakar, 1997) descreve a realidade de Madeleine que se denominava “o Bode, a amante do Cristo e o bode expiatório dos pecados do mundo”, como só tendo pão e água, como mobiliário um crucifixo, uma meia manta, uma moringa e uma bacia e uma caixa de madeira servindo-lhe de travesseiro. E mesmo assim ela declara: “Este foi, o período mais feliz, durante o qual experimentei sem cessar uma alegria íntima que não consigo exprimir. ... é inimaginável como passo prontamente do estado de sofrimento horrível à embriaguez espiritual... O que é verdade é que ao mesmo tempo eu sofro e gozo, eu experimento algo do céu ao mesmo tempo que em parte ainda estou no inferno ... sim, sinto volúpia ao saborear a humilhação, eu nunca teria acreditado que fosse tão doce sentir-se considerada como louca.” (Ibid:33) Clément (in Clément e Kakar, 1997) afirma que Madeleine está pronta para sacrificar sua razão, chegando imediatamente ao êxtase. Destaca ainda que esta remete o mítico a uma certa estrutura de pensamento e de reflexão capaz de organizar a experiência do de fora e a experiência do de dentro. A expressão fantasia tampouco é empregada em seu sentido comum com suas conotações populares de fantástico, excentricidade ou trivialidade, mas com um outro significado para esse mundo imaginário que busca dar um sentido à experiência. A fantasia, matéria de que são feitos os sonhos, é também em diferentes medidas e sob diferentes formas a matéria com que se constroem as obras de artes, os discursos intelectuais e as teorias científicas. A estrutura mítica do pensamento é a incrustação intrincada de simbolismo, metáfora e analogia na fantasia. A saber: “A metáfora e analogia tornam possível um ordenamento complexo do saber. Elas podem ser usadas para ajudar a explicar percepções cuja explicação seria difícil de outra forma... além disso, metáfora e analogia compartilham um atributo de ambigüidade. É da sua própria natureza participar e transferir significados excessivos ou excedentes de uma percepção para outra, enriquecendo a compreensão das sutis e intrincadas experiências humanas. “(Ibid:252) Sacks (in Clément e Kakar, 1997:253) afirma que “o mítico aproxima-se mais da organização icônica e “artística” da forma final do registro cerebral da experiência e da ação, ele é mais fiel à natureza cênica e melódica da vida interior, à natureza 88 proustiana da memória e da mente, com suas flexões multifacéticas e revelações de eternos retornos.” Assim, Clément e Kakar (1997) declaram que o objetivo da análise é libertar e aumentar notavelmente a capacidade de “experimentar a experiência” mas não subestimando a natureza sensual da experiência, o fato de ter uma consciência difusa em todas as partes do nosso corpo. Mas é fundamental ficar com a experiência sensória e o corpo, o único continente que temos de nossas almas. E ainda, “... me contentaria em cultivar, colher e comer batatas, intensa e sensualmente, enquanto admirasse de longe, sem duvidar, a habilidade que tem o místico de louvá-las.” (Ibid:254) A referida autora destaca que Madelaine revela-se em relação ao desejo e ao orgasmo dizendo: “Sinto enormes doçuras sobre os lábios e, no ventre que se contrai, sobressaltos verdadeiramente divinos... Todo o meu corpo é fremente quando Deus aplica em tudo suas mãos ardentes, que ele faz passear suavemente, é indefinível, parece que desmaio no prazer que sinto. Sinto-me mais e mais suspensa no ar, se diria que meu corpo apóia-se numa corda larga passada entre as pernas e que esta corda comprime as partes, que faz impelir para dentro. Dá-se algo na vesícula, colocase um lacre na abertura e este incômodo para urinar não é de fato um, mas uma volúpia... Experimento com enorme freqüência no interior como no exterior tremores suaves que são tão particulares que não posso explicá-los.” (Ibid:52) E ainda, ela não ignora nada da fonte da sua volúpia alegremente assumida durante o êxtase. Ela estampa uma felicidade triunfante, otimista, que rompe as normas sociais e morais e considera o mal como o bem equivalentes em pureza. Declara que “Como todos os meus sentidos e todos os membros do meu corpo, as partes sexuais têm seus prazeres ransformados, tornados especialmente particulares, espirituais e tão puros”. (Ibid:55) Como também, “Devo resistir a esse gozos excessivos que experimento em todo o meu corpo. Ainda que sejam puros e que tenham outra natureza que as volúpias carnais, compreendo que seja meu desejo evitá-los, porque eles me absorvem em demasia e me deixam incapaz de prestar atenção a outras coisas.” (Ibid:59) 89 VIII - METODOLOGIA Chauí (1996:157) refere-se à palavra método como, vindo do grego, methodos, composta de meta: através de, por meio de, e de hodos: via, caminho. Usar um método é seguir regular e ordenadamente um caminho através do qual uma certa finalidade ou um certo objetivo é alcançado. O método, portanto, é um instrumento racional para adquirir, demonstrar ou verificar conhecimentos. Assim, por exemplo, considera-se o método experimental, isto é, indutivo, como próprio das ciências naturais, que observam seus objetos e realizam experimentos. Já as ciências humanas têm “métodos de compreensão e de interpretação do sentido das ações, das práticas, dos comportamentos, das instituições sociais e políticas, dos sentimentos, dos desejos, das transformações históricas, pois o homem, objeto dessas ciências, é um ser histórico-cultural que produz as instituições e o sentido delas. Tal sentido é o que precisa ser conhecido.” (Chauí 1996:159) No caso das ciências humanas e sociais o método é chamado compreensivointerpretativo porque seu objeto são as significações ou os sentidos dos comportamentos, das práticas e das instituições realizadas ou produzidas pelos humanos. Chizzotti (2003:83) propõe que “na pesquisa qualitativa, todas as pessoas que participam da pesquisa são reconhecidas como sujeitos que elaboram conhecimentos e produzem práticas adequadas para intervir nos problemas que identificam. Pressupõe-se, pois, que elas têm um conhecimento prático, de senso comum e representações relativamente elaboradas que formam uma concepção de vida e orientam as suas ações individuais com o contexto geral da sociedade.” Goldenberg (2003) destaca ainda o valor da pesquisa qualitativa como sendo útil para identificar conceitos e variáveis relevantes de situações que podem ser 90 estudadas quantitativamente. Para a autora é inegável a riqueza que pode ser explorar os casos desviantes da média que ficam obscurecidos nos relatórios estatísticos. Também é evidente o valor da pesquisa qualitativa para estudar questões difíceis de quantificar, como sentimentos, motivações, crenças e atitudes individuais. A premissa básica da integração repousa na idéia de que os limites de um método poderão ser contrabalançados pelo alcance de outro. Assim, “métodos qualitativos e quantitativos, nesta perspectiva, deixam de ser percebidos como opostos para serem vistos como complementares.”(Ibid:63) e “... um bom pesquisador deve lançar mão de todos os recursos disponíveis que possam auxiliar à compreensão do problema estudado.” (Ibid:67) Assim, esta pesquisa tem um caráter qualitativo tendo sido utilizado o método clínico que descreve a situação das mulheres num dado momento e num contexto determinado, conforme descrito a seguir neste capítulo. 8.1. Tipo de Pesquisa O caráter do estudo define o tipo de pesquisa. Desta forma, adotando a classificação de Vergara (1990) a pesquisa foi explicativa quanto aos fins, na medida em que buscou identificar as condições que favoreceram as relações da mente erótica com o corpo sexual, assim como de que forma tal relação foi percebida pelas mulheres que vivenciaram o seu desejo, seu prazer, enfim, a sua sexualidade, buscando-se desvendar as representações mentais que estão implicadas no desejo sexual feminino, consubstanciando-se em um estudo de caso. No que se refere aos meios, ainda respeitando a categorização de Vergara (1990), o estudo se apoiou em pesquisa de campo e pesquisa bibliográfica. Na pesquisa bibliográfica utiliza-se material publicado em livros, revistas, jornais, redes eletrônicas e outros. Na pesquisa de campo serão utilizadas entrevistas semiestruturadas. O fenômeno estudado – as representações mentais envolvidas na constituição de mentes erótica-sexual, assexuada e mística -, será relacionado ao desejo sexual feminino. 91 Para tanto faz-se necessário considerar os problemas acarretados na execução de uma pesquisa desta ordem como os tabus, os complexos psicológicos, as pressões sociais de diversas origens. 8.2. Coleta de Dados A pesquisa de campo se deu através da observação da pesquisadora e da utilização de entrevistas semi-estruturadas onde foram buscadas opiniões, sensações e impressões de mulheres. A pesquisa bibliográfica além de ilustrar o ponto de vista de vários autores a respeito dos conceitos de desejo, emoções, sensações, percepções e representações mentais envolvidos na mente erótica e no corpo sexual, buscou aquele mínimo de fundamentação que permitisse um mergulho no obscuro mar da sexualidade feminina. O rastreamento da situação se deu através de questões formuladas a 5 mulheres, com idades distribuídas entre 30 e 60 anos, escolaridade entre 1º grau incompleto, 2º grau incompleto, pós-graduação com especialização e doutorado incompleto. No item estado civil encontra-se uma viúva, três solteiras e uma separada judicialmente. No intuito de responder as questões formuladas na introdução e investigar o desejo sexual feminino elaborou-se um questionário que possibilitou a obtenção de dados pertinentes para a explicação do fenômeno problematizado, através da descrição de sensações corporais e vivências sexuais corporais, assim como pelas descrições de sonhos, fantasias, imaginação, memórias evocadas, emoção e sentimentos. Apresenta-se a seguir o questionário: 1.a) Quando você se sentiu em verdadeira união? Descreva o momento. (Caso a resposta seja a maternidade, registrar o relato e solicitar um outro momento) 92 b) Como você sentiu essa experiência no seu corpo? (exemplo: palpitações, visões, arrepios etc) c) Qual o sentimento que acompanha essas lembranças? 2) Você já sentiu desejo sexual? Há quanto tempo e como foi? 3) Imagine uma cena sexual. Descreva-a. 4) Lembre de uma cena sexual que você tenha vivido. Descreva-a. 5) Descreva um sonho de conteúdo sexual. Qual o seu sentimento ao descrevêlo? 6) Você já sentiu um desejo incontrolável? Descreva-o. 7) Você já desejou alguém sem amar? Como manifestou esse desejo? 8) Você já fez “loucuras” buscando obter prazer sexual? Descreva-as. 9) Você já sentiu um amor profundo? Descreva-o. 10) Você já fez “loucuras” por amor? Descreva-as. 11) Como lida com a distância física e emocional do ser amado? Qual o sentimento que aparece nestas horas? 12) Como você se satisfaz sexualmente? (caso não apareça nas respostas anteriores, direcionar a pergunta: Você sente orgasmo?) As entrevistas foram gravadas com assentimento prévio das entrevistadas. As perguntas enumeradas serviram como guia, assim as entrevistadas ficaram livres para respondê-las, sendo que em cada caso surgiram outras questões que foram incorporadas para posterior análise. O caráter qualitativo do estudo levou à preocupação com a escolha do grupo das entrevistadas. Desta forma optou-se por uma investigação de mulheres que se enquadrassem minimamente em categorias facilitadoras para visualizar o fenômeno estudado, a saber: (1) mística, (2) mulher com vida sexual prazerosa e (3) mulher com vida sexual desprazerosa/disfunção sexual) e (4) assexuada. Pinçadas de diferentes realidades sócio-culturais da cidade do Rio de Janeiro -, as mulheres escolhidas foram aquelas que arbitrariamente a pesquisadora entendeu possuírem discernimento e capacidade de análise capazes de enriquecer o levantamento, além de não apresentarem patologia. 93 8.3. Tratamento dos Dados Conforme observado por alguns críticos o uso de métodos quantitativos não se presta ao entendimento das questões sociais. No que se refere, especificamente, à área de neuropsicologia cognitiva, tem-se a opinião de Chizzotti (2003) que endossando o ponto de vista de Goldenberg (2003), vislumbra a possibilidade do uso do método clínico. Embora tendo como referencial teórico autores que utilizam os modelos de estudo das ciências da natureza, paradigma que norteia toda literatura sobre neurologia e fisiologia, optou-se em “olhar” clinicamente a questão. Pretendeu-se a compreensão da complexidade e contradições de um fenômeno em termos de sua singularidade, imprevisibilidade e originalidade, analisando-se o processo cognitivo das representações mentais. Buscou-se fugir do método cartesiano de pesquisa e da neutralidade das médias estatísticas, onde segundo Goldenberg (2003:32) “as particularidades são removidas para que se mostre apenas as tendências do grupo, no estudo de caso as diferenças internas e os comportamentos desviantes da “média” são revelados, e não escondidos atrás de uma suposta homogeneidade.” O método mecanicista-reducionista vem sendo questionado inclusive por cientistas ligados à Física pois apesar de ser considerado útil a algumas questões não se aplica à Física sub-atômica, por exemplo. Conforme apontado por Capra (1975), neste ambiente os fenômenos não são mais determinísticos passando a ser considerados como possibilidades, não existindo aquela previsibilidade que os modelos científicos até então supunham existir. Nas palavras de Chizzotti (2003) em oposição ao método experimental alguns cientistas optam pelo método clínico, “a descrição do homem em um dado momento, em uma dada cultura” (2003:79) e ainda, “a abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado. O objeto não é 94 um dado inerte e neutro; está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações.” (2003:79). Os dados são fenômenos não são coisas isoladas, acontecimentos fixos, se manifestam em uma complexidade de oposições, revelações e ocultamentos. Reuchlin (1971:105) distinguindo o método clínico do patológico comparativo, considera o primeiro “como sendo aplicável tanto às condutas adaptadas quanto às desordens da conduta; admite que se trata de um método de pesquisa indicado para aumentar nossos conhecimentos gerais no campo da psicologia e não apenas um método de uso restrito a uma determinada categoria de clínicos”. Todavia o método clínico realmente colheu na prática médica aquilo que constitui sua unidade: a convicção de que apenas um estudo aprofundado de indivíduos cuja individualidade seja reconhecida e respeitada e que sejam considerados “em situação e em evolução” possibilitará a compreensão desses indivíduos e talvez por intermédio deles, a do homem. Piaget (1962) no livro “A construção do real na criança” consagra a introdução para expor e justificar o método clínico por ele utilizado, método este que continua a definir com alguns aprimoramentos e especificações a orientação dos processos utilizados em seu grupo de pesquisadores para a coleta dos dados, situando-o com relação ao método dos testes e ao da observação pura. Critica, nos testes, o fato de só fornecerem uma análise insuficiente dos resultados e sobretudo o de falsear a orientação de espírito da criança que está sendo interrogada ou quando não, de correr o risco de a falsear. Piaget (1926 in Reuchlin, 1971:109) descreve: “A essência do método clínico consiste, pelo contrário, em separar o joio do trigo e em situar cada resposta em seu contexto mental.” Será conservado o essencial dessas opções metodológicas relativas às próprias técnicas do interrogatório. O método clínico foi posteriormente qualificado de “crítico” para insistir sobre um aspecto considerado essencial do diálogo com o sujeito: o reexame sistemático das respostas do sujeito, a fim de trazer à luz a estrutura lógica de seu pensamento. O estudo de caso foi um recurso utilizado para tratamento dos dados coletados sabendo-se que segundo Goldenberg (2003) o termo - estudo de caso - vem de uma 95 tradição de pesquisa médica e psicológica a qual se refere a uma análise detalhada de um caso individual que explica a dinâmica e/ou patologia de uma doença dada. Este método supõe que se pode adquirir conhecimento do fenômeno estudado a partir da exploração intensa de um único caso. Adaptado da tradição médica o estudo de caso tornou-se uma das principais modalidades de pesquisa qualitativa em ciências sociais não sendo considerado uma técnica específica, mas uma “análise holística”, a mais completa possível que considera a unidade social estudada como um todo, seja um indivíduo, uma família, uma instituição ou uma comunidade, com o objetivo de compreendê-los em seus próprios termos. Uma das dificuldades do estudo de caso decorre do fato de a totalidade pesquisada ser uma abstração científica, construída em função de um problema a ser investigado. O estudo de caso reúne o maior número de informações detalhadas com o objetivo de apreender a totalidade de uma situação e descrever a complexidade de um caso concreto. As principais dificuldades apresentadas são as de traçar os limites do que deve ou não ser pesquisado já que não existe limite inerente ou intrínseco ao objeto. Além disso a técnica requer um mergulho profundo e exaustivo em um objeto delimitado. Acrescenta-se que a análise dos dados coletados exigiu um trabalho de interpretação e compreensão das diversas dimensões do problema que também passaram pela questão de valor da pesquisadora à despeito do exercício de distanciamento adotado. As conclusões a que este estudo chegou são singulares. Associadas a outras, de outros estudos, podem contribuir para a visão mais ampliada do fenômeno da representação mental na sexualidade feminina. Segundo Joffily (2005) a neurologia defende um pressuposto experimental como padrão único de pesquisa calcado no modelo de estudo das ciências da natureza. Muitos cientistas não admitem que as ciências humanas e sociais devam se submeter ao paradigma das ciências da natureza e que legitimem seus conhecimentos por processos quantificáveis transformados por técnicas de mensuração em leis e explicações gerais. A Neuropsicologia Cognitiva utiliza modelos experimentais das ciências da natureza bem como as metodologias próprias das ciências humanas. Em seu desenvolvimento busca integrar os experimentos quantificáveis às especificidades qualitativas do comportamento humano e social. Considera-se ainda que a adoção de 96 modelos estritamente experimentais podem conduzir a generalizações errôneas em ciências humanas e a um consequente simplismo conceitual que não apreende um campo científico específico e dissimulam sob pretexto de um modelo único o controle ideológico das pesquisas. Um outro marco que separa a pesquisa qualitativa dos estudos experimentais está na forma como apreende e legitima os conhecimentos. A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos atribuindo-lhes um significado. O objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações. 8.4. Análise dos dados Bourdieu (1989) propõe uma interrogação sistemática de um caso particular para retirar dele as propriedades gerais ou invariantes, ocultas debaixo das aparências de singularidades. Assim, “...é ele [o raciocínio analógico] que permite mergulharmos completamente na particularidade do caso estudado sem que nela nos afoguemos, ... e realizarmos a intenção de generalização, que é a própria ciência, não pela aplicação de grandes construções formais e vazias, mas por essa maneira particular de pensar o caso particular, que consiste em pensá-lo verdadeiramente como tal. Esse modo de pensamento realiza-se de maneira perfeitamente lógica pelo recurso ao método comparativo, que permite pensar relacionalmente um caso particular constituído em caso particular do possível.” (Ibid:32-33) Deste modo será utilizada a análise comparativa das respostas com a teoria e com os dados coletados. As hipóteses levantadas não são tidas como verdades apriorísticas sendo elaborações norteadoras dentro do estudo. A representatividade dos dados está relacionada com sua capacidade de possibilitar a comprensão do 97 significado e a descrição mais aprofundada da sexualidade feminina. Para Chizzotti (2003) o problema na pesquisa qualitativa não é uma definição apriorística, fruto de um distanciamento que o pesquisador se impõe para extrair as leis constantes que o explicam e cuja freqüência e regularidade pode-se comprovar pela observação direta e pela verificação experimental. Por outro lado esta técnica apresenta vantagens como a de ser um instrumento mais adequado para a revelação de informações sobre assuntos complexos como as emoções e permitir uma maior profundidade estabelecendo uma relação de confiança entre o pesquisador e o pesquisado, o que propicia o surgimento de outros dados apresentando maior flexibilidade para garantir a resposta desejada, podendo-se observar o que diz o entrevistado e como diz, verificando-se as possíveis contradições. 8.5. Limites da pesquisa Um problema de pesquisa não pode ficar reduzido a uma hipótese previamente aventada ou a algumas variáveis que serão avaliadas por um modelo teórico preconcebido. O problema decorre antes de tudo de um processo indutivo que se vai definindo e se delimitando na exploração dos contextos ecológico e social onde se realiza a pesquisa e dos contatos duradouros com informantes que conheçam esse objeto possibilitando a emissão de juízo sobre ele. Conforme já referido, segundo Damásio(1999) o corpo e o cérebro de todas as pessoas podem ser observados por outros enquanto que a mente é observável apenas por seu dono. O corpo e o cérebro são públicos, expostos, externos e inegavelmente objetivos. Por sua vez a mente é privada, oculta, interna e inequivocamente subjetiva. Tais considerações evidenciam a necessidade de delimitação das conclusões pois os estudos são ainda muito incipientes. 98 IX – O CASO “São tantas coisinhas miúdas, roendo, comendo, arrasando aos poucos com o nosso ideal. São frases perdidas num mundo de grito, de gestos, num jogo de culpa que faz tanto mal. ... Veja bem, nosso caso é uma porta entre-aberta e eu busquei a palavra mais certa. Vê se entende o meu grito de alerta. Veja bem, é o amor agitando o meu coração, Há um lado carente dizendo que sim E essa vida da gente gritando que não.” (Gonzaga, Jr.) Convido o leitor a contemplar mais um mistério da vida. Convite feito e aceito, iniciaremos uma aventura fantástica, surpreendente e muitas vezes cansativa à procura de um lugar com o aconchego de uma sala quente com chá e lareira, chinelos macios, onde há amor, compreensão e harmonia, onde os sons são conhecidos, onde tudo e todos são como desejamos e correspondem as nossas necessidades, onde os desejos nascem e tudo é flexível e maleável. Porém neste mesmo lugar existem sombras por trás dos armários, fantasmas nas cadeiras, monstros nos espelhos e horrores nas janelas. Ao mesmo tempo que estamos dentro, estamos fora, o universo é pequeno, a forma é aprisionante. Ao trilharmos esta estrada que nos trará experiências já tão familiares ainda que inadmissíveis encontraremos a placa indicativa e estaremos certos do destino: “Aqui mora a mente”. Caminhando um pouco mais encontraremos uma construção, uma estrutura cheia de redemoinhos, circunvoluções, lugares escondidos misteriosos, cavernas que guardam a escuridão do inferno, holofotes que esperam revelar luzes ofuscantes, manhãs radiantes, tardes pastéis, entranças e reentranças, escondendo tesouros como se lá estivesse a eternidade, encruzilhadas estonteantes, pistas escondidas buscando- 99 se revelar. Indo mais além, precisaremos de uma certa cautela, pois muitos atalhos, trilhas, rastros se apresentarão... Ao trilharmos esta estrada encontraremos a placa indicativa: vocês chegaram ao “cérebro”. Está achando a viagem longa? Então pare um pouco. Vamos nos refrescar na beira do rio, colher frutas das árvores, lembrar do cheiro da infância, do perfume das rosas do jardim, do som harmonioso das conversas de nossas tias e das brigas engraçadas de nossos avós. Descanso garantido, precisaremos ter nossas forças recobradas para entrarmos num beco sem saída onde se juntam cérebro e mente: o corpo sensorial. Neste lugar os desejos se corporificam, o prazer e a dor manifestam-se, os sentidos ganham história, controles emocionais dificultam vivências, bloqueios sexuais interferem, falta de estimulação aborta, gravidez ameaça, sangramentos mensais marcam ponto, fantasias fantasmagóricas assustam, sensações viscerais atemorizam, emoções fazem mentiras sociais enganam, exultar e submergir, músculos retesam, poros se dilatam e acendem um circuito de prazer múltiplo. O beco sem saída representa: Uma mente e um cérebro num corpo de mulher. 9.1. A gênese Tendo me deparado inúmeras vezes com as queixas de mulheres vítimas de frustração e até mesmo de desprazer sexual interessei-me pelo assunto e uma pergunta não abandonava a minha mente: por que um corpo preparado para o prazer ficava confinado numa rede de insatisfações que duravam meses e muitas vezes anos? Despertou-me à princípio a auto-representação corporal e à medida que fui me aprofundando nos estudos o tema evoluiu para um trabalho apresentado na sessão de Transtornos afetivos e da atenção do Latin American CINP Regional Meeting e XIII Jornada de Psiquiatria da APERJ promovido pela Associação de Psiquiatria do Estado do RJ (APERJ) em co-autoria com a Dra. Sylvia Beatriz Joffily intitulado “Mente assexuada – a auto-representação corporal na sexualidade feminina”. Dando continuidade à pesquisa foi apresentado no I Colóquio Interdisciplinar em Cognição e 100 Linguagem do Programa de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF, Centro de Ciências do Homem, o trabalho “Mente assexuada – Um estudo da relação do corpo sexual com as representações mentais eróticas na sexualidade.”, também em co-autoria com a Dra. Sylvia Beatriz Joffily. Ao iniciar a pesquisa me propus viajar para um mundo desconhecido (porém familiar) que aos poucos foi se descortinando aos meus sentidos: a mente erótica. Venho observando que gerir a vida requer um modo de reagir que se baseia não só em ações executadas por músculos mas também em imagens capazes de representar estados internos do organismo, ações e relações. Uma história que muito me intrigou e me reportou à imagens inusitadas foi a de Tirésias que uma vez após ter assistido ao acasalamento de duas serpentes, matou uma, e na mesma hora foi transformado em mulher. Tendo mais tarde vivenciado a mesma cena, com a mesma reação, recuperou sua identidade de homem. Desta forma ele foi, segundo o mito, o único humano a experimentar em seu corpo a realidade da diferença sexual. Homem e mulher ao mesmo tempo, Tirésias conhecia o mistério sobre o qual se interrogavam deuses e mortais: quem, o homem ou a mulher, é o maior beneficiário do ato sexual? Consultado por Zeus e Hera, ousou afirmar que a mulher tirava do coito nove vezes mais prazer do que o homem. Tendo revelado o segredo ferozmente guardado de um gozo ficou cego por obra de Hera mas foi recompensado por Zeus que lhe deu o dom da profecia e o poder de viver por sete gerações. O que Tirésias descobriu que fez com que a Deusa Hera o punisse? O que Tirésias sabia que até hoje muitas mulheres desconhecem? 9.2. O caso Deste modo apresento ao leitor uma “mulher” composta dos relatos de várias mulheres; ela ficará conosco por algum tempo objetivando ilustrar o que venho percebendo ao longo desses anos e o que me surpreendeu nesses meses de pesquisa. Para tanto recorro a Elisabeth Roudinesco que em seu livro “A Família em Desordem”, de 2003, analisa as representações femininas no que tange ao sexo biológico e cultural. 101 Roudinesco (2003) apresenta uma classe de representações da feminilidade: “Quando se considera que o sexo anatômico prevalece sobre o gênero, a unidade se esfacela e a humanidade é dividida em duas categorias imutáveis: os homens e as mulheres. As outras diferenças são então desprezadas ou abolidas. Três representações são possíveis a partir daí. Ou a diferença sexual é pensada em termos de complementaridade, e a mulher se torna um alter ego do homem, dividindo com ele um prazer carnal e um papel social; ou é inferiorizada, e a mulher é classificada em uma espécie de tipo zoológico: monstro, andrógina, lésbica, prostituta; ou é idealizada, e a mulher torna um “suplemento”, heterogêneo à ordem simbólica: a louca, a mística, a virgem. “ (Ibid, 117) Deste modo, apresenta-se: 1) Representação da mulher como complementaridade, se tornando um alter ego do homem, dividindo com ele um prazer carnal e um papel social. A feminilidade da mulher é associada à maternidade. “... sem ser ele? Eu sou muito chegada às filhas. Agora está assim. A mais velha que dizem que é minha predileta foi morar fora. A segunda que tem o gênio muito difícil, que é mais minha amiga achava que o que ela fez eu tinha que achar certo. Se fosse a do vizinho eu tinha que achar errado, mas como foi ela eu tinha que achar certo. E eu sou intransigente com determinadas coisas, porque ela se separou um pouquinho de mim, porque mesmo casada arrumou um namorado até que eu falei: eu não quero que você fique com o seu marido, mas eu quero que você diga a ele que tem que sair que você quer ir embora, que você quer fazer alguma coisa. Tanto que ela um dia se aborreceu pegou tudo e foi embora deixou a filha e o marido, e eles não tinham como sobreviver, vieram morar comigo. Depois que ele alugou um apartamento aqui do lado e a menina ficou comigo.” (E-1) ... depois de viúva, nunca mais. Passo em brancas nuvens, não fico também me explorando, assim... filme erótico, não me atrai, pode ser que mexa comigo e eu não estou querendo nada com isso. Antigamente o fogo era alto. Mesmo com esse tempo todo de casado. Tinha uma eletricidade era impressionante, mas lógico com o passar do tempo você vai ficando mais velha as coisas vão acalmando em relação ao número de dias, número de vezes, não é tanta quantidade, é qualidade. Não resta dúvida, mas eu acho que todas as vezes que eu ou ele queria, a gente fazia. Não tinha esse negócio, a não ser que eu tivesse com dor de cabeça, mas se os dois tivesse querendo era a festa. Era um relacionamento muito... ele dizia que ele me criou para ele. E o que eu queria e não queria ele já tinha a noção direitinho. (E-1) “... Então não sinto falta, não sinto mesmo homem eu não sinto falta. Eu tive assim várias coisas, por exemplo no mês que eu fiquei viúva em diante eu nunca mais 102 menstruei. Daqui a um ano, depois volta, ... nunca mais ... acabou. ... Não tive uma vida movimentadíssima não, minha vida foi acomodada. (E-1) “... Nunca foi agressivo, nem quando bebia. Ele uma vez falou: ah! Você é muito burra. Eu disse: sou mesmo, senão não estaria te aturando. Ele era muito nervoso na rua, mas quando eu chegava ele acalmava. Tanto que ele falava: não me segura. Segura o outro, senão eu vou apanhar, o outro cara vai me bater. Se eu tiver brigando com alguém, tu segura o outro. .. ele não educava as filhas, queria que eu educasse. Ele tinha um jeito assim difícil, mas controlável quando eu tava perto. Quando eu tava perto.” (E-1) “E ele era uma pessoa que gostava de bebida. Então bebia mais um pouquinho, tanto que as minhas filhas só foram perceber que ele bebia quando elas já estavam crescidas. E se ele chegasse e eu achasse que estava um pouquinho mais do limite, levava elas para o quarto, vamos ler história. Quando ele estava assim ele chegava tomava banho e ia dormir. Tem homem que chega e quer uma querela. Ele não. No entanto a minha filha mais velha falou: Mãe eu não pensava que o meu pai bebesse. Só fui saber depois que eu tinha 13, 14 anos. Depois de um tempo você não tem mais como controlar. Eu levava elas para o quarto, vamos brincar, inventava não sei o que. Depois com o tempo ... ele gostava muito de bebida, teve uma época que ele bebia muito. (E-1) “... não. porque quando deseja alguém tem que ter um respeito por aquela pessoa, uma admiração. não quero saber de me apaixonar, pois a paixão bota a gente muito entregue, eu me anulo. tudo que a pessoa fala é muito importante. eu procuro agradar demais.” (E-2) ... o ato sexual, mas para falar sobre eu sou muito tímida, não gosto, como é que eu poderia descrever. (longo silencio) com LSD sexuais. Foi com meu marido que aconteceu isso, foi uma pessoa que eu tive, uma dedicação muito grande, durante muitos anos. E a gente costumava tomar acido junto, e ai nós descobrimos uma coisa que eu nunca pensei, que ai, nem foi só uma vez, tive orgasmos infinitos, ele fez várias vezes e foi uma experiência mais incrível que eu já tive na minha vida e conheço muitas pessoas que fazem isso fora do Brasil que é muito comum, aqui no Brasil quando a gente fala isso, falam assim ah! Nunca ouviram falar, mas é uma experiência muito vivida por muita gente, inclusive o assunto dessa pesquisa, que é exatamente sobre sexo e espiritualidade, e o que acontece com LSD é que ele propicia todo material para uma pessoa que tem uma mente superior, pra ela fazer o tantra.” (E-2) “Comecei a minha vida sexual muito tarde, transei pela primeira vez aos 18 anos e assim mesmo porque me cobrava.. Mas a coisa que ouvi minha mãe falar sobre sexo foi: _ É feio. Nunca mais perguntei nada. Namorei uns caras, mas nada sério. Aí fiquei com um que ficamos nos beijando no primeiro beijo, uns, uns vinte minutos. Me casei com ele. Esse foi meu primeiro marido, foi tudo bonitinho na igreja, mas a cama era horrível, ele sempre deprimido, não me queria, eu fiquei por um longo tempo sustentando a casa, pois ele ficou desempregado, eu fazia tudo por ele, para animar ele. Depois de 6 anos de casada cobrava muito dele e ele foi se afastando cada vez mais, acho que casou para dar satisfação a família. Ele é que acabou a relação. Depois que separei fiquei sabendo que ele era homossexual.” (E-5) 103 2) Representação da mulher como inferiorizada, andrógina, lésbica, prostituta. O feminino e o materno são dissociados, e a mulher não se realiza apenas na tarefa procriadora a ela imposta pela natureza e pela cultura. Como derivações pode-se incluir, as escravas sexuais, mulheres seviciadas e as mulheres com problemas de fertilidade. “Quando eu era menina, que eu sofria esses tarados que ficavam aí me rondando, e as vezes eu pegava revistinha do meu pai e ficava vendo. Então eu já peguei o cabo da escova, já esfreguei o cabo da escova de cabelo. Já me toquei, e ficava imaginando mil coisas. Tipo assim sem saber muito do que se tratava, mas eu gostava, sentia o desejo e a vontade de ser mulher. (MAS VOCÊ SENTIA VONTADE COM ELES, ESSES ABUSADORES?) Não, não, eu queria ter uma pessoa como toda garota tem, um namoradinho uma pessoa para vivenciar aquilo ali, com essas pessoas eu tinha medo. Porque eu não, não sei, um velho, um velho vai me tocar, vai, eu criança sem entender de nada, sem ter maturidade para aquilo, eu acho que é uma coisa que você fica meio assim... com medo. Né? E tipo assim, se você contar para a sua mãe eu vou fazer isso, aquilo e então aquilo me colocava um certo medo. Não é?” (E-3) A busca de saída de uma situação submissa, identificando outras possibilidades. “Agora distancia emocional é barra, você estar com uma pessoa que não está com você e por motivos práticos você esta com essa pessoa e ela não esta contigo, aí é complicado. Primeira coisa é ficar um pouco desconfiada, me deu uma insegurança de mim, eu fico desconfiada, não sou uma pessoa suficientemente capaz de despertar o desejo dessa pessoa que está comigo. Isso me abate por um tempo, até o dia que eu vejo que isso não é verdade e tal... mas esse sentimento... eu começo a ficar aberta para outras pessoas. Não é de propósito eu quero ... eu quero ficar aberta. Já que não tenho aqui eu quero experimentar ali. Então eu acho que não vale a pena você estar com uma pessoa que tá ausente de você. Não vale a pena para ela, não vale a pena por você. Ou você vai aceitar isso e vai se anular, ou você vai galinhar mesmo. Acho mais saudável galinhar... de repente é mais saudável acabar a relação. E ficar sozinha éh!...." (E-5) 3) Representação da mulher idealizada, tornando-se um “suplemento”, heterogêneo à ordem simbólica: a louca, a mística, a virgem. Também o feminino e o materno são dissociados, e a mulher é então incapaz de realizar a tarefa procriadora. A “diferença virginal” manifesta-se como paradigma de um gozo feminino. A figura quase sádica de uma virgindade mística, escapa ao logos separador, ao separar o feminino do materno. 104 “Desejo sexual? não. (nem na adolescência) acho que não. Desejo, talvez seja forte.” (E-4) “Com muita tristeza muito sofrimento (chorou). mas não tem jeito mesmo. os homens são muito animais, então não pode existir amizade entre homem e mulher. todo mundo joga, o amor a amizade, todo mundo joga. até a amizade a pessoa fala uma coisa e não é isso é outra. eu sou muito sincera muito legal. eu tive que cortar, ele é um amigo. vê uma mulher sozinha e pobre. pensam que ela está necessitada. aí tinha um rapaz lá em lumiar, mas o homem está sempre tentando conseguir o que ele quer, ele está ainda muito irracional, depois que você está no estado racional, ai você vê que não é. um cara izaias aparecia lá em casa de manha cedo, é tudo uma sujeirada, os homens estão sempre querendo alguma coisa.” (E-2) “Vou tentar escolher que tipo de assunto, porque tem isso com a natureza, tem isso com a relação com as pessoas. Tem isso com a relação diretamente consigo próprio. Então tem que escolher uma dessas coisas, para mim difícil. União, meu Deus. Isso aí, essa história se define mais a sexo, não? Sei, sei... oh! Deus do céu deixa eu pensar mais um pouco... experiências espirituais, é eu tive duas experiências em que aquela que eu te contei que eu fui na lua e lá na lua sentei em um trono que eu não sabia que era meu nem nada. Aquela entidade, isso é a mais completa união que você possa perceber. Entre você com o seu ser divino. Momento que isso é mostrado. O que isso provocou em mim? Foi evolução. Agora não consigo definir o que isso possa ter provocado no meu corpo. Uma outra coisa que eu tive foi um outro santo que veio visitar a noite e ele falou, disse para mim para eu ser ele e eu passei a ser ele. Me sentindo ele durante assim horas, eu passei dias depois dessa visão, dessa coisa, totalmente arrepiada, totalmente irradiada com aquilo. Eu acho que isso é a sensação de união mais forte que eu já tive, essas duas experiências espirituais. Agora também já tive na parte sexual, desde meu primeiro marido eu tive uma sensação que a gente era um só, eu tinha certeza no momento que a gente estava junto que éramos uma coisa só. Depois com tempo coisas vão acontecendo vai ficando mais velho, mas tive essa experiência com marido, depois com namorados. Isso também pode se contar como, e outras coisas também, como sonhos, visões. Tudo isso são contatos que você tem. Que são os mais impressionantes.” (E-2) “A minha vida amorosa nesse sentido que você está perguntando nesse tipo de amor que você esta me perguntando agora. Ela é muito esparsa e escassa. Então ela é esparsa, pois eu namorei muito pouco. E por pouco tempo e escassa, e digamos assim proporcionalmente por um tempo reduzido da minha vida. Então foram apenas 3 namorados, e digamos assim que não foi nenhum arrebatamento. Entende? Foram namoros assim que da maneira que começaram, terminaram. Muita assim que que deram no que tinham que dar, assim 3 meses, 4 , isso. Enquanto a coisa fica na masturbação intelectual ótimo, depois começa a encher. (na adolescência...) eu não sou nem um pouco fechada, não é que eu não tenha interesse nesse tipo de coisa, tenho um interesse enorme. O que não me interessa é a prática. Entende? Eu acho fascinante, acho incrível sobre todos os pontos de vista que não seja a prática. (você já teve um prazer muito grande com o teu corpo independente de uma prática) entende? Uma coisa de toque? Não porque é aquela coisa. O prazer ele depende do que você pensa que é prazer. E esse tipo de prática não é prazerosa. Numa pergunta ela fica meio vazia nesse sentido não é prazer. Já 105 tive prazer com um monte de coisa, mas com isso eu não tenho porque eu não acho prazeroso. Ne? Até agora, pode ser que... depois até seja, mas.” (E-4) 4) Representação da mulher desejante. Um desejo feminino, fundado ao mesmo tempo sobre o sexo e o gênero, pôde então brotar, depois de ser tão temido, à medida que os homens perdiam o controle sobre o corpo das mulheres. Com a conquista definitiva de todos os processos da procriação pelas mulheres, um temível poder lhes foi reservado no final do século XX. Elas adquiriram então a possibilidade de se tornar mulheres prescindindo da vontade dos homens. “Eu tinha, eu na realidade eu achava que eu sentia prazer, mas eu não sei, é diferente de você ser uma adolescente e sentir prazer, e er seus filhos e você ter um marido violento. E você ter uma pessoa estúpida é diferente... de você viver com uma pessoa que te dá carinho, compreensão, busca também saber o que você está necessitando emocionalmente, entendeu? Foi muito difícil para mim chegar aonde eu cheguei com ele, eu sofri muito, eu tive as minhas crises de depressão, eu chorava, eu achava que eu era a pessoa mais infeliz do mundo. Eu acho que eu fui muito forte, eu acho que eu superei muita coisa na minha vida em relação a tudo. Sabe? Essa distância dos meus filhos também. Eu não vivo com eles, as crianças vivem com o pai. É até mesmo por causa da situação entendeu? Eu não tava disposta a abrir mão da minha felicidade, porque eu sabia que eu era nova e que ainda poderia ser feliz. Por causa de um merda, um ignorante, que ficava usando os filhos, então vai cuidar dos seus filhos, mas eu acho que isso me ajudou a crescer, olha mas doeu heim? Eu senti muito, muito, até um tempo atras eu ainda sentia, mas graças a deus eu superei, já me sinto bastante forte, quando eu vejo as crianças eu posso ate falar com a pessoa, vai viver a tua vida. A gente adora, curte, pode dar o melhor, mas o mundo está aí, cada um tem que lutar por si. Né? Eu to ali, o que eles precisarem de mim. Eu não vou deixar de ser mãe, mas sabe não quero, tenho horror, como é que poder. Eu tenho horror do pai dos meus filhos. Impressionante, impressionante. Engraçado que quando as crianças eram pequenas eu olhava assim eu senti um pouco de raiva, como se eu sentisse raiva desse pai, eu custei a superar isso, por isso eu acho que eu fui muito forte. Eu superei muita coisa na minha vida, muita coisa, muito contratempo, muita coisa cada momento chegava uma coisa nova, e eu não tinha maturidade para lidar com aquilo. Hoje não, hoje eu posso encarar melhor, mas nossa eu sofri pra caralho, meu deus.” (E-3) “... Desejo sexual, eu acho que eu sinto desejo sexual desde criança porque eu sempre fui muito molestada pelos meus tios, pelos parentes da minha mãe, eu sempre fui muito molestada quando criança eu não entendia o fato, mas eu sentia desejo. Foi tudo muito precoce na minha vida eu não tive informação de nada, eu sempre senti desejo desde de que eu me entendo eu sempre senti desejo, mas tudo o que eu aprendi foi com a vida, foi passando por aquilo, nunca a minha mãe falou ah! Você vai menstruar, ah! Você tem que tomar pílula, ah! Você... tudo na minha vida acontecer como tinha que acontecer mesmo, hoje com 10, 11 anos a garota não é mais virgem. E comigo não foi diferente estou com 35 agora e comigo não foi diferente, se hoje é assim tem coisas mais precoces ainda acontecendo. Como crianças que são molestadas pelos pais. Pelos tios. Eu acho que tem que 106 cuidar muito, tem que observar muito. Isso acontece sempre né é como se já fizesse parte da vida. (E-3) “... Já desejei sem amar, sim. E senti aquela atração sexual. E caí matando, caí matando. E é só desejo, é aquilo que eu já te falei, que eu quero retornar, você viu que não combinou, que a química não rolou, foi bom ali, mas não vai rolar mais. Doses homeopáticas”. (E-3) Roudinesco (2003) informa que na primeira representação a feminilidade da mulher é associada à maternidade, ao passo que nas duas outras o feminino e o materno são dissociados e a mulher é então incapaz de realizar a tarefa procriadora a ela imposta pela natureza e pela cultura. A partir dessas diversas representações da feminilidade foram deduzidas as posições de poder, submissão, complementaridade ou exclusão das mulheres no seio da sociedade. Assim, historicamente, primeiro ocorreu o declínio do poder divino do pai, sua transferência para uma ordem simbólica cada vez mais abstrata e posteriormente houve a maternalização da família surgindo a seguir, com toda a sua força, a sexualidade das mulheres. Daí emerge uma nova desordem familiar consecutiva ao surgimento de uma nova fantasia de abolição das diferenças e das gerações. 107 X - CONCLUSÃO As ciências humanas têm demonstrado que cada sociedade ou grupo social apresenta formas bastante específicas de conceber a sexualidade, uma vez que esta sendo construída recebe influências da natureza e do meio ambiente, assim como sofre influências sócio-históricas. Evidenciando-se através de imagens mentais em comportamentos externos, a sexualidade expressa as experiências mais básicas e universais da humanidade. O desejo sexual expressa-se nas representações mentais em que as vivências sensório-motoras interagem com os padrões neurais. Sendo assim as representações mentais sexuais mobilizam e fascinam com uma forte carga energética. Várias áreas do conhecimento como a psicologia, a psiquiatria e a neurologia, têm um papel fundamental na investigação da sexualidade humana. Historicamente a luta das mulheres estabelece-se contra os papéis e rótulos tradicionais a elas atribuídos: frágil, “boa mãe”, frígida, assexuada, um ser não pensante, excessivamente emocional, dentre outros. Elas aprendem a lidar com o próprio corpo conhecendo sua fisiologia e também começam a firmar posições, negando-se a satisfazer exclusivamente o desejo masculino. Conquistam a possibilidade de se realizar como seres humanos inteiros se responsabilizando pelo próprio desejo. Com isso a mente receberá novos estímulos sensoriais advindos dessas experiências, muitas vezes marcantes, capacitando-a a modificar padrões representacionais complexos. O corpo sexualizado ficará submetido à subjetividade erótica e vice- versa uma vez que escapa do determinismo biológico sexual, pois não mais corresponde ao seu “destino natural” (sexo para procriação). A função cognitiva que tem por finalidade analisar, categorizar e transmitir informações captadas do mundo externo através dos orgãos sensoriais foi no caso das mulheres, restrita à vida doméstica e regida pela dominação masculina. O mundo 108 interno, através das memórias filo e ontogenéticas foi marcado pelo medo, pela submissão e pela dependência, tanto física quanto emocional. A exigência de pureza e castidade pressupunha um controle não apenas do corpo, mas também da mente. Os pensamentos deveriam ser vigiados para que não se corrompessem, contendo idéias impuras. Nas experiências relatadas foram evidenciadas que as representações mentais e vivências emocionais das mulheres refletiam como as estimulações sensoriais sexuais facilitavam o exercicío do seu desejo sexual, pois de modo geral, a mulher manifesta-se através de preocupações familiares, cuidados com o outro, desconhecendo o próprio corpo e ficando à mercê do desempenho do homem. Roudinesco (2003) em uma leitura das representações da feminilidade fornece subsídios para os tipos de postura erótica-sexual aventadas de modo a possibilitar a compreensão das mentes postuladas nesta pesquisa. 10.1. As mentes Mente erótica sexual Representada pelas uniões e associada à informações sensoriais físicas leva a mulher para um mundo de intensas paixões, toques sensuais, fantasias excitantes, muitos significados e emoções. Tal associação estimula a imaginação com fantasias, devaneios e lembranças. Segundo Moore (1999) mesmo o sexo sem amor, vazio ou manipulador, tem grandes repercussões na mente e mesmo experiências sexuais desprazerosas deixam impressões permanentes e perturbadoras. As mulheres apresentaram um certo controle em relação as suas paixões de modo geral associadas ao sofrimento e direcionadas a um parceiro que as proteja só admitindo trair como “troco”. A maioria não faria “loucuras” para a obtenção de prazer sexual mas se dizem capazes de fazê-las por amor, separando nitidamente o amor do sexo. A mente erótica sexual abarca uma série de fenômenos representacionais e corporais. A distância do ser amado é sentida com sofrimento. Pior do que a distância física, parece ser a emocional e as mulheres de modo geral se comportam 109 como se necessitassem de um respaldo emocional para as suas atitudes e “loucuras”. Mente Assexuada Identificou-se na fala das entrevistadas que as mulheres que relataram ausência de sonho erótico corporal sexual apresentaram também disfunções sexuais, uma por ausência de desejo e a outra na dificuldade de finalização sexual (anorgásmica). A entrevistada que apresentou dificuldade de finalização sexual não identifica tal disfunção como algo desprazeroso mas relata que muitas vezes gostaria de concluir a atividade sexual com orgasmo. Mostra também um desconhecimento fisiológico- funcional associando o “estar extremamente molhada” a significação de desejo “extremo”. Conforme Angier (2000) a mulher pode ficar molhada mesmo durante um estupro – é uma reação fisiológica de proteção. Existe na assexualidade uma impessoalidade com o corpo, neste caso a entrevistada referiu-se ao corpo várias vezes, no impessoal. Quase todas, com uma exceção, referem-se ao feito do outro em relação ao seu prazer e ao corpo como uma entidade sem “pertencimento” próprio. Curiosamente a sensação física do estado de “união” é descrita como uma entidade abstrata e globalizada não estabelecendo relações interpessoais: por exemplo, “a natureza”, “a família”. Os distúrbios da sexualidade têm como principais sintomas o generalizado desinteresse pela relação sexual, a insatisfação permanente, seja na fase de excitação, clímax e/ou manutenção da energia sexual. Em todos os relatos constatou-se a existência de bloqueios e dificuldades pelo menos em alguma fase da vida sexual. Percebe-se que nem sempre existe nas mulheres um interesse pela relação sexual, este funciona de modo geral como resposta a uma demanda de “amor” de um outro, atribuem ao parceiro a responsabilidade e a legitimação pelo seu próprio desejo. Quase todas respaldam-se no desejo do outro. Na “mente assexuada” as fantasias são dissociadas e/ou destituídas de qualquer significado sexual. O corpo sofre as conseqüências dessa mente através de inapetência ou bloqueios sexuais. O corpo preparado biologicamente para o sexo 110 torna-se incapaz de usufruir do prazer sexual uma vez que o desejo fica comprometido com significados negativos ou desvirtuados. A imaginação aparece empobrecida, torna-se difícil imaginar, foram apresentadas justificativas, algumas falam como se fosse fácil, como se pudessem imaginar milhares de cenas, mas não conseguem descrevê-las. O corpo mais envelhecido dificulta a possibilidade de se imaginar despindo-se, por exemplo. Apresentam uma dificuldade de permitir-se estimular a própria mente através de pensamentos eróticos, devaneios sexuais, filmes eróticos que possam “despertar” o corpo sexual. Inclusive não se observa, com apenas uma exceção, referências à masturbação. A mente mística A “mente mística” cria representações mentais erotizadas porém relacionadas ao “estado espiritual de união com o divino, com o sobrenatural” (Aurélio). As mulheres parecem que consideram de difícil compreensão as suas experiências sexuais, como algo “fora do comum”. No caso da entrevistada que se declara buscando uma espiritualidade percebe-se um imenso “narcisismo do êxtase” que não se deixa partilhar, é muito cru, (Clement e Kakar, 1997). Tal fenômeno é algo difícil de ser entendido ou compartilhado pelo outro, algo privativo de “alguns eleitos”. “União, meu Deus. Isso aí, essa história se define mais a sexo, não? Sei, sei... oh! Deus do céu deixa eu pensar mais um pouco... experiências espirituais, é eu tive duas experiências em que aquela que eu te contei, que eu fui na lua e lá na lua sentei em um trono que eu não sabia que era meu. Aquela entidade, isso é a mais completa união que você possa perceber. Entre você com o seu ser divino. Momento que isso é mostrado. O que isso provocou em mim? Foi evolução. Agora não consigo definir o que isso possa ter provocado no meu corpo. Uma outra coisa que eu tive foi um outro santo que veio visitar a noite e ele falou, disse para mim para eu ser ele e eu passei a ser ele. Me sentindo ele durante assim horas, eu passei dias depois dessa visão, dessa coisa, totalmente arrepiada, totalmente irradiada com aquilo. Eu acho que isso é a sensação de união mais forte que eu já tive, essas duas experiências espirituais. Agora também já tive na parte sexual, desde meu primeiro marido eu tive uma sensação que a gente era um só, eu tinha certeza no momento que a gente estava junto que éramos uma coisa só. Depois com tempo coisas vão acontecendo vai ficando mais velho, mas tive essa 111 experiência com marido, depois com namorados. Isso também pode se contar como, e outras coisas também, como sonhos, visões. Tudo isso são contatos que você tem. Que são os mais impressionantes.”(E-1) A fala de Madelaine, o caso descrito por Clement e Kakar (1997) ilustra uma característica encontrada na mente mística das mulheres, o prazer associado diretamente ao sofrimento: “Compreendi que não poderia jamais encontrar sobre a terra o meu ideal, uma afeição recíproca; entendi que o prazer que sentia perto desse rapaz era mal, e que todos os prazeres e afetos eram perigosos, eu deveria ter desconfiado quando senti prazer...” (Ibid:32) “aiii.. difícil isso. ... Eu sou contra eu fazer isso comigo, isso provoca um desejo que eu não posso satisfazer. Então eu prefiro, não vou ser masoquista, não vou ficar procurando pensar. Mas tem horas que esses pensamentos vem, não porque você queira, mas vem porque a nossa mente é a coisa mais difícil de controlar. Mais rebelde, por mais que você esteja convencido que uma coisa não serve para você, você ainda volta ali, ainda pensa naquilo, ainda sofre, tudo isso gera emoções. E não é ... é bem contrário de felicidade, isso é sofrimento.” (E-2) O desejo humano não é aceito na mente, quiçá no corpo, apenas quando esse corpo expressa algo fora do normal, algo sobrenatural: “... bate o desejo em sua mente e não é nem o que você quer, não é o que você almeja. Vem como a natureza do teu corpo que grita também. Sempre houve em todas as pessoas, não sei eu considero assim que eu sou assim. Então é, uma coisa comum, totalmente comum a todo ser, todo animal. Muitas vezes ate bem chato. Não tem com que, quando a pessoa é sozinha e continua sofrendo. Mesmo ela tendo uma compreensão de que ela não quer isso para ela, mas ela sofre porque o corpo pede. Eu acredito que seja assim, todas as pessoas saudáveis que tenham um funcionamento normal sofrem do desejo sexual.” (E-2) Existe um próposito de evolução espiritual, o corpo é visto como animalizado, como lugar de dor e sofrimento e a mente é entregue a pensamentos unificadores e totalizantes ficando como um instrumento de passagem para o gozo místico e o corpo é um empecilho para os altos ideais de união mística. 112 10.2. Satisfação do desejo sexual Uma observação feita por Muraro(1996:96) coincide com os dados obtidos nesta pesquisa a respeito da satisfação sexual feminina: “O fato de a mulher tender ou desejar gozar mais com o corpo inteiro, lhe possibilita ser mais seletiva em relação à sexualidade. Ela sente falta, sim , das relações sexuais, mas, pelo visto, não se escraviza a elas. Ela deseja erotizar uma relação que leve em conta o corpo e o psiquismo como zonas erógenas”. Conforme os relatos todas as mulheres, ou têm, ou já tiveram bloqueios sexuais e apresentam uma falta de intimidade com o corpo: “Hoje não penso nisso, não me interessa. Só com ele.” (E-1) “Atualmente isso não me interessa, a minha alma gêmea foi que me realizou como mulher, mas isso me faz, lembrar me faz sofrer.” (E-2) “Como já disse, de várias formas, me masturbando. Já tive muita dificuldade de me realizar como mulher, já tinha dois filhos e nada. Não conseguia gozar. Hoje vou a forra, uhm como é bom, ahahah.” (E-3) “Nunca tive uma relação sexual completa. E tenho outros prazeres. Não dou destaque a isso.” (E-4) “Não me masturbo. Acho sem graça. Eu gosto mais das preliminares, por que é muito difícil eh... eh... pra eu conseguir orgasmo eu tenho que tá muito numa coisa muito ali junto, eu não posso estar preocupada, eu não posso estar preocupada com nada, eu tenho que estar totalmente ali.” (E-5) 10.3. A verificação dos objetivos A questão formulada no problema e o objetivo final visavam estabelecer as relações entre o corpo sexual e a mente erótica sexual na sexualidade feminina através das representações mentais e vivências emocionais das mulheres. Cabe destacar que apesar das limitações existentes no método presume-se que existe relação entre o corpo sexual e a mente erótica, uma vez que a população estudada (cinco mulheres), conforme apresentado acima, manifestou que na sua 113 sexualidade estão envolvidos corpo e mente e vice-versa. Ambos trazendo prazer e dor à vivência emocional/erótica sexual. - No que tange aos objetivos específicos ocorreram identificações da sexualidade feminina com as mentes erótica-sexual, assexuada e mística, cada uma das mentes reuniu um grupo de qualidades retiradas das entrevistas. Como também foi estabelecida uma série de ligações entre a vivência sexual corporal e as mentes erótica assexuada, erótica mística e erótica sexual. 10.4. Verificação das Hipóteses As hipóteses não foram confirmadas nem refutadas, elas serviram como um roteiro prévio para o pensamento e para a organização do conhecimento. 10.5. Recomendações Considerando-se os resultados da pesquisa as seguintes recomendações parecem oportunas: 1) Desenvolver vários outros tipos de pesquisas que poderão ser utilizadas em trabalhos futuros. 2) Desenvolver uma pesquisa específica referente a outra população, que não a estudada neste trabalho. 3) Incluir as “representações sociais” no estabelecimento de relações entre o corpo sexual e a mente erótica na sexualidade feminina. 4) Desenvolver um método prático, rápido e simples de classificação da mente erótica sexual. 5) Aprimorar instrumentos facilitadores da absorção de mudanças qualitativas de uma mente para outra adequando-os ao grau de complexidade. A diferença biológica marcada no corpo divide a humanidade. Assim, ao nascer encontra-se no mundo da linguagem o que irá significar o gênero a que se pertence. 114 Até meados do século XIX as mulheres não existiam como entidade civil, delas esperava-se que correspondessem ao que já estava designado para elas, ao que era definido para o seu gênero. À partir do século XIX o acesso à leitura foi essencial no rompimento do isolamento do espaço doméstico. A mudança da situação feminina propicia a emergência de novas sensações e novas representações mentais. Com o surgimento da neuropsicologia cognitiva obtém-se um novo olhar sobre as transformações que marcaram profundamente a sexualidade feminina dando a ela possibilidade de assumir contornos mais definidos. Evidenciando o comprometimento com os vários aspectos do comportamento humano inserido nas condutas sociais e individuais à partir de novos padrões de pesquisa teórica e prática. Se por um lado pode-se evidenciar a existência de determinados padrões de comportamento erótico sexual na fala das mulheres entrevistadas, o estudo não pode generalizá-los. A investigação iniciada nesse trabalho - o tema das mentes e das suas relações com o corpo sexual - foi tratada como um meio de compreender as motivações e as orientações da sexualidade feminina. A relevância de tal estudo pode assumir uma importância para o debate contemporâneo envolvendo uma nova área ainda inexplorada como a neuropsicologia cognitiva. À medida que entrou-se em contato com a idéia da relação mente erótica / corpo sexual outros conhecimentos puderam ser sedimentados e constatou-se que as teorias atuais isoladamente não esgotam o assunto, uma vez que os fenômenos vislumbrados precisam de um aprofundamento teórico e do estabelecimento de limites metodológicos. 115 BIBLIOGRAFIA e REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (encontram-se negritadas no item Bibliografia) ABDO E GUARRIGLIA Filho. A saúde da mulher. 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ATUALMENTE MORA COM UM COMPANHEIRO. 126 E-1 NOME: ANGELICA PROFISSÃO: Do lar IDADE: 58 RELIGIÃO: CATÓLICA COR: BRANCA ESCOLARIDADE: 2ª série do 2º grau (incompleto) ESTADO CIVIL: VIÚVA Eu conheci o meu marido, eu tinha 16 anos. Então, conheci em novembro de 62, no final de fevereiro de 63 já namorava ele, eu era magrelinha, esmirradinha e ele era um rapaz que chamava atenção, descendente de alemão, conheci na Pedra de Guariba, perto de Campo Grande, comecei a namorar, namorei 63, 64, 65. Depois brigamos, fiquei 1 ano brigada com ele. Ele morava no Méier, quando ele me conheceu era estudante, depois foi servir, entrou para PM, fez curso para oficial, quando ele saiu formado a gente brigou porque aí adorou a vida, aquela maravilha... não é? Solteiro... fiquei 1 ano brigada com ele mas também não namorei muito não, sabe, quando você tem uma paixão na vida, ele era a minha paixão. Um ano depois eu fiz as pazes com ele, namoramos 5 anos com o intervalo de 1 ano brigada, nunca foi muito safado assim, muito amoroso comigo, com a família não. Comigo ele era muito amoroso, eu com 20 anos de casada dormia de mão dada com ele. Então é uma coisa assim... eu engravidei antes de casar, então começou aquele negocio de tira, não tira, tira, não tira, só que em 68 era uma coisa difícil você arranjar né? Então ele falou, não de jeito nenhum não precisa tirar ninguém. A mais velha vai ser diferente das outras, eu acho até que ele me protegia, como meu pai me protegia, mas de um modo diferente. Meu pai não gostava que minha mãe saísse de casa, ele também não gostava muito não, mas eu saia, tinha resolver problemas de filho, escola, não sei que, levar filho, isso tudo minha mãe não fazia, minha mãe sempre tinha uma empregada para fazer. Ele sempre me protegeu muito, sempre foi muito amoroso comigo, já com as filhas até uma certa idade, depois começa a bater choque de gerações. Assim, fica um pouquinho mais distante. Mas comigo sempre foi... sempre tive com ele um relacionamento muito acomodado, nunca quis outra pessoa, nunca me atrevi e não achava que precisava, tanto que a Maria Regina falou assim... (irmã ao convidá-la para participar da pesquisa), o que que você vai falar? Só posso falar dele, de outro homem eu não posso falar, nem comparar nada, Eu não posso comparar uma coisa que nunca tive. Sempre me completou muito... foi sempre muito legal comigo, pra mim. (então você nunca namorou antes, nem na escola?) Não. Eu conheci ele, eu brincava na rua com as crianças, pois antigamente, eu ficava esperando ele dobrar a esquina para vê se ele não ia voltar e tirava o sapato e ia brincar de pique. Eu sempre fui uma criança, criança. Como hoje já conhece, já agarra, eu nunca tive isso, muito presa. Primeira filha sempre a mais... não é? Meu pai era bastante rigoroso, ele era safado, então sabia que não podia dar mole para os outros. Mas eu nunca fui uma pessoa maliciosa. Meu marido dizia, você precisa abrir a sua cabeça porque você é muito sem maldade. Eu nunca fui uma pessoa maliciosa demais, eu nunca tive essas coisas. Antigamente não tinha muito não, a gente era mais criança. Criança mesmo, até a idade de deixar de ser criança, eu fui criança de subir em goiabeira, era uma casa, era casa do meu avô, cercada de mato, muitas árvores, ainda tem em Campo Grande. Coisas que crianças faz, e com os primos. Aí perguntam: e nunca beijou um primo. Mas não tinha intimidade, a gente era muito chegado mas não tinha intimidade, eu sempre fui uma pessoa mais reservada, mais acomodada, sempre gostei muito de ficar em casa. Adoro viajar ali pertinho para a minha casa de praia, nunca fui rueira, não gosto muito de ir para a rua sem um destino certo, pro shopping, adoro aquelas lojas de porcaria, velas, vidros, adoro. Mas de ir para a casa dos outros, nunca fui muito rueira. Tive filha logo, casei grávida, e dois anos depois tive outra. Ate hoje, não tenho ninguém que me prenda, mas gosto de ficar em casa, gosto muito de trabalho manual. Adoro ficar futicando, a revista para aprender, gosto muito de jogar cartas, para mim a maior distração que eu tenho é ter alguém para jogar cartas. Minha neta desde 7 anos já botei para jogar, não interessa se joga bem ou mal, eu quero é ter alguém para jogar. eu fico bastante tempo no computador jogando. Eu não preciso de nada, não bebo, nunca fumei, não uso drogas, eu acho que a alegria está dentro da gente. Não precisa nada para ser alegre, eu adorava carnaval, eu queria é ir, eu sempre gostei de sair em bloco. Eu ainda sairei de baiana velha numa dessas escolas de samba ai. Vou ver se eu consigo. Meu marido não gostava de dançar e eu sempre gostei muito de danças. Depois eu 127 dançava com ele em casa, ele não gostava que eu dançasse com outras pessoas. Era bem ciumento e radical nos ciúmes. Tanto que um dia um compadre meu chegou e disse: vamos dançar!. Meu marido disse: hm, hm. Ele era um homem grandão, com aspecto bonito, um olho claro, ele não era uma pessoa que fosse destoante da gente, então não tive uma vida assim... a minha vida amorosa foi vivida só com um homem. Não tive como comparar, depois que fiquei viuva, eu fiquei viuva há 7 anos, eu tinha 50 anos. Nunca mais me interessei por ninguém, Maria Regina diz: tem um homem aqui para você conhecer. Ai eu digo: vai ficar aí, não vai chegar aqui, porque eu não quero conhecer. Ah! Você é maluca. Eu digo: Maria Regina eu não tenho vontade, não sinto falta de homem, eu sinto falta de uma pessoa que seja minha amiga, mas que eu acho que eu perdi e não vou ter mais. Pode ser que venha um homem maravilhoso, mas eu sou muito descrente disso, acho que eu sou muito realista com as coisas. Então eu não tenho aquela ilusão, acho que a ilusão foi naquela hora, que eu tinha a ilusão daquele homem maravilhoso (referindo ao marido quando jovem) com um tapete que chegava de cavalo... agora eu acho que a minha liberdade hoje, eu faço o que eu quero, quando eu quero, tenho minha liberdade hoje, eu tenho uma neta que eu crio, mas minha companheira. Mas eu gosto de ficar sozinha, gosto muito de ficar sozinha, não fico muito não por que aqui em casa é muito atribulado, quando não é filha, é genro, é ex-genro, filho do ex-genro, vizinha. Então não sinto falta, não sinto mesmo homem eu não sinto falta. Eu tive assim várias coisas, por exemplo no mês que eu fiquei viuva em diante eu nunca mais menstruei. Daqui a um ano, depois volta, ... nunca mais ... acabou. Depois eu fiz histereoctomia, minha mãe morreu com câncer no intestino, a Maria Regina já tinha tirado a muito tempo. Não tive uma vida movimentadíssima não, minha vida foi acomodada. (êxtase) normalmente quando tem, não sei se isso chega a ser. Mas parecia que eu tinha uma corrente elétrica quando eu encontrava com o meu marido, como se você tivesse ligando um fio no outro. Parece que vai dar choque, tinha uma explosão assim muito rápida. O relacionamento da gente era assim. Nunca me sujeitei ao que eu não queria. Radicalmente nunca me forçou, graças a Deus. O que eu achava que eu não gostava, que eu não me sentia bem. Por exemplo, relacionamento tem que ser com amor, depois de uma certa hora deixa de ser amor, fica meio animal e eu ... tento, tento... não gostei, não, não quero não gosto e acabou! e isso ele me respeita muito. Resguardo, ah! Eu não posso dormir com meu marido! Que é isso? Não é bicho, se eu não posso, se o médico disse que eu tenho que me resguardar por um certo período. Ele uma vez se acidentou com um tiro no pé, ficou 1 mês internado, e eu não tive que ficar de resguardo. Mas não é?! Essas coisas eu nunca tive... oh! Ver o outro e ficar enfeitiçada ter aquela explosão e ficar atiçada. Engraçado eu nunca olhei para um homem que me atraísse assim, ando as vezes no centro da cidade vejo aqueles homens lindíssimos, cheirosos, mas eu acho eles bonitos, porque eles são bonitos. Não acho eles bonitos com segundas intenções. Noutro dia passou um rapaz cheiroso que passou, qualquer mulher gosta de um homem desse não sei depois o que vai ter por baixo do embrulho. Bonito mais muito bonito, charmoso, cheiroso, muito arrumado. Visualmente isso me atrai, eu acho bonito um homem bem arrumado, bem limpo. Reclamo quando um genro está mal arrumado, mal passado e digo: que roupa horrorosa está parecendo um lixo. Mas interesse eu nunca tive em outro homem, engraçado não é? Também eu não tenho muito convivência, barzinho, não me atrai. Meus amigos são muito feios. Eu moro aqui a 32 anos, e ele nunca me proibiu de ir no botequim, então eu conheço aqueles homens que conviveram com ele até hoje, eles são interessados, mas eles são amigos. No meu mapa astral tem alguém reservado, segundo Maria Regina ela disse que nunca erro. Ai eu digo: comigo você vai errar. Nunca, atração, nunca tive não. Só quando estávamos nos dois mesmos, separados, aí era indiferente se estávamos no quarto, na sala, na cozinha. Normalmente era mais fácil quando estávamos nos dois mesmos as crianças eram pequenas, a gente foi tolhendo determinadas coisas, é difícil ter intimidade com 3 filhas mulheres dentro de casa. Ele tinha mania de botar uma toalha na fechadura, ele era muito cuidadoso com isso, eu tinha uma filha a do meio, quando ela era pequenininha, que ia lá olhar. Ela queria mexer em alguma coisa para ver se a toalha saia do lugar. Nunca tive assim, eu não gostava e achava que não havia necessidade, não fazia nenhum mistério, mesmo ele não tinha, ele saia enrolado na toalha, mas fica com uma intimidade além do que devia. Mas as crianças com a gente não. Minha filha até casada ficava no banheiro, entrava no banheiro, elas em relação a ele não tinha problema, mas ele sempre foi mais cerimonioso com elas. Mas acomodado mesmo. Eu tinha amigas que diziam, ah! Depois das 5 horas eu tenho que mandar a empregada embora porque meu marido anda nu. Cruzes se eu tivesse um homem feito como aquele nu dentro de casa eu mandava ele embora. Determinadas coisas enfraquece a relação. Como meu marido 128 não andava nu dentro de casa a gente não tinha o habito de ver. Toda experiência que eu tive foi com ele. sem ser ele? Eu sou muito chegada as filhas. Agora esta assim. A mais velha que dizem que é minha predileta foi morar fora. A segunda que tem o gênio muito difícil, que é mais minha amiga achava que o que ela fez eu tinha que achar certo. Se fosse a do vizinho eu tinha que achar errado, mas como foi ela eu tinha que achar certo. E eu sou intransigente com determinadas coisas. porque ela se separou um pouquinho de mim, porque mesmo casada arrumou um namorado até que eu falei: eu não quero que você fique com o seu marido, mas eu quero que você diga a ele que tem que sair que você quer ir embora que você quer fazer alguma coisa. Tanto que ela um dia se aborreceu pegou tudo e foi embora deixou a filha e o marido, e eles não tinham como sobreviver vieram morar comigo. Depois que ele alugou um apartamento aqui do lado e a menina ficou comigo. Eu era muito chegada a ela, mas de repente teve uma ruptura, agora ela diz que eu sou o carma dela. Eu digo: malandra você vai Ter que aturar. Vai Ter que segurar. Com a menor também, eu não sou muito de ficar beijando agarrando filho, não sou, não sou, mas sou muito chegada a menor também. Tudo que eu falo ela retruca, eu vou te dizer eu acho que das 3 é a mais parecida comigo. Eu não admito determinadas coisas, esse negócio de achar muito natural. Eu não sou uma pessoa que finja eu sou muito transparente, se você chegar aqui e eu não gostar de você, a minha filha menor diz que tem um néon tim tim aqui na minha testa. Mãe você faz uma cara, isso meu fígado não deixa. Esse negócio que o ruim para os outros e para o meu é umas gracinhas, não é. Ela sabia que eu não ia querer, ela quer forçar a conviver com umas coisas que eu acho errado. Então é lógico que eu bato de frente, e eu falo tendo o namorado ou se não tem eu falo na frente. Esse negócio de ficar tititi eu não nasci para isso. Falo. Não comigo não tem é..., não é uma mentira. Minha amiga falou ah! Sua vida é um livro aberto com paginas arrancadas. Eu disse pode ate ser que eu tenha rasgado inconsciente, mas eu acho que é muito aberto o meu livro é. Não tenho assim, não vou a lugar nenhum que eu possa alguém me oferecer insegurança, não eu não. Não tenho medo, de Ter alguém, ih! Aquela mulher falou... quando vocês quiserem falar mal de mim, fala para mim. (corpo) normalmente sabe? parecia eletricidade mesmo, eu dizia não me encosta né possível, mesmo eu não pensando, vira pro seu canto.. eu dormia de mão dada com ele, quando ele morreu eu não conseguia dormir, eu ia me virando na cama procurando. Quando eu estava brigada com ele, eu ficava procurando, ele dizia: toma a mão, toma a mão para ver se você dorme de uma vez. Eu não conseguia, por isso que eu achei que eu fiquei meio perturbada, eu tinha que amarrar meus braços que eu acordava de uma tal maneira, que eu ia me virando ao ponto de não poder mais me mexer, eu não conseguia levantar da cama. De tanto que eu ficava procurando a mão para segurar, que eu não tinha. A minha filha dizia: segura na minha. Eu dizia: vá para o inferno, depois você vai casar e eu vou ter outro problema mas não é? Eu fiquei... essas coisas assim me deixavam angustiadíssima em relação a perda. Eu fiquei ... essas mania de ficar dormindo encostada. Vamos ver um filme? Eu dizia: Vamos! Eu encostava e dormia. 3 filhas apesar de eu não trabalhar fora, lavava, passava, ele ficava, como é o nome do ator?, eu dormia. Mas quando era nos momentos ele chegou e encostou, já tava.... acendia, não tinha cansaço, ficava ouriçada. Sexualmente. Do contrário, só muito carinhoso mesmo, muito ... Depois de viúva, nunca mais. Passo em brancas nuvens, não fico também me explorando, assim... filme erótico, não me atrai, pode ser que mexa comigo e eu não estou querendo nada com isso. Antigamente o fogo era alto. Mesmo com esse tempo todo de casado. Tinha uma eletricidade era impressionante, mas lógico com o passar do tempo você vai ficando mais velha as coisas vão acalmando em relação ao numero de dias, numero de vezes, não é tanta quantidade é qualidade. Não resta dúvida, mas eu acho que todas as vezes que eu ou ele queria, a gente fazia. Não tinha esse negocio, a não ser que eu tivesse com dor de cabeça, mas se os dois tivesse querendo era a festa. Era um relacionamento muito... ele dizia que ele me criou para ele. E o que eu queria e não queria ele já tinha a noção direitinho. Agora sempre gostei muito de namorar, esse negócio de chegar na cama. Não. Tem que namorar, tem que conversar, não é? Porque senão fica uma coisa muito monótona, toma lá dá cá. É igual acabou virou já dormiu. Ele tinha um defeito, ele fumava muito, mas ele não fumava no quarto. Então acabava ele sempre dava uma voltinha para dar uma fumadinha né? E voltava, esse negocio de virou pro canto e dormiu, não. Por isso eu digo para você não tenho vontade de ter uma nova experiência, porque eu também tenho medo do que eu vou, eu nem quero, mas também eu acho que ... uma amiga separou do marido falou horrores dele, eu digo nossa meu deus! Eu não encarava um negocio desse nem amarrada. Sabe? Que até pegou doença. Então essas coisas então eu falo mil vezes arrumadinha do 129 jeito que eu estou agora com ele a gente era muito assim. Ta com a mão nas coisa e coisas na mão, ai a gente está sentado no sofá começava a se esfregar muito um no outro, ih! Meu deus do céu, calma aí, calma aí. Agora nunca fui, conforme eu já vi. Embaixo de lençol se esfregando, atende visita, isso não. Animal eu não era .... (Imaginar) Hum! Bom... hoje eu já não tiraria a roupa com facilidade. Eu falo: meu deus se eu tivesse que ficar sem roupa na frente... acho que eu morria de tristeza. Porque aquilo vai evoluindo, você vai envelhecendo, já seria difícil para mim hoje. Olha a primeira relação que eu tive eu achei que foi uma das coisas mais me marcou porque eu era mais nova, não era casada. Essas coisas. então foi num dia que era aniversario dele. A minha mãe estava tocando piano na sala ao lado, então essas coisas, eu tava no meu quarto. Então foi uma coisa, uma coisa muito, foi uma coisa que me marcou muito. E foi quando eu engravidei, então. Uma coisa na cama, eu com ele, mas um olho no padre e outro na missa. Porque eu tinha que tomar conta da minha mãe que estava tocando piano, então ele sempre que ... minha mãe tocava o despertar da montanha, então ele sempre que falava assim... estou com uma vontade de ouvir o despertar da montanha. Porque era a musica que estava tocando isso foi a coisa boa que me deixou mais embevecida, eu não tinha tido homem nenhum, nunca tinha tido relação, nem esfrega, nem ... foi uma coisa bem natural, na cama, eu ali bem deitadinha. A única coisa que eu queria uma vez e que não consegui nunca era transar num barco. Um barco andando assim sabe? Porque eu não tinha o barco e ele não sabia pilotar então ficava mais difícil. Na cama eu acho que eu não me lembro mais, eu to muito ruim mesmo. Gostávamos muito de banhos juntos, eu achava que era uma coisa mais envolvente, nós tínhamos banheira. Uma coisa mais... hoje em dia eu não sei, eu acho que a imaginação tá fraca, tá fraquinha. Se o Janequine viesse me convidar aqui, mas com a cara que ele tinha nessa novela que passou, de tarde. Agora já está ficando velho. (sonho) eu não sonhei de sábado para domingo que eu estava namorando o Antônio Fagundes. Mas ele era chato feito um não sei o que. Tudo ele encrencava. Nunca pensei que namorar Fagundes num sonho fosse tão enjoado. Sonhei quando era casada um ator que ele ficou careca, meu marido me enchia o saco dizia que era porque ele era careca que eu sonhei. Um tal de Jaime Periati. Mas aquele namoro mesmo bem... com o Fagundes não, foi aquele namoro comum e estava me enchendo o saco, eu estava... esse já foi uma coisa mais assim ardente, mas também não chegamos a vias de fato. Eu acho que eu sempre fui travada nessa parte. O Fagundes, eu vejo Mad Maria, deve ter ficado em meu inconsciente e eu namorei a noite inteira. (desejo inconsolável) não. Só pelo meu marido. Então só por ele. Eu acho que eu sempre fui muito controlada nesse sentido. Muito racional nas coisas. nunca tive desejo de gravidez. Tenho vontade como todo mundo. Não sei se eu fui sempre muito castrada, não pode, não pode isso, não pode aquilo. Você fica mais ih! Depois passei de pai para o marido. Ih! Fica difícil. Incontrolável não. (Desejo sem amor) não. Não. (Loucuras por prazer) eu acho que a partir do momento que eu estou com vontade não é loucura. Loucura? Loucura? Nunca me fantasiei, que eu achava que não precisava tanta emoção para chegar onde eu queria. Então acho que não. Loucura não. Poderia brincar de fazer strip-tease, essas besteiras de fazer, mas loucura não. Na primeira vez fiquei com um medo desgraçado, é audaciosa. Tanto que o pessoal perguntava assim: onde que aconteceu? Eu dizia: não interessa. Para que que vocês querem saber das coisas? ninguém soube. Acho que só eu e ele. Quando eu dizia que estava gravida eles não acreditavam não. Minha família. Com quem eu conversei foi com meu pai, minha mãe chorou, como eu ia fazer aquilo com ela. Eu disse: eu não fiz com você eu fiz foi com ele. Ai meu pai falou: o que que vocês vão resolver? Eu acho que vamos casar. Você acha que eu devia tirar? Aí meu pai ficou arrasado. Mas o Carlinhos disse não! Vamos casar. Tanto que eu casei numa quinta feira e meu pai foi no sábado me visitar. E pediu para eu não contar para ninguém. Mas eu vim aqui, porque eu estava com uma saudade. Eu era mais chegada ao meu pai, no sentido assim de abertura. Contar as coisas, contar piada, minha mãe não deixava. Sabe? Falar molecagem, isso era muito mais com meu pai. Minha mãe era muito fechada muito puritana. Então você não tinha liberdade com ela. Meu pai não, era um safado, sem vergonha, então você... tudo era com ele, tudo que eu queria era com ele. (amor profundo) só por ele. Eu acho que o amor que eu tinha, sei lá, é um amor que hoje não tem. Com amizade, assim eu não gostava que ele ficasse aborrecido com algumas coisas. eu não impingia a ele as coisas, eu nunca foi assim: eu quero fazer isso!! Procurava contornar as coisas para não ficar ruim. Não quer ir, não vai, eu vou sozinha. Quer ir? Vai, mais vai de bom humor. Então foi tudo muito contornável, o amor foi muito amigo. Eu acho que depois de um certo tempo, por mais que você tenha tesão por ele o 130 que ficou uma coisa muito marcada, e eu tinha muita amizade por ele. Assim, tentar não contrariar. As coisas que eu não gostava eu sempre procurei ser muito tolerante, não quer então tá, tchau. Você fica em casa e eu vou, fica aí, se não gosta disso, não gosta daquilo. Ele era protestante, não era católico. Não tem que se meter, eu não me meto na sua religião, nem você na minha. Nunca houve nenhum problema no sentido de religião. Ele deixou de ir a igreja, mas porque ele quis. E eu não deixei de ir a minha. Num gostava muito que eu tivesse imagem de santo, mas eu tinha dentro do meu armário. Para não ficar exposto num lugar e ficar vendo toda hora. Eu nunca impingi a ele. Para que que eu vou botar o santo aqui? Então quero rezar, abria o armário e ficava rezando. Nunca fiz com que fosse uma coisa assim... briga por besteira. Briga para caramba, depois que filho nasceu é uma bosta. Eu só quero boa notícia, eu não quero má notícia aqui. Brigar por picuinha, eu achei que aquilo se fortaleceu muito entre a gente. Sabe? Ele evitar de me aporrinhar e eu evitar de aporrinhai-lo. Apesar que tinha hora que não dava né? E ele era uma pessoa que gostava de bebida. Então bebia mais um pouquinho, tanto que as minhas filhas só foram perceber que ele bebia quando elas já estavam crescidas. E se ele chegasse e eu achasse que estava um pouquinho mais do limite, levava elas para o quarto, vamos ler história. Quando ele estava assim ele chegava tomava banho e ia dormir. Tem homem que chega e quer uma querela. Ele não. No entanto a minha filha mais velha falou: Mãe eu não pensava que o meu pai bebesse. Só fui saber depois que eu tinha 13, 14 anos. Depois de um tempo você não tem mais como controlar. Eu levava elas para o quarto, vamos brincar, inventava não sei o que. Depois com o tempo ... ele gostava muito de bebida, teve uma época que ele bebia muito. Ai eu falei: eu gosto demais de você, mas assim não dá. Porque vai começar a destruir o que eu sinto por você. Você nunca me encostou, nunca deu uma palmada numa filha, graças a deus. Mas ficava muito enjoado em determinadas horas que você não conseguia controlar, né? Que eu sempre consegui leva-lo na conversa, mas tem uma hora depois de uma certa bebida que você não consegue. Eu batia de frente, ai começava uma discussão, mas eu dizia: hoje eu não discuto. Ele sabia. Amanha a gente conversa. Vai ter um amanhã, não é? Ah! Você não sei o que ... ah! Vou fazer... eu dizia: não, não vai não. Agora acabou, porque eu também não sou santa, eu também não sou de pedra. AH! Ele era um amor um amor com você. Era. Mas eu também não sou santa, não sou feita de cimento para levar paulada e ficar quieta. Então ninguém te conhece, porque todo mundo vê você, mas você por trás... eu dizia: por trás não. Eu faço na hora que eu acho que devo fazer. Não preciso dizer para os outros que eu vou brigar com você, vou brigar é com você. Então estamos no quarto aí brigamos. Uma filha perguntou para ele: vocês estão brigando. Ele respondeu: não, conversando. E o pau comendo lá dentro. Engraçado ele não falava alto, aquilo me matava. Porque ele não falava alto, falava hnhnhnhnn, e é assim não chamava atenção de filha. Falava comigo, aquilo me incomodava, porque não sou eu quem está fazendo errado droga! Tu não é o pai dela. Uma vez eu confrontei, ele virou as costa e foi para o quarto. Mas quando acontecia alguma coisa ele dizia: Tá vendo o que a sua filha fez? Eu dizia: A nossa filha fez, você é que não está tomando conta. Você toma conta de longe, é diferente. Nunca foi agressivo, nem quando bebia. Ele uma vez falou: ah! Você é muito burra. Eu disse: sou mesmo, senão não estaria te aturando. Ele era muito nervoso na rua, mas quando eu chegava ele acalmava. Tanto que ele falava: não me segura. Segura o outro, senão eu vou apanhar, o outro cara vai me bater. Se eu tiver brigando com alguém, tu segura o outro. .. ele não educava as filhas, queria que eu educasse. Ele tinha um jeito assim difícil, mas controlável quando eu tava perto. Quando eu tava perto. Ele gritava: Não mexe! Quanto mexiam nos discos, ou nos livros dele, ele tinha paixão pelos livros, ele tinha livro desde a idade de 6 anos. Eu falei para elas vamos dividir, que eu não quero todos aqui. Não passava por cima de mim, nem nada não. Então esse amor, esse amor... bem amigo sabe como é que é? Que hoje em dia não tem mais não. O amor é mais sexual. Muito difícil... quando ele passava do limite, eu criava um caso e aí ele dizia: vou parar! Mas ele era PM, no hospital da Pm tem uma andar só de alcoólatra. Mas ele já bebia antes. Descendente de alemão, com uma família de crentes. Desde novo, eu achei que eu até ajudei, ele conseguia controlar. Depois ele foi trabalhar no departamento de assistência social, muitos problemas, vias filhos de alcoólatra, muito doente. Via muitas desgraças, a pressão dele alterou aí, mas saiu de lá e só foi morrer 7 anos depois, então não acho que foi por causa de lá’. Tanto no dia que ele passou mal, eu perguntava: você brigou, você se aborreceu. Ele só dizia que não. A pressão dele foi 28 por 22. Dentro de casa, quando eu senti que o lado de ca já não obedecia. Ele tentou levantar e já não levantou sozinho. Ele morreu dentro de casa do meu lado na cama. Eu peguei o aparelho de pressão. Chamei uma ambulância já ficou no CTI, o derrame dele foi na parte nobre da cabeça. Não havia nada que fizesse a pressão voltar ao normal. Ele fumava desde os 13 anos. Ele ia ficar cego, o médico disse. 131 (loucura por amor) brigada com ele procurava saber onde ele estava. Eu procurava administrar. E eu tinha namorado ele durante 3 anos, ai nos separamos 1 ano, eu procurava saber da coisas... se ia para a Pedra de Guaratiba, a família tinha cada lá. Procurava saber se ia, para eu poder ir. fazia aqueles encontros casuais. eu achava que ele não ia voltar porque ele tinha ficado noivo de uma outra menina. Eu perguntava: será que eu ainda gosto dele? Mas eu não podia ver o diabo do homem que era um horror!... mas também 3 vezes que eu vi ele não me viu. No dia que ele chegou na minha casa, ele chegou para fazer as pazes, não fui eu que provoquei não. Foi no dia do meu aniversario que ele chegou para falar com meus pais. Fiz uma besteira eu já’ era casada e tinha uma menina que estava se engraçando por ele. Ele disse que é isso? Ai eu soube que ela tinha mandado um recado para ele ir encontrar com ela. Ela queria contar um negócio. Ai eu fui atras, só passei, deixei ele me ver, aí ele encabrestou e não sabia o que ia fazer. Ai o irmão da menina soube também, ela não fazia nada muito bem feito Aí deu uma porradas lá nela, ai a mãe dela disse: que ia lá na minha casa me bater. Ah! Não ia prestar mesmo, eu tinha uma arma dentro de casa, botei as meninas para dormir. Tranquei a porta, e esperei. Eu pensei, se ela entrar na minha casa vou dar um tiro na cara dela. Ai uma pessoa viu, que eu morava numa avenida e foi avisar a meu pai. Ai quando ela vinha, aí meu pai perguntou para onde, ela disse que ia entrar e que estava com santo. Ai meu pai disse: eu ranco o santo. Aí chegou para mim e disse vamos embora. Eu disse não vou, ele disse: vamos embora. E ele quando sou o que estava acontecendo foi correndo para a minha sogra. Aí eu disse para ela seu filho vai chegar ai. ENTREVISTA No. 2 NOME: MARIA PROFISSÃO: ARTISTA PLASTICA IDADE: 47 RELIGIÃO: UMBANDA, CATÓLICA, TRADIÇAO DA SIDA IOGA COR: BRANCA ESCOLARIDADE: 2º grau incompleto ESTADO CIVIL: solteira Tenho vida sexual desde os 14 anos, para mim é muito difícil. porque lógico que eu quero, todo ser humano quer ter um outro ser. amei muito o meu primeiro marido. todos eu amei. mas eu já vi que é muito difícil, mas eu vou conseguir sim, porque essa parte de sexo, eu sei que homens tem sexo até 80 anos, desejo, mas tudo vira ... eu não consigo ter desejo se eu não tiver um objeto para o meu desejo. eu não tenho ninguém, então não vou ficar pensando: ah! esse homem maravilhoso! _ eu corto, não fico pensando. mas eu já fiquei muitos anos de intervalo sem ter sexo. Com o que? É difícil dizer de quando eu senti assim. Acho que todos os dias várias partes do dia, pelo menos assim e também de várias formas não só no trabalho espiritual, no trabalho artístico, como também nos relacionamentos com pessoas, não só relacionamentos de homem mulher, mas também relacionamentos que você tem, você se une e vira um com a pessoa. Eu acho que isso é assim tão normal. Sabe? Não é uma coisa que você lembra, acontece uma vez, acontece todo o tempo praticamente. Falta pouco para essa coisa ser contínua. Eu sinto assim. Pra não ter mais baixa, para ficar só nessa coisa, seria a união com Deus. O ioga por exemplo é a união com deus. A união de dois seres também, é uma união ... acho que tudo é, acho que inclusive a raiz da palavra união, e o significado também. Por exemplo, salvação é sinônimo de união. Pelo significado da palavra. Vou tentar escolher que tipo de assunto, porque tem isso com a natureza, tem isso com a relação com as pessoas. Tem isso com a relação diretamente consigo próprio. Então tem que escolher uma dessas coisas, para mim difícil. União, meu Deus. Isso aí, essa história se define mais a sexo, não? Sei, sei... oh! Deus do céu deixa eu pensar mais um pouco... experiências espirituais, é eu tive duas experiências em que aquela que eu te contei que eu fui na lua e lá na lua sentei em um trono que eu não sabia que era meu nem nada. Aquela entidade, isso é a mais completa união que você possa perceber. Entre você com o seu ser divino. Momento que isso é mostrado. O que isso provocou em mim? Foi evolução. Agora não consigo definir o que isso possa ter provocado no meu corpo. Uma outra coisa que eu tive foi um outro santo que veio visitar a noite e ele falou, disse para mim para eu ser ele e eu passei a ser ele. Me 132 sentindo ele durante assim horas, eu passei dias depois dessa visão, dessa coisa, totalmente arrepiada, totalmente irradiada com aquilo. Eu acho que isso é a sensação de união mais forte que eu já tive, essas duas experiências espirituais. Agora também já tive na parte sexual, desde meu primeiro marido eu tive uma sensação que a gente era um só, eu tinha certeza no momento que a gente estava junto que éramos uma coisa só. Depois com tempo coisas vão acontecendo vai ficando mais velho, mas tive essa experiência com marido, depois com namorados. Isso também pode se contar como, e outras coisas também, como sonhos, visões. Tudo isso são contatos que você tem. Que são os mais impressionantes. Felicidade. Riqueza. claro. Sempre, todos os dias, todo momento, todo ser eu acho, tem um tipo de estrutura hormonal, dependendo do tipo da pessoa, hormonal, ela vai ter desejo. Até como se diz, cientificamente, de tantos em tantos minutos, bate o desejo em sua mente e não é nem o que você quer, não é o que você almeja. Vem como a natureza do teu corpo que grita também. Sempre houve em todas as pessoas, não sei eu considero assim que eu sou assim. Então é, uma coisa comum, totalmente comum a todo ser, todo animal. Muitas vezes ate bem chato. Não tem com que, quando a pessoa é sozinha e continua sofrendo. Mesmo ela tendo uma compreensão de que ela não quer isso para ela, mas ela sofre porque o corpo pede. Eu acredito que seja assim, todas as pessoas saudáveis que tenham um funcionamento normal sofrem do desejo sexual. Aiii.. difícil isso. Tudo depende eu acho do objeto. É difícil para mim imaginar uma cena sexual de outras pessoas. Ou de mim com um objeto que não tenha um nome, que não seja uma pessoa, você lembra dela quando você tem desejo sexual. Uma pessoa, tem uma pessoa que você já teve, ou que você deseja, então quando você pensar em sexo vai pensar naquela pessoa que é objeto do teu desejo. Infelizmente eu tenho sim, é um relacionamento que acabou mas que ainda resta rompantes assim que eu quero vencer, mas que não adianta, não tenho como evitar. Que é isso que eu chamo de sofrimento, ligado a isso, quando você não pode ter, quem você quer, quem você quis. Acho que é uma coisa muito seria, as pessoas normalmente quando entram numa coisa assim, que tenha um resultado assim, custam muito a se recuperar ou até nunca se recuperam. Eu não fico imaginando não, porque eu não gosto de fazer isso. Eu sou contra eu fazer isso comigo, isso provoca um desejo que eu não posso satisfazer. Então eu prefiro, não vou ser masoquista, não vou ficar procurando pensar. Mas tem horas que esses pensamentos vem, não porque você queira, mas vem porque a nossa mente é a coisa mais difícil de controlar. Mais rebelde, por mais que você esteja convencido que uma coisa não serve para você, você ainda volta ali, ainda pensa naquilo, ainda sofre, tudo isso gera emoções. E não é ... é bem contrário de felicidade, isso é sofrimento. O ato sexual, mas para falar sobre eu sou muito tímida, não gosto, como é que eu poderia descrever. (longo silencio) com LSD sexuais. Foi com meu marido que aconteceu isso, foi uma pessoa que eu tive, uma dedicação muito grande, durante muitos anos. E a gente costumava tomar acido junto, e ai nós descobrimos uma coisa que eu nunca pensei, que ai, nem foi só uma vez, tive orgasmos infinitos, ele fez várias vezes e foi uma experiência mais incrível que eu já tive na minha vida e conheço muitas pessoas que fazem isso fora do Brasil que é muito comum, aqui no Brasil quando a gente fala isso, falam assim ah! Nunca ouviram falar, mas é uma experiência muito vivida por muita gente, inclusive o assunto dessa pesquisa, que é exatamente sobre sexo e espiritualidade, e o que acontece com LSD é que ele propicia todo material para uma pessoa que tem uma mente superior, pra ela fazer o tantra. Ah! eu sonho muito, muito. mas eu não quero. eu controlo isso. você sabe, tem sucubo e íncubo. quando duas pessoas estão fazendo sexo estão rodeados de seres da espiritualidade. ... já sonhei transando com meu pai, com minha filha. já sonhei com pessoas tentando me forçar a ter sexo. mas eu consigo controlar pra não ter. como assim? o meu lado espiritual, eu entrego a meu ser superior, ele me defende, me protege. Não, não me lembro de ter sentido desejo incontrolavel ah quando eu era mais nova. Já, já muito. eu tive muito porralouquice. depois que eu me separei eu fiquei com muitos, tive vários homens. mas não é bom isso, foi uma fase que já passou. tive 4 maridos. 133 Nnão. porque quando deseja alguém tem que ter um respeito por aquela pessoa, uma admiração. não quero saber de me apaixonar, pois a paixão bota a gente muito entregue, eu me anulo. tudo que a pessoa fala é muito importante. eu procuro agradar demais. Não. jamais. Eu amo todos os seres. porque existe uma coisa chamada compaixão. a minha filha que transporta as coisas delas. foi quem ajudou muito a mim. Você já ouviu aquela expressão “suicidar por amor”? Eu fiquei nesse perigo. se não fosse a Candida, que é um ser superior, ela é um mestre. ela tem uma ligação com Deus, é uma pessoa superior. quando eu fui para o EUA a minha filha ficou muito mal aqui, ela teve desmaios. e ela não sabia que eu estava sofrendo lá. ela transporta todas as dores, ela faz isso inconsciente. Com muita tristeza muito sofrimento (chorou). mas não tem jeito mesmo. os homens são muito animais, então não pode existir amizade entre homem e mulher. todo mundo joga, o amor a amizade, todo mundo joga. até a amizade a pessoa fala uma coisa e não é isso é outra. eu sou muito sincera muito legal. eu tive que cortar, ele é um amigo. vê uma mulher sozinha e pobre. pensam que ela está necessitada. aí tinha um rapaz lá em lumiar, mas o homem está sempre tentando conseguir o que ele quer, ele está ainda muito irracional, depois que você está no estado racional, ai você vê que não é. um cara izaias aparecia lá em casa de manha cedo, é tudo uma sujeirada, os homens estão sempre querendo alguma coisa. (loucura por amor) Muitas vezes, já fui pra outro país me encontrar com um grande amor que não deu certo, quando eu cheguei lá, ele mudou comigo, mudou o jeito, esfriou, e três meses depois eu voltei, ainda sofro, sofro... por isso. você separa os homens das mulheres? eu por exemplo para me sentir atraída por um homem eu preciso sentir atração, eu conheço homens maravilhosos, mas são muito babacas. mas tem mulheres também que ficam atras insistindo. o homem quando ele o lado feminino dele, quando ele expande, ele atinge uma espiritualidade, o feminino é que faz uma conexão com a espiritualidade. e a mulher por sua vez tem que expandir o lado masculino dela. 12)atualmente isso não me interessa, a minha alma gêmea foi que me realizou como mulher, mas isso me traz, lembrar me faz sofrer. ENTREVISTA No. 3 NOME: PENÉLOPE PROFISSÃO: MASSAGISTA E VENDEDORA IDADE: 35 RELIGIÃO: MESSIANICA COR: BRANCA ESCOLARIDADE: 1º grau incompleto ESTADO CIVIL: soltei Foi quando eu tive os meus filhos. Foi uma sensação assim inexplicável. Aquela sensação de “ser mãe”. Sentir aquele momento, pôxa, uma coisa diferente. Acho que toda mãe sente o que eu senti, é inexplicável, mas é muito bom. Eu senti como se tivesse... como você entra num elevador, por exemplo a primeira vez que você é criança, você não sente um frio na barriga e no coração, e o coração começa um tum tum tum? Foi essa a reação que eu senti. 134 Olha eu amadureci muito em relação a tudo da vida e também já passei por tanta coisa na minha vida que a gente acaba madurecendo mesmo. Eu senti assim como que eu vou te explicar, é inexplicável não sei como eu vou te explicar, difícil de se explicar, entendeu? é bom Ter um filho e a melhor coisa que tem no mundo, a reação, o que você sente é ótimo, mas eu não sei te explicar a sensação, eu realmente não sei...(HOJE VOCÊ LEMBRA,TEM UM DISTANCIAMENTO DE TEMPO, QUANDO VOCÊ LEMBRA VOCÊ LEMBRA?) você sabe que eu não lembro mais. Eu não sei se é o fato dos filhos não viverem comigo, então muito sofrimento, o meu relacionamento não deu certo foi tudo muito prematuro então eu não me lembro não. Então, eu não me lembro mais. Só ficou a sensação, mas ficou no tempo, ela não me acompanhou até hoje. Desejo sexual, eu acho que eu sinto desejo sexual desde criança porque eu sempre fui muito molestada pelos meus tios, pelos parentes da minha mãe, eu sempre fui muito molestada quando criança eu não entendia o fato, mas eu sentia desejo. Foi tudo muito precoce na minha vida eu não tive informação de nada, eu sempre senti desejo desde de que eu me entendo eu sempre senti desejo, mas tudo o que eu aprendi foi com a vida, foi passando por aquilo, nunca a minha mãe falou ah! Você vai menstruar, ah! Você tem que tomar pílula, ah! Você... tudo na minha vida acontecer como tinha que acontecer mesmo, hoje com 10, 11 anos a garota não é mais virgem. E comigo não foi diferente estou com 35 agora e comigo não foi diferente, se hoje é assim tem coisas mais precoces ainda acontecendo. Como crianças que são molestadas pelos pais. Pelos tios. Eu acho que tem que cuidar muito, tem que observar muito. Isso acontece sempre né é como se já fizesse parte da vida. Ontem, não faz 24 horas. Como é sentir desejo? Passam tantos pensamentos na minha cabeça, as vezes eu me pego assim pensando em sexo, cenas de sexo. É ... Ainda mais quando você tem o seu parceiro, você gosta, você curte, aí você fica pensando naqueles momentos. Olha, por exemplo, ontem eu tive um orgasmo assim inexplicável, inexplicável. Para mim é isso, você ficar vivenciando aquilo na sua memória, olha durante o dia, e chega a noite você está exitada, está com vontade, e cada vez vai ficando melhor, a cada transa sua, você vai se surpreendendo mais com você mesmo. Ah.. eu fiquei, eu chorava, eu ria, é como se eu tivesse entrando assim em êxtase, assim, ai meu Deus, que coisa boa, não é sempre que isso acontece. Assim os orgasmos são diferentes nunca um é igual ao outro, mas vou te contar... todos esses anos, ontem ... se não deu um balde de leite, pode chutar o balde. Sexual? Ah! Sexo oral para mim é maravilhoso eu acho o sexo oral o início de tudo né? Da cama assim, sabe? Porque você começa beijando na boca, daqui a pouco você está fazendo sexo oral. Então você já está beijando na boca e já está pensando no sexo oral. E você está fazendo sexo oral pensando na boca. Entendeu? É impressionante. Eu gosto muito de sexo oral. (IMAGINAR PARA VOCÊ NÃO É DIFÍCIL?) Não, não, a coisa mais fácil do muito, eu vivo imaginando coisas. Ah não, se eu contar a minha história toda, é difícil acreditar, mas eu já fiz coisas que até deus duvida. O que? Já brinquei de argola no carnaval, a minha vida é muito boa. Sexualmente eu não tenho o que reclamar. Tem sim, tem uma cena. Uma vez nós vivemos de uma noite, paramos o carro onde tinha um campo, que agora tem uma casa. E a gente parou ali e transou, transou e transou... e tipo assim.. a gente perdeu a noção das coisas. A gente transou no capô, transou no banco, transou no ... aí eu perdi meu sapato, achei que meu sapato tava dentro do carro, o outro pé não tava. Vim com um pé só para casa, depois acordei duas horas da tarde com as pernas que não me agüentava. Aí encontrei um cachorro com o sapato na boca pra cima e para baixo, acabou com o meu sapato azul marinho lindo de bico fino. Eu fiquei assim desesperada, meu Deus, isso marcou tanto a minha vida: _ Não se desespere eu vou comprar um par de sapatos novo. Foi uma coisa que marcou bastante, inclusive o motorista de ônibus, eu no outro dia, sem saber de nada, acabamos de transar e dormimos e o ônibus foi. E o ônibus viu, e o motorista buzinou. E eu com aquele bundão para cima, eu falei ai meu deus do céu. E o motorista: eu vi, eu vi... viu o que? Eu vi você lá no carro namorando. Ta vendo a gente não pode se esconder no campinho, nem no campinho. Mas eu acho que é assim ... é uma emoção assim, você ter o seu parceiro. Aquele relacionamento e tem aquele troca, eu acho isso muito... muito legal tem tudo para dar certo quando é assim. Porque todas as diferenças que você tem num relacionamento você pode da um jeitinho, você pode ceder um pouquinho dali, daqui conversar e tal. Mas cama não tem jeito, se não tiver aquela coisa de pele, desejo, vontade, éh participação de um de outro, sem aquela coisa de ai não faço 135 isso, não faço aquilo, sexo é entrega, isso ai não resta a menor dúvida, sexo é entrega, e se você não se entrega, você não sente amor. (VOCÊ JÁ TEVE EM UM OUTRO MOMENTO, UM TIPO DE RELACIONAMENTO ASSIM ...?) ah! Já! Já tive relacionamentos assim, tipo assim terminar o ato e falar assim ai deus me livre, ah (de nojo) não quero mais ver, ai aquela coisa, sabe? não dá, não dá mesmo... as vezes você se empolga com uma pessoa e acha que aquilo vai ser, pô cara, aquele homem, você sente aquele desejo, sente aquela atração, chega na hora ali, aquela coisa tão sem sal, dá até um certo arrependimento, aquela coisa assim de sai pra lá. Hoje em dia eu posso falar que o sexo sem amor é uma coisa muito ruim, acho que tem que haver uma troca de amor, de carinho, de compreensão, de tesão, de sabe? Tem que haver essa troca para dar certo o relacionamento. Ué, sabe aquela coisa de você chegar e falar assim, o homem sente aquela necessidade de gozar, a mulher não, a mulher ela sente necessidade de amor, de carinho, de compreensão, de, sabe, compatibilidade, entendeu? Nossa, gente, olha, isso aí é interessante porque eu já tive tantos sonhos sexuais na minha vida. A maioria dos meus sonhos é com sexo, eu não sei se eu sou uma pessoa que eu vivo pensando em sexo, pode ser, mas eu já sonhei assim, que eu transava com um homem sem rosto, já sonhei que eu masturbava um homem que eu não conseguia ver, já sonhei que transava com mulher, já sonhei que eu passava num lugar que eu via todo mundo transando, então, para mim é tranqüilo. B) bom depende do momento ali do sonho, do que eu vivi no sonho, por exemplo, é tem sonhos por exemplo que me assusta ou que eu acordo pensando que lugar era aquele, por exemplo eu já sonhei muito que eu trabalhava em casa de prostituição, já sonhei muito que eu fazia strip-tease em casa de ... . Eu acordo com a sensação que eu tinha no sonho, quando eu me via no sonho a sensação era de que quando eu acordava o que que eu estava fazendo naquele lugar? O que que aquele sonho queria me dizer? Entende? Eu acho que todo sonho com sexo ele tem alguma mensagem, eu acredito muito nisso, sabe? (ESSE OU QUALQUER SONHO TEM MENSAGEM?) Eu acho que qualquer sonho, mas principalmente sonho com sexo. Eu acho que ele tem bastante influência na vida aqui. Entendeu? As vezes o momento que você está vivendo. Ou alguma necessidade que você tenha. As vezes o seu inconsciente está tentando dizer aquilo para você. Muitas das vezes a gente não consegue captar muito bem isso. Tem que ter uma sensibilidade, mas eu acho que tem muito a ver, acho que tem bastante coisa que ver uma com a outra. Já, já senti um desejo incontrolável e até hoje eu sou assim. Eu já tive problemas assim pra ter orgasmo, já tive um bloqueio muito grande, mas hoje em dia graças a Deus eu me considero uma pessoa muito normal, acho que eu não tenho mais problemas assim ... é como eu te falei é um diferente do outro, mas eu já senti sim, (MAS LEMBRA EM QUE SITUAÇÃO?) já, já, uma vez eu estava assistindo um filme pornô, e eu senti um desejo incontrolável de me masturbar. E hoje em dia também eu sinto vontade de me masturbar, e me masturbo eu acho uma coisa normal, meu corpo está pedindo aquilo e se eu posso fazer aquilo pelo meu corpo, porque não fazer? Não é? É tão bom, você sente vontade, você vai lá e faz. Você não tem culpa depois. (VOCÊ JÁ SE SENTIU CULPADA DEPOIS? Não, por masturbação não. Já me senti culpada, já. Por que transado de repente com alguém que não tava nem muito a fim, as vezes, é você não tem muita experiência da vida, aí você está numa situação então você. Sabe aquela coisa assim aiiiii que coisa horrível que eu fiz? Sabe? Muito ruim, muito ruim. Aconteceu assim de beber um pouco demais, e as vezes de acontecer de você ir para um motel e acordar de manhã olhar para o lado e dizer: meu deus! O que estou fazendo aqui? Quem é esse homem? Acontecer isso comigo uma vez, mas foi o suficiente para mim poder prestar mais atenção. Sabe? Mas é uma coisa assim, ai meu deus! É muito ruim, acho que hoje em dia não vou sofrer mais isso não porque eu vou bem com meu parceiro. Vivo bem mesmo, nem conseguir trair eu estou conseguindo. É porque a coisa está indo, está fluindo. A gente está vivendo aquela cumplicidade. Né? Mas até 5 anos atras, 3 anos atras, mas eu sentia vontade de trair, mas não pela pessoa que ele é, mas tipo assim, ele sempre foi muito carinhoso e tudo, mas eu não conseguia ver isso nele porque estava havendo alguma dificuldade dele me fazer mulher na cama, de me arrancar um orgasmo. Então depois que ele descobriu, ele foi muito paciente, nossa! Ele foi um amor de pessoa, ele é um amor de pessoa. Eu acho que eu não tive mais essa necessidade de pensar em outro homem. Foi, foi com ele que eu me descobri como mulher. Que eu me descobri como mulher, foi muito bom ... Foi muito bom. Eu tinha, eu na realidade eu achava que eu sentia prazer, mas eu não sei, é diferente de você ser uma adolescente e sentir prazer, e er seus filhos e você Ter um marido 136 violento. E você Ter uma pessoa estúpida é diferente... de você viver com uma pessoa que te dá carinho, compreensão, busca também saber o que você está necessitando emocionalmente, entendeu? Foi muito difícil para mim chegar aonde eu cheguei com ele, eu sofri muito, eu tive as minhas crises de depressão, eu chorava, eu achava que eu era a pessoa mais infeliz do mundo. Eu acho que eu fui muito forte, eu acho que eu superei muita coisa na minha vida em relação a tudo. Sabe? Essa distância dos meus filhos também. Eu não vivo com eles, as crianças vivem com o pai. É até mesmo por causa da situação entendeu? Eu não tava disposta a abrir mão da minha felicidade, porque eu sabia que eu era nova e que ainda poderia ser feliz. Por causa de um merda, um ignorante, que ficava usando os filhos, então vai cuidar dos seus filhos, mas eu acho que isso me ajudou a crescer, olha mas doeu heim? Eu senti muito, muito, até um tempo atras eu ainda sentia, mas graças a deus eu superei, já me sinto bastante forte, quando eu vejo as crianças eu posso ate falar com a pessoa, vai viver a tua vida. A gente adora, curte, pode dar o melhor, mas o mundo está aí, cada um tem que lutar por si. Né? Eu to ali, o que eles precisarem de mim. Eu não vou deixar de ser mãe, mas sabe não quero, tenho horror, como é que poder. Eu tenho horror do pai dos meus filhos. Impressionante, impressionante. Engraçado que quando as crianças eram pequenas eu olhava assim eu senti um pouco de raiva, como se eu sentisse raiva desse pai, eu custei a superar isso Munira, por isso eu acho que eu fui muito forte. Eu superei muita coisa na minha vida, muita coisa, muito contratempo, muita coisa cada momento chegava uma coisa nova, e eu não tinha maturidade para lidar com aquilo. Hoje não, hoje eu posso encarar melhor, mas nossa eu sofri pra caralho, meu deus. Mas aprendi pra caramba, hoje eu tiro de letra, hoje eu me sinto assim uma grande mulher. A minha tia sempre falava, essa menina quando crescer vai ser uma grande mulher. Mas ela falava em crescer, ser grande mulher, não era no sentido de físico era no emocional. Entendeu? As vezes quando encontro com ela, ela fala: é minha sobrinha, você cresceu. Sabe? É uma troca legal. Já desejei sem amar, sim. E senti aquela atração sexual. E caí matando, caí matando. E é só desejo, é aquilo que eu já te falei, que eu quero retornar, você viu que não combinou, que a química não rolou, foi bom ali, mas não vai rolar mais. Doses homeopáticas. Não, não me lembro. Me lembro, me lembro sim. Quando eu era menina, que eu sofria esses tarados que ficavam aí me rondando, e as vezes eu pegava revistinha do meu pai e ficava vendo. Então eu já peguei o cabo da escova, já esfreguei o cabo da escova de cabelo. Já me toquei, e ficava imaginando mil coisas. Tipo assim sem saber muito do que se tratava, mas eu gostava, sentia o desejo e a vontade de ser mulher. (MAS VOCÊ SENTIA VONTADE COM ELES, ESSES ABUSADORES?) Não, não, eu queria ter uma pessoa como toda garota tem, um namoradinho uma pessoa para vivenciar aquilo ali, com essas pessoas eu tinha medo. Porque eu não, não sei, um velho, um velho vai me tocar, vai, eu criança sem entender de nada, sem ter maturidade para aquilo, eu acho que é uma coisa que você fica meio assim... com medo. Né? E tipo assim, se você contar para a sua mãe eu vou fazer isso, aquilo e então aquilo me colocava um certo medo. Não é? Amor profundo é o que eu sinto agora. Por incrível que pareça o amor é a coisa mais maravilhosa que eu estou vivendo na minha vida hoje. São esses momentos agora com essa pessoa que é meu parceiro há 11 anos. E nada, nada, nada impediu que a gente estivesse vivendo bem, o fato dele ser casado, o fato deu ter os meus filhos, as vezes sempre tem um que implica, o fato deu ter que conviver com o casamento dele, ele lá e eu cá. Por questões financeiras porque se ele separar... eu não quero também que amanhã ou depois a mulher diga ah! Foi motivo da minha infelicidade. O motivo da infelicidade dela tem que ser ela mesmo e não eu. Eu quero é viver os bons momentos e eu estou vivendo, é o melhor momento da minha vida agora. ( ) eu acho que nada que vier a acontecer mesmo que amanhã ou depois a gente não fique junto, ou que eu tenha perdido o meu tempo, as vezes a pessoa acha que perdeu e ganhou, porque você adquiriu experiência, você amadurece, você fica mais independente. E então independente de qualquer coisa, eu acho que vou estar olhando para ele e ele vai estar olhando para mim. Já. Já nossa senhora, meu deus do céu. Já peguei no telefone já chorei, já me desesperei, já fui no fundo do poço, com essa pessoa que eu estou agora. Quando eu andei descobrindo algumas coisas que no passado ele fazia. Também descobriu de mim, também, por que eu não era flor que se cheirasse. Mas tudo bem, a gente hoje até conversa, sobre isso com uma certa maturidade, a gente... ele diz para 137 mim que não tem mais ninguém. Eu também estou sendo sincera para ele. Eu não tenho mais ninguém. Tenho sido molestada por várias pessoas, mas ainda não apareceu aquela pessoa que me batesse a periquita, mas assim, se aparecer estarei a disposição. Se eu não puder me m segurar no ultimo momento, eu chego junto, mas assim bem consciente daquilo para não sentir um arrependimento. Se bem que eu acho que essas coisas a gente esquece para não sentir arrependimento. Ah eu quero esquecer. Foi bom? Foi enquanto durou. Acabou, sabe? Solidão, saudade, assim ... eu acho que ele também sente. A gente tem uma coisa meia que telepática, as vezes eu tou pensando nele, assim alguma coisa que aconteceu boa. porque eu não tenho nada ruim para lembrar dele, nós só temos vivido bons momentos. Também 11 anos o que eu tinha de passar de ruim eu já passei. Antes eu ficava angustiada, ficava pensando no futuro. Ficava... aí depois eu caí em mim, e falei puxa! Eu entrei nessa situação porque eu quis, eu estou vivendo essa situação porque eu quero. Lógico tem o sentimento que fala mais alto, tem., mas eu to também porque eu quero. Porque se eu fui forte para superar tantas coisas na minha vida, porque não superaria isso. Ne? É difícil, falando é fácil, mas é difícil você viver vivenciar aquele momento, mas não é impossível, são obstáculos. Mas se ele morrer, eu não vou ter que viver sem ele? Não é? Então é mais ou menos por aí, eu acho difícil, mas acho que dá para levar. ( ) Uma hora aparece um sentimento, outra hora aparece outro. Engraçado mas eu fico conformada com essa distância, mas tem horas que me dá um tilte assim, uma certa insegurança. Os sentimentos que eu sinto, insegurança, saudade, eu acredito que ele também, sabe porque? Quando eu demoro para chegar em casa, quando eu chego eu sinto que ele está pensativo, está com a pulguinha atras da orelha. Primeira reação dele, é quando ele deita na cama, coloca os pés na janela e fica assim mexendo com as mãos. Eu já sei que ele está com a pulga atras da orelha, aí ele começa a insinuar. Tipo assim, isso são horas de chegar em casa? Aí eu digo: Pô, tô trabalhando. Mas tem marido que é cego. Mas tudo assim acaba em pizza. Eu converso com ele, não tem necessidade disso. A gente é maior, tudo que a gente fez até agora a gente assumiu um para o outro. A gente não tem mais necessidade disso, eu não tenho necessidade de ir em busca de um outro homem para transar, você me satisfaz. E eu acredito que você também não tenha. Então vamos parar com isso, aí que insinuação boba. Que bobeira. Aí começa beijo e abraço ai é festa, ai minha filha, aí noutro dia eu estou com as pernas doendo. Tou tranquila. (mas por exemplo, como você percebe a distancia emocional?) já chorei, já chorei, já chorei de saudade. Já chorei de vontade, já tive um sentimento assim de um pouco de inveja, de ser a mulher dele. Mesmo sabendo que eu sou considerada como mulher dele. Mas ali o nosso relacionamento, é cama, nós temos a cumplicidade, temos, mais casado mesmo ele é com a mulher dele. Mas eu já chorei, nossa já chorei, já peguei o caderno, tive vontade, algumas vezes, algumas peguei, outras não... caderno e caneta, que eu sou muito melancólica. Então já fui lá fiquei escrevendo, aí depois eu ficava lá lendo aquilo e falava: mas que bobeira. É que eu sou meio inconstante, sabe? Tipo assim, tem dia que eu tô aaaahhhh! Tipo assim chorona, melancólica, e tem dia que eu penso assim, pô tu é uma otária, tu é uma boa, vai .. eu dou um chute na minha bunda, eu mesmo chuto a minha bunda e digo vai te catar. Vai cuidar da vida....hahaha sabe? ENTREVISTA No. 4 NOME: ALICE PROFISSÃO: ESTUDANTE IDADE: 35 RELIGIÃO: NÃO TENHO COR: BRANCA ESCOLARIDADE: DOUTORADO INCOMPLETO EM LITERATURA ESTADO CIVIL: SOLTEIRA (União) Olha verdadeira união, eu sinto que tenho com a minha família. É quando eu sinto em verdadeira união. Eu não teria um momento, porque a verdadeira união é o que eu vivo, é o que eu tenho o tempo inteiro com a minha família. Não é um momento carnal entende? Pra ser descrito assim. Talvez você esteja falando de uma união e eu esteja falando em outra união. (tenta lembrar um momento que sirva como emblemático) Essa pergunta é difícil, deixa eu ver: eu acho que um momento de verdadeira união, 138 foi um momento de doença do meu pai. Em que eu achei que ali houve uma verdadeira união entre nós. Que eu já suspeitava que existia e ali se comprovou. Endente? (corpo) que pergunta difícil ... é difícil porque embora seja um momento de verdadeira união, digamos, o corpo respondia a esse momento com stress. Né? Porque era um momento estressante. O corpo naquele momento, digamos, estava alterado, tava com dores para lá e para cá. Tava assim, e não tava nos seus melhores dias. (sentimento) olha não tem um sentimento. Por ser um momento de verdadeira união como eu disse, mas ao mesmo tempo ééé um momento difícil, de doença. Então ao mesmo tempo tava misturado ali, muito amor, muito carinho, muita tristeza também, muita apreensão. Era sensações misturadas. (desejo sexual) não. (nem na adolescência) acho que não. Desejo, talvez seja forte. (imaginar sexual) claro, imagina. Eu teria milhões de cenas para descrever e imaginar, milhões de cenas de todo tipo, cenas minhas, dos outros. Porque o sexo permeia a vida da gente o tempo todo. No cinema, na televisão, e até mesmo eu, que como eu te disse, não sou uma pessoa que deseje. Ne? Eu já tive em situações eróticas, digamos assim. Então eu te poderia te descrever milhões de situações. (mas não seria lembrança e sim uma cena imaginada) você falou uma imaginação ou uma lembrança não foi? Não, falei uma cena imaginada) Cena que eu monte? E que não necessariamente tenha acontecido comigo? Huumm! Olha essa cena que eu imaginaria sem dúvida dela o que faria parte seria mais digamos assim uma cena erótica do que pornografia, se é que você me entende? Uma cena muito mais com partes dos corpos, de abraços, de beijos, mas ela talvez seja uma cena cinematográfica. Porque eu não consigo imaginar uma cena de sexo sem musica, então é, mas ela não teria digamos o foco concentrado na coisa... pênis vagina por exemplo. Isso aí não me interessa muito. (lembrança de uma cena sexual) claro, claro. Você quer que eu descreva. Uma cena? Então vou descrever uma cena da minha própria vida mesmo, que aconteceu com uma pessoa com quem eu tava namorando e que ..... e que essa pessoa a algum tempo queria digamos dar início ao sexo na nossa relação que até ali não tinha acontecido. E então essa cena se dá nesse contexto, né porque é.. depois da insistência eu disse: então vamos!!! Mas agora? Eu disse: é! Agora! Ele disse: então tá. Eu disse: então já que é para ser, vamos fazer. então é ... a roupa foi tirada, dele e minha, e só que não aconteceu nada. Porque de alguma maneira eu concordar naquele momento assim: então vamos agora! Meio que atrapalhou o processo, porque talvez acabou com as expectativas. Mas digamos que o que se desenrolou um pouco nessa cena foi o preâmbulo. Um pouco de carinho deitados na mesma cama e tal, mas dali não passou. Eu acho que houve um congelamento ali por conta dessa decisão.. “Então tá! Vamos agora!!!. (sonho) olha um sonho de conteúdo sexual é difícil deu descrever, porque eu não costumo... não sei se eu não costumo sonhar, ou não costumo lembrar. De cunho sexual eu não teria nenhum pra te dizer. (e erótico teria algum) não... eu não sou muito de lembrar dos meus sonhos. (não tem nenhum que tenha ficado... ) olha eu lembro de um de adolescência que eu acho que não tem nenhuma importância para a sua pesquisa, mas de qualquer maneira eu vou dizer que é um sonho que eu tive, por exemplo, que é o que eu lembro que era eu beijando um cantor de rock rool, um cantor pelo qual eu não tenho a menor atração, o que é o mais esquisito, ah,ah,ah,ah! Eu sou mal entendida até no sonho. Eu beijo é o cara que não me interessa. Era o Fred Mercury, que horror! (desejo incontrolável) nunca. Desejo sexual? Não. (desejou sem amar) Nãaaooo. Nunca amei alguém sem desejar também. (prazer sexual) nunca. (amor profundo) ai a gente volta a coisa da primeira pergunta. Você está falando um amor homem – mulher nesse sentido? Não. (e outro que não seja homem e mulher? ) Aí tem aquele que eu te falei da minha família é 139 a verdadeira união, sem duvida é digamos o amor que eu tenho. Pode não ser o amor digamos pelo qual você está interessada em me perguntar, mas é o que eu tenho. (eu quero saber o teu amor mesmo) (loucuras) huuummm! Eu não fiz, mas talvez fosse capaz de fazer. mas não fiz não. (distancia) desse grupo amado, eu lido bem, digamos, se for por um tempo razoável, Com a distancia física. Pensar na possibilidade da morte é muito difícil. É horrível é sofrido pensar nessa possibilidade. É, penso nisso sim e acho difícil. A física eu acho tranqüilo se for por viagem, por pouco tempo, coisas que aparecem na vida da gente. Agora a emoção da possibilidade de ficar sem o objeto desse amor digamos assim, é complicado. (Descreva a sua vida amorosa) A minha vida amorosa nesse sentido que você está perguntando nesse tipo de amor que você esta me perguntando agora. Ela é muito esparsa e escassa. Então ela é esparsa, pois eu namorei muito pouco. E por pouco tempo e escassa, e digamos assim proporcionalmente por um tempo reduzido da minha vida. Então foram apenas 3 namorados, e digamos assim que não foi nenhum arrebatamento. Entende? Foram namoros assim que da maneira que começaram, terminaram. Muita assim que que deram no que tinham que dar, assim 3 meses, 4 , isso. Enquanto a coisa fica na masturbação intelectual ótimo, depois começa a encher. (na adolescência...) eu não sou nem um pouco fechada, não é que eu não tenha interesse nesse tipo de coisa, tenho um interesse enorme. O que não me interessa é a prática. Entende? Eu acho fascinante, acho incrível sobre todos os pontos de vista que não seja a prática. (você já teve um prazer muito grande com o teu corpo independente de uma prática) entende? Uma coisa de toque? Não porque é aquela coisa. O prazer ele depende do que você pensa que é prazer. E esse tipo de prática não é prazerosa. Numa pergunta ela fica meio vazia nesse sentido não é prazer. Já tive prazer com um monte de coisa, mas com isso eu não tenho porque eu não acho prazeroso. Ne? Até agora, pode ser que... depois até seja, mas. ENTREVISTA No. 5 NOME: LAURA PROFISSÃO: ATRIZ IDADE: 43 RELIGIÃO: BATISTA COR: BRANCA ESCOLARIDADE: 2 UNIVERSIDADES E UMA ESPECIALIZAÇAO FORA DO BRASIL ESTADO CIVIL: SEPARADA JUDICIALMENTE. ATUALMENTE MORA COM UM COMPANHEIRO. Comecei a minha vida sexual lmuito tarde, transei pela primeira vez aos 18 anos e assim mesmo porque me cobrava.. Mas a coisa que ouvi minha mãe falar sobre sexo foi: _ É feio. Nunca mais perguntei nada. Namorei uns caras, mas nada sério. Aí fiquei com um que ficamos nos beijando no primeiro beijos, uns, uns vinte minutos. Me casei com ele. Esse foi meu primeiro marido, foi tudo bonitinho na igreja, mas a cama era horrível, ele sempre deprimido, não me queria, eu fiquei por um longo tempo sustentando a casa, pois ele ficou desempregado, eu fazia tudo por ele, para animar ele. Depois de 6 anos de casada descobri que era homossexual, acho que casou para dar satisfação a família. Meu atual companheiro é que me soltei mais, posso confiar nele. Mas é muito cheio de humores, um dia está bem, passa dias sem falar comigo. Eu tento me aproximar, tento conversar, se eu não o procurar na cama ele não me procura. Agora quero engravidar e ele não quer Ter filhos. Isso dificultou mais a minha relação, principalmente a sexual. O pouco desejo dele por mim, me fez ir a luta, procurar outras bocas. União?... aí sei lá. Posso falar disso em relação a natureza, por exemplo. Sinto totalmente junto e não desconectada quando eu to por exemplo fazendo uma viagem por uma estrada, e olho para o céu e tem aquele céu escuro cheio de estrelas, aquela coisa maravilhosa. Já me aconteceu algumas vezes, isso para mim me faz sentir assim completa união com aquilo ali, com aquele universo enorme.com a 140 natureza, sempre com a natureza. Montanha, planta, pássaro, isso me faz me sentir assim não desconectada. (corpo) fisicamente mesmo. É quase uma sensação... é uma alegria imensa, é uma paz imensa. É um silencio maravilhoso e é uma coisa assim como se eu fosse explodir. Me preenche totalmente, é uma alegria totalmente preenchedora. (sentimento) no exato momento em que eu estou lembrando, me lembrando do exato momento, aquilo e um sentimento de paz, plenitude, maravilhoso. (desejo sexual) quando você fala de desejo sexual você está falando de transar, ou só desejo do outro pelo beijo ou por aquele homem, aquela coisa. Ah! muito, muito, muito nossa assim eu tenho uma coisa muito forte, não depende de cor, não depende de nível social, não depende de conta bancaria, não depende se o cara tem um carro ou uma bicicleta. Não depende nada disso, para mim, eu ter desejo pelo outro. É uma coisa que não dá pra explicar que as vezes acontece com pessoas muito feias, que as pessoas não olhariam, ou pessoas muito tímidas que aparentemente ninguém olharia, pois fica muito né? Éh!, as vezes eu olho para um cara, tem uns momentos que parece que a gente tá mais, parece uma coisa meio de cio. Ne? Algumas vezes no mês, Parece que tô no cio, então eu olho pro um cara e vejo um potencial de beijo. Eu olho pro cara e penso: deve ser muito bem beijar esse cara. Será que é? O beijo desse cara... e eu já começo a fantasia como é? E quando eu vou conseguir? Eu vou dar um jeito de beijar essa pessoa. Normalmente eu consigo. Ah,ah,ah! Normalmente eu tanto faço que eu consigo chegar no meu objetivo. Por que para cada um tem uma tática. Sempre uma maneira que o cara não nota que ele está caindo em uma teia, eu me sinto meio como uma aranha. Ahahaha! Atraindo... eu sei que o objetivo vai ser beijar os mais difíceis são os mais interessantes, os mais puritanos são os melhores, mas eu sei que vai chegar isso e eu vou fazer com que chegue. E muitas vezes... hoje eu já estou mais madura nisso, mais muitas vezes quando eu alcancei o meu objetivo eu me apaixonei. Hoje eu já estou assim: foi um beijo, tem nada a ver, já não cobro tanto do outro e nem de mim, essa coisa já sei que é momento. (desejo tempo) desejo de pensamento? Ou tá olhando pra pessoa e desejar? Bom se foi só desejo há uma duas horas atras. Bom agora de desejo de ter ido as vias de fato, não quero dizer de transa, mais as vias de fato.. a menos dias, de ter isso perto de mim, aquele abraço, aquele beijo, há umas duas semanas atrás. Foi pior do que eu imaginava porque eu esperava mais, esperava mais tempo, mais.. eu armei uma história toda e acabou não acontecendo como eu tinha armado. Armei no bom sentido, tipo assim, champanhe... geladinha. Quando eu armo, armo direito. Ir num lugar perfeito, que aconteceria chegar ao champanhe. Não chegou ao champanhe, mas teve esse momento de estar com a pessoa num lugar, mas só cheguei a isso, fiquei um pouco tensa de ficar contra o tempo, ele estava contra o tempo. E aí eu não queria fazer nada rápido e achei melhor voltar com a champanhe pra geladeira do que fazer uma coisa rápida só por fazer. então porisso que não foi tão bom quanto eu imaginava. Mas assim um mês atras foi maravilhoso com uma outra pessoa que aconteceu a mesma coisa, essa coisa de ter vontade, de ter armado toda uma situação legal e cada passo, e me sentia meio assim... meio mal... parecia que eu estava jogando o milhozinho para o passarinhozinho ir entrando. Cada passo ele ia e comia o milhozinho e aí eu ia até que entrou dentro da gaiola, Acho uma gaiola maravilhosa que ele não ficou nem um pouco chateado de Ter sido preso dentro da gaiola. E foi maaaaaravilhoso, uma noite maaaaravilhosa, uma noite inteira assim de ver o sol raiar que foi assim estonteante. E maravilhosa mesmo que eu vi que foi muito especial para os dois. É muita energia pra uma coisa que não vale a pena. Para uma coisa que não vale a pena eu quase chego lá. Eu tenho uma intuição, e quase chego. E agora, graças a deus, eu não vou as vias de fato. E graças a deus me poupo, porque não é legal, já aconteceu no passado e não foi legal ter ido as vias de fato com uma pessoa que não interessava e eu intui, mas mesmo assim insisti mesmo assim só para poder ver, quem sabe eu possa estar enganada, mas não estou. Eu penso que não vai ser legal, não vai mesmo, eu já sei que não vai ser legal e eu não vou as vias de fato. E isso eu não faço mais, agora quando eu chego as vias de fato, que não seja em transa, mas que seja um papo, um papo! Como se um papo servisse para alguma coisa. Que seja de um beijo, ou mão, uma carícia mais intima, uma coisa 141 mais intima, de o coração bater, de você perder a respiração, de suar, da respiração falhar, de ficar ofegante, esse tipo de coisa assim que você chega, ah! Só quando vale a pena. (imaginar) ah! Claro! Ahahahah. Uma cena sexual de transa? Porque uma cena é longa, como assim uma cena? Eu acho que meio que normal é ter uma coisa de olhar, quando chega o momento que vai chegar a isso de sexo, começa uma coisa de olhar, de desejo de ter aquela boca. Ne? E aí os primeiros segundos de estar chegando com a boca perto, aquela boca que você nunca beijou. (você está lembrando ou imaginando?) estou lembrando? Não é para lembrar? (Imaginar) Pô, mas a gente constrói em cima do que já fez) Ah! Construir uma cena... você chegar num lugar que você acha que vai ser possível eu não gosto muito desse negócio de motel, porisso é mais complicado. Eh! E aí você lógico vai Ter o papo, conversa muito, acho que você vai conversar sobre outras coisas, que não seja especificamente sobre os dois, ou sobre o que está rolando com os dois. E aí você já começa daqui a pouco a falar sobre os dois, sobre o que está acontecendo ali ou não fala nada. Fica aquele silencio, fica aquele olhar e aí de repente eu vou chegar e ele vai chegar e aí vai rolar o beijo. E aí vai ser bom, as vezes no micro segundo do primeiro momento o beijo não vai encaixar muito e daqui a pouco os dois relaxam e ai vai encaixar. E ai mão e tal eh! E ai daqui a pouco você quer mais e você... se o cara não vai aí você põe a mão por debaixo da sua blusa, pelo teu decote. Você percebe que está molhado... se eu já percebo, imaginando uma cena, se eu tivesse beijando um cara e eu já percebesse que eu estou molhada e eu quisesse transar com essa pessoa que eu já gosto que já teve um lance antes né? Que já tem um papo, que já tem um envolvimento, pelo menos comigo sempre foi assim. Nesse momento que eu perceber que o cara, eu estou imaginando essa cena, vou perceber que eu fiquei toda molhada com aquele beijo ah! Eu não vou ter duvida de abrir a minha calça e por a mão dele lá. Para ele ver que eu estou totalmente pronta. E ai que ele vê que eu estou totalmente pronta, se ele não tiver pronto ele vai ficar na hora. E daí pra transar daí a 10 minutos pronto! (lembrança) de transa? Ahahahah! Deixa eu por no computador ... ahahah! Que horror! Horror bom né? Ai caramba! Ahmm! Uma coisa que aconteceu uma vez deu ter ido fazer uma peça fora do Rio, deu ter conhecido uma pessoa que foi muito bom ter conhecido. Uma pessoa que rolou um lance de admiração por mim primeiro e ele jogou muitas indiretas. Depois no futuro quando a gente chegou as vias de fato ele me falou que a primeira coisa que chamou a atenção dele em mim foi o meu decote. Então eu me lembro que estava com uma blusa decotada. Tal e eu tava com o cara assim, numa posição de destaque, porque eu tava ali. É falando sobre um projeto tal. E ai a gente começou muito tal e eu convidei ele para assistir a peça. Com isso já armei e já imaginando ... isso sim de uma indireta que ele deu eu comecei pensar... caramba! Será que esse cara? Mas gente esse cara e bem mais novo tal... será? Ai eu resolvi apostar e nisso eu marquei um lance depois da peça para ir assistir um conjunto muito famoso que eu tinha o maior respeito, que tava acontecendo lá na cidade. Ai eu liguei pra ele perguntei se ele topava depois do espetáculo ele já tinha dado a indireta de que não estava namorando ninguém, porque quando eu o convidei ele disse: que não sabia se ele ia sozinho, porque ele não gostava de ir sozinho... Ele ia ver se conseguia um amigo para ir com ele. Para mim já foi a deixa . O cara lógico se não tava querendo, e é lógico que tava. Tava sozinho...então ai ele foi e assistiu comigo e foi muito legal. Chegamos de madrugada e eu ia trabalhar no dia seguinte. Eu disse cara acho que a gente tem que ir ... e foi muito legal nesse momento porque enquanto isso estava rolando só olho, aquela coisa de um fala olhando no olho do outro, então de repente acho melhor a gente ir embora. Parecia assim que ele queria compensar todo o tempo perdido e queria pegar ali. . ele queria começar uma coisa que ele não tinha coragem porque ele era muito tímido e ai já pegou na minha mão. Já começou a fazer um carinho na minha mão e eu já gostei daquele carinho. E eu disse: ai Jesus. Comecei a pensar naquela boca e como ia ser e ai fomos juntos até o hotel e começamos a conversar muita tal. E muitas coisas e daqui a pouco ele me mostrou uma poesia que ele tinha feito para mim. Nesse 2 últimos dias que ele tinha me conhecido... e daí começou a falar a poesia e a gente foi lá pra dentro pra poder ficar mais claro o lugar para poder ler. Daqui a pouco rolou aquele beijo, daqui a pouco aquele beijo maravilhoso, não tinha nem mão, foi maravilhoso. Ai daqui a pouco eu falei para ele você quer entrar? Ai ele falou assim... tão bonitinho: falou assim, eu quero fazer amor com você. Ai eu quase falei assim meu querido ... ahahahahah! Ai fomos lá para dentro e foi maravilhoso, maravilhoso, maravilhoso mesmo. E foi uma coisa assim, a gente tinha um lance... foi uma coisa sexual tão legal...ele fez... foi do jeito que eu queria que fosse.... quando a gente se conhece um pouco mais, a gente também conduz né? Parecia que a 142 gente já transava bastante tempo, porque já tinha uma coisa de querer que o outro se satisfizesse, sabe? E ai ele tanto tava com má intenção que tava lá com um monte de camisinha. E ai foi muito legal, porque transamos abessa, foi muito gostoso e no dia seguinte eu fui embora e nunca mais eu o vi. Ahahahahah! (sonho) é difícil eu não me lembro muito de sonhos sexuais... não me ocorre nenhum no momento, sonhar com sexo eu transando eu... não. Já sonhei com pessoas com quem eu já tive um contato físico maior, em um relacionamento mesmo assumidos. E que foram muito ruim para mim, essa pessoas entraram no meu sonho de alguma maneira, mas é... principalmente que tenham sido ruins para mim sexualmente... mas sonhar com sexo eu não me lembro de nenhum sonho, não! (desejo incontrolável) desejo de transar e de beijar, essas coisas? bom, incontrolável não, porque eu sempre me controlei. No sentido de que quando eu via que não dava pra ser, não dava. Mas de sentir uma dor de desejo, chegar a sentir uma dor física de vontade de saudade, de querer estar com aquela pessoa, de querer estar beijando aquela pessoa, isso eu já senti... mas nunca foi incontrolável. Nunca peguei um telefone para ligar para uma pessoa que eu tivesse querendo essa pessoa, que eu tivesse carente dessa pessoa, que tivesse em falta comigo pelo desejo meu, ou por uma promessa que não fez. Nunca cheguei a esse ponto. Nunca foi incontrolavel a esse ponto. Nunca coloquei uma pessoa numa situação ruim porque a pessoa fez de tudo para me conquistar e depois me deixou. Nunca chegou a esse ponto. (desejo sem amor) Engraçado porque eu não sei exatamente o que é amor nesse sentido assim. eh! eu tenho uma impressão de que todas as pessoas que eu desejei de alguma maneira eu tava amando. Que que é amar? Amar precisa de tempo para você dizer que você ama? Se precisa de Tempo... é lógico que você não vai amar uma pessoa que você conheceu a dois dias. Então aquilo não é amor, é paixão. As pessoas separam muito, o que é amor o que é paixão. Eu não entendo direito. Ne? Eu escrevi uma crônica, acho que posso chamar de crônica. O amor é como sementes e aí eu descrevo quatro tipos de amor. Onde falo desse amor longo, desse amor que você ama uma pessoa que está distante que tá longe e nunca você vai estar com essa pessoa pra sempre. Por que pra sempre significa até o mês que vem, falo do amor das pessoas que se juntam por qualquer motivo que não por amor... falo do amor do ficar, que para mim também considero amor nesse sentido... assimmm ... éh! Qual foi a pergunta mesmo? É difícil... como a sociedade você escuta isso desde criança que amar precisa de tempo, agora segundo o meu conceito não. Então que eu acho que nunca foi sem amor que eu desejei. Mesmo que rápido. Porque também eu nunca desejei uma pessoa... não que tenha algum problema quem desejou sem amor, mas nunca foi uma coisa que a pessoa tem, nunca foi. Sempre foi relacionada ao que eu admiro nessa pessoa. Então sempre desejei uma pessoa que eu admiro entende, eu não tenho desejo sexual pelo Richard Gere eu acho legal, todo mundo fala, eu entro na brincadeira, o Chico Buarque ahmmm! Porque é o Chico, eu não tenho desejo sexual por ele, eu admiro o Chico, mas eu precisaria para ter um desejo sexual por ele conversar com ele para saber se ele é isso tudo que todo mundo fala. Eu nunca tive um contato físico de perto, nunca cheguei a menos de 15 metros num show. Eu preciso admirar de alguma maneira e Ter um contato próximo. Eu não vou amar uma pessoa, um ator de televisão. Desejar esse ator que eu não conheço, eu para amar uma pessoa e desejar uma pessoa eu preciso conhecer e admirar de alguma maneira. Nem que seja a 2 dias ou a 2 anos. (manifesta o desejo) com o olhar... não é de propósito vou mostrar, mostra. Vou planejar, não, você planeja porque você quer aquilo. E a curiosidade me leva a ter esses planejamentos entre aspas, eu tenho a curiosidade eu quero ver como é que é? Éh! Acho legal, gosto, acho gostoso, então dou um jeito de mostrar para a pessoa que eu quero. Mas eu também sou muito levada a querer isso também, eu não sou só uma pessoa que olha objetiva, vai lá e pega. Eu também sou uma pessoa que percebo que o outro quer e aí penso será que me interessa? Normalmente me interessa que eu não deixo passar nenhuma oportunidade. ahahahahah! E aí eu vou mostrar para a pessoa: olha você quer mas eu também quero. (loucuras) ai loucuras sexuais eu acho que eu nunca fiz, pelo menos essas coisas que as pessoas falam que ficam amarradas, loucuras sadomasoquistas eu nunca fiz. Loucuras no sentido de me arriscar sim. Eu já me arrisquei pra caramba, me arrisquei de alguém me ver, de alguém ficar sabendo, e eu não gosto de expor pras pessoas, nem para amigas, não fico fazendo lista, contando vantagens da minhas conquistas. 143 Não falo para ninguém. Acho até que os homens são mais fofoqueiros do que eu. Se for contar as mulheres todas por mim. Nem para amiga, as vezes eu vou contar homeopaticamente, dois anos depois eu conto o que aconteceu dois anos antes. Mas eu não fico contando das coisas não. Não sei como as pessoas vão me julgar, as vezes são pessoas que tem problemas sexuais. São pessoas que não tão conseguindo expor a sexualidade delas, aí dá a impressão que eu to contando vantagem, dizendo: olha só como eu consigo beijar quem eu quero e você não consegue nada. Fica passando uma mensagem subliminar que eu não gosto. Até por respeito as minhas amigas mesmo, por respeito a mim e aos caras. Você não vai ficar falando sem dar os nomes aos bois, eu não faria isso com ninguém, por mais que a pessoa seja livre e desimpedida. Não conto para absolutamente ninguém. Então assim... já me arrisquei nesse sentido de me arriscar de a minha vida privada venha a publico e que alguém saiba, já me expus de maneira assim caramba. De quase... de chegar e alguém ver. De hora, de perigo, de tá num lugar que de repente, hoje em dia menos, de tá num lugar e poder ser assaltada. Essa coisa de também transar na escada do condomínio no prédio, nunca fiz não, aí eu já acho um pouco demais. Nesse sentido já me arrisquei. (amor profundo) acho que sim. Profundo já. O amor profundo é resultado de convívio de bem querer. Éh! Gostar de transar com aquela pessoa, gostar de conversar com aquela pessoa, me preocupar com aquela pessoa, é querer o bem dessa pessoa, é querer a saúde, é querer que ela esteja feliz. Ficar triste porque as coisas não vão bem, aí dar uma força. É não diminuir a pessoa nunca. É tentar sempre colocar a pessoa para cima, é ver o lado bom da pessoa, dizer pra ela as coisas boas, é conseguir também... é brigar, é falar o que não gosta, mas ao mesmo tempo também não ficar nessa briga. Não uma briga de desrespeito, mas dizer não gostei tal. Mas também saber chegar como uma gata manhosa que chega se encostando e se tiver que pedir desculpa, pedir. E ‘muitas vezes já pedi desculpa com raiva achando que a pessoa tinha 90% de culpa, mas eu pedi desculpa pelos meus 10%, lógico não dizendo para ela que eu sabia que era 10%.quando você pede desculpa, também nada é Os de um lado né? Nada é 100% culpa do outro, então de repente quando eu peço desculpa do meu 10% a pessoa também se abre pra pedir desculpas pelo 90% dela. Então nesse sentido eu amei profundamente sim. (loucuras por amor) ai cara é tanta coisa né? Não sei se isso seria loucura, mas de alguma maneira já me expus para dar força para uma pessoa que eu amava. Éh! Gastei uma ficha querendo ajudar uma pessoa que eu amava. é passei noites em claro cuidando de uma pessoa que tava doente, tendo que trabalhar no dia seguinte e voltar a noite pro hospital e Ter que trabalhar novamente. De dar telefonemas interurbanos, internacionais e não ficar olhando para o relógio. Nem me preocupando com a conta, sem Ter dinheiro para pagar, isso para mim foi uma loucura. De dar um jeito de conseguir viajar, eu tive uma pessoa que eu amei profundamente fora do Brasil do outro lado do oceano, e eu não tinha dinheiro e eu dei um jeito de fazer uma entrega para uma empresa que fazia esse tipo de coisa, que usava pessoas pra fazer entrega de documentos. Eu consegui ficar lá 40 dias, isso foi uma loucura. Abandonei trabalho, abandonei entrega de trabalho de escola, alunos, milhões de coisas eu deixei aqui para poder estar 40 dias lá. (distância) agora sobre a distancia física... distancia emocional? A distancia física você estando apaixonada por uma pessoa que tá longe é uma coisa, dá aquela solidão, dá uma impotência, dá aquela saudade, o corpo fica prostrado, tal... é horrível mas que produz. Eu produzo muito, assim em momentos desses assim eu faço poesias, escrever coisa assim. Agora distancia emocional é barra, você estar com uma pessoa que não está com você e por motivos práticos você esta com essa pessoa e ela não esta contigo, aí é complicado. Primeira coisa é ficar um pouco desconfiada, me deu uma insegurança de mim, eu fico desconfiada, não sou uma pessoa suficientemente capaz de despertar o desejo dessa pessoa que está comigo. Isso me abate por um tempo, até o dia que eu vejo que isso não é verdade e tal... mas esse sentimento... eu começo a ficar aberta para outras pessoas. Não é de propósito eu quero ... eu quero ficar aberta. Já que não tenho aqui eu quero experimentar ali. Então eu acho que não vale a pena você estar com uma pessoa que tá ausente de você. Não vale a pena para ela, não vale a pena por você. Ou você vai aceitar isso e vai se anular, ou você vai galinhar mesmo. Acho mais saudável galinhar... de repente é mais saudável acabar a relação. E ficar sozinha éh!.... 144 (Satisfação sexual) Eu gosto mais das preliminares, por que é muito difícil eh... eh... pra eu conseguir orgasmo eu tenho que tá muito numa coisa muito ali junto, eu não posso estar preocupada, eu não posso estar preocupada com nada, eu tenho que estar totalmente ali. Pra conseguir orgasmo mesmo. Eu estar preocupada com milhões de coisas e estar ali orgasmando.. não! Entende? Não, nem sempre orgasmo. Qual o sentimento quando eu não orgasmo? Não estou muito preocupada com isso não. Não! Porque o prazer foi tanto... eu sinto prazer não vale aqueles 10 segundos de orgasmo, de gritos, e uivos.. mas porra caramba.. o que eu tenho.. pôxa. Eu acho isso maravilhoso você poder olhar uma pessoa e lembrar dessa pessoa e ficar molhada. Eu acho isso maravilhoso, eu acho que isso já é maravilhoso. Em algum momento se eu tiver me relacionando com ela, mas não tem nenhum problema, o orgasmo foi 10 segundos de gritos e eu tive aquele prazer, aquela molhaçao, aquele rio todo lá, durante 2 horas, desde que eu estou conversando com a pessoa, desde que eu encontrei com ela, então as vezes, cara!... a calcinha fica totalmente molhada eu sinto que tá vazando até na calça jeans, isso é maravilhoso! Isso para mim já é maravilhoso. Já é maravilhoso, e eu vou te dizer uma coisa, eu percebo que para os homens, pelo menos os mais inteligentes, parece que não é o orgasmo da mulher que é a coisa mais importante pros caras, ela sentir o orgasmo... eu estou falando não é mais importante para o cara se sentir macho... tá? Eu acho que o cara se sente muito, como é que é? Ele sente que existe uma atração da mulher por ele, e ele se sente o máximo, não é no momento que a mulher está fazendo aquele orgasmo, para ele se sentir o máximo. Eu acho que isso é um engano das mulheres que a gente vê quando vai para motel que fica aquele coro de gritaria e uivos em cima e em baixo, dos lados, fica parecendo que se estabelece uma padrão, que tem que gritar, tem que uivar, fica aquele bando de lobas uivando, duvido que 99% daqueles uivos ali são verdadeiros. Eu acho que não, eu acho que não. Talvez um pouquinho de verdade, mas o exagero é muito, para que precisa desse microfone todo. Eu acho que estabeleceu-se um padrão desse na mulher que ela tem que representar esse grito, essa coisa... eu acho que os homens inteligentes, não é o grito, o uivo, que faz com que eles sintam ..., eu acho que a mulher quer mostrar pra eles, passar esse comprovante de que..., olha você me satisfaz... me chama de novo, porque você me satisfaz. Parece que fica querendo passar essa mensagem pro cara, o cara compra essa idéia também, ela compra essa idéia da sociedade e fica todo mundo comprando essa falsidade toda. Ela é falsa, o cara aceita que ela é falsa, finge que não percebe que ela está sendo falsa, ou não percebe, ou não vê mesmo. Sei lá o que... eu acho que os homens mais inteligentes, eu acho que quando eles sacam pela respiração da mulher, tem diferença... quando você não está com tesão em uma pessoa, você pode beijar essa pessoa e não vai mudar em nada o seu batimento cardíaco, a sua respiração. O cara nota que ele mexeu com você pelo seu batimento cardíaco mudou, a sua respiração é ofegante, o cara já está vendo que ele mexe com você. Ai se você está numa carícia mais intima ele coloca a mão lá, na vagina e ver que você está totalmente molhada, cara! Um homem inteligente vai saber que isso é o máximo, conseguir fazer uma mulher ficar molhada assim pra ele. Ainda mais que a impressão que me dá, eu não entendo de biologia pra saber disso, de física pra saber. Eu tenho a impressão de que a mulher quando vai ficando mais velha vai ficando, fica mais difícil ficar molhada. Tenho impressão que é uma coisa mais complicada fisicamente. Por causa da menopausa, tal. Fica fisicamente mais difícil. Um cara que percebe que a mulher tá lá ... já não é uma adolescente que vê uma pedra, pensa estar transando e já ficou molhada. E o cara vê que uma mulher está molhada, o cara inteligente vai ter isso como honra. Se sentir honrado por essa situação que ela tá, tanto faz se ela estiver dando gritos, uivos. Então eu acho que ... ( e a sensação você não faz questão?) olha quando tem é bom, quando não tem, foi também. Entende? Éh! Tem momentos que eu queria, naquele momento eu queria, mas não adianta eu querer. Não é no momento que eu quero: vou Ter, ninguém né? Eu não sei se eu precisaria talvez fisicamente fazer algum tipo de trabalho, que me induzisse mais a isso, sei lá. Eu tô na busca. Mas assim seria maravilhoso se de repente fosse tudo também. Mas sabe quando não é tudo, mas também não tem problema. Eu não faço assim um problema para mim, mas tudo bem. Sei lá! Pelo menos agora, tudo bem. De repente amanhã não tá mais ahahaha!! 145