VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz
Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.
Elas e nós1
A representação de mulheres em situação de rua nas notícias jornalísticas
Suzana Rozendo Bortoli2
Resumo
Este artigo é orientado por dois objetivos principais: analisar diferentes perfis de
mulheres em situação de rua que circulam pelas grandes cidades do Brasil e refletir
sobre o tratamento jornalístico dispensado a elas em matérias divulgadas no portal de
notícias da Rede Globo (G1.globo.com) de janeiro a junho 2013. Como estratégias
metodológicas para realizar esse trabalho, optou-se pela análise de conteúdo e pela
entrevista aberta com Maria Lucia Santos Pereira, coordenadora do Movimento
Nacional da População de Rua (MNPR). Entre os principais autores do quadro teórico
de referência, agrupados aqui em torno de ideias nucleares, destacam-se DaMatta
(1997), Tiene (2004), Franco (2008), Cunha (2008), Arrunátegui Gadf (2008), Frazão
(2010) e Ijuim (2013).
Palavras-chave
Mulheres em situação de rua; Mídia; Jornalismo; Estigmatização; Violência.
Quem são elas?
No esforço de introduzir de forma poética um assunto pouco discutido na
sociedade brasileira, vem-nos à memória, antes de qualquer conceito, a música “Eu
não sou da sua Rua”, de autoria de Arnaldo Antunes (2007) e regravação de Marisa
Monte. A letra diz o seguinte: “Eu não sou da sua rua/ Não sou o seu vizinho/ Eu
moro muito longe, sozinho/ Estou aqui de passagem/ Eu não sou da sua rua/ Eu não
falo a sua língua/ Minha vida é diferente da sua/ Estou aqui de passagem/ Esse mundo
não é meu/ E esse mundo não é seu”. Tal canção, se bem refletida, serve como
pontapé para a explanação de algumas características deste grupo social.
1
Trabalho apresentado no GT4 - Representação Social e Mediações socioculturais - do VI Congresso
de Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação, na categoria pós-graduação. UERJ, Rio de Janeiro,
outubro de 2013.
2 Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (2012) e doutoranda do
PPGCOM/ECA/USP.
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A estrofe “Estou aqui de passagem” nos dá amparo para defender, ao longo do
texto, a utilização da expressão “em situação de” a fim de mostrar que a vida nas ruas
pode ser efêmera. “Eu não falo a sua língua” pode ser compreendido como uma
metáfora ao que Tiene (2004) chama de “clandestinidade”. Ao apresentar um estudo
sobre mulheres em situação de rua, desenvolvido em Campinas, no interior de São
Paulo, a autora explica que esse público é considerado um estrangeiro ou um
clandestino dentro do próprio país. Outro atributo que enxergamos em “Eu não sou da
sua rua” é a ideia de estigmatização, que se aproxima da noção de “desvio social”: do
lado “ruim” da vida estão os grupos rotulados como “desviantes” e, do lado bom, os
grupos admitidos como “normais” (GOLDWASSER, 1985).
Nessa mesma linha de pensamento, segundo Velho (1985), no nível do senso
comum, o desviante é sempre remetido a uma perspectiva de patologia. Nas grandes
cidades, além de “estrangeiras”, essas mulheres são vistas como uma patologia social
e causam mal-estar em quem passa por elas, pois dormem em camas de pedra, não se
vestem combinando, calçam sapatos maiores que seus pés, seus cabelos não ficam
sedosos, nem sempre comem de garfo, não possuem todos os dentes da boca, deixam
suas úlceras à mostra e não praticam hábitos de higiene regularmente.
Roberto DaMatta, um dos mais importantes antropólogos do Brasil, explica os
contrastes que existem entre a casa e a rua e que distingue-as dos “outros”:
Casas são habitadas por famílias cujo núcleo é constituído de
pessoas que possuem a mesma substância. A mesma carne e o
mesmo sangue que legitimam um nome comum e sugerem
interesses, tendências, bem como um destino compartilhado,
respeitado e preservado. (...) De tal modo que, quando falamos da
“casa” no Brasil, não estamos nos referindo simplesmente a uma
residência, mas a um espaço dotado de emoção, sentimento,
história e personalidade. (...) Nosso cachorro é o mais manso; o
nosso gato tem o pelo mais luzidio; o nosso passarinho canta mais
alto, e nossas plantas são as mais perfumadas e viçosas. Tudo que
está no espaço da nossa casa é bom, belo e decente (DAMATTA,
2003, p. 11-12).
Em contrapartida, quem habita a rua, vive o oposto de tudo isso. Nas palavras
do autor:
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Aqui eu estou em “plena luta” e a vida é um combate entre
estranhos. Estou também sujeito às leis impessoais do mercado e
da cidadania que frequentemente dizem que eu “não sou ninguém”.
Fico, então, à mercê de quem quer que esteja manipulando a ordem
social naquele momento. (...) No mundo da rua sou um subcidadão,
já que as regras universais da cidadania sempre me definem por
minhas determinações negativas: pelos meus deveres e obrigações,
pela lógica do “não pode” e do “não deve” (DAMATTA, 1997, p.
92).
Diante disso, conceituamos mulheres em situação de rua como aquelas
despossuídas de um imóvel próprio, alugado ou emprestado; que utilizam o espaço
público como abrigo eventualmente ou constantemente; mulheres sem ou com frágeis
vínculos familiares (de modo que nenhum parente aceite conviver com elas na mesma
residência); que necessitam de assistência social ou ajuda de caridade para se
alimentar, dormir e higienizar; que pernoitam em albergues, abrigos, hotéis, pensões,
repúblicas ou casas de convivência; mulheres descomprometidas com os deveres do
cidadão e desamparadas quanto aos seus direitos (FRAZÃO, 2010); que, na rua,
convivem com a indiferença, a discriminação e o desprezo; que conseguem passar
despercebidas, mesmo estando bem visíveis (TIENE, 2004).
Os motivos pelos quais algumas mulheres passam a viver nas ruas são
diversos. Englobam desde drogadição, adoecimento, dívidas, desastres ambientais,
perda de emprego a brigas familiares. Em alguns casos, a violência doméstica é maior
que nas ruas e a única “opção” é o abandono do lar. Como atentou Tiene (2004, p.
21): “Abrigar-se na rua pode ser um exílio, pode ser uma defesa de agressão, porque a
rua é o lugar de todos”.
Na cidade do Rio de Janeiro, somam-se outros fatores contemporâneos
comuns a grandes metrópoles. A especulação imobiliária é um deles. Pesquisas
indicam que o aluguel residencial na cidade é o mais caro do Brasil e é o terceiro mais
caro do mundo. Outro fator são os problemas da mobilidade urbana e a distância do
local de trabalho. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), é no Estado do Rio de Janeiro onde as pessoas perdem mais tempo se
deslocando de casa para o trabalho, podendo chegar esse tempo a quatro horas de
viagem em transportes públicos superlotados. Assim, muitas vezes, é preferível
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dormir nas ruas próximas ao emprego durante a semana e ir para casa apenas nos
sábados e domingos a chegar à residência tarde da noite, ter de limpar, lavar, passar,
cozinhar para, após um breve repouso, acordar de madrugada para trabalhar.
As mulheres estão em menor quantidade nas ruas em relação aos homens. Elas
são a minoria de uma minoria. Uma pesquisa realizada na capital e na região
metropolitana pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria
Pública do Estado do Rio de Janeiro3, em 32 instituições públicas e privadas de
acolhimento, apontou que das 1.247 pessoas entrevistadas, 423 eram do sexo
feminino4.
Muitas delas disseram que não ficam nos abrigos municipais devido às más
condições dos estabelecimentos. Entretanto, nas vésperas de grandes eventos –
sobretudo as que ficam no centro e nas zonas sul e norte, as três regiões que compõem
os eixos econômico e urbanístico do município – elas não possuem o direito de
escolha. São recolhidas compulsoriamente nas operações de ordenamento urbano,
conhecidas como “Choque de Ordem” 5, e levadas a esses locais.
Nas ruas, desenvolvem estratégias de sobrevivência, conseguem obter
pequenos ganhos através da venda de lixo reciclável ou pedindo esmolas. MaríaÁngeles Durán (2008) relata que as mulheres despertam mais compaixão que os
homens, estão sempre rodeadas com sacolas, e às vezes, levam todos os seus
pertences dentro de carrinhos de supermercado. Para Tiene (2004), as mulheres com
crianças despertam ainda mais o sentimento caritativo das pessoas quando pedem
ajuda. Além disso, elas são vistas como menos ameaçadoras que os homens, que, em
geral, são tratados como desocupados e preguiçosos.
Ainda, segundo a autora, as mulheres mais jovens na rua costumam viver em
grupo. Quando engravidam, perdem a tutela do filho pela falta de condições de criá-lo
3
Disponível em:< http://www.rj.gov.br/web/imprensa/exibeconteudo?article-id=1582255
>. Acesso em: 9 jul. 2013.
4
Esse número não revela a quantidade total de cidadãos vivendo nas ruas da cidade do Rio de Janeiro.
Segundo o Ministério Público do Estado, estima-se que seis mil pessoas estejam em situação de rua na
capital.
5
Disponível em:< http://m.g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/04/mp-rj-entra-com-acao-contrapaes-por-violencia-contra-moradores-de-rua.html>. Acesso em: 9 jul. 2013.
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e esse processo pode-se repetir várias vezes, com filhos de pais diferentes. Em geral,
envolvem-se com entorpecentes, roubos ou homicídios. Por outro lado, as mais
maduras, que são a maioria, indicam uma certa intencionalmente em estar nas ruas e,
ao mesmo tempo em que reclamam da violência, do desconforto, e da saudade dos
filhos, a maior parte delas não tenta mudar de situação. Estas não vivem sozinhas,
normalmente possuem um “marido” para relações de afeto, de amor e de entrega
sexual ou apenas como forma de troca pela proteção. Não existe a etapa do namoro na
rua, o que justifica as aspas na palavra marido.
Com o objetivo de compreender a experiência de a mulher morar na rua pelo
olhar das mesmas, assim como pelos olhares do Outro Próximo - homens em situação
de rua - e do Outro Distante - constituído por um grupo diversificado de não
moradores de rua, Gisele Arrunátegui Gadf (2008), em seu estudo de doutorado,
verificou que o mundo da rua apresenta-se como um espaço de regras
predominantemente masculinas, em que relações de poder se instauram em diferentes
níveis nas relações sociais entre homens e mulheres, dentre elas as de gênero, que
conservam, de maneira acentuada, resquícios da ordem patriarcal ainda presentes na
realidade brasileira. A pesquisadora constatou que a mulher que vive na rua é
discriminada pelos dois últimos grupos. Os homens (Outro Próximo) acreditam que
elas estão nesta condição por opção, por acomodação, por facilidades devido à
suposta fragilidade feminina, sendo mais vulneráveis à “degeneração”, pela
prostituição e uso de drogas . Já os entrevistados do Outro Distante percebem a rua
como espaço da degradação da mulher.
Por meio da observação participante, do mesmo modo que Gisele Arrunátegui
Gadf, Tiene (2004) descobriu que, assim como na casa, a mulher tem tratamento
desigual nas relações de trabalho que se estabelecem no espaço público. Se na
vivência do espaço privado são elas que cuidam da casa, marido, filhos, dos parentes
enfermos; no grupo participam igualmente da correria diária para conseguir água,
dinheiro e alimentos, além de estarem à frente “das coisas miúdas”: zelo e limpeza do
espaço onde todos dormem, apoio, atenção e busca de recursos em casos de etilismo,
doença e prisão. Por outro lado, precisam pagar pela própria proteção, sendo o sexo
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uma moeda recorrente nesse “comércio”: “Há, nesse caso, a perda da autonomia
individual, do direito de escolha pelo ganho de permanecer viva e ‘protegida’. O que,
de nenhuma maneira garante proteção contra violência do próprio parceiro”
(ARRUNÁTEGUI GADF, 2008, p.145).
Mulheres distintas, destinos iguais
A diversidade de perfis femininos que vivem em situação de rua foi retratada
no livro “No olho da rua”. Nesta obra, Marcelo Antonio da Cunha conta como foi
dirigir a Fazenda Modelo, uma instituição criada em 1947 e transformada em abrigo
em 1984, que chegou a acolher 2.500 pessoas na Zona Oeste do Rio de Janeiro. O
médico registra que o local deveria funcionar como um centro de ressocialização para
gente excluída da sociedade formal, que ali disporia de lugar onde morar, hortas
comunitárias e oficinas de capacitação profissional que viabilizassem seu reingresso
no mercado de trabalho. Porém, segundo o autor, o local havia se tornado um
“depósito de gente naufragada”.
Nesse “barco” estavam Flávia, Tânia, Ana, Norma, Maria e Otacília. Flávia
era uma senhora que recolhia cães e gatos na rua e os tratava como se fossem sua
família. Havia morado em Laranjeiras, bairro nobre do Rio de Janeiro, e ficou
desamparada depois que sua mãe falecera e lhe deixara muitas dívidas.
Impossibilitada de trabalhar devido a uma fratura no fêmur, foi despejada por não
pagar o condomínio e internada numa clínica. Apesar de ter uma filha e um irmão,
sentiu vergonha de pedir-lhes ajuda e foi morar na rua.
Tânia havia trabalhado como aeromoça. Vítima de um acidente aéreo nos
Estados Unidos, passou alguns meses em coma e ficou com muitas sequelas. De
volta ao Brasil, não tinha casa para morar e hospedou-se em um hotel com a filha de
dez anos. Quando as reservas financeiras acabaram, não conseguiu mais pagar as
diárias e foi despejada. Sem nenhum outro vínculo familiar, deixou a menina aos
cuidados dos donos da pousada e foi mendigar nas ruas, até ser levada à Fazenda
Modelo. Secretamente, esperava por uma indenização de quinhentos mil reais da
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empresa aérea onde trabalhava. Quando o processo judicial resultou favorável, “saiu à
francesa” do abrigo, comprou uma casa e pegou a filha de volta. Segundo o médico,
casos com finais felizes assim eram raridade por lá.
Ana era uma senhora diabética e deficiente visual, que havia cercado seu leito
com lençóis brancos para manter uma fronteira de seu espaço naquele alojamento
compartilhado por pessoas de todas as ordens (idosos, crianças, adolescentes,
viciados, doentes psíquicos, ex-presidiários, foragidos da justiça, estupradores).
Passava a maior parte do tempo quieta, reservada em seu dossel. Certa vez, explicou
Marcelo Antonio da Cunha, criaram uma regra no abrigo que impedia que qualquer
morador ficasse rodeado por lençóis na cama. Por causa disso, dona Ana chorava sem
parar e ficava em posição fetal. “Pediu-me, pelo amor de Deus, a reinstalação de sua
barraca. Não suportava a sensação de estar ali tão exposta”, contou o médico. Mesmo
depois da reinstalação de suas cobertas, a idosa foi acometida por uma grande tristeza,
parou de se alimentar, foi internada e morreu pouco tempo depois. “Pus-me a refletir
em quanto os regulamentos do abrigo desrespeitavam as peculiaridades de cada
morador” (CUNHA, 2008, p.46).
Norma tinha uma história diferente. Apesar de estar “acostumada” a apanhar
do marido, as coisas fugiram do controle depois de uma habitual embriaguez. Ele
queria forçá-la a uma relação sexual, e, enfurecida, a esposa cravou-lhe uma faca no
abdômen. Antes que fosse pega pela polícia, correu para as ruas do Rio de Janeiro
com o filho pequeno. Precisou se prostituir para conseguir alguma renda. Grávida, foi
para o abrigo e envolveu-se com um ex-presidiário, também alcoólatra, que fazia as
mesmas coisas que o marido. Para evitar outro esfaqueamento, fugiu com os filhos
para as ruas novamente.
Maria acabou sem-teto por ter sido vítima de agiotagem. Quando começou a
faltar alimento para o neto que criava, teve a ideia de abrir um armazém de beira de
estrada e, para isso, pegou duzentos reais emprestado de um agiota. Os negócios não
deram certo, os juros da dívida cresceram exponencialmente e as ameaças começaram
a surgir. Teve de entregar sua casa na favela como pagamento e a família toda
precisou descer o morro para mendigar no “asfalto”.
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Otacília, moça bela, de traços indígenas, vinha de uma família paupérrima do
interior da Paraíba. Foi vendida aos 13 anos pelo pai para trabalhar em uma fazenda
debulhando vagem de feijão. Lá, era escravizada e abusada sexualmente. Quando
acabou a safra, foi levada a um prostíbulo. Depois de um tempo, fugiu na boleia de
um caminhão e foi acolhida por uma desconhecida, que a cuidou e a matriculou numa
escola. Otacília viveu tranquilamente por alguns anos, até que essa caridosa adoeceu e
mandou-a para a casa de um irmão, no Morro da Providência. Dele, sofreu tentativa
de estupro. Arrumou um namorado, casou, teve três filhos e montou uma mercearia
no Morro Dona Marta. Durante uma partida de futebol, seu filho mais velho se
desentendeu com o filho de um traficante. Por vingança, o pai do menino ateou fogo
no comércio da família e jurou que mataria a criança. O marido de Otacília ficou
revoltado com o prejuízo da mercearia e culpou a mulher por não ter resolvido a
situação. Eles brigaram e, diante daquele caos, a moça acabou indo viver com os
filhos na rua.
Parte da história de Otacília se assemelha com a de Maria Lucia Santos
Pereira, que não foi personagem do livro de Marcelo Antonio da Cunha, mas também
viveu durante 16 anos nas ruas de Salvador/BA. Aos dois anos, após a morte dos pais,
a avó não tinha condições de criá-la, seus irmãos foram “distribuídos” e ela foi
acolhida por duas senhoras descendentes de italianos. “Dos três aos 15 anos, eu tive
uma vida de cinderela, estudei nos melhores colégios, mas com 15 anos essas
senhoras faleceram6” (informação verbal). Depois de um ano aos cuidados do Juizado
de Menores, foi viver nas ruas e se viciou em crack e em álcool. Tal trajetória vai ao
encontro do que comprovou Izalene Tiene (2004): as mulheres mais jovens na rua
passaram por vários processos de ruptura desde a infância (adoção, institucionalização
ou, ainda, família incapaz de garantir seu desenvolvimento afetivo e social).
Por determinação própria, depois de 12 anos entregue ao vício, Maria Lucia
procurou uma clínica de reabilitação, conseguiu se livrar da dependência química e se
tornou coordenadora do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR). Embora
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Entrevista concedida à autora na cidade do Rio de Janeiro em 21 jun. 2013.
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vulnerável à violência sexual, ela explica que, desde o início, sempre foi protegida nas
ruas, nunca foi abusada e, por essa gratidão, resolveu lutar para dar uma vida mais
justa a seus ex-companheiros de calçada: “Eles foram meus pais, minhas mães, meus
irmãos”, conta. Atualmente casada, morando em casa própria, labutando por políticas
públicas e palestrando no Brasil inteiro, ela relembra as dificuldades de ser mulher na
rua:
A mulher é um sexo mais frágil. E ela precisa, muitas vezes, estar
do lado de algum companheiro, até sem querer, pra poder evitar
violências. Parece que as instituições não conseguem perceber a
diferença das mulheres. Por exemplo, com coisas muito simples:
medicamento para cólica, absorvente, um pré-natal, uma
alimentação mais digna pra elas, a própria violência que existe nas
ruas por parte de algumas pessoas que nem estão em situação de
rua. O homem quando sai de dentro de casa, ele não leva nada.
Mas a mulher quando sai de dentro de casa, ela leva toda a sua
história, toda a sua família, a sensação de que não deu certo, de que
não cuidou da sua família, então ela se destrói muito mais
internamente. E o processo de reconstrução interna das mulheres é
muito mais difícil que o dos homens porque ela tem toda a carga
feminina. A mulher é muito mais sensível e aí ela se destrói muito
mais rapidamente (informação verbal).
Elas e a mídia online
Depois de conhecer os motivos pelos quais as mulheres habitam as ruas, saber
que existem perfis diferenciados, descobrir algumas peculiaridades e dificuldades
desse modo de vida, interessa-nos agora analisar algumas matérias sobre pessoas em
situação de rua do sexo feminino, divulgadas no portal de notícias da Rede Globo
(G1.globo.com) de janeiro a junho 2013, que partiram de diversas partes do Brasil:
Moradora de rua é morta a pauladas em João Pessoa, acredita polícia 7 (11/01/2013)
O relato fala de uma vítima de 15 anos que fora encontrada morta em um
estacionamento da capital e, que, de acordo com um cabo da Polícia Militar, havia
sido assassinada a pauladas. O trecho complementar da notícia fala apenas que: “No
local onde estava o corpo da adolescente, a polícia encontrou lençóis usados para
dormir e um gatinho, que ela provavelmente criava. Até as 6h45 a polícia não tinha a
7
Disponível em:<http://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2013/01/moradora-de-rua-e-morta-pauladasem-joao-pessoa-acredita-policia.html>. Acesso em: 10 jul. 2013.
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autoria de quem praticou o assassinato”. Fim da história. Nenhum contexto, nenhuma
investigação sobre o caso. Não explicaram nem como descobriram que a garota tinha
15 anos.
Após ser morta a pauladas moradora de rua é abusada sexualmente 8 (25/01/2013)
Sem muitos detalhes, a matéria fala que Lucimar Rodrigues dos Santos, 45 anos,
foi morta a pauladas e, após morrer, foi abusada sexualmente pelo autor do crime, Renato
Lemos de Souza, de 26 anos, preso em flagrante.
Moradora de rua de 14 anos sofre tentativa e estupro em Sumaré, SP 9 (21/02/2013)
Uma adolescente sofreu tentativa de estupro e pediu ajuda à Guarda
Municipal. Ela foi encaminhada aos cuidados do Conselho Tutelar por não ter onde ficar
e o suspeito foi preso. Segundo a matéria, “A guarda não soube informar se ela sofreu
lesões corporais”, tampouco a equipe de reportagem preocupou-se em aprofundar o caso,
em procurar a família da jovem, em verificar se essa prática é recorrente na cidade, em
ouvir a adolescente para que ela pudesse dar sua versão do fato, em deixar um serviço de
denúncia caso os leitores se deparassem com uma situação parecida.
Moradora de rua mata companheiro a facadas na zona Leste de Natal 10 (29/03/2013)
Uma adolescente de 18 anos esfaqueou o marido após uma discussão e, por
isso, foi presa. “Ainda de acordo com informações da PM, testemunhas disseram que
o casal discutia com frequência”. Os motivos da discussões, porém, não foi revelado.
A matéria é composta por oito linhas de texto corrido. A pergunta que nos surge neste
momento é: se no mesmo caso estivesse envolvida uma jovem de 18 anos classe
média, será que haveria mais investigação do crime? A resposta mais provável é que
sim.
Corpo de moradora de rua é achado no leito do Ribeirão Arrudas, em BH 11(16/04/2013)
8
Disponível
em:<http://g1.globo.com/mg/vales-mg/noticia/2013/01/apos-ser-morta-pauladasmoradora-de-rua-e-abusada-sexualmente.html>. Acesso em: 10 jul. 2013.
9
Disponível em:<http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2013/02/menor-moradora-de-ruasofre-tentativa-de-estupro-em-sumare-sp.html>. Acesso em: 10 jul. 2013.
10
Disponível em:<http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2013/03/moradora-de-rua-matacompanheiro-facadas-na-zona-leste-de-natal.html>. Acesso em: 10 jul. 2013.
11
Disponível em:<http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2013/04/corpo-de-moradora-de-rua-eachado-no-leito-do-ribeirao-arrudas-em-bh.html>. Acesso em: 10 jul. 2013.
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Nesta matéria, nem o nome da falecida foi citado. A única fonte ouvida foi o
namorado dela, que disse não saber como ela caiu. E um detalhe importante, o
subtítulo: “Namorado disse que ela era usuária de crack e que se prostituía para
manter o vício”, apresentou duas outras informações que serviram, apenas, para
desqualificar ainda mais a mulher.
Moradora de rua é assassinada a facadas, em Trindade 12 (05/05/2013)
A notícia fala de um casal de namorados usuários de drogas que foi
esfaqueado. A mulher, de 29 anos, cujo nome não foi citado, morreu. A fonte ouvida
foi apenas um tenente da Polícia Militar, embora o namorado da vítima estivesse em
condições de conversar. A informação de uma testemunha foi acrescentada e deu uma
carga a mais de violência ao relato: “Essa pessoa contou aos policias que o casal teve
um desentendimento com o suspeito de cometer o crime há uma semana, quando os
namorados esfaquearam o suposto assassino”.
Moradora de rua tem 60% do corpo queimado após incêndio em SP 13 (23/05/2013)
O texto fala de uma mulher que sofreu graves queimaduras após um incêndio
em uma casa abandonada na Zona Leste de São Paulo. “A mulher é uma moradora de
rua, que havia invadido uma casa abandonada na Rua Cláudia. A vítima acendeu uma
fogueira para se proteger do frio e acabou provocando o incêndio”. O nome da mulher
não foi citado, ela não foi ouvida na matéria e as informações foram passadas pelo
Corpo de Bombeiros. Destacamos o uso do verbo “invadir”, que nos remete a um
vandalismo, em detrimento de outros mais amenos, como “ocupar”, por exemplo.
Moradora de rua morre atropelada no Buraco do Tatu, em Brasília14 (01/05/2013)
O texto relata apenas a morte por atropelamento de uma mulher de
aproximadamente 30 anos na área central de Brasília. O motorista que a atropelou
possuía habilitação e não tinha sinais de embriaguez. Como a mulher estava sem
12
Disponível em:<http://g1.globo.com/goias/noticia/2013/05/moradora-de-rua-e-assassinada-facadasem-trindade.html>. Acesso em: 10 jul. 2013.
13
Disponível em:<http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2013/05/moradora-de-rua-tem-60-do-corpoqueimado-apos-incendio-em-sp.html>. Acesso em: 10 jul. 2013.
14
Disponível
em:<http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2013/05/moradora-de-rua-morreatropelada-no-buraco-do-tatu-em-brasilia.html>. Acesso em: 10 jul. 2013.
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documentos, provavelmente, como acontece com quase todas na mesma situação, ela
foi enterrada como indigente ou enviada para servir como cadáver de estudos em
algum curso ligado à saúde. Porém, o destino do corpo dela não foi mencionado na
matéria.
Diante dessas análises, comprovamos a tese de Frazão (2010): os fatos
narrados pela imprensa sobre as pessoas que vivem nas ruas, em situação de
precariedade e penúria, estão restritos quase somente às páginas policiais, onde elas
perdem a essência ontológica e são apresentadas com uma imagem negativa.
“Recebem destaque somente se apresentam algo esdrúxulo ou comportamento
atípico” (FRAZÃO, 2010, p.5).
Podemos inferir também que todos os fatos revelam mal-estares sociais, que
foram relatados de forma rasteira, enfatizando a questão do desvio social. Sob a ótica
de Champagne (1997) isso é comum; nem todos os mal-estares são midiatizados da
mesma forma. A classe econômica a que se pertence, possuir uma casa ou ter vínculos
familiares são fatores que pesam na preparação da pauta, no trabalho de campo do
repórter, na edição do material, na investigação jornalística em geral. Além disso, “a
mídia age sobre o momento e fabrica coletivamente uma representação social (...), ela
nada mais faz, na maioria das vezes, que reforçar as interpretações espontâneas e
mobiliza, portanto, os prejulgamentos” (CHAMPAGNE, 1997, p.64). Porém, o
mesmo autor pondera dizendo que essa estigmatização é involuntária e “resulta do
próprio funcionamento do campo jornalístico” (CHAMPAGNE, 1997, p.74).
Embora tratadas como vítimas em todas as notícias coletadas, a impressão que
se tem é que as personagens cavaram a própria morte/agressão. Seja por
“vandalismo”, seja pelo uso de drogas, muitos leitores que consumiram essas notícias
devem ter pensando que elas, por estarem fora da ordem estabelecida (de mulher
vaidosa, filha, mãe, esposa, cuidadora do lar) foram merecedoras daquele destino
fatídico.
Sobre a relação entre mídia e população de rua, a opinião de Maria Lucia
Santos Pereira, Coordenadora do Movimento Nacional da População de Rua
(MNPR), é clara:
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A imprensa é uma desgraça! A nossa mídia é muito vendida. Ela
não apresenta o que realmente é fato, o que tá acontecendo. Ela diz
que a população de rua é isso, é aquilo, é aquilo outro. Que é um
bocado de marginal. (...) Sabe, eu fico muito p. da vida com isso
porque isso me irrita muito. Eles não procuram ouvir os dois lados
da história. Eles só olham um lado. E a sociedade termina sendo
manipulada pela mídia. A mídia é manipulada e manipula e a
sociedade vai na onda. Então se a mídia diz que na população de
rua tudo não presta e merece morrer, a sociedade toda vai dizer isso
também. E quem é que compra a mídia? São os ricos empresários,
que não querem ver a pobreza nas ruas. Então isso me preocupa.
Essa preocupação é fundamentada no artigo “Imprensa e preconceito: o
pensamento abissal nos meios de comunicação e a deslegitimação de grupos sociais”,
de Jorge Ijuim (2013). O professor de Jornalismo da Universidade Federal de Santa
Catarina condena este tipo de conduta que, além de esbarrar em códigos éticos da
profissão, reforça a criação de estereótipos e a discriminação. Tal prática, segundo
ele, não propicia a inclusão social. Pelo contrário, reforça a linha imaginária que
separa “o empresário que quer produzir riquezas e o indígena vadio e cachaceiro; os
adeptos da tradição, da família e dos bons costumes da prostituta imoral; as pessoas
de bem das pessoas em situação de rua; brasileiros de paraguaios” (IJUIM, 2013, p.9),
enfim, que separa a nossa rua da rua delas.
Considerações finais
As mulheres em situação de rua e as que vivem numa residência são tratadas
de forma desigual. A presença delas causa repugnância e mal-estar naqueles que só
conseguem enxergar a “casca” de fora. E elas sentem esse desdém. Como disse Maria
Lúcia, coordenadora do MNPR: “Somos aquilo que a sociedade não quer perceber.
Somos aquilo que não deu certo. Somos um exército de reserva” (informação verbal).
Porém, mesmo não estando numa casa ocupando o cargo de mãe, filha, esposa,
trabalhadora, são feitas da nossa mesma “carne”. São indivíduos biologicamente
constituídos, que, pelos mais diversos e inesperados motivos, entraram em um “barco
naufragado”. Ainda nas palavras de Maria Lúcia: “ninguém brotou da rua, todos
nasceram de um ventre materno”.
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Quando representadas pela mídia, protagonizam tragédias. Paulada, facada,
incêndio, assassinato e estupro, nada além de notas e notícias factuais sem contexto e
reflexão. Os relatos são dos finais de um processo, servem apenas para suprir a
curiosidade dos consumidores de notícias que gostam de fatos bizarros. Mas, na
verdade, a realidade cotidiana é bem mais complexa que um texto de oito linhas. Elas,
Flávia, Tânia, Ana, Norma, Maria e Otacília e tantas outras, nem sempre são as
culpadas por entrarem em um “barco naufragado” e quase a totalidade quer sair das
ruas, mas precisa de auxílio. As notícias deveriam contar isso também e ajudá-las a
transcender.
Para além das desgraças de uma minoria, onde estão as pautas do início de do
meio dessa problemática? Diante de tantas possibilidades de abordagem, por que não
vemos nada (ou quase nada) a respeito das políticas de reinserção social; da qualidade
dos serviços oferecidos pelo poder público; das denúncias de abusos; das alternativas
para alterar a trajetória dessas mulheres; da proteção de vítimas de violência sexual;
das necessidades e anseios delas? Afinal, o que a mídia faz para acabar com tanta
tragédia?
O que vimos é que a própria mídia se converte em tragédia ao assumir a
postura de contar as histórias a partir da ótica do “nós”, os estigamatizadores. Sua
função primordial de mediar a realidade social não está sendo cumprida. Como
adverte Moretzsohn (2013, texto digital) o jornalismo, entre várias coisas, é: “O
exercício do senso crítico no calor da hora. Por isso é tão difícil. Por isso é tão
necessário. E por isso, também, é tão necessária a crítica ao jornalismo que
descumpre seu papel”.
Referências
ARRUNÁTEGUI GADF, Gisele Aparecida Dias Franco. Olhares entrecruzados:
mulheres em situação de rua na cidade de São Paulo. (Tese de Doutorado). Faculdade
de Saúde Pública da USP. São Paulo, 2008.
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do mundo. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. p. 63-80.
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CUNHA, Marcelo Antonio da. No olho da rua. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
DAMATTA, Roberto. A casa e a rua. 5. Ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
______. O que é o Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
DURÁN, María-Ángeles. La ciudad compartida: conocimiento, afecto y uso.
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Eu não sou da sua rua. Arnaldo Antunes. Ao vivo no estúdio. Faixa 11. CD-ROM.
Brasil: 2007. 3min24s.
FRAZÃO, Theresa Christina Jardim. O morador de rua e a invisibilidade do sujeito
no discurso jornalístico. 2010. (Tese Doutorado) Programa de Pós-Graduação em
Linguística. Universidade de Brasília. Brasília, 2010.
GOLDWASSER, Maria Julia. “Cria Fama e Deita-te na Cama”: um Estudo de
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divergência: uma crítica da patologia social. 5 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
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...p.1-14.
MORETZSOHN, Sylvia Debossan. Redes sociais, boatos e jornalismo. In:
Observatório
da
imprensa.
Disponível
em:
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed751_redes_sociais_boato
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PEREIRA, Maria Lucia Santos. [Entrevista concedida à autora]. Rio de Janeiro, 21
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TIENE, Izalene. Mulher moradora na rua: entre vivências e políticas sociais.
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VELHO, Gilberto. O Estudo do Comportamento Desviante: A Contribuição da
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da patologia social. 5 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p.11-29.
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