VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. Violência, sensacionalismo e imaginário1 Uma análise das estratégias enunciativas nas capas do jornal impresso paraibano Já Tássio José Ponce de Leon Aguiar2 Andrezza Gomes Pereira3 Resumo Este artigo propõe uma análise das estratégias enunciativas utilizadas nas capas do jornal impresso paraibano Já, referentes à violência física e suas implicações. O corpus consiste nas edições de janeiro de 2012, por ser, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde, o ano mais próximo com dados consolidados e o mês com a maior quantidade de homicídios no Estado. Busca-se identificar os sentidos produzidos pelos modos de endereçamento e propõe-se descobrir como a construção do discurso sobre a violência no periódico se reflete no imaginário social. Para isso, serão discutidos conceitos como sensacionalismo, violência e interesse do público. A metodologia será a Análise do Discurso, por ser um método que nos permite vislumbrar a linguagem como meio não-transparente de compreender o mundo social. Palavras-chave Análise do Discurso; estratégias enunciativas; interesse do público; sensacionalismo; violência. Introdução Num tempo em que as novas mídias se valem do imediatismo tecnológico, os veículos impressos precisam cumprir com seu compromisso de informar, ao mesmo tempo em que necessitam de estratégias que os mantenham vivos enquanto empresas. No caso de tabloides populares vendidos avulso, a perspectiva do atendimento do interesse do público é cada vez mais acentuada, sendo marcante a presença de 1 Trabalho apresentado no GT4 – Representação Social e Mediações Socioculturais do VI Congresso de Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação, na categoria pós-graduação. UERJ, Rio de Janeiro, outubro de 2013. 2 Mestrando em Comunicação e Culturas Midiáticas pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba. Graduado em Comunicação - habilitação Jornalismo -, pela Universidade Federal da Paraíba. 3 Mestranda em Comunicação e Culturas Midiáticas pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba. Bolsista Capes. Graduada em Comunicação habilitação Jornalismo -, pela Universidade Federal da Paraíba. www.conecorio.org 1 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. características sensacionalistas, voltadas ao apelo às emoções, ao sexo, ao futebol e, notadamente, à violência, tema que, por sua presença corriqueira no cotidiano, mexe com a curiosidade e com as emoções do leitor. Nesse sentido, tomando como objeto empírico o jornal impresso paraibano e popular Já, esta pesquisa se propõe a identificar de que forma o periódico em questão constrói um discurso sobre a violência nas 26 edições em circulação no mês de janeiro de 2012, seja nos aspectos textuais ou imagéticos, de modo a garantir a informação e despertar o interesse de um potencial público-leitor. A escolha do período em questão deve-se ao fato de que aquele é o mês com maior número de homicídios no Estado, ao passo que aquele ano é o mais próximo com dados consolidados, de acordo com a Secretaria de Saúde da Paraíba. Como metodologia, foi empregada a Análise do Discurso, a fim de percebermos, para além da frase, o sentido produzido pelas estratégias utilizadas no tabloide. A partir dessa identificação, é proposta a discussão de como essas táticas potencialmente se refletem na construção de um imaginário sobre a violência. Sob essa perspectiva, este trabalho demonstra sua utilidade pública, uma vez que propicia discussões sobre parâmetros de qualidade do jornalismo. Espera-se, assim, contribuir com o desenvolvimento de subsídios para a prática profissional. Nesse percurso, serão discutidos conceitos como interesse público, interesse do público, sensacionalismo, violência e imaginário, baseados em autores como Danilo Angrimani, Márcia Franz Amaral, Carlos Chaparro, Eni Orlandi, Dominique Maingueneau, Gilbert Durand, Bill Kovach e Tom Rosenstiel. 1. Interesse público x interesse do público Desde seus primórdios, fala-se que o jornalismo existe para atender uma demanda principal: “fornecer aos cidadãos a informação de que precisam para serem livres e se autogovernarem” (KOVACH e ROSENSTIEL, 2004, p.16). Para isso, a atividade profissional deveria centrar-se na busca pela verdade – tal como apregoa a www.conecorio.org 2 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. pioneira Teoria do Espelho4 – e na isenção profissional, a fim de “tornar interessante e relevante aquilo que é significativo” (Idem). Para Carlos Chaparro (2011), significativo é aquilo que é de interesse público, expressão que remete à Grécia antiga e a Platão. O autor explica que a denominação nasceu vinculada a palavras como ordem, razão e organização, as quais seriam essenciais para viver em uma sociedade consciente de suas capacidades, justa e verdadeira. Por outro lado, a definição não se assemelha nem de perto a outra bastante similar: o interesse do público. O interesse do público pertence, pois, ao universo dos indivíduos, em configurações individuais ou coletivas. Está, portanto, relacionado às razões emocionais e/ou objetivas das pessoas. Razões que são a base construtora do sucesso interlocutório, sempre dependente do “outro”, e que tem de ser imediato. (CHAPARRO, 2011, p. 8) Desse modo, enquanto o interesse público corresponderia à informação necessária aos cidadãos para sua autonomia enquanto partícipes sociais, o interesse do público diria respeito ao atendimento das curiosidades informativas desse segmento, ainda que isso não represente material necessário para quaisquer ações, exceto a satisfação de carências subjetivas. 2. O sensacionalismo A origem do sensacionalismo é atribuída ao início do século XX, através dos milionários da comunicação norte-americana Joseph Pullitzer e William Randoplh Hearst. Com eles, o jornalismo deixara o controle político que imperava até então, para buscar seu primeiro grande público, “com base no relato de crimes chocantes, escândalos, emoções fortes e na veneração de celebridades” (KOVACH e ROSENSTIEL, 2004, p. 38). Entretanto, características semelhantes do fenômeno podem ser encontradas desde os primórdios do jornal impresso, ainda no século XVII. 4 A Teoria do Espelho é apontada por Alfredo Vizeu (2003) como a mais antiga, que diz que “as notícias são como são porque a realidade assim as determina. (...) Esquece-se o trabalho simbólico do jornalismo, reduzindo-o a meras técnicas, meia dúzia de regras – os tradicionais o quê?, quem?, quando?, onde?, como?, e por quê?” (p. 4). Vizeu aponta que, nesse sentido, conceitos como o de objetividade e imparcialidade fundamentavam tanto o discurso teórico, que ficou impregnado até hoje na prática profissional. www.conecorio.org 3 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. Conforme explicam Bill Kovach e Tom Rosenstiel (2004), o que pode ser chamado de jornalismo moderno começou a emergir de conversas mantidas informalmente em locais públicos, sobretudo os botequins. Muitas vezes, os viajantes descreviam suas experiências em livros de registro colocados nos balcões dos bares. “Os primeiros jornais evoluíram a partir desses botequins, por volta de 1609, quando tipógrafos empreendedores começaram a recolher nos botequins as informações sobre transportes marítimos, mexericos e debates políticos e a imprimi-los em papel” (Ibid, p. 30). Tanto essas publicações quanto as de Pullitzer e Hearst nos remetem ao conceito de interesse do público, conforme trabalhamos anteriormente. Parece ser desse contexto histórico favorável que nasceram as definições modernas sobre o sensacionalismo. Danilo Angrimani (1995), autor de uma das mais populares obras sobre o fenômeno (Espreme que sai sangue), resume-o como notícias que funcionam como pseudoalimentos às carências do espírito, uma vez que os relatos extraem do fato sua carga emotiva e a enaltecem, para que os fatos se vendam por si mesmos. Angrimani intimamente relaciona o sensacionalismo ao conceito de fait divers (do francês “fatos diversos”), criado por Roland Barthes (1964, apud DEJAVITE, 2001). Barthes explica que esses fatos estão dentro da categoria de variedades e não requerem do interlocutor nada que não esteja dentro de suas capacidades. “(O fait divers) não remete a nada além dele próprio; evidentemente, seu conteúdo não é estranho ao mundo: desastres, assassinatos, raptos, agressões, acidentes, roubos, esquisitices, tudo que remete ao homem” (idem, p.8). A grande confusão, porém, vem do fato de que o sensacionalismo ganhou tamanha proporção nos estudos em comunicação, que, muitas vezes, tem sido mal compreendido. A problemática é pontuada pela pesquisadora Márcia Franz Amaral (2005), que explica que a carga pejorativa atribuída pelo senso comum ao termo faz com que ele se torne flácido, sem fronteiras e generalista, o que não permite uma análise aprofundada, que identifique formas, graus e discursos, sobretudo no chamado jornalismo popular. Ela clama, nesse sentido, por novas formas de interpretar o fenômeno, a fim de enxergar a real complexidade que envolve o processo de seleção www.conecorio.org 4 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. de notícias, as estratégias discursivas e as ligações estabelecidas entre os veículos de comunicação e a sociedade. 3. A violência Em termos gerais, sabemos que o sensacionalismo não se restringe à violência, embora compreendamos que haja uma crescente valorização da prática de conflitos físicos cotidianos enquanto critério de noticiabilidade5 no jornalismo popular, visto que a temática incontestavelmente motiva o interesse, o apelo e a empatia do público. Isso é visto ainda mais em jornais de natureza sensacionalista, tais como o Já. Conforme explica Philippe Joron (2004, p. 54), a midiatização constante de temas criminais pode ser definida como “um espelhamento forçado por um certo contexto social, político e cultural (o chamado estado de violência)”, que faz com que o público reflita na definição do certo ou errado, demonstre insatisfação perante os fatos noticiados e emita o desejo de protestar por justiça. Já Muniz Sodré (2006), afirmando ser a violência o ato de gerar dor ou sofrimento de forma intencional em outro indivíduo, sugere uma série de subdivisões que abarcam essa temática, assegurando existir inúmeros tipos de violência: a física, a política, a urbana, a anômica, a simbólica, a social, a econômica, a que envolve órgãos burocráticos, os poderes instituídos e os poderes representativos, que podem atingir o outro de forma indireta. Independente de definições, o fato é que a violência faz parte do cotidiano e se fundamenta a partir de elementos fincados no convívio humano, portando-se, dessa maneira, como uma mercadoria de fácil comercialização nos espaços midiáticos. O tema se baseia, sobretudo, em uma composição que incide na subjetividade do caos que transcorre na pós-modernidade e abarca-se na cultura humana através das relações midiáticas e interpessoais. Além disso, como produto recursivo no universo 5 De acordo com Mauro Wolf (1987), são critérios substantivos e contextuais de escolha e construção do conteúdo a ser veiculado, que consideram “as características substantivas das notícias: o seu conteúdo; a disponibilidade do material e os critérios relativos ao produto informativo; o público; a concorrência” (p. 179). www.conecorio.org 5 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. dos mass media, pode contribuir com transformações no comportamento social, embora isso não se dê de forma determinista. 4. O jornal Já Lançado na Paraíba em 12 de maio de 2009, o Já é um jornal impresso diário do Sistema Correio de Comunicação, direcionado às classes C, D e E. Vendido apenas de forma avulsa, por R$ 0,25, abarca temáticas voltadas ao esporte, à vida de famosos, à política e principalmente à violência. O jornal consolida-se como um dos impressos mais vendidos na Paraíba. No tocante à linguagem, o Já descarta a norma culta e não se vale de preciosismos gramaticais, facilitando a compreensão do seu conteúdo e buscando legitimar a representação dos setores populares por meio da coloquialidade e do emprego de gírias, adjetivações e contrações, fato que contribui para configurá-lo como um periódico popular. Ao evidenciar características sensacionalistas, o tabloide atrai a atenção dos leitores pelas imagens geralmente evitadas pelos impressos tradicionais. No âmbito da violência física, são matérias que ilustram corpos ensanguentados, elevam o apelo emocional, promovem uma criação da identidade editorial e configuram o jornal como um mass media voltado ao interesse dos leitores. 5. Metodologia O estudo de estratégias enunciativas no jornal impresso em questão remete à aplicação da Análise do Discurso (AD) como método viável à percepção do sentido produzido pelo conteúdo noticiado. Conforme explica Eni Orlandi (1999), a AD é um procedimento subjetivo de análise das construções ideológicas de determinado texto, que considera tanto o autor e sua produção, quanto o contexto social em que se insere. Para a autora, a unidade do discurso atua como um efeito de sentido, por meio do qual os indivíduos criam possibilidades enunciativas e realidades entre si, que vão além da mera intenção de informar o outro e pairam na tentativa de ocupação efetiva de um lugar social. www.conecorio.org 6 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. Segundo Dominique Maingueneau (2004), o desdobramento do discurso leva ao conjunto de enunciados, que, por sua vez, promovem sentido a partir de determinado contexto. Assim, compreendendo a notícia em jornal impresso como discurso, capaz de gerar efeitos de sentido e de gerar enunciados por meio do contexto no qual se fixa, a AD mostra-se como o método adequado para resolver a problemática disposta e alcançar os objetivos indicados. O corpus delimitado para a identificação das estratégias enunciativas do Já, no âmbito da violência física, são as capas das 26 edições de janeiro de 2012, a partir de elementos previamente dispostos, tais como manchetes, chamadas e aspectos visuais. Figura 1 – Capas do Já – janeiro de 2012 Fonte: Jornal Já www.conecorio.org 7 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. 6. Análise Manchetes Responsáveis pelo primeiro contato com o leitor, as manchetes dos jornais impressos atuam como elementos que acentuam o interesse do público e fazem-no consumir as notícias, ao mesmo tempo em que constroem a identidade do periódico. No Já, essa identificação é pautada, sobretudo, em temáticas ligadas à criminalidade. A análise empreendida nos permitiu identificar que, das 26 edições que constituem nosso corpus, 19 delas apresentaram manchetes voltadas ao crime, o que ratifica a predominância acima descrita. Dessas, 15 destacaram os assuntos correspondentes à violência física, nosso objeto de estudo. São elas: a) acidentes: “Tragédias no mar” (02/01), “Ônibus estava na contramão, diz PRF” (09/01); b) estupro: “Lobo mal ataca menina no Sertão” (11/01); c) tentativa de homicídio: “Mulher quase fez churrasco do marido” (17/01), “Estou sangrando muito, acho que vou morrer” (18/01), “Bala come solta no meio do velório” (19/01); d) assalto: “2 mortos e desespero em assalto” (21/01), “Ladrão se atrasa e perde assalto” (27/01); e) homicídio: “Chuva de Bala: 5 mortos na Grande João Pessoa” (23/01), “Curtiu férias e agora vai ver o sol nascer quadrado 6” (25/01), “Pastor correu e menor foi fuzilado” (26/01), “Bala come solta e 5 são executados” (30/01), “Coronel com cão no couro atira em jovens” (31/01); f) confrontos: “Um dia de fúria em Santa Rita” (13/01), “Pau comeu no Sítio Mucatu” (28/01). Por outro lado, a partir do estudo das capas relativas à violência física, fica claro que o Já tenta estabelecer conexões com seu público-leitor através da comoção, 6 A capa em questão se encaixa na categoria “homicídios” por se tratar de um acusado de matar uma mulher em um acidente de trânsito. De igual forma, a prisão se encaixa dentro de nosso objeto de estudo – a violência física – porque ela é uma implicação da primeira violência cometida: o acidente de trânsito. www.conecorio.org 8 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. do humor e da curiosidade. A linguagem, visivelmente regionalizada, consolida o lugar de fala do veículo e expressa para quem o tabloide é endereçado, legitimando a representação dos setores populares paraibanos e produzindo laços de identificação do periódico com as expectativas sociais. O discurso é claramente impactante, irônico, provocativo, de caráter sensacionalista, composto por gírias, contrações, expressões populares, adjetivações e figuras de linguagem, que aguçam as características populares do impresso e produzem, consequentemente, uma estratégia enunciativa complementar: o coloquialismo. Como forma de acentuar esteticamente essa coloquialidade pretendida pelo veículo, as manchetes geralmente são realçadas por recursos gráficos em exagero e construídas em fontes versais e sem serifas, elementos que determinam a simplicidade da tipografia. Chamadas Assim como as manchetes, as chamadas de capa constituem uma estratégia utilizada pelos veículos impressos para vender as notícias. Por terem menor destaque, mas, ainda assim, estarem dispostas na “vitrine” da publicação, revelam a hierarquia de importância dos fatos pelos editores. No caso do Já, no período analisado, elas estão dispostas de três maneiras diferentes: a) no topo direito da página, dentro de uma fina caixa de texto retangular e transversal, de cor verde; b) na parte inferior ou nas laterais da página, inseridas em boxes coloridos, que as separa do centro da página; c) acompanhando fotografias na parte central. A análise empreendida neste estudo nos permitiu enxergar que, nas 26 edições que constituem nosso corpus, o jornal apresentou diariamente entre três e seis chamadas, com pelo menos uma delas trazendo uma pequena imagem. Ao total, foram 118, das quais apenas 31 se relacionavam a matérias policiais e 20 relativas ao recorte por nós proposto, isto é, a violência física e suas implicações. A simples compreensão estatística nos permite observar que o destaque dado ao nosso objeto de www.conecorio.org 9 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. estudo é muito mais forte nas manchetes, em que, das 26 edições, 15 trazem a violência como assunto principal. Isso nos permite inferir que o Já tenta diversificar as abordagens, ainda que dentro de temáticas limitadas, sobretudo o futebol, mas que igualmente estão voltadas à satisfação do interesse do público. Assim, enquanto as manchetes são uma clara tentativa de captar a curiosidade do leitor, através de frases com humor e expressões regionais raramente vistas nos demais veículos de comunicação, as chamadas do Já conservam a neutralidade, uma vez que se limitam a informar, de forma sintética, o fato ocorrido e remeter a página em que a matéria está inserida. Apesar disso, para que não se revistam de um caráter formal, a linguagem utilizada é simples, composta de um vocabulário corriqueiro, compreensível por qualquer leitor, com fortes marcas da linguagem coloquial, despreocupada com formalismos ortográficos ou gramaticais. Isso pode ser visto em sete exemplos específicos: “Jovem reage a assalto e acaba sendo morto a tiros” (10/01); “21 acusados de pistolagem vão pra cadeia” (11/01); “Mulher assiste o assassinato do filho em Campina” (13/01); “Chupa-cabra é preso acusado de estupro” (19/01); “BANDIDAGEM: Sargento sofre atentado a bala em praça de Santa Rita” (26/01); “NO SERTÃO: Pistoleiros executam membro da família Torrado” (27/01). Nas chamadas supracitadas, podemos ressaltar os seguintes pontos: “pra”, em vez de “para”; o erro de concordância verbal em “assiste o assassinato do filho” (em vez de “assiste ao assassinato do filho”); o emprego de expressões comuns do discurso oral, como “acaba sendo morto” (em vez de “é morto”) e “sofre atentado a bala” (em vez de “a tiros”); o jogo de palavras, como “Chupa-cabra é preso” (quando “Chupa-cabra” é o apelido do acusado) e “Pistoleiros executam membro da família Torrado” (não solucionando a ambiguidade causada pelas letras maiúsculas entre o sobrenome e o adjetivo, sinônimo de “queimado”). A função dessas estratégias é clara: marcar o lugar de fala do Já. O jornal usa conscientemente uma linguagem específica, característica de um público particular (as classes C, D e E), com a intenção de tentar estabelecer conexões e se fazer entender da forma mais simples possível, embora com mais discrição do que nas www.conecorio.org 10 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. manchetes. Ainda assim, contudo, o todo se torna harmônico, uma vez que nenhum elemento descaracteriza o conjunto. Aspectos visuais: imagens e cores O Já apresenta uma identidade visual marcante e que pouco varia. Acima, da esquerda para a direita, ficam fixos os seguintes elementos: o preço, dentro de uma espécie de balão amarelo, sinalizando “R$ 0,25 centavos”; a logomarca “Já”, acompanhada do nome do Estado, a Paraíba; uma figura com o Sol e uma nuvem, contendo a temperatura; e uma chamada de matéria na cor verde, disposta na transversal, só não presente em uma edição (23/01). Já as chamadas das matérias, conforme observamos anteriormente, ficam dispostas de outras duas formas: ou em uma das laterais, ou na parte inferior da página, separadas do centro da página por caixas de texto coloridas. Ao centro, ficam as manchetes, os subtítulos e as fotografias, além da imagem diária de uma mulher diferente, mas seminua. Um artifício estético interessante é que, com a exceção da edição de 04 de janeiro, todas as mulheres são diagramadas de modo a estarem inseridas no contexto da fotografia de capa. Até mesmo o tamanho das modelos é ajustado, visando à proporcionalidade e ao diálogo que, então, faz-se com as matérias. Na edição de 31 de janeiro, por exemplo, a manchete “Tragédias no mar” (em referência a um acidente com jet ski e dois afogamentos) é acompanhada pela imagem da praia, com um cadáver coberto ao centro. Entretanto, a edição imagética faz com que uma modelo totalmente despida, deitada em cima de uma bola, também componha o quadro, uma vez que o fundo da imagem é recortado. Das 15 capas que têm a violência física e suas implicações como manchete, oito trazem fotografias de fundo relacionadas à reportagem principal. Em todas elas, há a representação da vítima ou do cenário onde ocorreu a violência. Mesmo nos casos de homicídio, são apresentados os corpos ou parte dos corpos, cobertos ou não, o que reforça a ideia de aposta do jornal em temas ligados à violência. Na edição de 30 de janeiro, inclusive, é exibido o sangue e o rosto de uma das pessoas mortas. Já www.conecorio.org 11 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. nas seis capas que trazem imagens destoantes do assunto da manchete7, o tema preponderante continua a ser a violência. Em todas, as fotos apresentam cenários policiais, como a figura de um acusado de estupro somente de cueca (19/01) e uma plantação de maconha (26/01). A estratégia visa a fazer com que a representação da violência prometida na manchete seja cumprida, ainda que não haja fotografias relacionadas ao tema em questão. Utilizando-se de outras imagens com temáticas policiais, o jornal garante que não haja desarmonia no todo, permitindo, inclusive, que o leitor pense que aquela construção visual se trate de um mesmo assunto. O efeito buscado parece ser o mesmo: ratificar a gravidade dos fatos, passando ao leitor o choque da notícia através de imagens sem qualquer tipo de censura. Esse efeito é ainda mais ressaltado pela seleção das cores, que funcionam como mediadores de significado e representam a realidade de forma mais atenuante. Elas são instantaneamente absorvidas pelos leitores e os direcionam ao sentido do conteúdo noticiado. Como códigos construídos culturalmente, a eficiência da informação cromática depende, sobretudo, da contextualização da temática pretendida pelo periódico. Por ser majoritariamente um veículo destinado a assuntos ligados ao sexo e à violência, as capas do Já antecipam e fixam essa mensagem que se pretende transmitir ao público, através de um conjunto de tons expressivos, sobre os quais prevalecem as cores quentes. Essa predominância é notada, principalmente, ao fazermos uma divisão imaginária utilizando a regra dos terços8, a partir da qual verificamos que os quadrantes superiores, que detêm elementos fixos, apresentam fundo em cor vermelha, inferindo na construção subjetiva de um imaginário voltado aos temas supracitados. O amarelo que enfatiza o preço baixo do veículo funciona, 7 As seguintes edições não trazem fotografias concordantes com as manchetes: Lobo Mal ataca menina no sertão (11/01); Bala come solta no meio do velório (19/01); Pastor correu e menor foi fuzilado (26/01); Ladrão se atrasa e perde assalto (27/01); Pau comeu no Sítio Mucatu (28/01); Coronel com cão no couro atira em jovens (31/01). 8 É uma técnica utilizada na fotografia com a finalidade de equilibrar, destacar os fatos e obter melhores resultados, a partir da divisão imaginária do cenário a ser fotografado em nove quadros, traçando duas linhas horizontais e duas verticais. www.conecorio.org 12 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. complementarmente, para chamar a atenção do público a um dos artifícios que definem as características populares do impresso. Em contrapartida, a faixa verde do quadro superior direito dá abertura a chamadas com teor meramente noticioso, como forma de destacar a pretensão do jornal por um dado equilíbrio informativo. Ainda tomando como suporte a regra dos terços, observamos que, nos quadrantes do meio horizontal, predominam as cores que designam o teor da matéria principal do dia, determinadas pela fotografia inserida sob a manchete. Esta, por sua vez, é construída por cores frias, combinadas do azul ao preto, quando se tem intenção de mostrar um crime por uso ou tráfico de drogas, como visto em “Boca de Fumo no Sutiã” (16/01); e por cores quentes, do amarelo ao vermelho, quando o fator em evidência é o sangue, o fogo ou o crime por arma de fogo: “Estou sangrando muito, acho que vou morrer” (18/01). Finalmente, os quadros da linha horizontal inferior não transmitem de imediato o efeito da cor-informação. São tonalizados apenas de maneira a combinar com o conjunto de cores que a capa do dia apresenta, sem chamar mais atenção que a manchete, garantindo, junto ao texto das chamadas, uma neutralidade advinda do próprio teor noticioso. 7. Considerações finais A análise realizada neste artigo nos permitiu enxergar características marcantes do jornal popular paraibano Já, na construção de um discurso sobre a violência física e suas implicações. Partindo do pressuposto de que, por ser um periódico vendido avulso, necessita de estratégias de sedução marcantes, vimos que, em suas capas, o tabloide opta pelos temas ligados à violência e os apresenta a partir de um lugar de fala marcante, buscando o diálogo com seu público-alvo – as classes C, D e E. Nesse contexto, existe a opção pelo coloquialismo, que se reflete nas expressões populares, nas contrações, nas gírias, adjetivações e figuras de linguagem. A manchete é o elemento que concentra os esforços apelativos do Já e, embora as chamadas carreguem um tom neutro, elas contribuem para que haja harmonia no todo, www.conecorio.org 13 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. seja do ponto de vista textual ou visual. As fotografias, por sua vez, reforçam o discurso da violência, ao retratar os cenários dos fatos, as vítimas e os acidentes, ainda que não se relacionem com as reportagens principais. Compreendendo o homem como um sujeito simbólico, que se constitui como ser social à medida que entra em contato com pessoas, culturas e abordagens, o discurso da violência empreendido pelo Já potencialmente ajuda a construir um imaginário sobre o tema, tal como teorizou Gilbert Durand. Alberto Filipe Araújo e Maria Cecília Sanchez Teixeira (2009) nos ajudam a compreender que, para Durand, esse imaginário funciona como o museu de todas as imagens passadas, possíveis, produzidas e a produzir, nas suas diferentes modalidades de sua produção, pelo homo sapiens. Assim, esta pesquisa propõe uma reflexão: de que forma esse constructo jornalístico se reflete na vida cotidiana do público-leitor? Como a representação massiva do fenômeno, utilizando estratégias como o humor e a ironia, é interpretada? O lugar de fala assumido pelo Já contribui de alguma forma para a naturalização da violência? Como essas imagens se fixam no ideário popular? A partir destas perguntas, esperamos suscitar pesquisas de caráter antropológico que ajudem a aprimorar os parâmetros de qualidade do jornalismo, de modo a otimizar a prática profissional e, ao mesmo tempo, contribuir com o desenvolvimento e empoderamento social. Referências bibliográficas AMARAL, Márcia Franz. Sensacionalismo: Um conceito errante. Porto Alegre: UFRGS, 2005. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/intexto/article/download/4212/4464> Acesso em: 20 jul. 2013. ANGRIMANI, Danilo. Espreme que sai sangue: um estudo do sensacionalismo na imprensa. São Paulo : Summus, 1995. ARAÚJO, Alberto Filipe; TEIXEIRA, Maria Cecília Sanchez. Gilbert Durand e a pedagogia do imaginário. In: Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 44, n. 4, p. 7-13, 2009. www.conecorio.org 14 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. CHAPARRO, Carlos. Interesse Público não se confunde com “interesse do público”. O xis da questão. [ca. 2011]. Disponível em: <http://www.oxisdaquestao.com.br/admin/arquivos/artigos/2012_7_31_14_31_7_541 54.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2013. DEJAVITE, Fábia Angélica. O poder do fait divers no jornalismo: humor, espetáculo e emoção. 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